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na ordem do dia
Notariado ou Advocacia.
Encantos e Desencantos
Regina Monteiro
(Auditora dos Registos e Notariado)
A
Justiça sempre exerceu um grande fascínio sobre
mim! Desde pequena que sonhava em vestir a toga
e, qual Robin dos Bosques, defender os pobres e
oprimidos das injustiças e vilanias da vida!
Terminado o ensino secundário, não tinha dúvidas
sobre o caminho a seguir: queria ser advogada! Faculdade
de Direito aqui vou eu! Injustiçados do mundo não desesperem, estou a chegar!
Escusado será dizer, porque certamente já adivinharam, que provenho de uma família sem nenhuma ligação
ao Direito, onde se foge do advogado como o diabo da
cruz! Em que se evita saber onde é o tribunal, para não
cair na tentação de lá entrar! Os tribunais são uma carga
de trabalhos, como me diz, ainda hoje, a minha avó!
Assim, a escolha do Curso de Direito foi da minha inteira responsabilidade, sem qualquer influência familiar e
baseada em pressupostos que, vim a descobrir, quase de
imediato, errados! Pasmem: a Justiça e o Direito não eram
a mesma coisa! Nem sequer existia entre estes dois conceitos uma relação de necessidade, de inclusão!
O Direito não é o instrumento da Justiça que eu imaginava, a panaceia para todos os males! É muito menos
que isso e, ao mesmo tempo, não fica diminuído por essa
limitação, não perde importância!
Perdi a visão poética do Direito nos primeiros contactos com ele, mas não fiquei desiludida, apenas passei a
olhá-lo de outra perspectiva: de dentro para fora e não,
como até aí, de fora para dentro! Aprendi que o Direito é
a Justiça possível e acordei do meu sonho: já não vou salvar o mundo! Mas continuo a querer que se faça Justiça!
Justiça que não se confunde com o Direito mas que é
concretizada idealmente pela aplicação deste, feita por operadores capazes e bem preparados ética e tecnicamente.
Assim, como a generalidade dos licenciados em Direito em Portugal, quando terminei o meu curso transformei-me numa operadora aprendiz e iniciei o meu estágio para ingresso na advocacia. E as surpresas continuaram porque, como já vimos antes, os preconceitos que
formamos relativamente a situações que desconhecemos
são muitas vezes desmentidos no confronto com a realidade. Não terminei o meu estágio! Não porque não tenha
gostado ou tenha concluído que não é vida para mim,
mas por uma razão bem mais prosaica: por insistência de
uma amiga candidatei-me ao ingresso na carreira de Conservador e Notário e, para surpresa minha, fui admitida e
como, infelizmente, a advocacia neste momento é um
mar de incertezas para quem começa, troquei o incerto
pelo certo! Apostei numa melhor perspectiva de futuro
como operadora do Direito!
Estou agora na última fase do estágio, depois de ter
frequentado com aproveitamento o curso de extensão
universitária respectivo e, porque ultimamente muito se
tem falado no notariado e nos notários pensei, se calhar
mal, que seria interessante, sobretudo para os advogados
mais jovens, conhecerem a perspectiva de alguém que,
como a maioria suponho, nunca se tinha questionado
verdadeiramente sobre a actividade notarial, embora tivesse uma ideia, muito definida até do que é um notário
e a actividade notarial.
Quem conseguiu aguentar a maçada de ler o texto até
aqui certamente já intuiu que voltamos ao ponto de partida, de como as ideias feitas muitas vezes se diluem no
confronto com a realidade!
A organização e funcionamento de um Cartório, bem
assim como as competências e, principalmente, a prática de
um Notário sempre revestiram uma incógnita para mim.
Fruto da imagem generalizada na sociedade portuguesa, mesmo depois da frequência do VII Curso de extensão universitária, continuava a ver os Cartórios com
alguma (muita) apreensão.
Iria eu engrossar as fileiras dos funcionários pica
ponto, que deixam o trabalho acumular-se até ao limite
sob o lema não faças hoje o que certamente poderás fazer
noutra altura?! Quem se esconde atrás da porta e apenas
advínhamos pela deferência dos funcionários?! O que é
que ele faz lá escondido?!! Se é que faz alguma coisa!….
Certamente confere e rubrica, confere e rubrica….
Oops!!! 17h! Hora de ir para casa!…
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O estágio não augurava, pois, nada de bom! Provavelmente, confirmaria as nossas piores expectativas e provarnos-ia o erro que tinha sido a opção pelos Registos e Notariado! E a toga de advogado assentava-nos tão bem!
A organização e funcionamento de um Cartório, revelaram-se surpreendentes. É verdade que existem muitos
problemas logísticos e de falta de pessoal, que obriga a
maioria dos notários a uma rentabilização criteriosa dos
meios físicos e humanos disponíveis.
Contrariamente ao que esperávamos e já fizemos eco
neste artigo, encontramos um corpo de funcionários motivados e empenhados em fazer o seu trabalho o melhor
possível, com preocupações com o público, quer ao nível
do atendimento, quer ao nível do cumprimento de prazos, sem pressas para picar o ponto, deixando sempre as
contas diárias encerradas, não abandonando tarefas urgentes por serem 17H!
Alteramos, sem dúvida, a nossa perspectiva! Relativamente à função do notário, em especial, aprendemos que
a preparação técnica, a actualização e estudo permanente,
são essenciais, já que, parece-nos, a confiança técnica dos
oficiais, em particular, e do público em geral, é essencial
ao seu bom desempenho.
A par da capacidade técnica é necessária uma grande
capacidade para avaliar competências e carácteres, para
gerir pessoas, mais do que meios, para optimizar os resultados.
No que respeita ao conteúdo, a actividade de notário
revelou-se mais aliciante do que suponhamos, quer pelos
desafios constantes, pelas subtilezas técnicas, quer, sobretudo, pela possibilidade de interacção com o público que
desconhecíamos em grande parte e que no notariado é
cultivada.
O facto de os notários não merecerem destaque significativo nas queixas dos portugueses em geral só pode significar uma coisa, os notários são das instituições públicas
que melhor funcionam neste país. Daí que não entenda o
esvaziamento da função a favor de outros profissionais,
sejam eles quem forem!
A licenciatura em Direito por si só não confere competências para o exercício da actividade notarial, como de
resto as não confere para o exercício da advocacia. Para o
exercício desta actividade é necessário formação específica e aproveitamento no exame final. Por razões óbvias que
me dispenso de explicar.
Não entendemos pois que as pessoas que defendem
esta postura, correcta na nossa opinião, venham depois
insurgir-se contra esses mesmos requisitos para o exercício da actividade notarial.
Convenhamos, a actividade notarial tem um grau de
exigência técnica e de garantia dos interessados que não se
esgota, como muitos parecem entender, na redacção de
contratos chapa cinco.
A actividade notarial não é inócua, pelo contrário desempenha um papel fundamental na protecção do interesse público da colectividade em geral e do utente em
particular, com especial relevância nas relações de força
entre as partes. Só um terceiro imparcial poderá oferecer
soluções equilibradas e equitativas porque não comprometido com nenhuma das partes. Não significa isto nenhuma desconfiança ou ataque ao rigor ético de outros
profissionais, apenas uma particularidade decorrente da
própria natureza das actividades em confronto. O exercício da actividade notarial por um advogado ou solicitador
põe em risco, necessariamente, um dos princípios estruturantes do estado de direito como o concebemos: a segurança jurídica, traduzida na eficácia legal dos actos e
contratos celebrados.
Não quer isto significar que tudo vai bem no reino
dos notários! É verdade que existe excesso de formalismo
em relação a alguns actos e procedimentos que espartilham o normal fluir do tráfego jurídico, mas não é mudando o operador que a burocracia desaparece! Não são
os notários que ditam as regras, elas são ditadas pelo legislador! Se há exigências supérfluas, eliminem-se! Legisle-se em conformidade!
Os tribunais têm sido acusados de atrasos crónicos na
administração da justiça mas não me lembro de ter ouvido ninguém defender que se devem extinguir as magistraturas sendo a sua actividade exercida por outros profissionais! Dir-me-ão que têm sido criados mecanismos,
como a mediação, a transferência de competências para
outras instituições, entre outras, para obviar às dificuldades de funcionamento dos tribunais. Exactamente! O notariado ficaria certamente mais operacional com a supressão de algumas burocracias, a liberalização de certos actos,
a criação de novos cartórios, o melhoramento das instalações e equipamento, mas continuo a defender, na minha
modestíssima opinião, que isso não desvirtua nem torna
supérflua a actividade notarial exercida por profissionais
formados para esse efeito.
Dificuldades conjunturais não podem justificar a atribuição de competências a quem não está preparado para as
executar, seja porque não tem a formação técnica adequada seja porque implica a defesa de interesses incompatíveis
com a natureza intrínseca das actividades em confronto.
Confesso que gostava de ter uma opinião tão definitiva
em relação à privatização ou não da actividade notarial, mas
aí tenho ainda muitas dúvidas. Ainda estou a pensar!…
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