A explicação em (alguns) géneros institucionais Ana Caldes Abstract: In this paper we aim at presenting some considerations on the functioning of explication as a linguistic phenomenon in texts produced in institutional contexts. To do so, we take as a point of departure the notion of sequence, as it is conceived by Jean-Michel Adam, in his approach to the sequential typology of texts. Further, we will focus on the general functioning of the explicative sequence, as far as it is described by the author, trying to show how it occurs in texts belonging to different text genres. Bearing in mind that genres are strictly connected to social and human activities, we will try to show by which means the occurrence of explication is sensitive not only to the institutional context of production of each text, but also to the nature of the genre each text belongs to. é verdade que ela cumpre funções 1. Introdução Grosso modo, a maioria dos textos produzidos institucional estão em contexto sujeitos aos particulares e, portanto, distintas, consoante a natureza e/ou os objectivos pragmáticos dos textos em que ocorre. constrangimentos internos às próprias No presente instituições que os geram; de facto, as reflectir por que meios e de que forma a produções textuais não podem deixar de explicação se manifesta nas produções estar vinculadas às finalidades sociais textuais vinculadas ao funcionamento associadas a cada instituição, ao estatuto de uma determinada instituição, tendo que ocupam os sujeitos nela envolvidos em e ao funcionamento que lhe é inerente. linguístico não é alheio aos aspectos que Ora é justamente em função de aspectos condicionam e “formatam” a concepção como aqueles que se acabaram de desses textos nos diferentes contextos referir que alguns textos apresentam um institucionais. conta trabalho, que aquele pretende-se fenómeno carácter necessariamente explicativo ou, melhor dizendo, que a explicação se 2. Da noção de sequência à sequência assume como uma característica sine enquanto unidade textual Segundo J. M. Adam, o termo qua non dos mesmos. há sequência designa uma unidade textual, determinadas regularidades que podem organizada do ponto de vista da sua ser apontadas ao nível da explicação estrutura, que se comporta, nos termos enquanto fenómeno linguístico, também em que o próprio autor a define, como Por outro lado, se uma “rede relacional hierárquica” a - une entité relativement funcionar a dois níveis: ao nível local autonome, dote d´une das suas relações internas, uma vez que organisation interne qui os elementos constituintes de uma lui est propre et donc en sequência se apresentam relation como de dépendance/indépendanc interdependentes entre si; por outro e avec l´ensemble plus lado, ao nível global, no sentido em que vaste esta unidade textual, ainda que dotada dont elle fait partie.» de uma relativa autonomia, não pode deixar de estar em relação com o todo ADAM (1992: 28) maior de que faz parte – o próprio texto. Na perspectiva do que defende Vejam-se as palavras do autor: Adam, a sequencialidade, ou seja, a constituição do texto em sequências «L´ unité textuelle que je representa designe para la notion de organização da textualidade. Assume- séquence définie peut être comme une STRUCTURE, um dos planos de se, portanto, que qualquer texto integra um número variável de sequências, que c´est-à- estas dire comme: últimas são formadas por macroproposições, os quais, por sua - un réseau relationnel hiérarchique:grandeur vez, integram unidades de nível inferior decomposable en parties − as proposições – numa relação reliées hierárquica entre elles et que se apresenta esquematicamente da seguinte forma: réliees aut tout qu´elles constituent; [#T# [Séquence(s) [macro-proposition(s) [proposition(s)]]]] ADAM (1992: 30) natureza. É neste sentido que o autor estipula a existência de cinco protótipos Apesar mesmo de processo obedecerem de ao de sequências de base – narrativa, constituição descritiva, argumentativa, explicativa e hierárquica (em macroproposições e dialogal proposições) actualizados, as sequências não partilham, porém, todas a mesma – passíveis de forma de serem única e particular, em cada exemplar de texto. Por conseguinte, refere Adam: «Un fenómeno linguístico da explicação na TEXTE est une structure hiérarchique sua dupla dimensão: uma dimensão complexe comprenant n séquences – sequencial – partindo do princípio que a elliptiques ou complètes – de même ocorrência de sequências explicativas type ou de types différents» (ADAM, obedece a uma esquema prototípico que 1992: 34). se processa em três fases essenciais, Apresentando cada protótipo de segundo Adam – a fase do problema (ou e questionamento, realizado em termos de características próprios, interessa-nos “Porquê?” ou “Como?”), da explicação aqui reflectir especialmente sobre o propriamente funcionamento e as particularidades da questionamento sequência conclusão-avaliação sequência um dita (a resposta anterior) (em ao e da que se tipo explicativo, no apontar algumas das sintetiza a informação dada na fase regularidades que a definem enquanto imediatamente anterior). A todas estas unidade textual prototípica. É disso que fases antecede, facultativamente, uma tentaremos dar conta o ponto seguinte. fase 0, chamada de “Esquematização sentido de funcionamento de inicial” (ou seja, uma fase que é anterior à fase do questionamento). Veja-se o 3. A explicação Para a reflexão a que nos propomos, aceitamos 0. 1. Pourquoi X? (ou Comment? ) 2. Parce que 3. considerar o esquema proposto pelo autor para a sequência explicativa prototípica: Macro-proposition explicative 0: schèmatisation initiale Macro-proposition explicative 1 Macro-proposition explicative 2 Macro-proposition explicative 3 Problème (question) Explication (réponse) Conclusion-évaluation ADAM (1992: 132) À parte a dimensão sequencial que está aceita-se que o acto de explicar visa, associada a este fenómeno, há uma fundamentalmente, a compreensão de dimensão pragmática/discursiva que lhe fenómenos, está implícita, que se prende com a acontecimentos, intenção ou intenções comunicativas necessidade de compreensão surge na que estão na base da explicação. Assim, sequência de um questionamento inicial processos sendo e/ou que a que, de modo explícito ou implícito, associadas aos géneros textuais em está presente no texto (correspondente à análise. fase 1 indicada por Adam). Nesta perspectiva, assume-se que a explicação 4.1. O Auto de apreensão de veículo possui uma finalidade primária geral – automóvel fazer compreender – a qual Veja-se um excerto de um texto é conseguida, textualmente, através da pertencente ao expressão de relações lógicas entre os mencionado, elementos (linguísticos) envolvidos no parcialmente (cf. Anexos, texto 1). A acto de explicar. género que acima transcrevemos ocorrência explicativa manifesta-se, neste excerto, na seguinte 4. A explicação em (alguns) géneros unidade institucionais – análise de textos apreensão do veículo (…) por o veículo Os textos para análise circulam textual: “…procedi à circular na via pública sem que o seu no contexto de uma instituição pública proprietário portuguesa responsabilidade civil obrigatória para − a Guarda Nacional tivesse transferido a Republicana – e pertencem a géneros uma textuais distintos: o auto de apreensão interveniente em acidente de viação.”. Companhia de Seguros. Foi de veículo automóvel (texto 1), o Nesta unidade é indicada uma diapositivo (texto 2), o artigo do acção de autoridade – “a apreensão de Código da Estrada (texto 3) e o croqui veículo” – a qual se apresenta como (texto 4). Para este trabalho, foi uma consequência (sancionatória) do seleccionado um exemplar de texto de facto de o proprietário do veículo não cada um destes géneros, que será ser portador de seguro automóvel, isto tomado como exemplar representativo é, de cada um dos géneros em causa. Na responsabilidade civil obrigatória para análise que se segue, tomaremos como uma Companhia de Seguros”. A acção ponto de partida a estrutura prototípica de autoridade mencionada levanta, por da sequência explicativa proposta por sua vez, um questionamento implícito Adam para identificar, nos textos, as do tipo “Porquê?” – correspondente à ocorrências linguísticas dessa estrutura. fase De seguida, verificaremos de que forma explicativa proposta por Adam − o qual a explicação é utilizada, em cada texto, impõe que seja mencionada causa da para apreensão servir diferentes finalidades, de 1 não da ter “transferido sequência do a prototípica veículo e, consequentemente, o motivo da sanção; Adam); por outro, todo o resto do texto, trata-se, pois, da fase da explicação em que a explicação/resposta (fase 2 do propriamente dita ( a fase 2 do modelo modelo sequencial) aí presente se sequencial): “(…) por o veículo circular concretiza pelo recurso tanto à descrição na seu de acções como à presença da imagem. a Quanto à descrição de acções − via pública proprietário sem tivesse que o transferido responsabilidade civil obrigatória para “Abra… uma seguida… a 20 vezes)”, “Esfregue… a 2 Companhia de Seguros. Foi cabeça “Em interveniente em acidente de viação.”. vezes)” Em suma, pode dizer-se que, neste correcta.” − note-se a focalização seja texto, a explicação surge com vista à na natureza das acções a realizar ou não concretização finalidade (“abra, esfregue, não masque, coloque, específica − fazer compreender para …”) como na localização espacial legitimar autoridade dessas acções (“na ponta da língua, mencionada, o que é conseguido pelo debaixo da língua, sob a língua,…”) e recurso à explicação enquanto resposta na presença de tempos verbais no modo ao questionamento implícito suscitado imperativo, marcados, aliás, do ponto de relativamente à causa da sanção. vista gráfico. Relativamente à presença a de acção uma de e direita”, “Coloque… posição da imagem, esta tem essencialmente o objectivo de “dar a ver” como fazer para 4.2. O Diapositivo O segundo texto em análise (cf. efectuar a recolha da amostra Anexos, Texto 2), pertencente ao pretendida. Pode referir-se, assim, que a género diapositivo, visa explicar os explicação surge, neste texto, com uma procedimentos a levar a cabo para finalidade realizar a recolha de amostras a partir de compreender para fazer agir. prática – a de fazer um “dispositivo de teste oral para detecção de substâncias psicotrópicas”. 4.3. O Artigo do Código da Estrada Neste texto, tomaremos duas grandes Neste texto (cf. Anexos, Texto unidades de análise: por um lado, o 3), o título – “Modo de medir a título (“Recolha de Amostra”) que distância nas curvas” − sugere um levanta um questionamento implícito do questionamento tipo (fazer)?”, correspondente à fase 1 do “Como fazer?” (com correspondência à fase 1 do modelo de esquema sequência prototípica explicativa de explicativa. do prototípico Este tipo da “Como sequência questionamento é resolvido, assim, pelo corpo do texto, Este último texto (cf. Anexos, verificando-se, em que está presente a Texto 4) caracteriza-se por integrar em fase da explicação (fase 2), marcada simultâneo pelo uso de formas impessoais (faz-se) e linguísticos, o que constitui, aliás, um de elementos icónicos e (deve ser elemento característico deste género. Se reformulação de considerarmos, neste texto, apenas a enunciados com o intuito de especificar presença dos elementos icónicos e das e/ou esclarecer o sentido de uma alíneas, vemos que estes não constituem expressão (“deve ser contada a partir elementos do limite…, ou seja, do prolongamento interpretação do texto. De facto, eles pela suscitam no leitor um questionamento estruturas pela contada), do passivas lancil…”), exemplificação suficientes para a fins do tipo “O que é?” para “Como demonstrativos) e pela indicação de (interpretar)?” (a fase 1 do estrutura da “como fazer?” / “como não fazer?” sequência (“…a medição faz-se… e não desde o necessário explicitar a que se referem início da curva…”). tais elementos de forma a resolver o através de imagem (com explicativa), tornando-se Neste texto, verifica-se também défice de sentido que eles, por si só, a presença da fase 3 do modelo geram no texto. A resolução deste sequencial explicativo proposto por défice é resolvida, pois, pelo recurso à Adam – a fase da conclusão-avaliação – legenda (a que se atribui um valor marcada pelo conector “assim”, sendo explicativo, correspondente à fase 2 do que esta terceira fase tem o seu início na modelo sequencial; esta unidade textual unidade textual “Assim, o tracejado da assume, desta forma, o papel de, por um figura 1 é zona de proibição…”. lado, Concluindo, verificamos que no texto elementos em visa significação às alíneas; por outro, fundamentalmente fazer compreender permitir, a posteriori, a interpretação para um global do croqui, e o cumprimento da determinado modo de actuação, à função explicativa que se atribui a este semelhança do que acontece com o género textual. Neste caso, diremos texto anterior. então que a explicação – conseguida análise fazer a agir, explicação explicitando permitir a interpretação icónicos, ao dos atribuir pela presença da legenda neste texto − 4.4. O Croqui visa fazer compreender com o objectivo último de fazer interpretar. 5. Concluindo… Aos diferentes géneros textuais que correntemente circulam no contexto das várias instituições estão associados diferentes objectivos pragmáticos; assim, cada género possui, à partida, uma finalidade comunicativa distinta que o diferencia relativamente aos restantes. Por outro lado, assumimos que aos diversos associados géneros formatos linguísticos mais estão (semio) ou menos estabilizados; estes formatos dão conta, por sua vez, dos diferentes modelos de produção textual adoptados por cada instituição. Ora, pelo que pudemos observar pelos textos em análise, o fenómeno linguístico da explicação é sensível a estes dois aspectos – objectivos pragmáticos e modelos de produção textual − sendo estes determinados em grande medida pelo funcionamento, pelo modo de organização e pelas necessidades das próprias instituições em que os géneros circulam. Por último, pudemos verificar que a ocorrência da explicação não se esgota na sua finalidade geral – fazer compreender – mas que, além disse ela cobre, a finalidades posteriori, específicas e/ou particulares que, sendo próprias de conseguidas cada através textuais distintas. género, de são realizações (1986) «Approches du texte Bibliografia consultada explicatif» in Pratiques nº 51, Setembro, ADAM, Jean-Michel (2001) «Types de textes ou pp. 3-22. genres de discours? Comment LACOYE, Marie-Pierre classer les textes qui disent de et «Le texte explicatif: comment faire?» in Langages caractéristiques de no. 141, Paris: Larousse, pp. 10- fonctionnement communes en 27. français (1999) Linguistique textuelle – disponível no site en portugais», http://www.fl.ul.pt/dlgr/docume Des genres de discours aux textes, Paris: Nathan. et ntos/ling_aplicada_frances.pdf (1997) «Genres, textes, discours: pour une reconception linguistique du genre» Revue in MÉNARD, Louise concept de belge de «Procédés explicatifs», disponível no site http://www.protic.net/profs/men philologie et d´ histoire nº 75, ardl/frtextes/explicatif-scenario2.html pp. 665-681. 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COLTIER, Danielle in http://intra.sje.qc.ca/~francais3es je/texteexplicatif.htm Anexos Texto 1 Aos --- dias do mês de --- de dois mil e --- em (a) --Eu (b) --- Posto --- número ---, da Guarda Nacional Republicana, em cumprimento de (c) alínea --- do nº --- do art.º --- do Código da Estrada, conjugado com o nº --- do art.º --- do decreto Lei nº --- de --- de ---. procedi à apreensão do veículo registado na conservatória do registo de Automóveis de --- com o número --- [...] por (d) o veículo circular na via pública sem que o seu proprietário tivesse transferido a responsabilidade civil obrigatória para uma Companhia de Seguros. Foi interveniente em acidente de aviação. (a) Lugar, Freguesia e Concelho. (b) Nome e Posto. (c) Entidade que mandou proceder à apreensão ou legislação infringida. (d) Motivo da Apreensão […] Texto 2 Recolha da Amostra Abra a boca e esfregue a zona de reacção do Em seguida, esfregue suavemente a zona de dispositivo na mucosa das bochechas, num reacção do dispositivo na mucosa da outra movimento circular repetido (aproximadamente bochecha, igualmente num movimento circular 15 a 20 vezes). Certifique-se de que mantém a repetido (aproximadamente 15 a 20 vezes). cabeça direita. Esfregue suavemente a zona de reacção do Coloque a zona de reacção do dispositivo sob a dispositivo na ponta da língua, num movimento língua, durante cerca de 30 segundos, para repetido (cerca de 15 a 20 vezes). Não masque, absorver a saliva. Indique ao dador que deve chupe, morda ou torça a zona de reacção do segurar o dispositivo com a mão, na posição dispositivo. correcta. A quantidade correcta de saliva recolhida é indicada pelo fluxo das linhas azuis. Esfregue a zona de reacção do dispositivo por debaixo da língua, num movimento repetido (cerca de 15 a 20 vezes). Texto 3 Texto 4