01/11/2010
I. A Certeza Sensível (Die sinnliche Gewissheit) ou:
o Isto ou o Opinar (Das Diese und das Meinen)
[ Primeiro capítulo da secção sobre a Consciência (Bewusstsein)]
•
A tradução de J. Hyppolite faz as seguintes correspondências: meinen – viser; Meinung –
avis; das Meinen – la visée.
•
H. C. Lima Vaz opta por “opinar”, “opinião”, “o que se tem em vista”. E assim justifica:
“Deve-se acentuar o caráter subjetivo do meinen e da Meinung que não consegue captar o
seu objeto tal como ele é em si”.
•
Ainda Lima Vaz: “O capitulo sobre a certeza sensível corresponde aos temas clássicos da
crítica da sensação como ciência”.
• A certeza sensível apresenta-se como o DADO IMEDIATO do
conhecimento:
Saber imediato de um objeto também imediato.
“O saber que é nosso objeto, em primeiro lugar e imediatamente, não
pode ser senão aquele que é, ele próprio, saber imediato, saber do
imediato ou do existente. Igualmente devemos nos comportar de modo
imediato e receptivo e, portanto, não mudando nele coisa alguma com
relação ao modo como se oferece e mantendo afastada da nossa
apreensão a atividade de conceber”. (PhG, par. 90)
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• Comentário de P.-J. Labarrière sobre a certeza sensível como ponto de
partida da fenomenologia:
• “Hegel pretende que nos tornemos presentes à situação mais imediata,
reencontrando a atitude mais simples e mais despojada em face do
saber mais simples e mais despojado. Mas a inteligência desse imediato
é o que exige a mediação mais vasta”. Reconduzimo-nos ao ponto da
origem e da gênese do saber: dele não devemos sair; temos, ao
contrário, de aprofundá-lo, “tomando consciência do que ele esconde”.
(Structures et mouvement dans la Phenomenologie de l’Esprit de Hegel)
• A certeza sensível aparece imediatamente como o conhecimento
mais rico, mesmo “de infinita riqueza”, em amplitude (nenhum limite
no espaço tempo onde ele se expande) e conteúdo (penetrando pela
divisão num fragmento dessa plenitude).
• E esta certeza aparece também como a mais verdadeira:
“Ela não abandonou nada ainda do objeto mas o tem diante de si em
toda a sua completude”.
• Mas vai revelar-se a mais pobre e a mais abstrata.
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Do seu objeto, só se sabe que ELE É.
•
O sujeito deste saber é apenas um “este aqui”, certo de um “isso aí”.
•
E o saber se sabe apenas como uma relação imediata entre os dois termos.
•
Mas a certeza sensível não é somente essa imediatez com que julga identificar-se.
•
Para começar, tenho a certeza pela mediação da coisa. E esta só está na certeza
pela mediação de mim. O importante, de todo modo, será fazer tais mediações
emergir do próprio seio da experiência sensível, e não introduzi-las “de fora”. E
para tanto ela percorrerá três momentos.
Primeiro momento: o objeto (o “isso aí”):
•
O objeto é. É o verdadeiro, a essência. É o que é: “o simples existente que é imediatamente ou como a
essência”. O ser-conhecido ou não do objeto é acidental. O conhecimento depende do objeto, mas não o
contrário. “Ele permanece, ainda que não seja objeto do saber. Mas o saber não é, se o objeto não é”.
(PhG, par. 93)
•
Mas “o que é o isto?”, pergunta Hegel.
•
Consideremos o duplo aspecto de seu ser: o agora e o aqui.
•
O que é o agora? Agora é noite. Anotamos tal verdade. Ao meio-dia, conferimo-la e: “a verdade
tornou-se vazia”. O “agora que é noite” já é nada: um não-ser. Ainda é agora (o agora ficou), mas
já não é noite. Não nos enganaremos outra vez: o agora também não se identificará com o dia. Em
sua simplicidade permanente, o agora é indiferente ao que se lhe atribui: “Assim como a noite e o
dia não são o seu ser, tampouco ele é a noite e o dia, e não é afetado por esse seu ser-outro. Um
tal simples que é por meio da negação, não é nem isto nem aquilo, um não-isto, e é também
indiferente a ser isto ou aquilo, chamamos um universal. Portanto o universal é, de fato, o
verdadeiro da certeza sensível”. (PhG, par. 96)
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•
O sensível só é enunciado como um universal. A linguagem contradiz
imediatamente nossa opinião, pois ela só exprime o universal. “Isto” é um
universal. Se dizemos que ele é, então dizemos: “é um ser”.
•
E quanto ao outro aspecto do isto, o aqui? Exemplo: aqui é a árvore. Viro-me,
e o aqui não é uma árvore. É uma casa. “O próprio aqui não desaparece, mas
(...) é indiferente ao ser da casa ou da árvore. Novamente, o isto mostra-se
como simplicidade mediatizada ou como universalidade”. (PhG, par. 98) É o
espaço.
•
O que resta da certeza sensível é o ser mediato, universal, abstrato. A
verdade da certeza sensível há de refluir para o seu outro pólo: o sujeito.
“O múltiplo é o ‘este’ que está sempre aqui ou agora – esta casa, esta árvore, este
pássaro que voa etc. A riqueza do sensível consiste em oferecer a multiplicidade de
tudo o que pode estar aqui e agora, num desfile incansável de mostrações. Mas ‘aqui’
e ‘agora’ estão sempre presentes, nada se mostra no passado, nada se vê no futuro. O
este ou aquele, perto ou longe, independente de sua duração, é inseparável do aqui e
do agora onde sempre estou. Mas isto, diz Hegel, é o que chamamos de ‘abstrato’ e
‘universal’. Portanto, a certeza sensível passa imediatamente a seu oposto no próprio
ato de se fixar no isto ou no aquilo. Pode-se dizer, generalizando, que todo aqui se
torna aí, e todo agora se torna não-mais-agora, sem deixarem de estar presentes
sempre aqui e sempre agora. Aqui e agora são, simultaneamente, positivos e
negativos, todo aqui e agora que vivencio ou afirmo é ao mesmo tempo negação de
todos os outros que passaram. Sofremos assim o primeiro assalto da contradição”.
(José Henrique Santos. O trabalho do negativo)
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“O objeto, que parecia o essencial da relação, tornou-se inessencial, e o
saber dele, que parecia inessencial, tornou-se essencial. Pois, exibindo-se
como universal, o objeto deixou de ser o imediato simples repousando em
si, uma vez que passou a abrigar a mediação e a negação em-si, vem a ser,
passou a ser algo mediado pelo saber que possuo acerca dele. A verdade da
certeza sensível ‘está no objeto’, diz Hegel, ‘como meu objeto, quer dizer,
está em minha opinião ou em meu ato de designar o objeto’. Hegel faz um
jogo tríplice em torno de mein (meu), meinen (visar) e das Meinen (opinião),
que o título do capítulo já deixava entrever. O objeto existe em sua
universalidade abstrata porque eu sei dele, instância final a proferir e
manter sua realidade”.
(José Henrique Santos. O trabalho do negativo)
Segundo momento: o sujeito (o “este aqui”):
•
A força da verdade reside agora na imediatez do meu ver, ouvir etc. A certeza dos objetos advém de eles
serem meus, de eu possuir um saber sobre eles.
•
“O desaparecimento do agora e aqui singulares, objetos do nosso opinar, é evitado porque Eu os
mantenho”. (PhG, par. 101)
•
Mas o mesmo problema se apresenta: “Eu, este, vejo a árvore e afirmo a árvore como o aqui. Um outro
Eu, contudo, vê a casa e afirma que o aqui não é uma árvore e sim uma casa”. (par. 102). Ambas as
verdades têm a mesma credibilidade, mas, por isso mesmo, uma desaparece na outra.
•
Alguma coisa permanece? Apenas o Eu como universal. Como ocorreu antes, ao dizer um Eu singular,
dizem-se todos os Eus.
•
Na certeza sensível, por mais que eu possa ter em vista um singular, nunca posso, contudo, dizê-lo.
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Terceiro momento: a unidade.
•
Como a experiência sensível constatou a universalidade de seu objeto e de seu sujeito, que saída terá
para salvar a imediatez do seu saber?
•
Recorre à afirmação da certeza sensível como um todo: “é somente a certeza sensível na sua totalidade
que se conserva a si mesma como imediatez, e exclui de si toda oposição que anteriormente ocorria”.
(PhG, par. 103)
•
Não mais interessa se outros sujeitos vêem outras coisas e de outra maneira, ou ainda se eu mesmo vejo
diferente em outro momento. “Ao contrário, sou puro intuir (...) permaneço firme nesse ponto (...) me
apego a uma relação imediata: o agora é dia”. (par. 104)
•
Aceitando essa condição de pura imediatez da certeza sensível, pedimos-lhe então que apenas nos
indique essa imediatez, para vermos do que se trata. Mas quando ela se nos mostra, nada mais é. O
agora já foi. Ao tentar surpreender o ser em sua existência imediata, acabam por nos indicar um nãoser.
O movimento desse indicar foi:
“1) indico o agora, que é afirmado como verdadeiro; mas o indico como o-que-já-foi, ou como um
suprassumido. Suprassumo a primeira verdade, e:
2) agora afirmo como segunda verdade que ele foi, que está suprassumido.
3) mas o-que-foi não é. Suprassumo o ser-que-foi ou o ser-suprassumido – a segunda verdade, nego com
isso a negação do agora e retorno à primeira afirmação de que o agora é”. (par. 107)
Assim, tanto o agora como o ato de indicar revelam, em sua constituição, não o simples imediato, mas
um movimento que tem diversos momentos.
“O que é refletido sobre si mesmo é algo simples, que permanece o que é, no ser-outro.
Este agora é um dia, que tem em si muitas horas: uma hora que contém muitos minutos.
Este agora tem muitos agoras. O ato de indicar é um movimento que exprime o que o
agora é em verdade: uma pluralidade de agoras reunidos e unificados (o tempo). Indicar é
fazer a experiência de que o agora é um universal”. (Paulo Meneses)
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Conclusão:
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A verdade da certeza sensível está para além dela.
•
“É pois de admirar que, contra essa experiência, sustenta-se como experiência
universal e também como afirmação filosófica e mesmo como resultado do
Ceticismo que a realidade ou o ser das coisas exteriores como estas ou como
sensíveis tem uma verdade absoluta para a consciência. Semelhante afirmação
não sabe o que diz ou não sabe que diz o contrário do que pretende dizer.” (PhG,
par. 109)
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Ao final deste movimento, a consciência, em vez de saber algo imediato, toma a
coisa como ela é em verdade: percebe-a (Nehmen wahr = wahrnehmen).
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