KAIROS Boletim da Sociedade Portuguesa de Psicologia Clínica “A arte é longa, o tempo curto, a ocasião (KAIROS) fugidia, a experiência enganosa.” SOCIEDADE PORTUGUESA DE PSICOLOGIA CLÍNICA Nº1 – Julho 2006 Coordenação: Sector de Publicações da SPPC ÍNDICE Índice……………….………………............1 Nota Editorial…………..........................1 Artigos de Opinião - Um psicólogo que seja bom Vítor Franco……..………………………..2 Miguel Ângelo - Reflexões sobre o Verdadeiro e o Falso NOTA EDITORIAL Recentemente foi Self lançada a Newsletter da Sociedade Portuguesa de Psicologia Clínica que terá uma periodicidade trimestral. Este é o primeiro número de uma nova série do boletim ambos veículos de comunicação - A Importância Importância do Brincar na Intervenção com Crianças Raíssa Marcelino dos Santos……..........7 “Kairos”. A sua periodicidade será semestral. São José Carlos Coelho Rosa………….........4 interna, espaços informativos e de publicação (boletim). Sublimações…………..………………….10 Outros objectivos estão programados: uma linha editorial de Eventos Científicos………………………11 apoio à formação (interna e externa) e o estudo da Actividades Culturais………...............12 possibilidade do lançamento de uma Revista Científica. O grupo de trabalho do Sector “Publicações” está estruturado, Normas para Publicação no Boletim motivado e começa a mostrar produtos do seu esforço poucos Kairos, Contactos e Ficha Técnica…..13 meses após a tomada de posse da Direcção. Outros sectores Eros e Psique têm outros trabalhos produzidos, em gestão ou em projecto. Em prol dos interesses associativos é este o exemplo que nos Adaptação de Isaque Neves…….........14 parece dever ser atendido. António Jorge Andrade 1 Artigos de Opinião Um psicólogo que seja bom Vítor Franco* Há poucos dias, telefonou-me uma pessoa amiga pedindo se lhe poderia indicar um psicólogo, que fosse bom, para uma amiga, uma senhora de sessenta e tal anos, como fez questão de logo esclarecer. Dei conta que já tive de procurar responder a pedidos iguais a este muitas dezenas de vezes; ora para crianças, ora para adultos, casais ou famílias; ora para problemas específicos ora para situação sobre as quais não havia qualquer informação adicional. Constatei ainda, e aí com espanto, que a dificuldade em responder a esta solicitação não é hoje muito menor do que era há 10 ou 15 anos, e que os nomes que acabo por incluir na minha lista de sugestões não aumentaram por aí além e ela continua a ser demasiado curta e repetitiva. No entanto, nos últimos 10 anos o número de licenciados em Psicologia cresceu exponencialmente, numa autêntica explosão formativa que produziu milhares de psicólogos, nada tendo a ver com os escassos 250 que em cada ano entravam nas Universidades portuguesas quando da criação das licenciaturas, em finais dos anos 70. O número de psicólogos e a sua disseminação por sectores e áreas de actividade não correspondeu, no entanto, a um significativo aumento das respostas de qualidade em domínios da avaliação e intervenção clínica, nomeadamente a psicoterapia. Também há já muitos anos encaro outra dificuldade recorrente: sempre que é preciso escolher um psicólogo aparecem centenas de candidatos, num ostensivo excesso de oferta, mas quando é preciso um profissional com formação e experiência clínica sólidas e consistentes a dificuldade é enorme. Por certo estas dificuldades não se encontram igualmente repartidas por todo o território nacional e à carência em algumas cidades e regiões pode opor-se o excesso de oferta * Presidente da Direcção da Sociedade Portuguesa de Psicologia Clínica 2 na capital e nos maiores centros. A maior procura de psicólogos conduz, sem dúvida, a uma cada vez maior exigência de formação dos profissionais que querem ter uma actividade clínica, independentemente dos contextos em que trabalham (sejam serviços de saúde, escolas, instituições de solidariedade ou consultórios privados). Desde 1989 a Sociedade Portuguesa de Psicologia Clínica tem vindo a cumprir um papel fundamental na formação dos psicólogos clínicos de orientação psicodinâmica. Papel esse hoje ainda mais decisivo, pois alicerça a actividade de um psicoterapeuta que não centra a sua preocupação no sintoma mas na pessoa, na compreensão da sua vida mental e das suas relações, na sua subjectividade e motivações, e, por isso, assume que a mudança se inscreve no desenvolvimento e que a clínica não tem a ver apenas com a patologia. Dois grandes desafios se nos colocam no avançar neste caminho de coerência com que a SPPC se comprometeu: O primeiro consiste em darmos à Sociedade uma dimensão verdadeiramente nacional, descentralizada, de forma a que os psicólogos espalhados por todo o país possam aceder, em condições adequadas, às suas iniciativas formativas, profissionais e científicas. Um primeiro grande passo neste sentido será dado, a breve prazo, com o início do programa de formação no Porto. O segundo concretiza-se em assumirmos a Sociedade como um ponto de intersecção dos Psicólogos Clínicos de orientação psicodinâmica, contribuindo para a sua formação e actualização permanentes. Vão nesse sentido, a preparação do II Forum de Psicologia Clínica, de carácter internacional, a realizar no início de 2007 em Lisboa, e o projecto de um programa de publicações de que faz parte o próprio retomar da edição deste boletim. Os desafios que se vão colocar à formação profissional dos psicólogos nos próximos anos serão grandes e estão já definidas as suas duas grandes balizas: a adequação das licenciaturas e mestrados à Declaração de Bolonha e a regulação da actividade profissional decorrente da criação da Ordem dos Psicólogos. Cremos que daí resultará maior clarificação das competências e responsabilidades dos psicólogos psicoterapeutas. Pela nossa parte, continuaremos a privilegiar uma formação psicoterapêutica sólida e coerente que dê aos profissionais bases 3 teóricas e técnicas claras, mas que salvaguarde a supervisão enquanto cerne do processo de formação clínica, entendendo o processo terapêutico pessoal como uma dimensão fundamental e diferenciadora desse percurso face a outras formações. Mas a qualidade da prática clínica não se esgota na formação inicial e, por isso, queremos continuar a colocar ao dispor dos psicoterapeutas meios para irem integrando a sua experiência clínica com actualização e formação permanentes. Este é, assim, um projecto de unidade, inovação e coerência a que queremos agregar todos os sócios na SPPC, assim como aqueles que com ela têm colaborado e, de um modo geral, todos os que se dedicam à prática psicoterapêutica. Reflexões sobre o verdadeiro e o falso “self” ∗ José Carlos Coelho Rosa∗∗ Quando se fala de “self”, palavra inglesa que pretende designar o que é próprio de cada um, há a tendência para pensar de imediato que nos estamos a referir ao autêntico, genuíno de cada um de nós. E é verdade. Quer se trate do próprio genuína e autenticamente verdadeiro; quer do próprio genuína e autenticamente falso. E isto porque o ser falso ou verdadeiro não retira a genuinidade e autenticidade da sua propriedade. Uma ideia muito divulgada nos meios próximos da psicanálise é a de que o desejável é funcionar sempre pelo verdadeiro “self”, sendo o falso “self” uma manifestação de doença neurótica, quando não mesmo psicótica. Com o devido respeito, devo dizer que não sou da mesma opinião. ∗ Comunicação apresentada no XV Colóquio da Sociedade Portuguesa de Psicanálise "Entre a Fantasia e a Realidade: o Processo Criativo" A Obra de Donald Winnicott. Coimbra, Novembro de 2002. Publicado na Rev.Port.Psiacnálise, vol. 26(1) em 2005. ∗∗ Psicólogo e Psicanalista 4 O verdadeiro “self” é aquela parte do próprio que está mais próxima do pulsional, como diz Winnicott, enquanto o falso “self” seria produto da educação e resultado da sociabilização. Como já Freud dizia em vários dos seus escritos1, o Homem é um animal de horda que se foi sociabilizando. Assim, foi-se progressivamente adaptando a regras que ele próprio foi criando e que lhe permitiram ir construindo a sociedade civilizada. Toda a aquisição tem um preço e, obviamente, a construção da civilização e a aquisição da cultura foram pagas com o afastamento cada vez maior do estilo de vida e dos comportamentos mais espontâneos, próprios da horda primitiva. Nem todos podemos ser artistas, nem todos somos capazes de grande criatividade, nem todos somos já capazes de “gesto espontâneo”. Dificilmente algum artista hoje pode dizer que produziu uma obra sem trabalho. Basta olharmos a dificuldade de pintar e desenhar com a genialidade pseudo-espontânea, mas profundamente cheia de sentido de humor de Miró. Há uma “falsidade” necessária à sobrevivência da sociedade e da cultura. O verdadeiro “self”, a manifestar-se na sua genuinidade sem a filtragem do processo secundário, seria, na maior parte das vezes, de uma violência anti-social sem nome. Certos procedimentos em pessoas analisadas, não representam uma maior desinibição, nem informalidade, nem sequer uma maior libertação da expressão e da linguagem, mas antes impulsividade, egoísmo, anti-sociabilidade ou, no mínimo, falta de educação e representam, para além de uma análise não conseguida, um ataque aos valores da civilização que tão caro têm custado ao Homem desde a horda primitiva. A sociabilização e a educação, para além de resultado da civilização, são fenómenos estéticos e culturais e, por isso mesmo, criativos e, consequentemente, muito próximos também do verdadeiro “self”. Só a contestação impensada e impulsiva pode confundir educação com rituais, mais ou menos “possidónios” ou “pirosos”, de fala ou de gesto, esses sim provenientes de um também genuíno, autêntico e, quantas vezes descaradamente estudado, falso “self”. “Crianças para Sempre” é o título de um livro recente do meu amigo Eduardo Sá. Mas com cultura, educadas, sociabilizadas e integradas na civilização. 1 “Moisés e o Monoteísmo”, “Totem e Tabú”, “Psicologia de Massas e Análise do Eu”, “O mal-estar na Civilização”, etc. 5 Contestar com respeito, afirmar-se sem se impor, saber receber e dar, negociar e trocar são outras tantas formas de manifestação do verdadeiro “self” suficientemente adaptado por um certo condimento de contenção a que poderíamos chamar “falsidade”. Estou em crer, por isso, que não há na saúde mental do homem actual, propriamente lugar para o verdadeiro nem para o falso “self”. Há sim, um espaço de sobrevivência e de convivência ironicamente virado para o que se procura ser verdadeiro sem descurar a possibilidade e a existência do falso que sempre existe em toda a chamada “verdade”. Winnicott chamou a esse espaço, o “espaço transicional” do jogo. Jogo, transacção, negociação, flexibilidade contra a cristalização, a rigidez e o integrismo de qualquer espécie. Esse “espaço transicional” não permite dogmas, religiões de qualquer natureza. No entanto, Winnicott, que tanta importância deu ao jogo, nunca se debruçou sobre um dos temas mais característicos dessa actividade: o humor. O humor não é bem tolerado pelas religiões, pelos dogmáticos, pelos ditadores e pelos autocratas. Basta como exemplo ver como Umberto Eco pôde escrever o extraordinário romance “O Nome da Rosa” baseado só no perigo que constitui o humor, a ironia e o riso para os dogmas. Com efeito, com os dogmas não se brinca... Só se pode brincar com a inteligência e a flexibilidade com que uma criança se olha, sem se levar demasiadamente a sério, mas com a dignidade de quem realmente se olha, para que a brincadeira e o humor também não descambem na troça. Na verdade, o humor só é possível pela manifestação do verdadeiro “self” através de um processo em que ele mesmo se esconde. Efectivamente, é um processo em que o verdadeiro “self” transparece, mas não aparece; se exprime escondido atrás da máscara trágica que é a “persona”2 do teatro grego. A vida humana parece, pois, só poder ser autenticamente vivida nesse espaço de jogo, recheado de humor e ironia em que o “verdadeiro” e o “falso” coexistem, permitindo a desdramatização e relativização do verdadeiro trágico, pela arte do uso moderado e ajustado da máscara da personalidade civilizada. 2 Não esqueçamos que, para os gregos, a “persona” é o que se mostra, não é o verdadeiro; esconde a verdadeira face do actor, para dar vida à personagem. 6 Neste encontro científico, que tem como pano de fundo a evocação do pensamento e obra de Winnicott, não quero deixar de acentuar a grande contribuição que, em minha opinião, ele deu para a compreensão das civilizações modernas e para a prática da liberdade nas relações entre as diversas culturas. Com efeito, quem poderá viver, sem entrar num violento processo destrutivo, fora deste “espaço transicional” de coexistência do “verdadeiro” e do “falso”? Creio que é também neste sentido que o Prof. Doutor Eduardo Sá espera que sejamos “Crianças para Sempre”, aproveitando o espaço de jogo que a vida em sociedade e o convívio com os outros e com a diferença nos proporciona. Como já é bastante frequente, concordo inteiramente com ele. A Importância do Brincar na Intervenção Psicoterapêutica com Crianças Raíssa Marcelino dos Santos* A tentativa de definir “brincar” conduz muitas vezes a descrições alargadas que se confundem com outros conceitos ou a definições tão reduzidas que se tornam demasiado limitativas. Não existe uma definição compreensiva do brincar completamente aceite e generalizada. Inclusivamente, as primeiras definições surgiram caracterizando-o como algo negativo e prejudicial, como um mal necessário às crianças, sendo considerado de pouco interesse em termos científicos e de investigação. A definição que aqui interessa e se procura, constitui-se como uma tentativa de entender o brincar como instrumento de grande relevância para a intervenção psicoterapêutica com crianças. Aquilo que poderá distinguir o brincar de outras actividades do ser humano (como o trabalho, as actividades sociais ou as relações sexuais, por exemplo) será a consciência de que aquilo que se está a fazer não é real. É uma brincadeira – o comportamento é acompanhado por * Psicóloga Clínica 7 um significado de nível simbólico, sendo isso que permite que a actividade esteja liberta de consequências. E é este um dos factores que torna o brincar algo de muito importante, de essencial. Não pode de modo algum ser algo de trivial como noutros tempos se pensava (e, creio eu, ainda hoje muitas vezes se pensa). Ao brincar a criança está a ser constantemente estimulada e não apenas a queimar energia. Ao mesmo tempo que brinca conhece o mundo, as suas regras e as pessoas que a rodeiam. O brincar permite a expressão de conflitos e afectos, oferecendo-se como uma via de exprimir aquilo que não é acessível pela palavra. Brincando a criança expressa-se, expressa o seu mundo e a forma como o vê. Ao mesmo tempo recria esse mundo, procurando, inventando e experimentando novas formas de compreensão da realidade e das relações. Prepara-se para o futuro e aprende formas de resolver as situações que se lhe apresentam. Paralelamente, ao brincar a criança pode imitar o adulto, sem receio de uma comparação que a colocaria sempre numa posição desfavorável. Este distanciamento leva a criança a um mundo onde ela tem todo o poder, onde pode criar sem receio, onde as regras dos adultos não têm valor. O brincar de uma criança é sem dúvida um indicador do seu desenvolvimento e uma forma de a compreendermos. Por outro lado, o brincar é por si só uma forma de desenvolvimento e de estruturação, em que se ensaiam diferentes papéis, se mobilizam defesas e se integram e elaboram os acontecimentos. Pelo brincar é possível entrar no mundo dos adultos e treinar os seus comportamentos. Pelo brincar é possível dar nome aos fantasmas internos e derrotá-los de modo simbólico. Para além de todas estas funções o brincar tem influência nas diversas áreas da vida psicológica da criança, sendo um erro considerá-lo uma simples ocupação de tempo livre. Obviamente a criança não tem consciência disto. Brinca porque é divertido, porque lhe dá prazer. Deste modo, negar à criança que brinque é negar-lhe a oportunidade de se desenvolver, perdendo por vezes momentos únicos de aprendizagem, que podem não se repetir. Em nenhum momento a criança se deve sentir culpada por brincar ou por estar a perder tempo, quando deveria estar a fazer coisas mais úteis. Por tudo isto, na psicoterapia, em que a criança é a pessoa mais importante e em que “comanda” a situação, onde ninguém lhe diz o que fazer ou como fazer, onde não é criticada (mas onde existem limites, e por isso se sente segura), o brincar desempenha um papel 8 fundamental. Há mensagens importantes no brincar da criança, para as quais o psicoterapeuta deve estar atento e, sobretudo, disponível. As crianças estão em constante crescimento e mudança, interna e externamente, e este processo dinâmico deve ser acompanhado por uma abordagem terapêutica igualmente dinâmica. Apesar de muitas crianças possuírem vocabulário, não têm estruturalmente a maturação suficiente para poderem associar verbalmente. Os brinquedos servem de mediadores entre a criança (e as suas vivências internas) e o psicoterapeuta, porque são, por excelência, o seu meio de comunicação. Os brinquedos são usados como palavras e o brincar é a sua linguagem. A possibilidade de brincar livremente, ao que quiser, como quiser, facilita a expressão, a projecção de emoções e de sentimentos. Ao mesmo tempo, a criança experiência um momento de independência e de autonomia. Escolherá os brinquedos que lhe forem mais convenientes, fará e dirá aquilo para que estiver preparada e da forma que lhe for possível na altura. O psicoterapeuta, ao conter e interpretar, ao dar significado ao que é inominável, permite à criança transformar e transformar-se. A criança que está perante o psicoterapeuta não representa um problema para ser analisado, mas é sim uma pessoa que deve ser compreendida. Porque a brincar podemos fazer tudo... Podemos relacionar-nos, zangar-nos, podemos amar, matar e morrer. E, sobretudo podemos viver. Bibliografia: - Axline, V. (1975). Play Therapy. New York: Ballantine Books. - Chateau, J. (1987). O Jogo e a Criança. São Paulo: Summus Editorial. - Coelho Rosa, J. C. & Sousa, S. (coord.) (2006). Caderno do Bebé. Lisboa: Fim de Século. - Garvey, C. (1992). Brincar. Lisboa: Edições Salamandra. - Klein, M. (1973). La técnica psicoanalítica del juego, su historia y significado. In Bierman (ed.), Tratado de Psicoterapia Infantil, Vol. 1 (pp. 170-186). Barcelona: Espax. - Landreth, G. (2002). Play Theraphy: the art of the relationship. New York: Brunner-Routledge. - Sá, E. (2000). Psicologia dos Pais e do Brincar. Lisboa: Fim de Século. - Solnit, A. (coord.) (1987). Psychoanalytic Study of the Child, Vol. 42, 48 e 50. Newhaven: Yale University Press. - Winnicott, D. (1975). Jeu et Réalité. Paris: Gallimard. - Yawkey, T. (1984). Child’s Play – Developmental and Applied. New York: Lawrence Erlbaum. - Sá, M. (1991). Actas de Psicologia Clínica. Lisboa: Sociedade Portuguesa de Psicologia Clínica. 9 Sublimações Fotografia de Henrique Bento “São coisas do Mundo Retalhos da Vida São coisas de qualquer lugar” Excerto de “Retalhos” (compositores: Paulo Debétio; Paulinho Rezende / intérprete: Alcione - 1976) Escritor austríaco nascido em Praga, em 1875, tendo falecido em Valmont, na Suiça, em 1926. A sua criação poética iniciou-se com composições de estilo impressionista, nas quais se antecipam alguns dos temas centrais da sua obra, como por exemplo: a morte, a pobreza, a mística, temas estes envoltos na tendência decadentista da época. A partir de um certo momento, a sua poesia tornou-se impessoal, objectiva, criada a partir das coisas que alcançam a sua expressão na poesia, tendo-se esta atitude desenvolvido em paralelo com um profundo misticismo, culminando nos Sonette an Orpheus (1923) e nas Duineser Elegien (1923). Estas obras questionam quais as possibilidades do homem viver sem Deus, sendo que, desta maneira, a única forma de redenção se vislumbra apenas na criação poética. A Nona Elegia “Porquê, se é possível viver o prazo da existência, Até ao seu termo, como loureiro, um pouco mais escuro do que Todos os outros tons de verde, com pequenas ondas no rebordo Da folhagem (como o sorriso de um vento) – : porquê então esta Forçosa existência humana –, e, evitando o destino, Ter saudade do destino?... Oh! não porque há a felicidade, Proveito antecipado de uma perda próxima. Não por curiosidade, ou para exercitar o coração, que também haveria no loureiro… Mas porque estar aqui é muito, e porque tudo o que é daqui aparentemente precisa de nós, estas coisas efémeras, que estranhamente nos dizem respeito. A nós, os mais efémeros. Cada uma uma vez, só uma vez. Uma vez, não mais. E nós também uma vez. E nunca mais. Mas o ter sido uma vez, mesmo uma só vez: o ter sido terreno, parece irrevogável.” (…) Rilke, R.M. (2002). As Elegias de Duíno (2ªed.). Lisboa: Assírio & Alvim 10 Eventos Científico Científicos Julho: II Conferência de Neuropsicologia Data: 1 Julho 2006 Local: Auditório Agostinho da Silva – ULHT, Lisboa, Portugal Organização: Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias (ULHT) 45th IPA Congress – Remembering, Repeating & Working Through in Psychoanalysis & Culture Today Data: 25 a 28 de Julho de 2007 Local: Berlim, Alemanha Organização: International Psychoanalytical Association (IPA) Agosto: 114th Annual Convention of the American Psychological Associatiom (APA) Data: 10 -13 Agosto 2006 Local: New Orleans, Louisiana, EUA Organização: APA Outubro: 3rd International Conference on the Work of Frances Tustin Data: 13 a 15 de Outubro de 2006 Local: Veneza, Itália Novembro: VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia Data: 28, 29 e 30 de Novembro de 2006 Local: Universidade de Évora, Portugal Organização: Associação Portuguesa de Psicologia Colóquio “Psicanálise e Cultura ” - O Homem e a(s) Mentira(s) Data: 17 e 18 de Novembro de 2006 Local: Fundação Eng. António de Almeida, Porto, Portugal Organização: Instituto de Psicanálise do Porto 11 Actividades Culturais Pintura Dança Fotografia Grandes Mestres da Pintura «Zero Degrees», de Sidi Larbi «Na Dupla Sombra das Bonnard. Colecção Rau Centro Cultural de Belém Instituto de Investigação Europeia: de Fra Angelico a Museu Nacional de Arte Antiga (MNAA) 18-05-2006 a 17-09-2006 «Quartos imaginários» - pintura de Nikias Skapinakis Museu Arpad Szénes Szénes - Cherkaoui e Akram Khan (CCB) 05-07-2006 a 06-07-2006 Árvores» Científica Tropical - IICT Rua da Junqueira, nº 86 - 1º Lisboa «O Quebra Nozes» Nozes» Coliseu do Porto 28-11-2006 Vieira da Silva 05-05-2006 a 23-07-2006 Teatro «1755 O Grande Terramoto», de Filomena Filomena Oliveira e Miguel Real Teatro da Trindade De 19 Abril a 29 Julho 4ª-Sab: 21h00; Dom: 16h00 «Metamorphoses», de Ovídio Ruínas do Convento do Carmo (Lisboa) 21 e 22 Julho - 22h00 «Electra», de Sófocles, «Ilíada, Odisseia e Eneida» - National Radu Stanca de Sibiu Tosto (TNDMII) De 19 a 21 de Julho - 21h45 «Urgências 2006» «The Pillowman», de Martin De 6 a 30 Julho Teatro Municipal Maria Eurípedes - pelo Théatre encenação de Gianluigi Teatro Nacional D. Maria II Teatro Nacional D. Maria II 4 e 5 Julho - 21h30 Teatro Municipal Maria Matos McDonagh 4ª-Sab: 21h30; Dom: 17h00 Matos 4ª-Sab: 21h30; Dom: 17h00 Música Ute Lemper – Auditório dos Oceanos, Casino de Lisboa 13 de Julho – 22h00 Pixies - Pavilhão Atlântico 20 de Julho - 21H00 Depeche Mode «Playin «Playing g The Angel» Estádio José de Alvalade 28 de Julho - 21h30 De 7 Setembro a 15 Outubro Cinema Caetano Veloso Centro Cultural de Belém 2 de Agosto – 22h00 Rolling Stones Estádio do Dragão 12 de Agosto «Loucuras de um Génio» Génio» «Natureza Morta» Morta» Cinema King «Modigliani» Modigliani» Cinema Quarteto Simply Red Pavilhão Pavilhão Atlântico 07 de Setembro - 21h00 12 NORMAS PARA A PUBLICAÇÃO DE TEXTOS NO BOLETIM “KAIROS” - O(s) autor(es) deverão ser membros da SPPC. - Os textos devem ser originais, podendo ser de opinião ou reflexão acerca de assuntos gerais da actualidade e, sobretudo, de temáticas relevantes para a Psicologia Clínica e para a Psicoterapia Psicodinâmica. - Os textos não devem exceder as 3 páginas dactilografadas a espaço e meio, com letra Times New Roman ou Arial tamanho 12, marginadas a 4 e 1,5 cm. - Os textos devem ser enviados em suporte electrónico (compatível com Word), por email ou em disquete ou CD. - A publicação dos textos será sempre sujeita ao parecer da Coordenação do Boletim, tendo em conta a sua relevância, qualidade e possíveis condicionamentos face ao espaço disponível, estrutura e objectivos do Boletim. - Os textos originais não serão devolvidos, quer sejam ou não publicados. - Os textos serão sempre da exclusiva responsabilidade dos seus autores. - Os membros da SPPC poderão ainda fazer chegar à Coordenação do Boletim informações de interesse geral ou para a classe, para eventual publicação. Morada para envio: A/C Sector Publicações Sociedade Portuguesa de Psicologia Clínica Rua Andrade Corvo Nº50, 6ºdto 1050-009 Lisboa Email: [email protected] Ficha Técnica Equipa Isaque Neves, Nádia Oliveira, Raíssa Santos, Teresa Cunha SECTOR PUBLICAÇÕES: Coordenação: António Jorge Andrade, Graça Marrocano Colaboradores: Isaque Neves, Maria do Céu Paulo, Nádia Oliveira, Raíssa Santos, Teresa Cunha 13 EROS E PSIQUE – ADAPTAÇÃO DA NARRATIVA DE APULEIO, POR ISAQUE NEVES Psique era a mais nova de três filhas de um rei e era extremamente bela. A sua beleza era tamanha que pessoas de várias regiões iam admirá-la, assombrados, rendendo-lhe homenagens que apenas eram prestadas à própria Afrodite, mas que agora via os seus templos serem abandonados. Esta, levada pelo ciúme incontido pede ao seu filho Eros para, com uma das suas setas, ferir de amor Psique levando-a a apaixonar-se pelo homem mais vil e desengraçado da Terra. Porém, assim que Eros se confrontou com a sua beleza recaiu sobre ele o próprio amor impedindo-o, por isso, de cumprir o pedido da mãe. Entrementes, o pai de Psique, vendo que esta não era desposada por nenhum homem, julgou, por esse facto, ter ofendido os deuses e decidiu consultar o oráculo de Apolo. Eros havia falado com Apolo acerca do amor que sentia por Psique e por isso pediu-lhe auxílio. Desse oráculo resultou que o pai devia levar a sua filha, vestida de vestes muito negras, para o cume de uma montanha a fim dela ser desposada por uma terrível serpente alada. Assim o pai fez. Quando a bela jovem foi abandonada à sua sorte, sozinha, no cume da montanha foi imediatamente invadida por um medo profundo. Enquanto chorava chegou até ela uma brisa suave, silenciosa. Era o Zéfiro. Sentiu-se transportada, flutuando pelos ares para um manto de relva ornamentado de aromáticas flores. Adormeceu. Quando acordou encaminhou-se para o interior de um palácio que se exibia à sua frente majestoso. Foi recebida por umas vozes que a despiram dos medos e das roupas para que lhe fosse proporcionado um divino banho e uma olímpica refeição. Quando a noite inundou o palácio, Psique, sentiu, no lugar de escamas, umas mãos humanas a percorrerem-lhe o corpo ao mesmo tempo que uma voz indizivelmente melíflua e bela lhe falava. Compreendeu com todos os sentidos que não era uma serpente mas sim um deus quem lhe tocava e falava e, na escuridão plena, deu-se ao Amor. Foi a primeira de muitas outras noites semelhantes. Não passado muito tempo, Psique foi acometida por um sentimento de saudade tremendo pelas suas irmãs, as quais por esta altura a procuravam. Eros, ao saber do seu desejo de reencontrar as irmãs, disse-lhe, com alguma relutância, que poderia vê-las mas alertou-a para que ela nunca, independentemente do que acontecesse, lhe visse o rosto. Assim se fez. Psique encontrou-se com as irmãs no opulento palácio. Estas, ao avistarem tamanha riqueza e opulência, foram acometidas por uma inveja brutal. Também as suas irmãs logo compreenderam que não poderia ser uma serpente o seu esposo mas sim um deus. Iniciaram imediatamente a fazer perguntas mil a Psique sobre a identidade do seu esposo. Todavia, ela não tinha respostas. Destas perguntas sem resposta começou a nascer a dúvida e a curiosidade dentro de Psique acerca da identidade do seu esposo. “Seria deveras uma serpente como vaticinara Apolo ou seria um deus?” perguntava-se. Certa noite, motivada não pelo amor mas pelo medo, e enquanto Eros dormia profundamente, Psique aproximou-se lentamente dele, com uma candeia numa das mãos e uma faca na outra, no intuito de ver o seu rosto, o seu desconhecido rosto. Eis o Espanto. O seu esposo não era um mostro mas sim um deus belíssimo. Apesar do alívio não deixou de se sentir culpada por ter violado a sua promessa. Neste turbilhão de sentimentos inclinou-se e um pingo de azeite caiu sobre a carne divina de Eros acordando-o. Este irado com a falta de confiança de Psique diz-lhe, por palavras outras, que ela o traiu e que por isso mesmo ele a abandonaria porquanto o Amor não pode conviver com a desconfiança. Tudo à volta de Psique desapareceu. Ficou sozinha entregue à solidão e ao desespero durante uns tempos, tempos que pareceram séculos. Porém, decidiu reconquistar a confiança de Eros e para isso encetou uma viagem por todos os cantos do mundo à sua procura. Após múltiplas provações, proporcionadas pela raiva e ciúme de Afrodite, Psique foi inundada pelo sono profundo. Eros, que havia estado a recuperar da ferida infligida por Psique, foi ao encontro dela para resgatá-la ao letargo. E assim, foi Eros quem, uma vez mais, encontrou Psique, e, quem, com o consentimento de Zeus a levou para o Olimpo onde, com uma taça de Ambrósia, ingeriu a imortalidade. Com a imortalidade pôde, para todo o sempre, permanecer ao lado de Eros. 14