UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ
VICTOR HUGO AGNER SANTIAGO
O PROCESSO DE EXTRADIÇÃO E A ESFERA POLÍTICA
CURITIBA
2012
VICTOR HUGO AGNER SANTIAGO
O PROCESSO DE EXTRADIÇÃO E A ESFERA POLÍTICA
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao
Curso de Direito, Faculdade de Ciências
Jurídicas, Universidade Tuiuti do Paraná, como
requisito parcial para obtenção do grau de
Bacharel.
Orientador: Prof. Dr. Wagner Rocha D’Angelis
CURITIBA
2012
TERMO DE APROVAÇÃO
VICTOR HUGO AGNER SANTIAGO
O PROCESSO DE EXTRADIÇÃO E A ESFERA POLÍTICA
Esta monografia foi julgada e aprovada para a obtenção de grau de Bacharel ao Curso de
Direito, Faculdade de Ciências Jurídicas, Universidade Tuiuti do Paraná.
____________________________________
Professor Dr. Eduardo de Oliveira Leite
Coordenador do Núcleo de Monografias
Banca
Orientador:
____________________________________
Professor Dr. Wagner Rocha D´Angelis
Universidade Tuiuti do Paraná
Curso de Direito
____________________________________
Membro da Banca
Universidade Tuiuti do Paraná / Curso de Direito
____________________________________
Membro da Banca
Universidade Tuiuti do Paraná / Curso de Direito
Dedicatória
Dedico este trabalho a todas as pessoas que estiveram
ao meu lado nestes últimos cinco anos, as quais puderam presenciar todo meu esforço,
dedicação e perseverança para que fosse possível alcançar esse objetivo.
Em especial ao meu grande amigo Johnny Chemberg, que muito
contribuiu e sempre me ajudou nos momentos de dúvidas.
Ao meu pai, amigo fiel e conselheiro que sempre me orientou e
atentou aos obstáculos da vida.
Agradecimentos
À Deus por tudo que me proporciona na vida.
Aos meus pais que souberam me dar o devido incentivo ao estudo,
que por sua vez fez-me dedicar à conclusão desta segunda graduação.
À minha esposa que proporcionou a maior dádiva da vida que é a geração de uma filha,
a qual une os laços de família, abençoa e enche de alegria a casa em que vivemos.
Ao Professor Wagner Rocha D’Angelis que me orientou e contribuiu
neste trabalho tão importante de conclusão de curso.
Mahatma Gandhi
“A violência só derrotará a violência, quando alguém me demonstrar que
”
alguma escuridão possa ser iluminada por mais escuridão .
RESUMO
A linha de estudo desta pesquisa monográfica trata de analisar o processo oficial do Instituto
da Extradição, fazendo-se observar às semelhanças de outros institutos, de forma a observar
seus princípios, características, condições e restrições gerais para possibilidade do processo.
Este estudo contempla ainda uma abordagem a respeito dos tratados internacionais, assinados
pelo Brasil com outros países, fazendo referência ao Tratado de Extradição entre o governo
brasileiro e o governo italiano, o qual foi muito questionado quando do processo de
Extradição n. 1085, do ex-ativista italiano Cesare Battisti, gerando uma grande repercussão
tanto na mídia nacional quanto internacional, enriquecendo, portanto, as diversas opiniões e
divergências políticas, sobretudo na votação dos excelentíssimos ministros do Supremo
Tribunal Federal.
Finalizando com uma perspectiva de entendimento do poder final de decisão do Presidente da
República Federativa do Brasil, com cunho totalmente político, de forma a desprender-se da
decisão tomada pela Suprema Corte, sem que isso tenha ferido tal decisão.
Palavras-chave: Extradição; Estrangeiro; Supremo Tribunal Federal; Presidente da República.
ABSTRACT
The line of this research monograph is to analyze the process of the official Institute of
Extradition, making observe similarities to other institutes in order to observe its principles,
characteristics, conditions and restrictions for general possibility of the process.
This study also includes an approach to respect international treaties signed by Brazil and
other countries, referring to the Extradition Treaty between the Brazilian government and the
Italian government, which was much questioned when the extradition process n. 1085, the
former Italian activist Cesare Battisti, generating a great repercussion in the media both
nationally and internationally, enriching thus the diverse opinions and political differences,
particularly in the vote of Honourable Ministers of the Supreme Court.
Finishing with a view to understanding the power of final decision of the President of the
Federative Republic of Brazil, with full political slant in order to loosen up the decision taken
by the Supreme Court, it has not hurt that decision.
Keywords: Extradition; Alien; Supreme Court, President of the Republic.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO...................................................................................................... 11
2 REFERENCIAL TEÓRICO ................................................................................. 12
2.1 DOS INSTRUMENTOS ..................................................................................... 13
2.1.1 Da Extradição..................................................................................................... 13
2.1.1.1 Modalidades .................................................................................................... 14
2.1.1.2 Evolução Histórica .......................................................................................... 15
2.1.2 Da Deportação ................................................................................................... 16
2.1.3 Da Expulsão....................................................................................................... 16
2.2 EXTRADIÇÃO: PARTE GERAL ..................................................................... 18
2.2.1 Conceito e Regras Gerais ................................................................................... 18
2.2.2 A Extradição e Sua Repercussão Na Mídia......................................................... 19
2.2.3 Extradição de Brasileiro Nato e Naturalizado ..................................................... 20
2.2.4 Ter Filho Brasileiro Não Impede a Extradição .................................................... 21
2.2.5 Concurso de Pedidos .......................................................................................... 22
2.2.6 Casos de Dupla Nacionalidade ........................................................................... 22
2.3 DOS PRINCÍPIOS DA EXTRADIÇÃO ............................................................ 24
2.3.1 Promessa de Reciprocidade ................................................................................ 24
2.3.2 Princípio da Dupla Incriminação do Fato............................................................ 24
2.4 DO DIREITO INTERNACIONAL .................................................................... 25
2.4.1 Corte Internacional de Haia ................................................................................ 27
2.4.2 Tratado De Compostela ...................................................................................... 27
2.4.3 Tratados Do Brasil Com Outros Países............................................................... 28
2.5 DO ESTATUTO DO ESTRANGEIRO.............................................................. 29
2.6 DO PROCESSO DE EXTRADIÇÃO................................................................. 30
2.6.1 Início Do Processo ............................................................................................. 30
2.6.2 Análise e Votação do Supremo Tribunal............................................................. 30
2.6.3 Discricionariedade Do Chefe Do Poder Executivo.............................................. 31
3 EXTRADIÇÃO 1085: CASO CESARE BATTISTI............................................. 32
3.1 Cesare Battisti ....................................................................................................... 32
3.2 Histórico Do Processo........................................................................................... 33
3.3 Supremo Tribunal Federal: Votação ...................................................................... 35
3.4 Chefe do Executivo: Palavra Final......................................................................... 40
3.5 Tratado Bilateral: Brasil e Itália............................................................................. 42
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................. 43
REFERÊNCIAS........................................................................................................ 45
ANEXOS ................................................................................................................... 47
11
1. INDRODUÇÃO
A pesquisa em tela refere-se ao entendimento mais consistente de todo o processo do
instituto da extradição, previsto no artigo 5º da Constituição Federal do Brasil, contrapondo
este com idéias e considerações no julgamento de processos extraditórios realizado pelo
Supremo Tribunal Federal, de forma a fazer uma observação importante no tocante da última
decisão a respeito deste instrumento.
A forma de o Estado reprimir pessoa que, após cometer crimes em seu território,
foge para outro, com a intenção de não sofrer as sanções penais cabíveis, se dá através do
processo de extradição.
Portanto, é dentro desta seara que o presente trabalho pretende mostrar como tramita
todo processo de extradição no Brasil, trazendo um pouco da via diplomática a ser respeitada
entre os países que tratam do assunto, através de seus tratados, convenções internacionais e a
Lei 6.815/80, mostrando também um caso concreto recente, de grande repercussão pela
imprensa nacional e internacional, sobretudo com desapontamento do país que tem o seu
pedido de forma negada.
Ainda, alavancar situações de cunho político na esfera federal, onde se faz
necessária e absoluta a intervenção do Chefe do Poder Executivo numa decisão de processo
extraditório, a quem compete a derradeira decisão.
Esclareça-se que, sobretudo, o Direito Internacional visa a paz e o bom
entendimento mundial, sendo para tanto necessário a efetiva cooperação dos países nos
processos de extradição, como forma de combate à impunidade no contexto internacional.
Acerca disto, também será mostrado neste estudo uma melhor percepção da forma como a
extradição ajuda na justa soberania do país, bem como do poder do Presidente da República e
a competência do Supremo Tribunal Federal, que analisa e julga casos de extradição no
Brasil.
Também é necessário, para um melhor entendimento desse trabalho, analisar as
opiniões diversas entre ministros do Supremo Tribunal Federal - STF, quando do julgamento
de processo de extradição de maior complexidade e relevância nacional.
12
2. REFERENCIAL TEÓRICO
A principal teoria a ser debatida nesta exposição é a questão da legítima punição à
pessoa que resolve evadir-se do território onde cometeu um crime, para evitar futura punição,
levando em consideração todos os meios e formas do complexo processo de extradição, em
sua forma política, judiciária, histórica e diplomática.
As teorias elucidadas por doutrinadores e estudiosos, bem como o pensamento,
através dos votos, de ministros do Supremo Tribunal Federal, servirão de meios de
entendimento para a devida conclusão desta pesquisa científica.
A questão da diplomacia e política que se encontra o país, diante de países com ou
sem tratados sobre o tema, trarão importantes contribuições para o entendimento dos
processos de extradição já realizados.
Por fim, a análise de caso concreto do instrumento de extradição, como o caso do
ex-ativista político italiano, Cesare Battisti, que teve seu pedido de extradição feito pelo país
de origem, o qual resultou em prisão, processo e julgamento, concluindo com a concordância
da Suprema Corte, mas obtendo decisão final negativa do então Presidente da República do
Brasil.
13
2.1 DOS INSTRUMENTOS
Antes do aprofundamento acerca do tema principal é necessário que se entenda o
conceito e as diferenças entre os institutos da extradição, da deportação e da expulsão, os
quais se confundem facilmente no tocante em que todos condizem a um ato que tem como
ponto chave o estrangeiro que se encontra dentro das delimitações do território brasileiro.
Portanto, a primeira dúvida que aparece gira em torno do instituto da extradição ser
ou não a mesma coisa que deportação, ou ainda, expulsão. Assim, é importante tornar claro
que são institutos que, apesar de terem característica peculiar, por tratarem de estrangeiro, são
coisas totalmente diferentes.
O Estatuto do Estrangeiro, consubstanciado na Lei 6.815, de 19 de agosto de 1.980,
remete a algumas formas previstas, pelas quais o estrangeiro pode ser excluído do território
nacional. Sendo elas: a deportação, a expulsão e a extradição.
2.1.1 Da Extradição
Na vida jurídica internacional, impera o princípio da lex loci delicti comissi, ou
ainda, ‘lugar da prática do fato ilícito’, e acima de tudo nos casos onde o delituoso é um
estrangeiro. Isso se dá pelo fato da possibilidade de obter-se provas com maior facilidade e
rapidez se estas se derem no local do próprio crime, acentuando uma eficácia nas próprias leis
locais, e por conta disso, deixando àquela população um aspecto de maior segurança na
justiça.
Segundo a concepção do filósofo e jurista inglês Jeremy Bentham1:
“A pena é um tanto mais útil quanto mais exata e tanto mais exata quanto
mais próxima se encontra do crime, no tempo e no espaço”.
Desta forma, torna-se o instituto da extradição a solução para o problema, segundo o
Direito Internacional Público, onde se faz necessário uma resposta para os crimes cometidos
pelo agente no seu país de origem, mesmo este refugiando-se para outros países na chance de
tentar fugir das punições cabíveis.
1
Apud RUSSOMANO, Gilda Maciel Corrêa Meyer. A Extradição no Direito Internacional e no Direito
Brasileiro. 3ª Ed. Revista dos Tribunais. São Paulo: 1981.
14
E como conceito desse instituto podemos citar como sendo o processo pelo qual um
país solicita e obtém de outro a entrega de pessoa condenada, ou suspeita, de alguma infração
criminal, para que esta, caso seja condenada, cumpra pena pelo crime cometido. Porém,
veremos muitas exceções e características desse instituto mais a frente.
O ex-ministro do Supremo Tribunal Federal, Francisco Rezek2, conceitua extradição
como:
"Entrega, por um Estado a outro, e a pedido deste, de pessoa que em seu
território deva responder a processo penal ou cumprir pena”.
No entendimento de Hildebrando Accioly3, o instituto da extradição conceitua-se
como:
“O ato pelo qual um Estado entrega um indivíduo acusado de fato
delituoso, ou já condenado como criminoso, à justiça de outro Estado
competente para julgá-lo e puni-lo”.
Para o cabimento do instituto da extradição vale ressaltar que se faz necessário a
observação dos elementos característicos, tais como:
a) O Estado que pede, sendo este o requerente;
b) O Estado que aceita o pedido, sendo o requerido;
c) Estar o reclamado no país do Estado requerido;
d) O crime cometido pelo reclamado ser considerado como tal também no país onde
se encontra este.
2.1.1.1 Modalidades
Acerca desse instituto temos algumas características quanto às modalidades
existentes, observando-se que o estudioso Quintano Ripollés4 admite a extradição de fato e a
extradição de direito.
2
REZEK, Francisco. Direito Internacional Público: Curso Elementar. 10. ed. Saraiva. São Paulo: 2005.
ACCIOLY, Hildebrando. Tratado de Direito Internacional Público. vol 1º. p. 422. Rio: 1956.
4
Apud RUSSOMANO, Gilda Maciel Corrêa Meyer. A Extradição no Direito Internacional e no Direito
Brasileiro. 3ª Ed. Revista dos Tribunais. p. 197. São Paulo: 1981.
3
15
A primeira gira sobre a efetiva entrega do indivíduo que cometeu delito e se
encontra em um Estado, para outro que o requereu. No Estado do Rio Grande do Sul temos
uma nítida idéia da extradição ocorrida de fato, pois a proximidade territorial desse estado
com outras regiões, delimitadas simplesmente por fronteiras secas, onde as próprias ruas e
interseções fazem a separação geográfica, acaba por facilitar a entrega de criminosos às
origens de forma simples, sem passar sequer pelo crivo administrativo e complexo que é o
instituto da extradição. Muitas vezes essa entrega se dá pela própria condução dos trabalhos
da polícia da região.
Já a extradição de direito é entendida de forma judicial, partindo pelo uso do
judiciário e todos os seus parâmetros e conformes administrativos. Essa forma de extradição,
percebida por suas formalidades e complexidades, admite uma aprofundação também no
caráter internacional, com menção aos tratados e acordos entre os países que se utilizam deste
instrumento.
Ainda como característica da extradição, é preciso saber que o Estado requerente do
agente delituoso faz uso da extradição ativa, e, de por outro lado, o Estado requerido, que
recebeu o pedido, faz uso da extradição passiva, criando uma relação jurídica bilateral entre
ambos.
2.1.1.2 Evolução Histórica
O significado da palavra extradição aponta para a palavra na língua latina traditio,
que significa o transporte de pessoas ou coisas. Porém, desde a Idade Média até o início do
século XIX existem retrospectos e vestígios que apontam para a utilização desse instituto,
onde os povos e civilizações daquela época tinham uma preocupação contra o mal, fazendo
uma colaboração entre suas divisas e Estados vizinhos. Mas somente no século XVIII o
instituto é tido de forma jurídica, acentuando efetivamente nas doutrinas a extradição.
Acerca dos acordos existentes entre países, já era possível naquela época perceber a
manifestação de forma bilateral quanto à entrega e negativa de asilo de inimigos e indivíduos
criminosos. Como exemplo disso, cite-se o acordo realizado entre a França e a Inglaterra, no
ano de 1303, que tinha como ponto principal a rejeição de indivíduos inimigos daqueles
países em seus territórios, ou seja, de forma a negar a entrada e acima de tudo a permanência
desses indivíduos dentro do país.
16
2.1.2 Da Deportação
Já o instituto da deportação é uma forma de exclusão de uma pessoa do território
brasileiro, quando esta ingressou de forma irregular ou clandestina, ou seja, o estrangeiro que
não atendeu às normas legais do país e por isso se encontra de forma ilegal dentro do território
nacional. Ainda, ocorre também quando o estrangeiro, apesar de ter ingressado legalmente no
país, ficou mais tempo que o determinado ou permitido, estando então sujeito a deportação.
Para entrar num país é necessário que o estrangeiro tenha o ‘visto’, que nada mais é
do que uma permissão concedida por autoridade competente, sempre de forma
individualizada, para que ele possa estar apto a trafegar livremente no território, mas por
determinado fluxo de tempo. Existem diversos tipos de visto, como Visto de Trânsito, Visto
de Turista, Visto Temporário, cada um com sua característica peculiar conforme a
necessidade da pessoa que o pleiteia e necessita.
A deportação possui também duas características importantes, sendo a primeira o
fato de que somente os estrangeiros podem ser deportados e, como segunda característica,
sendo o ato da deportação de forma unilateral. O estrangeiro que for deportado voltará sempre
para seu país de origem ou o país de onde veio, como também do país que aceite recebê-lo.
Os custos deste instituto ficam a cargo do próprio deportado ou, no caso deste não ter
condições, ficam a cargo do país que está fazendo a deportação.
O ato da deportação se dará pela própria Polícia Federal do Brasil, por solicitação do
Ministério da Justiça, através de um processo administrativo que ocorrerá sem necessidade de
nova ordem judicial. Ressaltando ainda que o estrangeiro sobre o qual recair a deportação não
será necessariamente proibido de retornar ao país, desde que preencha as formas legais para
tanto.
2.1.3 Da Expulsão
O terceiro e último instituto que se confunde com a extradição, é a expulsão, com
previsão no Art. 65 da Lei nº. 6.815 (Estatuto do Estrangeiro), consistindo na retirada de
estrangeiro que, mesmo tendo ingressado legalmente no território brasileiro, praticou ou
tentou praticar algum ato contra este. A expulsão tem conotação maior do que a própria
deportação, por entender-se que aqui enseja casos mais graves e nocivos. Veja-se:
17
Art. 65. É passível de expulsão o estrangeiro que, de qualquer forma,
atentar contra a segurança nacional, a ordem política ou social, a
tranqüilidade ou moralidade pública e a economia popular, ou cujo
procedimento o torne nocivo à conveniência e aos interesses nacionais
Parágrafo único. É passível, também, de expulsão o estrangeiro que:
a) praticar fraude a fim de obter a sua entrada ou permanência no Brasil;
b) havendo entrado no território nacional com infração à lei, dele não se
retirar no prazo que lhe for determinado para fazê-lo, não sendo
aconselhável a deportação;
c) entregar-se à vadiagem ou à mendicância; ou
d) desrespeitar proibição especialmente prevista em lei para estrangeiro.
Uma característica deste instituto é que o poder de decisão fica sempre a cargo do
Presidente da República, não podendo o Supremo Tribunal Federal analisar a decisão,
tampouco ser passível de ato da Polícia Federal, assegurando ao indivíduo que sofre da
expulsão o seu direito a ampla defesa, devido ao fator punitivo que tem o instituto da
expulsão, ensejando inclusive na futura proibição deste indivíduo no retorno ao país.
O mestre em Direito Internacional Francisco Rezek5 reforça que, apesar das
similaridades dos institutos da deportação e da expulsão, o país não tem obrigação alguma de
se utilizar desses instrumentos, conforme segue:
“...embora não se possa deportar ou expulsar um estrangeiro que não
tenha incorrido nos motivos legais de uma ou outra medida, é sempre
possível deixar de promover a deportação, ou a expulsão, mesmo em
presença de tais motivos. A lei não obriga o governo a deportar ou
expulsar.”
Nesse instituto o Brasil tem alguns casos de grande repercussão, como o polêmico
caso do jornalista americano William Larry Rohter Jr., correspondente do jornal New York
Times, que estava no Brasil e publicou uma reportagem ofensiva ao então Presidente da
República, Luiz Inácio Lula da Silva, que por sua vez decretou sua imediata expulsão.
5
REZEK, Francisco. Direito Internacional Público: Curso Elementar. São Paulo: Saraiva, 2005.
18
2.2 EXTRADIÇÃO: PARTE GERAL
2.2.1 Conceito e Regras Gerais
Como já mencionado anteriormente neste estudo, sendo o instituto da extradição o
fato de um Estado entregar a outro, a pedido deste, o indivíduo que em seu território tenha
cometido crime e deva responder ou cumprir pena, alguns doutrinadores possuem idéias
pouco diferenciadas a respeito do tema, mas que chegam ao mesmo ponto crucial que é a
entrega da pessoa que cometeu o delito no país requerente.
Desta forma, podemos trazer para esse estudo o direito de locomoção, com redação
no Art. 5º, inc. XV da Constituição Federal, sobretudo tratando sobre o direito de ir e vir,
essencial para a evolução do homem e maior conhecimento da cultura dos mais diversos e
distintos povos existentes no mundo, assim previsto:
Art. 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes:
XV - é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo
qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair
com seus bens;
Consequentemente, muitas questões e problemas começam a surgir devido a este
fenômeno de migração humana. Ainda fazendo uma análise mais superficial sobre essas
misturas de culturas e origens, percebem-se muitos países dificultando a entrada de
estrangeiros em seus territórios, seja por questões de segurança e/ou financeiras.
Sem muito se aprofundar nesta seara, pode-se citar o caso recente da Espanha, que
passou a dificultar a entrada de imigrantes em seu país, sobretudo de brasileiros, fazendo com
que o Brasil também endurecesse sua política a respeito da entrada de espanhóis no território
nacional, passando a desgastar a reciprocidade entre ambos os países, causando inclusive um
mal-estar entre seus presidentes. Mas isso vai além do estudo aqui idealizado, da extradição,
servindo apenas para exemplificar a questão do direito de ir e vir do ser humano, a qual deve
ser respeitada de forma absoluta.
19
Com a globalização moderna, muitos países tem cada vez mais tem dificultado e
imposto limites nos processos imigratórios, tendo como respaldo principal o fator da
economia e os atentados terroristas, facilmente observados pela mídia no mundo todo.
2.2.2 A Extradição e sua Repercussão na Mídia
No Brasil é possível verificar muitos casos de extradição no decorrer dos últimos
anos, sendo um caso bastante marcante o do perigoso traficante de drogas, procurado no
mundo inteiro, Juan Carlos Ramírez Abadia, que fora preso em agosto de 2007,
coincidentemente na capital paranaense, e que ficou detido por um longo período no país,
tendo sido posteriormente extraditado (Ext 1103) para os Estados Unidos da América, onde
responde por diversos crimes. Tal desempenho, trabalho e repercussão foi inclusive motivo de
contexto para a escrita de um livro sobre a prisão do traficante.
Também com grande movimentação pela mídia brasileira e internacional, pode-se
citar o caso da cantora e atriz mexicana Glória Trevi, acusada de abuso sexual de crianças no
México, sendo também encontrada e presa no território brasileiro, que mais tarde decidiu pela
sua extradição (Ext 783).
Outro processo, de suma importância para a linha de raciocínio deste trabalho,
ocorreu em meados de 2009, caso do ex-ativista de esquerda Cesare Battisti, condenado na
Itália por homicídios no final da década de 1970, no qual os ministros do Supremo Tribunal
Federal, ao julgarem o caso, proporcionaram uma enorme repercussão nos meios de
comunicação, com algumas peculiaridades inclusive ocorridas em outras áreas devido a
negativa do Brasil para a extradição do italiano. Neste julgamento, outra particularidade
bastante debatida foi o fato de decidir sobre a palavra final da extradição, entre o próprio
Supremo Tribunal Federal e o Chefe do Poder Executivo, neste caso o presidente da
República.
Ressaltamos ainda, que a extradição também é possível no sentido inverso, ou seja,
quando o Brasil pede a extradição de alguém, neste caso sendo o Requerente, como ocorrido
no pedido do banqueiro Salvatore Cacciola, o qual praticou crimes contra o sistema
financeiro, e estava foragido no Principado de Mônaco, que posteriormente o enviou para o
Brasil.
Veja-se algumas manchetes de jornais brasileiros, dando destaque para casos de
extradição no país: ANEXO.
20
2.2.3 Extradição de Brasileiro Nato e Naturalizado
Em princípio toda e qualquer pessoa é suscetível de ser extraditada, pois perante a
própria Constituição Federal somos todos iguais perante a lei. Contudo no entendimento e no
processo da extradição podem ocorrer algumas significativas situações de exceção, seja na
legislação interna de cada país ou à luz dos tratados bilaterais.
Uma grande dúvida acerca disso é a questão do brasileiro ser ou não extraditado,
para o que devem ser analisados alguns pontos importantes, como o fato deste ser brasileiro
nato ou brasileiro naturalizado. A redação do Art. 5º, inc. LI da Constituição Federal, traz que
somente o brasileiro naturalizado poderá ser extraditado, porém, nos casos em que o crime
ocorreu antes da data da naturalização, ou ainda quando comprovado envolvimento em
tráfego ilícito de drogas, independente do tempo da naturalização. Assim tem-se:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes:
LI - nenhum brasileiro será extraditado, salvo o naturalizado, em caso de
crime comum, praticado antes da naturalização, ou de comprovado
envolvimento em tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, na forma da
lei;
Já o brasileiro nato, aquele que nasceu no território nacional, jamais poderá ser
extraditado para outro país. Tivemos há poucos anos um caso onde os Estados Unidos pediu
ao Brasil a extradição do narcotraficante, conhecido como Fernandinho Beira-Mar, que por
ser brasileiro nato, gozou de tal prerrogativa e não foi extraditado, cumprindo pena no Brasil
até hoje.
Portanto, crucial fator decisivo na hora da apreciação do pedido de extradição, é
saber a nacionalidade do indivíduo, pois em função apenas deste requisito, muitas vezes o
pedido é recusado aos países requerentes.
Ressaltamos, no entanto, que alguns países se utilizam de exceções neste caso,
aceitando pedidos de extradição dos próprios nacionais, como alguns casos nos EUA, Itália e
Inglaterra, mas sob condição de reciprocidade. O Brasil tem como regra geral a nãoextradição dos próprios nacionais, mas nem sempre foi assim, pois no início da década de
21
XX, vigorava a Lei de 1911, pela qual o país permitia a extradição dos brasileiros, lei essa que
foi revogada mais tarde, com a promulgação da Constituição de 1934.
2.2.4 Ter Filho Brasileiro Não Impede a Extradição
Segundo a Súmula nº. 421 do Supremo Tribunal Federal, ter filho nascido no Brasil
não impede que a pessoa seja extraditada. Portanto, mesmo que a pessoa que esteja
respondendo processo de extradição tenha filho nascido no Brasil e seja responsável por este,
não será recusado o pedido de extradição devido a este fato.
Um caso bastante debatido e tumultuado foi o da cantora mexicana Glória Trevi, já
mencionada anteriormente, que ao ser presa pela polícia brasileira, acabou por engravidar
dentro da própria prisão, levantando inclusive várias suspeitas entre os policiais e agentes que
faziam a sua guarda. O caso teve uma repercussão também pelo fato de que ela talvez não
pudesse mais ser extraditada pelo simples fato de estar grávida, porém, após o parto da
criança a cantora foi extraditada para o México, reforçando o entendimento do STF, conforme
abaixo:
Súmula nº. 421. Não impede a extradição a circunstância de ser o
extraditado casado com brasileira ou ter filho brasileiro.
Veja-se no julgado proferido nos autos da Ext 984 / EUA6:
EXTRADIÇÃO - Relator(a): Min. CARLOS BRITTO
Julgamento, no site do STF: "EXTRADIÇÃO. HOMICÍDIO DOLOSO.
ALEGAÇÃO DE QUE A ACUSAÇÃO É IMPRECISA. PERSEGUIÇÃO
POLÍTICA. NÃO-COMPROVAÇÃO. EXISTÊNCIA DE FILHO
BRASILEIRO DEPENDENTE DA ECONOMIA PATERNA. FATOR
NÃO-IMPEDITIVO DO PROCESSO EXTRADICIONAL. PEDIDO DE
EXTRADIÇÃO DEFERIDO.”
Ao contrário, ressalte-se que no instituto da expulsão não será cabível caso o
indivíduo que esteja no processo tenha filhos brasileiros e seja responsável pela sobrevivência
destes.
6
Ext 984 / EU - ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. EXTRADIÇÃO. Relator: Min. CARLOS BRITTO
Julgamento em: 13/09/2006. Acessado em 26/07/2012. Disponível em:
<http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28ext+984%2ENUME%2E+OU+ext
+984%2EACMS%2E%29&base=baseAcordaos>
22
2.2.5 Extradição: Concurso de Pedidos
O concurso de pedidos se dá quando o indivíduo, que cometeu crime, tenha-o
cometido em diversos países, e pelo mesmo fato, tornando possível várias solicitações de
extradições. Acerca dessa possibilidade, muitos autores divergem nas suas opiniões no que se
refere a qual Estado deverá o estrangeiro ser entregue, sendo as hipóteses: entregar ao Estado
requerente que tenha maior laço político com o país requerido, ou deixar à livre escolha ao
país requerido, ou ainda, com maior uso, a entrega ao Estado onde o delito foi cometido.
Mas e quando existem vários pedidos de extradição, porém, com fatos
diferenciados? Nesta situação a de se levar em conta se as infrações serão de igual gravidade
ou de diferente magnitude. Podendo ser resolvido através de critério de tempo, ou seja, ao
Estado que apresentou primeiro o pedido, bem como se pode levar em consideração o critério
qualitativo, preferenciando o país onde o delito ocorreu de forma mais grave. Ressalte-se que
para esse entendimento houve orientação consagrada no Código de Bustamante e nos
Tratados de Montevidéu de 1889 e 1940.
Por último, coloca-se a situação hipotética de vários pedidos de extradição, por
delitos cometidos com a mesma gravidade, os quais foram formulados na mesma data. Neste
exemplo o próprio Código de Bustamante soluciona em seu Art. 349, a saber:
Art. 349. Se todos os actos imputados tiverem igual gravidade será
preferido o Estado contractante que primeiro houver apresentado o pedido
de extradição. Sendo simultânea a apresentação, o Estado requerido
decidirá, mas deve conceder preferência ao Estado de origem ou, na sua
falta, ao do domicilio do delinquente, se for um dos solicitantes.
2.2.6 Casos de Dupla Nacionalidade
Quanto ao fato de ter-se mais de uma nacionalidade, a própria Constituição Federal
permite, em seu Art. 12, § 4º, inc. II, alíneas ‘a’ e ‘b’, em duas situações:
Art. 12. São brasileiros:
§ 4º - Será declarada a perda da nacionalidade do brasileiro que:
II - adquirir outra nacionalidade, salvo no casos:
23
a) de reconhecimento de nacionalidade originária pela lei estrangeira,
[ou seja, oriunda do nascimento e também conhecida pelo critério do
ius sanguinis].
b) de imposição de naturalização, pela norma estrangeira, ao brasileiro
residente em Estado estrangeiro, como condição de permanência em
seu território ou para o exercício de direitos civis.
Em se tratando de brasileiro nato, que possua dupla nacionalidade e esteja
respondendo processo de extradição, o Supremo Tribunal Federal entende não ser passível do
instituto da extradição, pois se a própria lei constitucional faculta ao brasileiro nato possuir
outra nacionalidade, é direito deste continuar gozando dos efeitos jurídicos.
Veja abaixo o Habeas Corpus n. 834507, impetrado no Supremo Tribunal Federal, a
despeito de processo de extradição envolvendo indivíduo com dupla nacionalidade:
EMENTA: HABEAS CORPUS. INFORMAÇÕES DE PROVÁVEL
PEDIDO
DE
EXTRADIÇÃO.
DUPLA
NACIONALIDADE.
PROIBIÇÃO DE EXTRADIÇÃO DE NACIONAL. Não há nos autos
qualquer informação mais aprofundada ou indícios concretos de suposto
processo em tramitação na Justiça da Itália que viabilizaria pedido de
extradição. O processo remete ao complexo problema da extradição no
caso
da
dupla-nacionalidade,
questão
examinada
pela
Corte
Internacional de Justiça no célebre caso Nottebohm. Naquele caso a
Corte sustentou que na hipótese de dupla nacionalidade haveria uma
prevalecente - a nacionalidade real e efetiva - identificada a partir de
laços fáticos fortes entre a pessoa e o Estado. A falta de elementos
concreto no presente processo inviabiliza qualquer solução sob esse
enfoque. Habeas corpus não conhecido.
7
HC 83450 / SP - SÃO PAULO. HABEAS CORPUS. Relator: Min. MARCO AURÉLIO. Julgamento em:
26/08/2004. Acessado em: 29/07/2012. Disponível em:
<http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28hc+83450%2ENUME%2E+OU+hc
+83450%2EACMS%2E%29&base=baseAcordaos>
24
2.3 PRINCÍPIOS DA EXTRADIÇÃO
2.3.1 Promessa de Reciprocidade
Para se formalizar um pedido de extradição não é necessário que exista um Tratado
entre os países envolvidos, mas deverá se levar em conta a promessa de reciprocidade,
conforme o Art. 76, da Lei 6.815:
Art. 76. A extradição poderá ser concedida quando o governo requerente se
fundamentar em tratado, ou quando prometer ao Brasil a reciprocidade.
Contudo, a reciprocidade deverá obedecer ao Princípio da Especialidade, não sendo
o extraditando processado ou condenado por delitos cometidos que não estejam descritos
previamente no pedido de extradição feito pelo país requerente, conforme o Art. 91, inc. I, do
referido Estatuto do Estrangeiro, abaixo:
Art. 91. Não será efetivada a entrega sem que o Estado requerente assuma
o compromisso:
I - de não ser o extraditando preso nem processado por fatos anteriores ao
pedido.
Mas é possível que, no caso do pedido feito ser insuficiente ou incompleto perante a
descrição dos crimes que o indivíduo supostamente tenha cometido, possa o país requerente
fazer novo pedido, de forma extensiva ao pedido já formalizado, conhecido também como
extradição supletiva ou complementar. O Supremo Tribunal Federal já tem jurisprudência
com este entendimento.
2.3.2 Princípio da Dupla Incriminação do Fato
Outro princípio que se refere ao instituto da extradição é o princípio da dupla
incriminação do fato, ou seja, quando o delito é considerado crime não somente no país que
pede a extradição, mas também no país que concede. Contudo deverá ser fundamental que o
crime cometido pelo indivíduo seja previsto na legislação de ambos os países.
25
Na hipótese de algum país pedir extradição por um mesmo crime que o estrangeiro
também tenha cometido em território brasileiro, no qual já exista inclusive sentença
condenatória com trânsito em julgado, a extradição não será concedida ao país requerente,
como rege o princípio do non bis in idem, onde não deve haver duas ações sobre a mesma
coisa.
Conforme o Art. 5º, § 2º, da Constituição Federal, os princípios mencionados serão
válidos também ao estrangeiro que aqui estiver, mesmo este respondendo processo de
extradição, como se denota:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes:
§ 2º - Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem
outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos
tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.
2.4 DO DIREITO INTERNACIONAL
Segundo o direito internacional, nenhum país é obrigado a extraditar pessoa que se
encontra sobre o seu território nacional, velando o princípio da soberania estatal.
Gilda
Maciel8
escreveu
em
seu
livro
que:
“A
extradição
constitui,
fundamentalmente, um dos aspectos que pode apresentar, na vida internacional, o dever de
assistência recíproca entre os Estados”.
Portanto, seguindo essa linha de raciocínio pode-se afirmar que o fato de
determinado Estado entregar indivíduo a outro, através de um processo extraditório, não
implica dizer que aquele deixa de valer-se da sua soberania, mas sim o contrário, pois cada
vez mais se percebe a facilidade de locomoção dos povos e a evolução dos meios de
transporte, o que implica num maior contato das civilizações, e isso certamente enseja acordos
e tratados cada vez mais intensivos entre os países.
8
REZEK, Francisco. Direito Internacional Público: Curso Elementar. São Paulo: Saraiva, 2005.
26
O Direito Internacional por sua vez, através do conjunto de normas que regulam as
relações externas, tem a função de equilibrar os processos diplomáticos entre os países,
conduzindo as relações de forma pacífica.
Valério Mazzuoli9 escreve no seu estudo sobre Tratados Internacionais, que:
“Os tratados internacionais, especialmente os multilaterais abertos, são
atualmente considerados a fonte mais concreta e importante do direito
internacional público”.
O autor entende que isso ocorre devido ao interesse dos Estados em fazerem parte da
sociedade internacional. Mas, para melhor entendimento acerca do direito internacional,
importante se falar do seu surgimento ao longo da história. Assim, Jeremy Bentham, em 1780,
cunhou pela primeira vez a palavra Direito Internacional em sua obra “An Introduction to the
Principles of Morals and Legislation”. Depois, com a tradução do livro, a palavra se tornou
conhecida em vários idiomas.
Outra designação comumente utilizada é direito das gentes, que passou a ser
sinônimo da expressão direito internacional.
Portanto, pode-se concluir de forma ampla que o direito internacional tem função
essencial na civilização moderna, com suas fontes e jurisprudências, sendo os tratados
internacionais a principal fonte do direito internacional.
No entendimento do jurista Vicente Ráo10:
“Um sistema de princípios e normas que, imposto pela consciência geral,
ou por força de convenções ou tratados, e sancionado pelas organizações
constituídas entre os povos livres, regula as relações entre estas pessoas,
atribuindo-lhes uma reciprocidade de direitos e de obrigações e
estabelecendo, por este modo, os meios existenciais e evolucionais da
comunhão universal, baseada no reconhecimento dos direitos fundamentais
do homem e na segurança da paz”.
9
MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Tratados Internacionais. 2ª ed. Revista Ampliada e Atualizada. Editora
Juarez de Oliveira. 2004.
10
RÁO, Vicente Paulo Francisco. O Direito e a Vida dos Direitos. 1º vol. Ed. Max Limonad. p. 61. São Paulo:
1952.
27
2.4.1 Corte Internacional de Haia
O Tribunal Internacional de Justiça, com sede em Haia, sendo comumente intitulado
de Corte Internacional de Haia, constitui o órgão judiciário principal das Nações Unidas, que
tem como sede o Palácio da Paz.
O Tribunal está previsto no Art. 92 da Carta das Nações Unidas (1945) e tem como
principal atividade a resolução dos conflitos jurídicos entre Estados. Seu surgimento ocorreu
após o fim da Segunda Guerra Mundial, em 1946.
Em sua estruturação, o Tribunal Internacional de Justiça é composto por quinze
juízes, os quais são eleitos pela Assembléia Geral das Nações Unidas. O primeiro brasileiro a
ser indicado para juiz da referida Corte foi Ruy Barbosa, no ano de 1921, mas que não chegou
a tomar posse por questões de saúde. Atualmente, há um brasileiro entre os juízes do principal
Tribunal da ONU, na pessoa do internacionalista Antonio Augusto Cançado Trindade,
empossado em 2009.
2.4.2 Tratado de Compostela
Em novembro de 2010, o Brasil assinou com a Argentina, Espanha e Portugal um
acordo que irá agilizar os procedimentos de extradição, chamado também de extradição
simplificada, favorecendo um maior controle da criminalidade entre esses países. O acordo,
denominado como Tratado de Compostela, foi assinado na cidade espanhola de Santiago de
Compostela, e tem como objetivo diminuir o tempo do trâmite nos processos de extradição
entre os países, tornando mais ágil todo o procedimento e, visando um prazo limite de 30 dias
para o país requerente entregar o estrangeiro, após é claro, do processo de decisão de
conceder-se a extradição.
Em suma, todo o processo da extradição, segundo o documento assinado entre os
países, deverá ter o prazo de um ano para a sua conclusão. Acerca deste assunto, existe
também a possibilidade de que outros países americanos venham aderir ao tratado.
28
2.4.3 Tratados do Brasil com Outros Países
Atualmente, segundo o Supremo Tribunal Federal, o Brasil tem vinte e cinco
tratados bilaterais de extradição, com alguns tratados também tramitando no Congresso
Nacional. São eles:
PAÍS
SITUAÇÃO
ARGENTINA
APROVAÇÃO E PROMULGAÇÃO
AUSTRÁLIA
APROVAÇÃO E PROMULGAÇÃO
BÉLGICA
APROVAÇÃO, PROMULGAÇÃO E ACORDO COMPLEMENTAR
BOLÍVIA
APROVAÇÃO E PROMULGAÇÃO
CHILE
APROVAÇÃO E PROMULGAÇÃO
COLÔMBIA
APROVAÇÃO E PROMULGAÇÃO
CORÉIA DO SUL
APROVAÇÃO E PROMULGAÇÃO
EQUADOR
APROVAÇÃO E PROMULGAÇÃO
ESPANHA
APROVAÇÃO E PROMULGAÇÃO
EUA
PROTOCOLO ADICIONAL, APROVAÇÃO E PROMULGAÇÃO
FRANÇA
APROVAÇÃO E PROMULGAÇÃO
ITÁLIA
APROVAÇÃO E PROMULGAÇÃO
LITUÂNIA
APROVAÇÃO E PROMULGAÇÃO
MERCOSUL
APROVAÇÃO E PROMULGAÇÃO
MÉXICO
APROVAÇÃO E PROMULGAÇÃO
PARAGUAI
APROVAÇÃO E PROMULGAÇÃO
PERU
APROVAÇÃO E PROMULGAÇÃO
PORTUGAL
APROVAÇÃO E PROMULGAÇÃO
REINO UNIDO
APROVAÇÃO, PROMULGAÇÃO E AJUSTE COMPLEMENTAR
REP. DOMINICANA
APROVAÇÃO E PROMULGAÇÃO
ROMÊNIA
APROVAÇÃO E PROMULGAÇÃO
RUSSIA
APROVAÇÃO E PROMULGAÇÃO
SUIÇA
APROVAÇÃO E PROMULGAÇÃO
UCRÂNIA
APROVAÇÃO E PROMULGAÇÃO
VENEZUELA
APROVAÇÃO E PROMULGAÇÃO
Fonte: STF
29
2.5 ESTATUTO DO ESTRANGEIRO
O Estatuto do Estrangeiro, editado através da Lei nº. 6.815 de 1.980, preocupou-se
inicialmente em conciliar a vasta legislação a respeito do tema. Com o passar dos seus trinta
anos de vigência, o texto sofreu algumas modificações legislativas. O Estatuto visa
prioritariamente cuidar das relações a respeito do estrangeiro que ingressa no território
nacional, desde a sua chegada, com enfoque nas áreas da segurança nacional, organização
institucional, interesses políticos, sócio-econômicos e também culturais do país, conforme
estipulado no seu Art. 2º:
Art. 2º. Na aplicação desta Lei atender-se-á precipuamente à segurança
nacional, à organização institucional, aos interesses políticos, sócioeconômicos e culturais do Brasil, bem assim à defesa do trabalhador
nacional.
Acerca do estudo aqui proposto sobre o instituto da extradição, o Estatuto do
Estrangeiro aborda, em seu Art. 83, que:
Art. 83. Nenhuma extradição será concedida sem prévio pronunciamento
do Plenário do Supremo Tribunal Federal sobre sua legalidade e
procedência, não cabendo recurso da decisão.
O vigente Estatuto também traz a percepção do princípio da reciprocidade, que
vislumbra a concessão do pedido de extradição, quando o Estado requerente também prometer
o acordo com o Brasil, ou ainda sob forma de tratado entre os países. Em suma, o Estatuto do
Estrangeiro rege toda e qualquer situação no tocante ao estrangeiro, bem como a situação
jurídica deste no Brasil.
O Estatuto criou ainda o Conselho Nacional de Imigração, vinculado ao Ministério
do Trabalho, responsável pelo controle e coordenação das atividades de imigração.
30
2.6 DO PROCESSO DE EXTRADIÇÃO
2.6.1 Início do Processo
Todo processo de extradição começa, de forma administrativa, com uma nota verbal
feita através da embaixada do país, de forma diplomática, na qual se pede a entrega do
suposto contraventor, sendo essa nota endereçada ao Ministério das Relações Exteriores do
Brasil (MRE). Uma ressalva a ser feita, é que tal pedido de extradição deverá ter algumas
formalidades devidamente preenchidas e, sobretudo, principalmente a respeito das provas e
documentos oferecido pelo país requerente.
Então, ao receber a nota, o MRE remete-se ao Ministério da Justiça que, por sua vez,
analisa o pedido e toma as devidas providências cabíveis, neste caso com a efetiva prisão do
extraditando, encaminhando tão logo para apreciação, por meio de ofício, ao Supremo
Tribunal Federal, o qual distribuirá para um Ministro Relator.
O Ministério da Justiça fica, a partir desse momento, posicionado como elo entre a
embaixada do país requerente e o judiciário brasileiro.
O Ministro Relator ou o juiz do local da prisão irá então interrogar o preso
estrangeiro por meio de carta de ordem, abrindo-se o prazo de defesa. Após essa fase o
processo chega à Procuradoria Geral da República, que irá emitir um parecer sobre o caso e
devolver para o relator do Supremo Tribunal.
O Ministro Relator, após analisar os autos, prepara seu voto e leva o processo a
julgamento para os demais ministros, no plenário da Corte.
2.6.2 Análise e Votação do Supremo Tribunal
Um dos pontos cruciais deste estudo é quanto à questão da análise da extradição,
sendo o Supremo Tribunal Federal o órgão responsável por processar, analisar e julgar as
extradições solicitadas por Estados requerentes, como determina a Constituição Federal no
seu Art. 102, inc. I, alínea ‘g’:
Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda
da Constituição, cabendo-lhe:
I - processar e julgar, originariamente:
31
g) a extradição solicitada por Estado estrangeiro;
O Supremo Tribunal Federal é o órgão que ocupa a cúpula do Poder Judiciário,
tendo como principal competência a guarda da Constituição, conforme o Art. 102, já citado.
Portanto, embora o processo de extradição de preso estrangeiro percorra e movimente
diversos órgãos, caberá ao STF a função de analisar todos os requisitos do pedido, sendo estes
previstos tanto na Constituição Federal, quanto no Estatuto do Estrangeiro (Lei nº. 6.815 de
1.980).
Encerrada toda a fase judicial do processo, e emitido o acórdão autorizatório ou não
da extradição, voltam os autos ao Poder Executivo, para que o Chefe do Executivo possa
decidir politicamente a respeito da extradição. Portanto, mesmo após decisão do Supremo
Tribunal por eventual deferimento da extradição, poderá o Presidente da República dar a
palavra final.
2.6.3 Discricionariedade do Chefe do Poder Executivo
O Presidente da República, mesmo após análise e julgamento pela Corte Suprema a
respeito do processo de extradição, terá a outorga da decisão final, se entrega ou não o
extraditando ao país requerente. Esse é um entendimento de alguns ministros do Supremo
Tribunal, porém não da maioria absoluta, encontrando divergências e levantando situações
que devem ser consideradas.
Em capítulo adiante deste estudo veremos a opinião de alguns ministros sobre a
palavra final do Chefe do Executivo, com indagações e esclarecimentos tanto de forma
favorável a este entendimento, como também contrária a este.
32
3 EXTRADIÇÃO 1085: CASO CESARE BATTISTI
3.1 Cesare Battisti
Cesare Battisti, hoje com 57 anos de idade, foi condenado pela Justiça da Itália, seu
país de origem, à prisão perpétua pelos crimes de participação de quatro assassinatos,
ocorridos entre os anos de 1977 e 1979. Na época Battisti fazia parte do grupo de extremaesquerda Proletários Armados pelo Comunismo, o PAC, que marcou pela sua violência
política e terrorismo, assaltos e outros delitos ocasionados na época.
Após sua primeira condenação pela Justiça italiana, em 1981, Battisti fugiu da prisão
e conseguiu se refugiar na França, escapando mais tarde para o México e, depois novamente
retornou para a França onde ficou até o ano de 2004, quando o país aceitou o pedido de
extradição feito pela Itália. Porém, antes mesmo que o documento fosse assinado Battisti
fugiu para o Brasil. Em 2007 o governo da Itália formulou então seu pedido de extradição ao
Brasil, sendo preso pela polícia brasileira logo em seguida, na cidade do Rio de Janeiro. No
ano seguinte o Comitê Nacional para os Refugiados (CONARE), órgão que julga os pedidos
de asilos no país, rejeitou o pedido de refúgio do italiano.
Após a negativa, a defesa de Battisti, à luz do Artigo 29 da Lei nº. 9.474 de 1997,
recorreu ao Ministro da Justiça Tarso Genro, o qual foi favorável ao pedido de refúgio,
inclusive utilizando de muitos doutrinadores na sua concessão.
Art. 29. No caso de decisão negativa, esta deverá ser fundamentada na
notificação ao solicitante, cabendo direito de recurso ao Ministro de
Estado da Justiça, no prazo de quinze dias, contados do recebimento da
notificação.
Tarso Genro citou o jurista Francisco Rezek11 quando da fundamentação do seu
despacho, tanto na questão de elucidar crime político, veja-se:
“Asilo político é o acolhimento, pelo Estado, de estrangeiro perseguido
alhures – geralmente, mas não necessariamente, em seu próprio país
patrial – por causa de dissidência política, de delitos de opinião, ou por
11
REZEK, Francisco. Direito Internacional Público, 11ª ed., São Paulo: Saraiva, 2008, p. 214-215.
33
crime que, relacionados com a segurança do Estado, não configuram
quebra do direito penal comum...”
Como da decisão da sua concessão do refúgio, segundo Rezek12:
"A qualificação de tais indivíduos como refugiados, isto é, pessoas que não
são criminosos comuns, é ato soberano do Estado que concede o asilo.
Cabe somente a ele a qualificação. É com ela que terá início ou não o
asilo".
O assunto obviamente gerou ainda muitas críticas e acima de tudo controvérsia,
tendo uma grande repercussão na mídia internacional, principalmente com relação aos países
envolvidos diretamente, como também opiniões diversas entre outros países, mostrando
alguns a favor da decisão, porém outros indo de forma contrária a atitude tomada pelo
ministro.
3.2 Histórico do Processo
Sem sombra de dúvidas o caso do italiano Cesare Battisti foi um dos mais polêmicos
e complexos casos de extradição já julgados pelo Supremo Tribunal Federal, portanto, a partir
de agora se discutirá e detalhará alguns importantes pontos de debates, dúvidas, controvérsias
e repercussão que o caso originou e, acima de tudo, com a palavra final dada pelo Chefe do
Executivo.
A fundamentação do pedido feito pela Itália em favor da extradição do ex-terrorista
e escritor Cesare Battisti se dá pela sua condenação naquele país, como já mencionado, onde o
ex-ativista teria cometido quatro crimes de homicídio: homicídio premeditado do agente
penitenciário Antonio Santoro; homicídio de Pierluigi Torregiani; homicídio premeditado de
Lino Sabbadin; e, homicídio premeditado de Andréa Campagna. Recebendo para tanto, por
decisão da Corte de Apelações de Milão, a pena de prisão perpétua com isolamento diurno
inicial por seis meses.
Detido no Brasil em 2007, Battisti ficou preso no Complexo Penitenciário da
Papuda, localizado em Brasília/DF, onde permaneceu por quatro anos até o início do seu
12
REZEK, Francisco. Direito Internacional Público: Curso Elementar. São Paulo: Saraiva, 2005.
34
julgamento no Supremo Tribunal. Dentre todo esse período de espera na prisão alguns
parlamentares do Congresso Nacional tiveram contato direto com o extraditando, a exemplo
do senador Eduardo Suplicy, que deu entrevistas, inclusive atribuindo as denúncias contra o
italiano à ex-integrantes da luta armada que tiveram a liberdade em troca da delação
premiada.
O senador disse na época à imprensa que Battisti não teve sequer o direito de se
defender das acusações, conforme segue:
Senador Eduardo Suplicy:“Cesare Battisti foi julgado à sua revelia, na sua
ausência, explicou-me que nunca um juiz italiano, uma autoridade policial
italiana teria perguntado a ele que você matou tal ou qual pessoa, e
efetivamente não há registro de qualquer testemunha a não ser aqueles que,
para conseguir a sua liberdade utilizaram do instrumento da delação
premiada para acusá-lo como sendo responsável por estes quatro
assassinatos que o fizeram ser condenado à prisão perpétua”. (TV Justiça.
Grandes Julgamentos do STF. Julgamento Conjunto Ext 1085 e MS 27875.
Realizado em setembro de 2009. Acessado em 02/08/2012. Disponível em:
http://www.tvjustica.jus.br/index/).
Outros parlamentares ainda defenderam abertamente a soltura imediata de Battisti,
alegando principalmente a soberania do Brasil. Em 2008, o caso entrou em pauta no Supremo
Tribunal Federal, quando o Conselho Nacional para os Refugiados decidiu negar o pedido de
refúgio feito pelo estrangeiro, porém meses depois o próprio ministro da Justiça na época,
decidiu voltar atrás e conceder o pedido de refúgio, entendendo que Battisti sofria perseguição
no seu país de origem.
Após a decisão do ministro da Justiça, a Suprema Corte, que se opôs à decisão da
concessão do refúgio, decidiu enfrentar aquele que seria um dos grandes julgamentos já
realizados na história, atendendo ao pedido de extradição feito pela Itália.
Finalmente, no ano de 2009 começa o julgamento (EXT 1085) pelo Suprema Corte,
fazendo jus a um dos mais complexos e tumultuados julgamentos da história, cassando
inclusive o refúgio concedido a Cesare Battisti.
35
3.3 Supremo Tribunal Federal: Votação
Na tarde do dia 18 de novembro de 2009 concluiu-se no Plenário do Supremo
Tribunal Federal a votação que decidiria o pedido de extradição de Cesare Battisti, feito pela
Itália, país requerente. A votação durou várias sessões. O Ministro Relator do processo, Cezar
Peluso, iniciou o processo de votação decidindo a favor da extradição.
Na sua argumentação Peluso fez uma ressalva no seu posicionamento perante a
questão da obrigatoriedade do Presidente da República em respeitar a decisão do Supremo. O
Ministro Relator afirmou ainda que não existe no ordenamento jurídico brasileiro, qualquer
norma em que o Chefe do Executivo tenha o poder discricionário de decisão sobre os
processo de extradições feitas pela Corte Suprema. A saber:
Ministro Cezar Peluso: “Não há portanto a decidir como emprestar caráter
político às ações homicidas cuja cumulações fundamentam o pedido pois
foram praticados em contextos diversos a margem de qualquer propósito
legítimo de tomada do Estado. Acho precisa no termo a manifestação do
então Procurador Geral da República, Antônio Ferreira Barros, que
amenizando a questão reconheceu textualmente que não existe no caso delito
político. Os homicídios que fundamentam o pedido de extradição parece
desprezo pela vida humana, que contrasta com o caráter nobre de uma ação
política voltada para a reformas do Estado”. (TV Justiça. Grandes
Julgamentos do STF. Julgamento Conjunto Ext 1085 e MS 27875. Realizado
em setembro de 2009. Acessado em 02/08/2012. Disponível em:
http://www.tvjustica.jus.br/index/).
O Ministro Marco Aurélio defendeu a concessão do refúgio, concedido ao exativista italiano, alegando ser um instrumento internacional de proteção à pessoa humana, nos
seguintes termos:
Ministro Marco Aurélio: “O refúgio como instrumento de proteção
internacional da pessoa humana tem caráter humanitário, aplicando-se a ele
o princípio in dubio pro reo, na dúvida a decisão de reconhecimento deverá
reclinar-se a favor do solicitante do refúgio. Merece destaque o fato de que o
requerente renunciou a luta armada, constituiu família, teve duas filhas e vive
36
pacificamente como escritor há muitos anos. O pedido de extradição é para
cumprimento de prisão perpétua”. (TV Justiça. Grandes Julgamentos do STF.
Julgamento Conjunto Ext 1085 e MS 27875. Realizado em setembro de 2009.
Acessado em 02/08/2012. Disponível em: http://www.tvjustica.jus.br/index/).
A ministra Cármen Lúcia em sua votação foi contrária ao pedido de extradição,
ressaltando ainda que a conclusão final do pedido será de apreciação do Presidente da
República.
Ministra Cármen Lúcia: “Apenas ratifico portanto meu voto no sentido de
indeferir a extradição com a conclusão que deferida que venha a ser,
parece-me que a competência atribuição constitucional realmente para
decidir sobre a entrega em última instância é do Presidente da República,
claro, cumpridas não apenas as leis, mas inclusive o Tratado aplicado
especificamente as peculiaridades do caso”. (TV Justiça. Grandes
Julgamentos do STF. Julgamento Conjunto Ext 1085 e MS 27875.
Realizado em setembro de 2009. Acessado em 02/08/2012. Disponível em:
http://www.tvjustica.jus.br/index/).
Acompanhando o voto do Ministro Relator, a Ministra Ellen Gracie se colocou a
favor da extradição, adotando as mesmas razões expostas pelo Relator do processo.
Ministra Ellen Gracie: “Nesta linha de raciocínio e adotando as razões que
foram bem expostas pelo eminente relator, como também pelo eminente
ministro Ricardo Lewandowski e pelo ministro Carlos Britto e pedindo
todas as vênias aos votos divergentes, que eu acompanho a conclusão para
deferir a extradição, com as ressalvas já postas nos votos anteriores, ou
seja, a detração e a limitação de trinta anos da pena de prisão”. (TV
Justiça. Grandes Julgamentos do STF. Julgamento Conjunto Ext 1085 e MS
27875. Realizado em setembro de 2009. Acessado em 04/08/2012.
Disponível em: http://www.tvjustica.jus.br/index/).
37
O ministro Joaquim Barbosa votou contra a extradição de Battisti, lembrando não
caber ao Supremo Tribunal Federal avaliar a gravidade do crime praticado pelo extraditando,
argumentando ainda que a decisão de entregar ou não o estrangeiro é política, ficando a cargo
exclusivo do Chefe de Estado.
Ministro Joaquim Barbosa: “Voto portanto, no sentido de declarar a
prejudicialidadedo do processo de extradição como consequência da
decisão do ministro do Estado da Justiça, de conceder o refúgio ao
extraditando. Em consequência, determino a expedição do alvará de
soltura em benefício do extraditando, que ao meu ver encontra-se preso
ilegalmente desde o dia 15 de janeiro de 2009, quando o governo brasileiro
lhe concedeu o status de refúgio”. (TV Justiça. Grandes Julgamentos do
STF. Julgamento Conjunto Ext 1085 e MS 27875. Realizado em setembro
de
2009.
Acessado
em
04/08/2012.
Disponível
em:
http://www.tvjustica.jus.br/index/).
O voto do ministro Ricardo Lewandowski foi favorável à extradição e, como seus
colegas de plenário, ressaltou que a decisão final será Presidente da República, alertando
ainda ao tratado assinado com o governo italiano e também ao critério do ‘pacta sun
servanda’, o qual o país se comprometeu a honrar o acordo de extradição entre os países,
sobretudo alegando que o desacordo deste tratado poderá levar o país à sanções previstas no
direito internacional.
Ministro Ricardo Lewandowski: “É bem verdade que a decisão final
quanto a extradição entre nós cabe ao Presidente da República, a que a
Constituição Federal comenta nos termos do artigo 84, inciso VII, manter
relações com estados estrangeiros. Ocorre que, no exercício desta
competência, o Presidente da República obrigou-se mediante o tratado
assinado com o governo da Itália e segundo o critério do pacta sun
servanda, a observar as suas obrigações no tocante as extradições as quais
se comprometeu a honrar em determinadas situações”.
“Em síntese, a obrigação do Chefe do Poder Executivo de extraditar
Cesare Battisti decorre do pronunciamento afirmativo do lir o’pst
veiculado pelo Supremo Tribunal Federal relativamente a sua extradição,
38
somados as suas disposições contidas em tratado celebrado com a Itália
para tal efeito, ao qual o Brasil, no exercício de sua soberania, entendeu
por bem sujeitar-se. Então senhor Presidente, eu estou reiterando meu voto,
deferindo o pedido de extradição nos termos supra, entendendo, portanto,
que o presidente nestes termos está distrito não apenas a decisão do
Supremo Tribunal Federal, mas também ao que dispõe o tratado de
extradição que celebrou com a Itália”. (TV Justiça. Grandes Julgamentos
do STF. Julgamento Conjunto Ext 1085 e MS 27875. Realizado em
setembro
de
2009.
Acessado
em
04/08/2012.
Disponível
em:
http://www.tvjustica.jus.br/index/).
O ministro Eros Grau por sua vez votou de forma contrária à extradição do exativista, afirmando a legalidade do refúgio político do italiano no Brasil. Logo após ler seu
voto o ministro Grau protagonizou um embate com o Relator do processo, Ministro Cezar
Peluso. A discussão aconteceu devido às alegações e críticas do Ministro Relator perante a
decisão do então Ministro da Justiça, que concedeu o refúgio ao extraditando.
Ministro Eros Grau: “Para que não surja nenhuma dúvida com relação ao
que se votou antes, se cabia ou não cabia extradição, eu votei no sentido de
que não cabia extradição”. (TV Justiça. Grandes Julgamentos do STF.
Julgamento Conjunto Ext 1085 e MS 27875. Realizado em setembro de 2009.
Acessado em 04/08/2012. Disponível em: http://www.tvjustica.jus.br/index/).
O ministro Ayres Britto, em sua votação a favor da extradição, fez uma análise junto
ao dispositivo contido na Lei nº. 6.815, que define o Estatuto do Estrangeiro, quanto à questão
da apreciação do Supremo Tribunal Federal ante a qualquer pedido de extradição ao país,
enfocando ainda que a decisão final seria do presidente da República, mas passando pelo
prévio conhecimento e análise da Suprema Corte.
Ministro Ayres Britto: “O Artigo 83 do Estatuto do Estrangeiro, que o
nosso Regimento Interno reproduz no artigo 207 sob a seguinte dicção: não
se concederá extradição sem prévio pronunciamento do Supremo Tribunal
Federal sobre a legalidade e a procedência do pedido, observada a
39
legislação vigente”. “O Supremo apenas se pronuncia previamente, mas
não é quem extradita. Quem extradita não pode fazê-lo sem esta previedade
de exame do Supremo Tribunal Federal”. “Essa decisão é histórica, seja
qual for”.
“O Cesare Battisti, ele foi julgado por todas as instâncias do poder
judiciário italiano, todas as instâncias, a condenação dele, ou pelo menos o
direito dele de se defender sob o devido processo legal, razoável, isso foi
confirmado pelos Tribunais de Justiça, pela Corte de Justiça Superior da
França e pelo Estado e pelo Conselho de Estado da França. Ele foi julgado
pela Corte Européia de Direitos Humanos. O pedido dele aqui no Brasil foi
negado pelo CONARE. O CONARE não enxergou motivação política dos
crimes, entendeu que os crimes foram comuns”. “Então, diante de todos
esse fatores eu não tive dúvida”. “O fato é que o Estado da Itália merece
toda a nossa consideração, e a justiça italiana também”. “Porém, agora,
nesse caso em que estamos focadamente decidindo se o Supremo da a
última palavra em matéria extradicional ou quem dá a última palavra é o
Presidente da República, eu peço vênia para os que entendem
diferentemente e, para cravar o meu entendimento, no sentido de quem dá a
última palavra é o Presidente da República”. (TV Justiça. Grandes
Julgamentos do STF. Julgamento Conjunto Ext 1085 e MS 27875.
Realizado em setembro de 2009. Acessado em 04/08/2012. Disponível em:
http://www.tvjustica.jus.br/index/).
O Plenário do Supremo Tribunal Federal, no dia 18/11/2009, autorizou, com uma
votação de cinco votos a quatro, a Extradição n. 1085, do ex-ativista italiano Cesare Battisti
para a Itália. Ao proferir o último voto sobre o mérito do pedido, Gilmar Mendes, presidente
da Suprema Corte, se colocou a favor do pedido de extradição, desempatando a votação e
alegando que os crimes imputados a ele não tiveram conotação política.
Ministro Gilmar Mendes: “Evidenciado com essas considerações, a
predominância do intento da prática de crime comum em relação a
motivação política, bem como a própria vedação legal ao deferimento da
acolhida por haver o beneficiário praticado crime, a caracterização deste
crime como crime político e assim como já entendia não poderá haver aqui,
com esse fundamento a concessão do refúgio. Portanto estou me
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manifestando em favor da extradição na linha do voto do eminente
Relator”. (TV Justiça. Grandes Julgamentos do STF. Julgamento Conjunto
Ext 1085 e MS 27875. Realizado em setembro de 2009. Acessado em
04/08/2012. Disponível em: http://www.tvjustica.jus.br/index/).
Com o final da votação, a Corte autorizou a extradição de Cesare Battisti, ficando
vencidos os votos dos ministros Cármen Lúcia, Joaquim Barbosa, Eros Grau e Marco Aurélio,
os quais se posicionaram contra o pedido da entrega de Battisti à Itália, país requerente.
Ainda, na mesma sessão, os ministros debateram e ficou decidido que a última palavra sobre o
tema e, portanto, a efetiva entrega ou não do italiano caberia ao presidente da República, Luiz
Inácio Lula da Silva. Os ministros José Antônio Dias Toffoli e José Celso de Mello Filho se
julgaram impedidos e não participaram da votação.
3.4 Chefe do Executivo: Palavra Final
Como assunto chave deste estudo, sabemos que o Supremo Tribunal Federal é a
instância competente para julgar o pedido de extradição impetrado pelo governo do Itália,
como bem descreve a Constituição Federal, em seu Art. 102, inc. I, alínea “g”, porém, a
palavra final será sempre do Poder Executivo, ou seja, cabendo ao Presidente da República o
deferimento ou não da extradição anteriormente autorizada pela Suprema Corte. Veja-se:
Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda
da Constituição, cabendo-lhe:
I - processar e julgar, originariamente:
g) a extradição solicitada por Estado estrangeiro;
Na segunda parte da sessão, os ministros analisaram e debateram sobre a questão do
Presidente da República em cumprir ou não a decisão tomada pelo Supremo Tribunal. O
debate, após gerar muita discussão, teve por cinco votos a quatro o entendimento de que o
Chefe do Executivo tem o poder da última palavra na decisão de extraditar ou não o italiano
Cesare Battisti.
O ministro Gilmar Mendes, voto vencido nessa questão, alegou que além do próprio
tratado de extradição assinado entre a Itália e o Brasil, também o Estatuto dos Estrangeiros
41
obriga a entrega do extraditando ao país requerente, portanto, sem poder discricionário de
decisão por parte do Presidente da República.
Já o ministro Eros Grau reforçou sua decisão e pensamento ao dizer que os crimes
cometidos pelo italiano Battisti são de natureza política, observando ainda que qualquer que
fosse a decisão do Presidente da República, este não estaria contrariando a decisão da Corte
Suprema.
Assim como o voto de Gilmar Mendes, o ministro Cezar Peluso teve seu voto
vencido, mas reforçou sua convicção de que o Presidente deveria respeitar a decisão do
julgamento em relação ao processo.
Os ministros Ricardo Lewandowski e Ellen Gracie também tiveram seus votos
vencidos na questão do poder discricionário do Chefe do Executivo. Lewandowski disse que
o presidente estaria limitado à decisão do Supremo e também ao tratado celebrado entre os
países em questão.
A ministra Ellen Gracie aproveitou para registrar que essa é a primeira situação de
desacordo do Presidente da República do Brasil perante uma decisão debatida no Supremo
Tribunal Federal, envolvendo extradição.
O ministro Marco Aurélio decidiu em seu voto ser também do Presidente da
República a última decisão sobre o processo. Da mesma forma seguiram os ministros Joaquim
Barbosa, Carlos Ayres Britto e Cármen Lúcia.
Alexandre de Moraes13 tem o seguinte entendimento sobre a questão da palavra final
sobre o tema:
“Findo o procedimento extradicional, se a decisão do Supremo Tribunal
Federal, após a análise das hipóteses materiais e requisitos formais, for
contrária à extradição, vinculará o Presidente da República, ficando
vedada a extradição. Se, no entanto, a decisão for favorável, o Chefe do
Poder Executivo, discricionariamente, determinará ou não a extradição,
pois não pode ser obrigado a concordar com o pedido de extradição,
mesmo que, legalmente, correto e deferido pelo STF, uma vez que o
deferimento ou recusa do pedido de extradição é direito inerente à
soberania. (STF, RF 221/275).”
13
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 11ª ed. Atlas. São Paulo: 2002. p. 117 e 118.
42
3.5 Tratado Bilateral: Brasil e Itália
Em 1.989, em Roma, é assinado, entre a República Federativa do Brasil e República
Italiana, de forma bilateral, o Tratado de Extradição, o qual é vislumbrado pelo Art. 84, inc.
VIII, da Constituição Federal do Brasil. Assim:
Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República:
VIII - celebrar tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos a
referendo do Congresso Nacional;
Também o Decreto nº. 863, de 1.993, ratifica o Tratado de Extradição entre os
países.
43
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esse trabalho proporcionou uma extensa linha de raciocínio, não só pela grande
complexidade que existe diante de um caso de extradição no país, mas acima de tudo pelas
circunstâncias e direcionamentos que o fato teve na sua finalização, sem contar a enorme
repercussão obtida diante o assunto, a qual gerou muitas polêmicas e discussões por parte dos
ministros da Suprema Corte, como também em diversos órgãos e entidades públicas.
Entendo, através dos votos da maioria dos ministros representantes do Supremo
Tribunal, os quais deram seguimento e julgaram o caso em epígrafe neste trabalho, que a
palavra ou decisão final, de todo e qualquer processo de extradição julgado, será
incontestavelmente do Presidente da República, até mesmo pelo simples fato de que este foi
eleito democraticamente para representar o país e a nação, inclusive nas questões de cunho e
interesse internacional.
O estudo remete também a uma grande ponderação sobre os debates, pensamentos e
opiniões contrárias, principalmente devido ao fato de que a soberania nacional, de certa
forma, vigora e entra em ação.
Destarte, compreendo de forma bastante clara, à luz do caso trazido em pauta, que
compete sem sombra de dúvidas à Suprema Corte o dever e o poder de julgar os processos de
extradição, contribuindo assim para a resolução do mérito de cada caso, porém, como já dito
anteriormente, cabendo a decisão final, a qual põe fim ao processo, ao Chefe do Executivo,
mesmo porque, estamos diante de um fato político, onde ambos os países, requerente e
requerido, tratam e acordam sobre a matéria de forma livre.
Ainda, necessário se faz ressaltar, que seja qual for a decisão final tomada pelo
Presidente da República, mesmo que esta tenha vertente contrária ao entendimento do
Supremo Tribunal, de forma alguma gerará algum tipo de descaso ou afronta à Corte
Suprema.
Destaco o importante papel político do Presidente da República diante das decisões
as quais envolvem outros Chefes de Estado e, acima de tudo, com uma grande percepção da
importância dos tratados e acordos bilaterais, os quais unem e pacificam as nações, sempre
com o propósito de comprometimento de um país com o outro.
Contudo, ressalto que o instituto da extradição, independentemente das razões e
motivos pelo qual o país requerente venha alegar, deve ser sempre em conformidade às leis,
normas e situações admitidas no Brasil, ou seja, como se o crime imputado à pessoa do
44
extraditando fosse possível de ser julgado no nosso judiciário, tornando impossível a
extradição de indivíduo que tenha cometido algo que não seja considerado crime aqui.
45
REFERÊNCIAS
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47
ANEXOS
Jornal Brasil de Fato – 28/01/2011
48
Corriere Della Sera – 31/12/2010
La Repubblica – 19/11/2009
49
O Estado de S. Paulo – 17/04/2008
50
O Estado de S. Paulo – 13/11/1997
51
O Estado de S. Paulo – 28/06/1984
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