comunicação e expressão
por J. B. Oliveira*
Afinal, o que há de errado
com o gerúndio?
Com o gerúndio, nada!
Ele está contemplado na Gramática Expositiva como
uma das três formas nominais do verbo. As outras duas são
o infinitivo e o particípio.
Tão autêntico e admissível é o gerúndio, que Camões –
clássico da língua portuguesa – em apenas um dos segmentos
do Canto I de sua obra máxima “Os Lusíadas”, utiliza-o
QUATRO vezes:
“E também as memórias gloriosas
Daqueles Reis que foram dilatando
A Fé, o Império, e as terras viciosas
De África e Ásia andaram devastando,
E aqueles que por obras valerosas
Se vão da lei da Morte liberando,
Cantando espalharei por toda parte,
Se a tanto me ajudar o engenho e a arte.”
Mais próximo de nossa época, também referência lusófona, Fernando Pessoa emprega-o, por exemplo, no poema
“Ode Marítima”, em que assim poetiza:
“Pequeno, negro e claro, um paquete entrando.
Vem muito longe, clássico à sua maneira.”
O que ocorre na prática comunicacional, entre Portugal
e Brasil, é que nós cá usamos mais o gerúndio, em construções como: “estou lendo; estavam cantando; ficou falando;
estivemos comprando”, ao passo que eles, na mesma situação,
preferem o infinitivo: “estou a ler; estavam a cantar; ficou a
falar; estivemos a comprar”. Apenas isso!
Saltando para outro polo, cabe aqui perguntar: O que há
de errado com o apêndice, o labirinto, o esôfago, o tendão,
os brônquios...?
Em princípio, nada.
Entretanto, quando lhes agregamos o sufixo “ite”, a coisa
complica e dá lugar a: apendicite, labirintite, esofagite, tendinite, bronquite...!
A questão é que o sufixo “ite” está ligado à ideia de
inflamação, palavra que veio do latim ”Inflammatio”, cujo
sentido é atear fogo! (sem machismo maldoso, mas há que se
notar: enquanto tudo está bem, as palavras são masculinas. Aí,
quando surge o problema, passam a ser femininas...)
E o que é que o gerúndio tem a ver com isso?
É que podemos, por analogia, aplicar-lhe o mesmo princípio.
Como vimos no início, o gerúndio é correto e consta da
gramática, no campo da Morfologia, na parte do Verbo, como
uma de suas seis flexões (Modo, Tempo, Pessoa, Número,
Voz e Formas Nominais). Seu uso é legítimo e se refere a
uma ação em desenvolvimento. É o caso de Ela está lendo
um livro interessante. Estive viajando na semana passada.
Estamos trabalhando hoje. Também como já vimos, os irmãos
portugueses aplicariam, nesses exemplos, a forma infinitiva:
Ela está a ler um livro interessante. Estive a viajar na semana
passada. Estamos a trabalhar hoje.
E o erro? Consiste no que chamo de gerundite – “Inflamação do Gerúndio”! Dá-se pela junção de um verbo conjugado
(geralmente o verbo IR), mais o infinitivo do verbo estar e mais
um verbo no gerúndio, como nestes exemplos:
– O senhor pode estar anotando o número do protocolo?
– Eu vou estar transferindo sua ligação para a gerência.
– Nós vamos estar providenciando o reenvio da correspondência.
Em todos esses casos, o gerúndio é desnecessário e causa
uma “gerundite” fácil e perfeitamente evitável, assim:
– O senhor pode anotar o
número do protocolo?
– Vou transferir sua ligação para a gerência.
– Nós vamos providenciar
o reenvio da correspondência.
E assim como a cura das
inflamações patológicas traz
bem estar ao organismo, a supressão da inflamação gerundial faz bem aos bons ouvidos!
* J. B. Oliveira é Consultor de Empresas, Professor Universitário, Advogado e Jornalista.
É Autor do livro “Falar Bem é Bem Fácil”, e membro da Academia Cristã de Letras
www.jboliveira.com.br – [email protected]
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Afinal, o que há de errado com o gerúndio?