GRACIELLE SANTOS DOURADO ALENCAR
DO GERÚNDIO E DO GERUNDISMO
Monografia apresentada ao curso de
graduação em Letras da Universidade
Católica de Brasília, como requisito parcial
para obtenção do título de licenciado em
Letras Português.
Orientador: Prof. MSc.: Rosângela de
Nazareth Sousa Costa
BRASÍLIA
2013
Dedico este trabalho a Fernando Alencar,
o amor da minha vida, a Beatriz e
Gecivaldo Dourado, meus pais e maior
exemplo de dignidade. Ao meu melhor
amigo e inspiração, Jesus.
AGRADECIMENTOS
Agradeço primordialmente ao meu Senhor e salvador Jesus, por me dar essa
oportunidade, por me sustentar e guiar até aqui.
Ao meu esposo que provou mais uma vez seu amor e seu cuidado, quando teve
paciência, quando dedicou-se, quando me ofereceu os ombros para chorar, quando
me disse palavras consoladoras e de força, para que esse trabalho fosse finalizado.
A meus pais que tanto lutaram para que eu concluísse meus estudos e para que eu
realizasse os meus sonhos. Vocês são o meu exemplo, minha força, minha bússola.
Orgulho-me de ser sua filha e sinto que não merecia tamanha honra.
As minhas amigas de turma que torceram por mim e acompanharam cada lágrima,
cada sorriso, cada travessura. Vocês me impulsionaram a não desistir.
À professora orientadora, Rosângela de Nazareth, pelo carinho, pela dedicação,
pela sabedoria, pela paciência e acima de tudo, pelo amor com que pratica essa
profissão.
Por fim, a todos os que acreditaram (ou não!) que essa realização fosse possível.
[...] É porque a língua muda com o tempo,
segue seu curso, transforma-se. Afinal, se
não fosse desse modo, ainda estaríamos
falando latim... Na verdade, falamos latim,
um
latim
que
sofreu
tantas
transformações que deixou de ser latim e
passou a ser português. (BAGNO, 1999,
p.98)
RESUMO
ALENCAR, Gracielle Santos Dourado. Do gerúndio e do gerundismo. 2013. 38p.
Monografia (Letras) - Universidade Católica de Brasília, Taguatinga-DF.
O presente Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) faz um estudo a respeito das
descrições do gerúndio no português com sua origem latina, com o intuito de
compreender como se produziram e ainda produzem as polêmicas que envolvem o
uso indiscriminado do gerúndio, o gerundismo, com suas respectivas implicações
semânticas e pragmáticas. Apesar da aparente certeza sintática, ao se fazer uso do
gerundismo, há um comprometimento semântico do tempo verbal, uma vez que a
locução vou estar indica futuro (estarei) e o gerúndio indica ação, contínua, praticada
no presente. Portanto, ao se juntarem presente + futuro, o aspecto verbal se torna
contraditório. Concluiu-se, então, que o gerundismo causa um efeito de
descompromisso com a palavra dada, em que se engana o interlocutor sem se
parecer hostil ou indelicado.
Palavras-chave: Gerúndio; Gerundismo; Latim; Tempos verbais.
ABSTRACT
This Labor Course Completion (TCC) is a study about the descriptions of the gerund
in Portuguese with its Latin origin, in order to understand how produced and still
produce the polemics involving the indiscriminate use of the gerund, the gerundism,
with their respective semantic and pragmatic implications. Despite the apparent
certainty syntactic, to use the gerundism, there is a semantic commitment of verb
tense, once the verbal utterance indicates future (I will be) and gerund indicates the
action, continuous practiced in the present. Therefore by joining present + future, the
verbal aspect becomes contradictory. It was concluded then that the gerundism
cause an effect of lack of commitment with the word, that deceives the listener
without looking like harsh or unkind.
Keyword: Gerund; gerundism; Latin; Verb tenses
SUMÁRIO
1. Introdução ...................................................................................................... 8
2. Capítulo I: Do sistema verbal português ........................................................ 10
3. Capítulo II: Gerúndio: do latim ao português ................................................ 21
4. Capítulo III: Do gerundismo ........................................................................... 29
4.1 O gerundismo– de onde ele ―não‖ vem ........................................................ 30
4.2 O sujeito e a visão distorcida do gerúndio ................................................... 32
5. Considerações finais .................................................................................... 35
6. Referências .................................................................................................. 36
7. Anexo ............................................................................................................ 38
1. INTRODUÇÃO
Este tema foi escolhido após termos participado de aulas de sintaxe e
entrarmos na discussão sobre as implicações semânticas e pragmáticas do uso
excessivo do gerundismo no português brasileiro. No transcorrer da aula, percebi
que o gerundismo causa um efeito de descompromisso com a palavra dada, em que
se engana o interlocutor sem se parecer hostil ou indelicado.
Por isso, resolvi
pesquisar o tema, com uma retomada histórica, no intuito de compreender como se
produziram e ainda produzem as polêmicas que envolvem o uso indiscriminado do
gerúndio, com suas respectivas implicações semânticas e pragmáticas, e se há
interferência do meio social em que é empregado.
Neste trabalho, a morfologia verbal conduz os aspectos que norteiam o gerúndio.
A alusão teórica vem de Almeida (1997); Castilho (1968); Câmara Jr.(1985);
Guimarães (1989); de Gramáticas normativas do português e Gramáticas latinas,
dentre outros.
Uma das principais empreitadas do professor de língua é conscientizar seu
aluno de que a língua é como um grande guarda-roupa, no qual é possível encontrar
todo tipo de traje. Usar a língua, tanto na modalidade oral como na escrita, é
encontrar o ponto de equilíbrio entre dois eixos: o da adequação e o da aceitação.
Para Câmara Jr. (1997), do ponto de vista sociológico, a língua escrita se
sobrepõe à língua oral, pois rege toda a supremacia do país. Contudo, dá-se assim
uma inversão, em termos sociais, da verdade puramente linguística de que a escrita
decorre da fala. Apesar dessa contingência de ordem social, permanece o fato
lingüístico de que a língua escrita é uma adaptação, para outra substância, de uma
língua primordialmente criada com a substância de sons vocais.
Textos escritos há séculos nos mostram que era possível usar-se o gerúndio
com as funções e valores do particípio presente, provavelmente, esse emprego já
era comum na língua falada desde épocas bem mais antigas. Sobrepondo a isso o
fato de que praticamente só o gerúndio – dentre os particípios ativos/ passivos;
passados/ presentes e futuros - permaneceu nas línguas românicas, podemos crer
8
que apenas ele tenha existido na língua do povo, pelo menos na fase anterior à
dissidência do Império. Logo, o gerúndio já teria começado a demonstrar os valores
e funções do particípio presente desde o latim vulgar do Império, e a inclusão do
gerúndio ao quadro de conjugações verbais nominais do português a partir do latim,
tem explicações nas obras dos gramáticos a partir do século XIX.
Gerundismo é termo criado para indicar a prática de utilizar o gerúndio em
excesso no discurso, de forma a se tornar um vício de linguagem, um modismo
vocabular. O abuso do gerúndio, ocorre, normalmente, na tentativa de se
expressarem ações de execução imediata no tempo futuro, com o emprego do verbo
auxiliar (geralmente estar) e o gerúndio, tais como "vou estar verificando", "vamos
estar retornando", esquecendo-se da caracterização durativa de tempo presente
acarretada pelo uso do gerúndio.
O problema do gerundismo não é, propriamente falando, o uso do gerúndio, mas
o que compromete a estrutura verbal é a locução vou estar mais o verbo principal no
gerúndio, formando não só uma perífrase verbal como, também, um aspecto verbal
contraditório que se faz entre presente e futuro.
Este trabalho divide-se em capítulo 1, que compreende a introdução; verbo,
tempos verbais, morfologia do aspecto verbal e suas influências no gerúndio. O
capítulo 2 traz um apanhado da origem do gerúndio procedente do latim até chegar
ao português e como o conhecemos hoje, bem como ele é apresentado na
gramática normativa. No capítulo 3 abordam-se as definições e peculiaridades do
gerundismo, seus efeitos semânticos e pragmáticos, e fala-se também acerca do
sujeito e a visão distorcida do gerúndio; e este último será seguido pelas
considerações finais.
9
2. CAPÍTULO I
Do sistema verbal português
De acordo com Cunha (1980, p. 393) ―Verbo é uma palavra de forma variável
que exprime o que se passa, isto é um acontecimento representado no tempo.‖ Para
o gramático, o verbo não tem, sintaticamente, uma função que lhe seja exclusiva,
pois também o substantivo e o adjetivo podem ser núcleos do predicado, mas a
característica que o individualiza é a função obrigatória de predicado.
O verbo apresenta as variações de número, pessoa, modo, tempo e voz. Como
outras palavras variáveis, o verbo admite dois números: o singular e o plural.
Dizemos que o verbo está no singular quando se refere a uma só pessoa ou coisa; e
no plural, quando tem por sujeito mais de uma pessoa ou coisa.
São três as pessoas do verbo, que estão relacionadas com a pessoa gramatical
que lhe serve de sujeito, aquela que fala: eu (singular) e nós (plural); aquela a quem
se fala: tu (singular) e vós (plural) e aquela de quem se fala: ele, ela (singular) e
eles, elas (plural).
O modo caracteriza as diversas formas que o verbo assume para indicar a
atitude da pessoa que fala em relação ao fato que anuncia. Distinguem-se em três
os modos: indicativo, subjuntivo e imperativo.
O tempo informa, de maneira geral, se aquilo que o verbo expressa ocorre no
momento em que se fala, numa época anterior, ou numa ocasião que ainda esteja
por vir; são fundamentalmente três os tempos: presente, pretérito e futuro.
Dá-se o nome de voz à forma assumida pelo verbo para indicar se o sujeito
gramatical é agente ou paciente da ação. São três as vozes verbais: ativa, passiva e
reflexiva.
A
palavra
passivo
possui
a
mesma
raiz
latina
de
paixão
(latim passio, passionis) e ambas se relacionam com o significado sofrimento,
padecimento. Daí vem o significado de voz passiva como sendo a voz que expressa
a ação sofrida pelo sujeito.
Entretanto, diz-se que a voz é ativa quando o sujeito é agente, isto é, pratica a ação
expressa pelo verbo. Sua formação é:
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Sujeito
Agente
+
VTD ou VTDI
+
OD
Paciente
Por exemplo:
João feriu Pedro.
sujeito agente (João)
Ação (feriu)
Objeto paciente (Pedro)
Já na voz passiva, o sujeito é paciente, sofre a ação expressa pelo verbo.
Por exemplo:
Pedro foi ferido por João.
sujeito paciente (Pedro)
Ação (foi ferido)
agente da passiva (João)
Quanto à voz reflexiva, ela se dá quando o sujeito é ao mesmo tempo agente e
paciente, isto é, pratica e recebe a ação.
Por exemplo:
João feriu-se. (isto é, feriu a si mesmo).
A voz passiva pode ser formada por dois processos: analítico e sintético.
1- Voz Passiva Analítica
Constrói-se da seguinte maneira:
Sujeito
+
Verbo aux. (ser/estar) + V. principal (particípio)
+
Agente da passiva
Por exemplo:
O topo da montanha foi alcançado pelos alpinistas.
O agente da passiva geralmente é acompanhado da preposição por, mas pode
ocorrer a construção com a preposição de.
Por exemplo:
11
A casa ficou cercada de abelhas.
Pode acontecer ainda que o agente da passiva não esteja explícito na frase.
Por exemplo:
A exposição será aberta amanhã.
A variação temporal é indicada pelo verbo auxiliar (SER), pois o particípio é
invariável. Ao se transformar uma voz ativa em voz passiva, não se pode alterar a
relação entre agente e paciente e nem o tempo verbal. As demais funções sintáticas
podem aparecer deslocadas e/ ou intercaladas. É de se observar as transformações
das frases seguintes:
Os alpinistas
alcançaram
o topo da montanha.
Suj. simples - Agente
VTD
OD - Paciente
O topo da montanha
foi alcançado
pelos alpinistas.
Suj. simples - Paciente
V. aux + particípio VTD
Agente da passiva
Nas frases com locuções verbais, o verbo SER assume o mesmo tempo e modo do
verbo principal da voz ativa. Veja-se a mutação da frase seguinte:
O vento ia levando as folhas. (gerúndio)
As folhas iam sendo levadas pelo vento. (gerúndio)
2- Voz Passiva Sintética
A voz passiva sintética ou pronominal constrói-se com o verbo na 3ª pessoa,
seguido do pronome apassivador SE e o verbo sempre concordará com o sujeito,
que aparecerá posposto a ele:
VTD ou VTDI
+
SE
Partícula apassivadora
+
Sujeito
Paciente
+
Agente da passiva
Indeterminado
Por exemplo:
12
[Agente indeterminado]Divulgou
-
VTD
se
Partícula
apass.
o resultado do concurso.
Suj. paciente
A voz passiva sintética poderá ser substituída pela voz passiva analítica sem
prejudicar o sentido do texto e a sua correção gramatical: o resultado do concurso foi
divulgado.
Os tempos verbais compostos são formados por locuções verbais que têm como
auxiliares os verbos ter e haver e, como principal, um verbo no particípio. Para
facilitar a compreensão, vejamos a tabela1 a seguir:
Pretérito Perfeito Composto: Expressa um fato que começou no passado e que
pode se prolongar até o momento atual.
1
Tabela extraída do site http://www.gramatiquice.com.br/2011/01/blog-post.html em 02 nov. 2013.
13
Futuro do pretérito composto: Um fato que poderia ter acontecido depois a um
determinado fato passado.
Pretérito-Mais-Que-Perfeito composto: Expressa um fato ocorrido antes de outro
fato já terminado.
Futuro do Presente composto: Enuncia um fato que deve ocorrer posteriormente a
um momento atual, mas já terminado antes de outro fato futuro.
Pretérito Perfeito composto: Expressa um fato totalmente terminado num
momento passado.
Pretérito Mais-Que-Perfeito composto: Expressa um fato ocorrido antes de outro
fato já terminado.
Futuro do Presente composto: Enuncia um fato posterior ao momento atual, mas
já terminado antes de outro fato futuro.
Infinitivo Pessoal Composto: indica ação passada em relação ao momento da fala.
Gerúndio Composto: indica uma ação em andamento, um processo verbal ainda
não finalizado.
Em vista disso, é possível distinguir os pretéritos do ponto de vista aspectual. De
acordo com Barbosa (2003), o Perfeito Simples se opõe ao Imperfeito porque no
primeiro todos os estágios se realizam no intervalo de tempo compreendido pelo
evento em questão, no segundo, ao menos um subevento se localiza nesse intervalo
de tempo. Podemos dizer que no Perfeito Composto mais de um evento está
necessariamente incluído no intervalo de tempo em que esse evento se realiza (de
maneira ilimitada e contínua ou descontínua). Essa concepção ajuda a entender
porque os (sub) eventos expressos pelo perfeito composto podem ser interpretados
como estendendo-se até o presente ou futuro: o fato de alguns estágios se
localizarem no intervalo de tempo em questão deixa aberta a possibilidade de que
outros estágios venham a se realizar fora desse dado momento.
Outro
tipo
de
conjugação
composta
(também
conhecida
como conjugação perifrástica) são as locuções verbais, formadas de verbos
auxiliares mais gerúndio ou infinitivo. São conjuntos de verbos que, numa frase,
exercem papel equivalente ao de um verbo único. Nessas locuções, o último verbo,
14
chamado principal, surge sempre numa de suas formas nominais; as flexões de
tempo, modo, número e pessoa ocorrem nos verbos auxiliares. Observe os
exemplos:
Estou estudando libras.
Beatriz veio correndo: o neto acabara de chegar.
Ninguém poderá sair antes do término da prova.
A língua portuguesa apresenta uma grande variedade dessas locuções,
alcançando por meio delas os mais variados significados. Ser / estar, são usados
nas
locuções
verbais
que
exprimem
a
voz
passiva
analítica
do
verbo. Poder e dever são auxiliares que revelam o potencial ou a necessidade de
que determinado processo se realize ou não. Vejamos:
Pode acontecer algo inesperado durante o casamento.
Deve acontecer algo inesperado durante o casamento.
Outro auxiliar importante é querer, que exprime anseio, desejo.
Por exemplo:
Quero ver você hoje.
Também são largamente usados como auxiliares: começar a, deixar de, voltar
a, continuar a, pôr-se a, ir, vir estar, todos ligados à noção de aspecto verbal.
Há línguas em que a categoria aspecto é fundamental, porém não é o caso das
línguas neolatinas, pois elas se estruturam fundamentalmente nas categorias de
tempo e modo. Entretanto, a categoria de aspecto também se encontra presente e
relaciona-se com as outras duas (número e pessoa), embora em funções que
poderiam ser consideradas secundárias. Para entendermos as funções do aspecto,
devemos entender que ele é uma categoria gramatical que manifesta o ponto de
vista no qual se situa o falante no ato da enunciação. Esta posição do falante pode
15
se situar antes, ao mesmo tempo ou depois do enunciado. São as três formas em
que se considera o tempo verbal: passado, presente ou futuro.
No que se refere ao estudo de valor e emprego dos tempos verbais, é possível
apreender diferenças entre o pretérito perfeito e o pretérito imperfeito do indicativo. A
diferença entre esses tempos é uma diferença de aspecto, pois está ligada à
duração do processo verbal.
Segundo Castilho (1968 p.14):
Se ação verbal indica uma duração, temos o aspecto
imperfectivo; se uma ação cumprida, contrária à noção de
duração, o aspecto perfectivo; se uma ação repetida, o
aspecto iterativo; se nada disso, vestindo-se o verbo de um
tom virtual, indiferente à atualização por qualquer categoria (e
no caso interessa-nos a ausência da categoria aspectual),
teremos o aspecto indeterminado [...]
Vejamos os exemplos2 a seguir:
⇒Quando o vi, cumprimentei-o.
O aspecto é perfeito, pois o processo está finalizado.
⇒Quando o via, cumprimentava-o.
O aspecto é imperfeito, pois não tem limites sucintos, prolongando-se por período
impreciso de tempo, no passado.
O presente do indicativo e o presente do subjuntivo apresentam aspecto imperfeito,
pois não impõem tempos precisos ao processo verbal:
⇒ Faço isso sempre.
2 Os exemplos desta seção foram retirados da página www.soportugues.com.br em 25 set 2013.
16
⇒É provável que ele faça isso sempre.
Já o pretérito mais-que-perfeito, apresenta aspecto completo em suas várias formas
do indicativo e do subjuntivo, pois traduz processos já concluídos:
⇒
Quando atingimos o topo da montanha, encontramos a bandeira que
ele fincara (ou havia fincado) dois dias antes.
⇒Se tivéssemos chegado antes, teríamos conseguido fazer o exame.
A oposição entre o perfeito e imperfeito também diz respeito à localização do
processo no tempo. Os tempos perfeitos podem ser usados para revelar processos
localizados num ponto preciso do tempo:
⇒ No momento em que o vi, acenei-lhe.
⇒Tinha-o cumprimentado logo que o vira.
Os tempos imperfeitos podem indicar processos frequentes e repetidos:
- Sempre que saía, trancava todas as portas.
O aspecto permite a indicação de outros detalhes relacionados com a duração do
processo verbal. Veja-se:
- Tenho encontrado problemas em meu trabalho.
Esse tempo, conhecido como pretérito perfeito composto do indicativo, indica um
processo repetido ou frequente, que se prolonga até o presente.
As formas compostas: estará resolvido e estaria resolvido, conhecidas como
futuro do presente e futuro do pretérito compostos do indicativo, exprimem processo
concluído - é a ideia do aspecto perfeito - ao qual se acrescenta a noção de que os
efeitos produzidos continuam, uma vez realizada a ação:
⇒ Tudo estará resolvido quando ele chegar.
⇒Tudo estaria resolvido quando ele chegasse.
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Nas duas locuções destacadas abaixo, há indicação do término e do começo do
processo verbal:
⇒ Os animais noturnos terminaram de se recolher mal começou a raiar o dia.
Aqui, as locuções destacadas exprimem o início de um processo interrompido e a
interrupção de outro, respectivamente:
⇒ Ele voltou a trabalhar depois de deixar de sonhar projetos inviáveis.
O aspecto em português manifesta-se mais visivelmente por meio de locuções
verbais com gerúndio e particípio. O gerúndio, por si só, denota duração, e, assim
também verbos que denotam fim de ação, como acabar, podem funcionar como
auxiliares para indicar aspectualmente certo grau de duração da ação:
⇒ Ele acabou chegando.
⇒Os rapazes acabaram saindo.
A forma composta pelo auxiliar estar seguido do gerúndio do verbo principal
sugere um processo que se prolonga. É amplamente empregada na linguagem
cotidiana, não só no presente, mas também em outros tempos (estava almoçando,
estive almoçando, estarei almoçando, etc.).
Também as locuções formadas com os auxiliares vir e ir exprimem processos
que se prolongam.
⇒ Eles vinham chegando à proporção que nós íamos saindo.
De acordo com Castilho (1968 p.15),
Consideramos o aspecto uma categoria de natureza léxico-sintática,
pois em sua caracterização interagem o sentido que a raiz do verbo
contém e elementos sintáticos tais como adjuntos adverbiais,
complementos e tipo oracional.
É sabido que substantivo é palavra com que nomeamos os seres em geral, e
que pode variar em número, gênero, além de a gramática tradicional a ele
18
acrescentar a flexão de grau. Quanto à flexão de número, os substantivos podem
estar no singular ou no plural.
Há dois gêneros do substantivo em português: o masculino e o feminino.
Masculino é o substantivo que se puder juntar à forma masculina de um adjetivo, ou
ao artigo o; feminino, o que se puder juntar à forma feminina de um adjetivo, ou ao
artigo a.
De acordo com a gramática tradicional, são dois os graus do substantivo: o
aumentativo e o diminutivo, que podem ser expressos analítica ou sinteticamente.
O aumentativo analítico constrói-se com o adjetivo grande, ou outro de
significação equivalente; o diminutivo analítico, com o adjetivo pequeno, ou outro de
sentido equivalente. Trata-se, consequentemente, de um processo de adjetivação,
fato que se exprime gramaticalmente pela anteposição de um determinativo (em
geral, do artigo) ao adjetivo. De acordo com Cunha (2008 p.260)
Sempre que a qualidade referida a um ser, objeto ou noção
for concebida com grande independência, o adjetivo que a
representa deixará de ser um termo subordinado para tornarse o termo nuclear do sintagma nominal. Dá-se, então o que
se chama substantivação do adjetivo [...]
Toda e qualquer palavra que modifica o substantivo, indicando qualidade,
defeito, estado, condição, etc., se diz adjetivo.
Da mesma maneira que o substantivo, o adjetivo pode flexionar-se em número,
gênero e grau.
Em número, assume a forma de singular ou de plural. Quanto ao gênero, os
adjetivos geralmente são biformes, isto é, possuem duas formas: uma para o
masculino e outra para o feminino. O adjetivo difere-se do substantivo em relação ao
gênero, visto que o substantivo tem sempre um gênero, o que não ocorre com o
adjetivo que adquire o gênero do substantivo.
A gradação do adjetivo divide-se em comparativo e superlativo. O comparativo
pode indicar que um ser tem certa qualidade em grau superior, igual ou inferior a
outro, ou, que num mesmo ser, certa qualidade pode ser superior, igual ou inferior a
19
outra que esse ser já possui. Já o superlativo exprime a ideia de que um ser
apresenta, em elevado grau, determinada qualidade (superlativo absoluto) ou que
em comparação à totalidade dos seres que apresentam a mesma qualidade, um se
sobressai por possuí-la em grau maior ou menor que os demais (superlativo
relativo).
Portanto, em português, o sistema verbal é composto pelos tempos verbais
simples e pelas combinações verbais, que operam de forma integrada e se
complementam de modo a atenderem às necessidades semânticas da comunicação
em língua portuguesa.
20
3. CAPÍTULO II
Gerúndio: do latim ao português
O português deriva do latim, a língua da civilização que teve como centro a
Roma antiga. A variedade de latim que deu origem ao português e às outras línguas
românicas não foi nem o latim literário, nem o latim da Igreja, mas uma terceira
variedade, conhecido como latim vulgar. Dizer o que foi o latim vulgar consiste em
dizer que ele foi um ‗vernáculo‘.
Para Ilari (2009), a palavra ‗vernáculo‘ caracteriza um modo de aprender as
línguas por assimilação espontânea e inconsciente, no ambiente em que as pessoas
são criadas e opõe-se a tudo o que é transmitido pela escola.
O latim vulgar foi uma variedade de latim, principalmente falada, a mesma que
os soldados e comerciantes romanos levaram às regiões conquistadas durante a
formação do Império, que foi passada de geração em geração sem ser ensinada
formalmente.
Depois das conquistas militares, o latim vulgar foi falado na maioria dos
territórios conquistados. Acredita-se que ele representou uma relativa uniformidade
em uma grande área geográfica do império romano.
Mas devido às grandes invasões bárbaras, a uniformidade linguística seguiu um
período de diversificação sob o impulso de inovações locais que já não tinham como
circular por todo o território romanizado, criando uma variedade de falares locais, de
maior ou menor prestígio.
Na região que compreendia a Galiza e a faixa lusitana, constituiu-se uma
unidade linguística particular que conservaria relativa homogeneidade até meados
do século XIV – o galego-português.
O galego-português, provavelmente, teria contornos definidos desde o século VI,
mas é só a partir do século IX que podemos atestar a sua existência através de
palavras que se colhem em textos de latim bárbaro.
21
Datam do século XIII os primeiros documentos que chegaram até nós
integralmente redigidos em galego-português. Inicia-se então a fase propriamente
histórica de nossa língua, que, como todo idioma dotado de vitalidade, não se tem
mantido uniforme nem no tempo, nem no espaço.
Desse modo, como a maioria das línguas românicas, o português herdou do
latim uma morfologia verbal muito rica que os gramáticos têm descrito de acordo
com os conceitos de conjugação, modo, tempo, pessoa e número.
Segundo Cunha (2008 p.393), "Verbo é uma palavra de forma variável que
exprime o que se passa, isto é, um acontecimento representado no tempo."
Conjugar um verbo é flexioná-lo em todas as pessoas, números, modos, tempos e
vozes. Queremos discorrer neste primeiro momento apenas sobre o modo de flexão
do verbo.
Modo, na conjugação de um verbo, é a maneira pela qual se realiza a ação
expressa por esse verbo. Em latim, os modos verbais são quatro: Indicativo,
Subjuntivo, Imperativo e Infinitivo. Porém, outras variantes impessoais, também
chamadas de formas nominais do verbo latino são o particípio, o gerúndio e o
supino.
Na passagem do latim vulgar para as línguas românicas, repudiaram-se algumas
formas nominais do verbo que eram aproveitadas em latim, e funcionavam como
verbos, nomes, adjetivos ou advérbios. O italiano, o espanhol, o português e o
francês perderam o particípio futuro ativo e o gerundivo. As três primeiras
reavaliaram gradativamente o uso do particípio presente, mantendo apenas o seu
valor de adjetivo e, aos poucos, foram substituindo o seu uso adverbial pelas formas
do ablativo do gerúndio. Além disso, novas possibilidades acrescentaram-se às
línguas românicas, tais como o uso de advérbios e outras construções participiais.
São três os particípios latinos: presente, passado e futuro. O particípio presente
concorda com o substantivo a que se refere por ser adjetivo verbal, sendo
inteiramente declinável, corresponde, geralmente, a uma oração subordinada
relativa e conserva a regência do verbo. O particípio passado concorda em gênero,
número e caso com o nome a que se refere, pertence à voz passiva e nunca à ativa.
O particípio futuro tem duas formas, uma para a voz ativa, outra para a passiva. O
22
particípio ativo concorda em gênero, número e caso com o nome a que se refere. O
passivo, geralmente chamado de gerundivo, terminado em -ndus, -nda, -ndum,
sempre denota ação futura e quase sempre indica obrigatoriedade, isto é, que a
ação deve ser realizada.
O gerúndio parece-se com o gerundivo quanto à forma, mas a ideia, o
significado e a tradução é outra. O gerúndio, diferentemente do gerundivo, é da voz
ativa, é substantivo verbal que se declina pelos moldes da 2ª declinação dos nomes,
possui casos genitivo, dativo, ablativo e acusativo, enquanto o gerundivo é adjetivo
verbal, de declinação completa e concorda com o nome a que se refere. O gerúndio
é variação do infinitivo, que pode ser considerado o nominativo do gerúndio; já o
gerundivo é forma participial (particípio futuro passivo). O gerúndio indica coisa, uma
vez que é substantivo, enquanto o gerundivo indica qualidade, uma vez que é
adjetivo. Vejamos o quadro e os exemplos abaixo:
Gerúndio3
genitivo
amandī
monendī
legendī
capiendī
dativo
amandō
monendō
legendō
capiendō
acusativo(ad+)
amandum
monendŭm
legendŭm
capiendŭm
ablativo
amandō
monendō
legendō
capiendō
audiendī
audiendō
audiendŭm
audiendō
Em sendo assim, tem-se algumas construções com o gerúndio declinado, como se
pode ver a seguir:
a) Tempus legendī (genitivo) [momento de ler]
b) Cupĭdus legendī (genitivo) [desejoso de ler]
c) Aptus legendō (dativo) [apto para ler]
d) Legendō discēs (ablativo) [aprenderás lendo]
e) Ex legendō uoluptāt em capiēs (ablativo) [tirarás prazer da leitura]
f) Pronus ad legendum (acusativo) [inclinado a ler]
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Tabela retirada do endereço http://www.latim-basico.pro.br/latim-basico.ptattdf em 20 ago 2013.
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A tradução do gerúndio ora se dá por um infinitivo, ora por um gerúndio, ora por
um nome abstrato, como se pôde ver nos exemplos anteriores.
Para se distinguir o gerúndio do gerundivo, veja-se a frase:
⇒tempus legendi historiam [momento de ler a história]
Historiam está no acusativo singular, é substantivo feminino, complemento
acusativo da forma gerundial legendi, que está no caso genitivo. Para se estruturar
essa oração com o verbo no gerundivo, historiam vai para o caso do gerúndio —
aqui no genitivo — e o gerúndio muda para o gerundivo, que concorda com
historiam em gênero e número, e o resultado dessa operação é a estrutura:
⇒tempus legendae historiae.[tempo da história ser lida]
Para efeito de melhor visualização, eis as regras acima mencionadas:
a) o nome vai para o caso do gerúndio;
b) o gerúndio se transforma em gerundivo;
c) o gerundivo concorda com o nome em gênero e número.
Eis aqui outros exemplos:
Cupĭdus legendī librōs [desejoso de ler os livros]:
d) Librōs muda para o genitivo (caso do gerúndio na frase) ⇒librōrum.
e) Legendī (gerúndio no genitivo) muda para o gerundivo ⇒legendus, –a, –um.
f) O gerundivo fica no gênero e no número de librōs (masculino, plural) ⇒
legendōrum.
Assim, tem-se, por ex.:
g) Cupĭdus legendī librōs⇒ Cupĭdus legendōrum librōrum.
h) Cupĭdus uidendī urbem⇒ Cupĭdus uidendae urbis [desejoso de ver a cidade].
i) Librōs legendō legĕre discĭmus⇒ Librīs legendīs legere discĭmus [aprendemos a
ler lendo livros].
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O gerúndio, em português, apresenta duas formas: uma simples (lendo), outra
composta (tendo ou havendo lido).
A forma composta é de caráter perfeito e indica uma ação concluída
anteriormente à que exprime o verbo da oração principal:
⇒Tendo trabalhado, aprendeu o valor do dinheiro.
A forma simples expressa uma ação em curso, que pode ser imediatamente
anterior ou posterior à do verbo da oração principal.
⇒Trabalhando, aprenderás o valor do dinheiro.
Esse valor temporal do gerúndio depende quase sempre de sua colocação na
frase, e está intimamente ligado à sua forma –ndo, que é a declinação dele em
ablativo latino, cuja sintaxe é a de adjunto adverbial.
Veja-se a seguir, as muitas formas de o gerúndio se apresentar nas orações do
português.
1) Gerúndio anteposto à oração principal:
Colocado no início do período ele exprime:
a) uma ação imediatamente anterior à oração principal.
⇒Terminando a aula, todos serão dispensados.
b) uma ação que teve começo antes ou no momento da oração principal e que ainda
continua.
⇒Cantando lindamente, viu-o deixar o teatro sem um aceno de adeus.
2) Gerúndio ao lado do verbo principal:
Colocado junto do verbo principal, o gerúndio expressa uma ação simultânea,
funcionando como um advérbio de modo.
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⇒Chegou alegrando a festa.
3) Gerúndio posposto à oração principal:
Posicionado depois da oração principal, o gerúndio indica uma ação posterior a ela.
⇒Os vôos foram cancelados, evitando, assim, que uma tragédia maior acontecesse.
4) Gerúndio antecedido da preposição em:
Precedido da preposição em, o gerúndio enfatiza a anterioridade imediata da ação
com referência à do verbo principal.
⇒Em se tratando de futebol, a seleção brasileira é a melhor.
5) Gerúndio na locução verbal:
O gerúndio combina-se com os verbos auxiliares estar, andar, ir e vir para assinalar
diferentes aspectos da execução do processo verbal.
a) Estar, seguido de gerúndio, indica uma ação durativa.
⇒Estou lendo obras canônicas.
b) Andar, seguido de gerúndio, indica uma ação durativa em que predomina a ideia
de intensidade ou de movimento frequente.
⇒Ando procurando companhia ultimamente.
c) Ir, seguido de gerúndio, expressa uma ação durativa que se realiza
progressivamente ou por etapas sucessivas.
⇒Ia saindo lentamente quando me aproximei.
d) Vir, seguido de gerúndio, expressa uma ação durativa que se desenvolve
gradualmente em direção à época ou ao lugar em que nos encontramos.
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⇒Ele vem trazendo uma porção de presentes.
Um período pode ser composto por coordenação ou por subordinação. Quando
é composto por coordenação, as orações possuem uma independência estrutural,
podendo vir separadamente sem prejuízo do entendimento da sentença. Já no
período composto por subordinação, as orações são dependentes entre si por meio
de suas estruturas. Aqui trataremos da oração subordinada, em especial a reduzida,
isto é, a oração dependente que não se inicia por pronome relativo nem por
conjunção subordinativa, e que tem o verbo numa das formas nominais – o infinitivo,
o gerúndio ou o particípio.
As orações reduzidas podem ser adjetivas ou adverbiais. Para Cunha (2008), a
oração adjetiva é aquela que indica um modo de ser ou uma atividade durável do
substantivo a que se refere. As adjetivas podem ser restritivas ou explicativas como
nos exemplos abaixo:
a) Oração Subordinada Adjetiva Restritiva:
⇒Emocionei-me com a criança cantando. (Emocionei-me com a criança que
cantava).
b) Oração Subordinada Adjetiva Explicativa:
⇒O garoto, desafiando as autoridades, não cumpriu com as determinações do juiz.
(O garoto, que desafiou as autoridades, não cumpriu com as determinações do juiz).
Dado ter sua origem no ablativo latino, o gerúndio tem principalmente significado
temporal, e as orações reduzidas formadas por ele correspondem, na maioria dos
casos, a orações subordinadas adverbiais temporais, como no caso abaixo:
⇒Faltando alguns minutos para o final da prova, eu terminei. (quando faltavam
alguns minutos para o final da prova).
Mas há também outros tipos de orações adverbiais reduzidas de gerúndio:
Causais:
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⇒Não cumprindo a promessa, sentiu remorsos. (porque não cumpriu a promessa).
Concessivas:
⇒Mesmo fazendo de tudo, não consegui convencê-la a voltar. (Mesmo que eu tenha
feito de tudo, não consegui convencê-la a voltar).
Condicionais:
⇒Respeitando as normas, não terão problemas. (Desde que respeitem as normas,
não terão problemas).
A partir das ideias apresentadas, conforme Souza (2003), o gerúndio, não
obstante sua origem única, adquiriu também, na língua portuguesa, grande
versatilidade, resultante não só dos novos valores que passou a ter, mas também
das funções que assumiu do antigo particípio presente latino. Seja como for, cada
forma verbo-nominal latina deixou suas marcas no sistema morfossintático da língua
portuguesa, servindo de ponto de partida para inovações ou conservando, em grau
maior ou menor, seus primitivos aspectos.
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4. CAPÍTULO III
Do gerundismo
A língua existe para que a comunidade falante a empregue; sendo assim, as
pessoas se apropriam da língua de várias maneiras. Sabe-se que a gramática
normativa impõe regras que não estão ao alcance de todos, visto que muito do que
é estabelecido por ela não é do conhecimento de todos.
O uso acentuado do gerúndio adquiriu constância e evidência em função dos
profissionais de telemarketing. Foi uma maneira de tornar polida a informação a ser
repassada ao cliente. Percebe-se, ainda, que há certa sensação de status na
formulação de algumas sentenças que o comportam, dando a impressão de que o
produtor destas tenha conhecimento da necessidade real de seu uso.
Quanto ao uso inapropriado do gerúndio, há que se discorrer sobre o
gerundismo, presença maçante do gerúndio, fato que empobrece o texto por ele
denotar semanticamente outro valor de sentido.
O gerundismo é a tentativa de cortesia no relacionamento entre as pessoas,
porém, a maneira como a estrutura é feita (―vou estar passando seu recado‖), soa
falso e artificial.
O professor Platão Savioli (Revista Língua online) diz que o
gerundismo se propagou como traço de quem se ocupa em encontrar
formas de polidez para relacionar-se. - Como não tem versatilidade de uso
da língua, essa pessoa aposta na fórmula ritualizada, na presunção de que
aquilo é uma gentileza chique. No fundo, é um desperdício de gerúndio.
O professor Bechara (Revista Língua online) também diz:
o que está em jogo pode ser a própria concepção de certeza num diálogo.
O presente, "escrevo", nos dá certeza. "Escreverei", o futuro, pode ocorrer
ou não. Já na construção "vou estar escrevendo", acrescenta-se a ideia de
promessa, de não compromisso. O gerundismo marca a oposição entre
promessa e esperança.
A partir das exposições acima, compreende-se que o gerundismo é uma
construção verbal considerada desnecessária por muitos, e os falantes que fazem
uso dela são pessoas com certo grau de instrução, visto ser necessário adequado
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conhecimento de conjugação verbal (vou estar tentando passar; vamos estar
tentando fazer). O problema do gerundismo não é o gerúndio em si; o que
compromete a estrutura é a locução vou estar + o verbo principal no gerúndio,
formando uma perífrase verbal, ou eufemismo. Em outros termos, ao se fazer uso do
gerundismo, desperdiçam-se verbos, como há também comprometimento semântico
do tempo verbal, uma vez que a locução vou estar indica futuro (estarei) e o
gerúndio indica ação, contínua, praticada no presente. Portanto, ao se juntarem
presente + futuro, o aspecto verbal se torna contraditório.
4.1 O gerundismo – de onde ele “não” vem
Há consenso entre os sintaticistas de que o gerúndio passou ao português,
como às outras línguas românicas, oriundo do ablativo do gerúndio latino e de
determinados usos do particípio presente. O fato de terem reconhecido a dupla
etimologia do gerúndio português não significou inicialmente que para ele fossem
aceitos todos os ―empregos sintáticos‖ originários do particípio presente latino.
O ablativo do gerúndio teve certo destaque entre os demais casos desde o
período arcaico, pois foi empregado com mais freqüência que os demais casos
desde a fase mais remota do latim. É por este motivo que alguns estudiosos
concluíram que este foi seu caso original, do qual se desenvolveram os demais.
Ele indica, normalmente, o meio ou o instrumento com que se realiza a ação.
Acredita-se que esse tenha sido seu sentido original, porque é com essa conotação
que vamos encontrá-lo na maior parte dos exemplos do período arcaico e clássico
da língua. Ocasionalmente aparece exprimindo causa, tempo ou modo, mas, ainda
assim, permanece e predomina nele a idéia de instrumento.
Se os textos escritos mostram que era possível usar-se o gerúndio com as
funções e valores do particípio presente, provavelmente esse emprego já era
comum na língua falada desde época bem mais antiga. Acrescentando-se a isso o
fato de que praticamente só o gerúndio permaneceu nas línguas românicas,
podemos acreditar que apenas ele tenha existido na língua do povo, pelo menos na
fase imediatamente anterior à ruptura do Império. Conseqüentemente, o gerúndio já
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teria começado a exprimir os valores e funções do particípio presente, desde o latim
vulgar do Império. Deste modo, vamos encontrar o gerúndio nas línguas românicas,
sendo empregado com uma flexibilidade muito maior do que no latim clássico,
porque, além de ter adquirido as funções do particípio presente, desenvolveu outras
que existiam em forma rudimentar no particípio presente, ou mesmo nunca
pertenceram a esta forma verbal.
Em sua Gramática normativa da língua portuguesa, Silveira Bueno (1958 p.388)
apresenta o particípio presente como uma forma concorrente do gerúndio no
português arcaico ―em sua função de verbo, regendo, portanto, complementos
próprios”. O autor lembra que este ―emprego do particípio presente, com função
verbal, desapareceu da nossa língua, substituído pelo gerúndio ou pela oração
relativa, adjetiva...‖
A exemplo do que aconteceu nas outras línguas românicas, o particípio
presente reduziu-se em português a lexicalizações em nomes, adjetivos,
preposições e conjunções, todos com a terminação –nte. Em consequência disso,
abriu-se o caminho para que o gerúndio ocupasse o domínio em construções
circunstanciais e em orações adjetivas.
Meyer-Lübke (1916 apud Simões, 2007 p.82) atesta que o uso do gerúndio no
português é resultado de perdas e ganhos de terreno. Se de um lado ele atesta a
vitória dessa forma em alguns contextos, em outros ele observa a restrição de seu
uso:
Ao estudarem-se os derivados verbais, nota-se que o
uso do gerúndio sofreu uma transformação profunda.
O gerúndio teve no seu emprêgo uma grande
limitação; em primeiro lugar, por ser possível construir
o infinitivo com toda a espécie de preposições, pelo
que, pouco a pouco, é quase completamente
substituído pelo infinitivo; em segundo lugar, porque o
ablativo do gerúndio ocupou cada vez mais o lugar do
particípio do presente, que, por sua vez, passava a
ser um mero adjectivo verbal.
Esse autor atesta que o infinitivo é outra forma concorrente do gerúndio, tanto no
que tange às perífrases aspectuais, quanto às orações reduzidas, em que o uso do
infinitivo se sobrepõe ao uso do gerúndio.
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Na edição da Revista Língua de dezembro de 2009, o professor José Augusto
de Carvalho explica por que não se deve atribuir ao inglês a causa do gerundismo.
Segundo o texto de Carvalho (p. 24), o que temos de influência inglesa está no
léxico, o processo de interação linguística constante. E tudo isso em função da
tecnologia, da supremacia e do poder do dinheiro americano. Para o autor,
Se o gerundismo fosse influência das traduções do
inglês, seria preciso que, primeiramente, as camadas
menos privilegiadas tivessem acesso livre a essas
traduções, o que não é o caso do Brasil, em que a
grande maioria de falantes do basileto (dialeto da
base da pirâmide social) não têm acesso a nenhum
tipo de cultura estranha, aprendida pelo estudo
adequado ou adquirida pelo contato.
O gerundismo, para Carvalho, é fruto do uso excessivo e fora dos padrões
normativos dessa forma verbal. Ele cita dois exemplos:
(1) Vou estar estudando hoje.
(2) Vou estar passando a ligação agora.
No exemplo 1, o autor considera o uso legítimo, pois a ação é ―designativa de
um processo‖ (prolonga-se no tempo). Quanto ao exemplo 2, o autor diz que o
―aspecto pontual desautoriza o uso do gerúndio‖.
4.2 O sujeito e a visão distorcida do gerúndio
As pessoas falam para serem ―ouvidas‖, às vezes para serem respeitadas e
também para exercerem influência no ambiente em que realizam os atos
linguísticos. O poder da palavra é o poder de mobilizar a autoridade acumulada pelo
falante e concentrá-la num ato linguístico.
A língua escrita se manifesta em condições muito diversas da língua oral. A fala
se desdobra numa situação concreta, sob o estímulo de um falante ou vários, bem
individualizados. Uma coisa e outra desaparecem da língua escrita, pois é nela que
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se tem uma primeira e profunda diferença entre os dois tipos de comunicação
lingüística.
A escrita não reproduz fielmente a fala, como sugere a metáfora tantas vezes
repetida de que ―ela é a roupagem da língua oral‖. Ela tem as suas leis próprias e
tem um caminho próprio.
Para Saussure, a palavra falada tem prioridade sobre a palavra escrita, que é
somente a ―imagem‖ da primeira.
De acordo com Guimarães (1989 p.188):
[...] o enunciado produzido por um locutor pode ser
desdobrado em dois atos ilocutórios – ato de asserção, ou por
outro (posto) e ato de pressuposição (pressuposto), o posto
corresponde ao que está dito no enunciado, sendo da
exclusiva competência do locutor que, por seu intermédio,
garante a realização do discurso: as novas informações se
encadeiam e o fazem progredir. Já o pressuposto possibilita
ao locutor dizer implicitamente alguma coisa, recorrendo ao
interlocutor para, juntos, interpretarem o que foi dito. Nesse
sentido, o pressuposto consiste num ato ilocutório decorrente
da frase e, a partir dela, transmitindo ao enunciado. Em razão
disso, ele estabelece os limites do universo discursivo bem
como os critérios de avaliação da coerência dos argumentos
empregados.
Um dos entraves mais sérios com que se tem defrontado a gramática descritiva
desde a antiguidade clássica, é o fato da enorme variabilidade da língua no seu uso
num dado momento. Ela varia no espaço, criando no seu território o conceito dos
dialetos regionais e também varia na hierarquia social, estabelecendo os dialetos
sociais.
No ano de 2007, o Distrito Federal foi surpreendido por meio do Diário Oficial 4
com o decreto do então governador José Roberto Arruda, que "demitiu" o gerúndio
de todos os órgãos públicos do Distrito Federal. "Fica demitido o gerúndio de todos
os órgãos do Governo do Distrito Federal. Fica proibido a partir desta data o uso do
gerúndio para desculpa de ineficiência", diz o texto do decreto. Criticado, o exgovernador Arruda disse, por meio da assessoria de imprensa, que o ato era uma
provocação, e que a idéia era acabar com a típica complicação dos governos.
4
O Diário oficial na íntegra encontra-se no anexo do presente trabalho.
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O que provavelmente o governador tentava dizer é que o emprego abusivo do
gerúndio é próprio das situações formais, visto como peça de uma engrenagem
burocrática e, portanto, seu usuário é desprovido do poder de tomar decisões que
sejam imediatas.
No seu entendimento, o gerúndio é uma espécie de fórmula polida para dizer
algo educado, que não sugere, porém, compromisso real. Ao informar que “vamos
estar fazendo” não é dito quando esse processo será concluído, e sim, que ele está
em andamento por tempo indeterminado. Ao dizer “vamos estar resolvendo o
problema” não se sabe por quem
nem quando o problema será resolvido. Na
prática, comunica-se que se está trabalhando, mas não se trabalha, e esse
problema gramatical esconde um mau serviço.
Tal fato se dá porque, por trás da aparente certeza sintática, podemos estar
diante de um fenômeno com implicações semânticas e pragmáticas, em que há um
paradoxo semântico devido à impressão de que a ação prometida é duradoura, pois,
ao se adotar o gerúndio numa construção que não o pedia, a pessoa simula indicar
uma ação futura com precisão, quando, na verdade, não o faz.
Em si, a locução "vou estar + gerúndio" é legítima quando comunica a idéia de
uma ação que ocorre no momento de outra. A sentença "vou estar dormindo na hora
do jogo" é adequada ao sistema da língua, assim como quando há verbos que
indicam ação ou processo duradouros e contínuos: "amanhã vai estar chovendo" ou
"amanhã vou estar trabalhando o dia todo", por exemplo.
Combater o gerundismo por purismo é ir contra a riqueza da língua. A
superficialidade não está em quem faz uso dele, mas em quem aceita respostas
imprecisas. O mal estar que o vício provoca pode estar associado à percepção
desse esvaziamento da comunicação nas relações mais burocratizadas e o
vazio em que caímos quando ouvimos essas construções que não nos oferecem
nenhuma garantia.
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5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir do que se leu acima sobre as descrições do gerúndio no português
percebe-se que essas classificações levam em conta propriedades sintáticas,
semânticas e discursivas dessa forma nominal do verbo. Muitas vezes, trata-se de
descrições sobrepostas que ora estão orientadas pelas propriedades sintáticas, ora
pelos traços semânticos, e outras vezes pelas funções discursivas que o gerúndio
pode apresentar. No entanto, as palavras não têm realidade fora da produção
linguística; as palavras existem nas situações nas quais são usadas.
Houve, portanto, uma expansão no uso do gerúndio em todos os sentidos. Esta
se deu em construções que já existiam no latim clássico de modo rudimentar. Este
desenvolvimento foi, em parte, favorecido pela perda do particípio presente nas
línguas românicas, mas foi muito mais além, chegando a tornar comuns, em certas
línguas do grupo, construções que existiam apenas em forma elementar ou mesmo
que não ocorriam com o particípio.
Desse modo, Bagno (1999 p.98) diz que ―[...] a língua muda com o tempo, segue
seu curso, transforma-se. Afinal, se não fosse desse modo, ainda estaríamos
falando latim... Na verdade, falamos latim, um latim que sofreu tantas
transformações que deixou de ser latim e passou a ser português”.
O gerundismo pode não passar de moda e, tal como veio desaparecer em passo
acelerado, como outros vícios de ocasião. O movimento recente contrário à sua
aceitação pode indicar que o fenômeno está longe de propagar-se. Mas, se ele
corresponder a uma necessidade nem sempre consciente da comunidade,
desenraizá-lo vai demorar muito mais do que se imagina. Ainda é cedo para garantir,
com firmeza, o futuro do combate ao gerúndio vicioso. Se tal esforço "vai estar
surtindo efeito", só o tempo "vai poder estar dizendo".
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37
ANEXO
38
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Gracielle Santos Dourado Alencar