ESTRATEGIAS DE LEITURA: RELATO DE UMA PESQUISA COM UNIVERSITAIuOS CALOUROS Maria Inez Mateus DOTA (UNESP-Bauru) ABSTRACI': Regarding a group of students beginning the university. this research investigates the instructions on reading received till then and the procedures employed in text processing concerning LI (Portuguese) and L2 (English). From the data collected and analysed. a proposal on the teaching of L2 reading strategies is presented. KEY WORDS: Reading, Strategies. Instructions. Esta pesquisa originou-se de nossa pratica docente como professora de lingua inglesa, ao constatarmos dificuldades dos alunos em desempenhar suas tarefas de leitura, quando iniciam cursos universiWios. Visamos verificar (1) que tipo de instru~o sobre estrategias de leitura foi recebido ate entio; (2) os procedimentos de que 0 aluno dispUDhapara realizar a atividade de compreensao de textos, tanto em portugues(Ll) como em ingles(L2); (3) se transferiam esses procedimentos de L1 para L2 e (4) a partir dos dados coletados/analisados e de um levantamento bibliognificopertinente ao ensino de leitura em lingua estrangeira. apresentar uma proposta de leitura em L2, apontando as estrategias a serem priorizadas. Quando falamos de leitura, MO nos reportamos a leitura em voz alta, objetivando a pron\incia ou a fluencia, nem nos referimos a identific~ao de palavras, pr6pria de uma conce~o mecAnicade alfabetiza~o. A leitura a que nos referimos e a busca do sentido, isto e, a busca do significado. Assim, estraregias de leitura sao procedimentos adotados pelo leitor para chegar as marcas lingUfsticas que vao conduzi-Io na reconstrucao do significado do texto. Esta pesquisa fundamentou-se na visao cognitivista de que ha uma interacao entre leitor e texto (Goodman, 1987, p. 15), MO sendo 0 leitor um decodificador ou receptor passive; tem, ao contrario, papel atuante na construcao do significado. Atraves do trabalho de compreensao do texto, 0 leitor tenta reconstruir 0 caminho percorrido pelo escritor no momenta da prod~o - "retrospectiva" - que, por sua vez, tambem se coloca na posicao de leitor - "prospectiva" (Rezende, 1988, p. 26). Entendemos, ainda, que a experiencia pessoal e fundamental no processo de compreensao de urn texto. Partimos, assim, da hip6tese de que a experiencia de urn leitor em lingua materna pode ser transferida para urn contexto em lingua estrangeira, principalmente se 0 professor oferecer estrategias de orientacao para trazer a consciencia processos norteadores nessa atividade de aprendizagem. Ap6s empreendermos urna pesquisa bibliogratica sobre 0 processo de leitura em lingua estrangeira, formulamos nossos instrumentos de pesquisa (questionano, textos com questoes e taxionomia de estrategias), refletindo tanto a influencia da literatura anglo-americana estudada, fundamentada na psicolingWstica, como a nossa pratica de professora de lingua estrangeira. o questionario, testado anteriormente e acrescido de modifica~s, objetivou verificar dados pessoais dos informantes, escolarldade em lingua inglesa e instrucao recebida em leitura (Ll e L2). Os textos, dois em lingua portuguesa e dois em lingua inglesa, selecionados para compreensao e investigacao dos procedimentos empregados na leitura em L1 e L2, foram escolhidos em funcao da atualidade dos assuntos na epoca, visando, dessa forma, despertar 0 interesse dos alunos pela tarefa. Nas questoes de compreensao colocadas com relacao aos textos, procuramos, 0 maximo possivel. evitar pistas que levassem as respostas. Nesses instrumentos pedimos, tambem, que os informantes apontassem os processos mentais ou estrategias utilizadas para responder as questoes. Com relacao aos dois primeiros textos (urn em portugues e outro em ingles). utilizamos a terminologia "processos mentais" com 0 objetivo de deixar os alunos a vontade para apontar qualquer passo empregado no processo de compreensao. No caso dos dois Ultimostextos (tambem em portugues e em ingles), apresentamos urna lista de estrategias de leitura. com a devida explanacao verbal do significado de cada urna e pedimos 80S informantes que indicassem as estrategias utilizadas para chegar as respostas. As estrategias por n6s selecionadas para compor a referida lista. no momenta da coleta de dados. 510 fruto de nosso percurso como professora de leitura em ingles, desde 1976 e do contata com inl1meros trabalhos encontrados na literatura angloamericana sobre ensino de leitura em L2. principalmente os escritos de Grellet (1985). Holmes (1982a e b e 1986), Moreira (1986). Nuttal (1982), Ribeiro (1989), Sarlg (1987) e Scott (1981 e 1985). Os informantes da pesquisa. em nl1mero de 62 (sessenta e dois). foram os pr6prios alunos com que trabalhamos nos cursos de Jornalismo, Bacharelado em Ci~ncia da Compu~o e Tecnologia de Processamento de Dados (turmas de 10. ano), na UNESP-Bauru. Os dados foram colhidos na primeira aula do curso, isto 6, quando os alunos entravam na universidade. Temos consci~ia de que a descri~o do processo de leitura, ou seja, a identifi~o dos procedimentos que os leitores utilizam na compreensio de .textos, Dio e tarefa tacit para os alunos, pois nem mesmo lingOistas ou psicologos conseguiram, ate entio, uma descri~o definitiva desses passos. Optamos por essa sistematica por acreditarmos que os leitores, como participantes do processo, ~m sua contribui~ a dar e tamb6m porque essa reflexio que os alunos fazem sobre as estrategias de leitura pode ser, ao mesmo tempo, instrumento de pesquisa e de ins~ (Data, 1992).· Os dados coletados foram organizados em tabelas, com indic~o da freqiiencia de ocorrencias em porcentagem. Como Dio apresentamos aos sujeitos da pesquisa uma taxionomia para as in~s recebidas e para os procedimentos de compreensio (no caso dos dois primeiros textos), obtivemos respostas bastante variadas, que tivemos de interpretar e nomear no momento da elabor~o das tabelas. Os dados coletados mostraram-nos que os sujeitos da pesquisa cursaram, em media, 7 anos de ingles, entre 010. eo 20. graus, sendo que 71 % fizeram seus cursos parte na escola publica e parte na escola particular; apenas 8% sao oriundos exclusivamente da escola pUblicae 21% cursaram somente escolas particulares. Com rel~o a ins~ sobre leitura no portugues, ainda que com porcentagens bastante insignificantes, destacaram-se: releitura (17.7%), "skimming" -leitura rapida para uma visio geral do texto (11.2 %) e busca da ideia principal (12.9%), sendo que 32.2% Dlo apontaram nenhum tipo de ins~o. No que diz respeito a leitura em ingles, quase a metade dos sujeitos (45.16%) Dlo indicou ins~ recebidas em sua aprendizagem. Ainda que com baixa frequencia, destacaram-se ins~oes de releitura (9.6%) e "skimming" (12.9%). Quanto as estrategias utilizadas pelos sujeitos/leitores na compreensao dos textos apresentados, sem auxilio de taxionomia, aparecem, em Ll, com relativo destaque, as seguintes estrategias: uso de conhecimento previo, volta a certos trechos do texto, releitura (ligada a estrategia anterior), ate~o, orien~o pelas perguntas e analise. Ainda podem ser agrupadas e, conseqiientemente, pela relativa inci~ncia no conjunto, destacadas:busca da ideia principal e busca dospontos principais; analise, analise das causas e ideias, analise de dados do texto e analise dos fatos e conclusio. Para 12, os dadosapontam maior incidencia em: tradu~o, local~o das partes de um texto, palavras conhecidas, conhecimento previo, busca da ideia principal, orienta~o pelas perguntas e dedu~o atraves do contexto. Tanto para L1 como para 12, os sujeitos apontaram instruCao e/ou estrategias, tais como anaIise, reflexio e raciocinio, separando-~ das demais. Na realidade, essas estraregias estio presentes em todos os passos que 0 leitor utiliza no processo de compreensio. Evidentemente os sujeitos nio podem fazer essa abstracao, uma vez que nio rem aparato te6rico para tal. Com 0 aUX11iode uma taxionomia, para L1 destaearam-se, com uma porcentagem acimade 50% de utilizacio, as estraregias de "skimming", volta a certos treehos do texto e selecao de alguns trechos a serem lidos (que, de certa forma, estio interligadas), "scanning" - busca de informacao especffica - e uso de conhecimento previo. Para 12, acima de 50% estio: "skimming", volta a certos trechos do texto, traducao de trechos para 0 portugues e dedueao atraves do contexto. Mesmo com rel~o a essas estrategias destacadas para lingua inglesa, uma vez que uma parcela significativa dos sujeitos consultados nio apontou 0 seu uso, recomendamos a abordagem (com exeecao feita a traducao). Com relacao as demais estrategias da lista auxiliar que apresentamos, isto e, aquelas que foram indicadas com baixa incidencia, propusemos que as mesmas fossem enfatizadas num curso de leitura que tivesse por clientela alunos com perfil semelhante ao aqui apresentado. No que tange a questio da transferencia de estrategias de leitura de uma L1 para uma 12, nossa visio e que ha uma proficiencia cognitiva (representada pela atividade da linguagem) comum entre as linguas, embora seus aspectos de superficie passam se apresentar claramente distintos. Essa proficiencia comum, que subjaz as linguas, toma possivel a transferencia das habilidades cognitivas de uma lfngua para ontra em atividade de leitura. Comparamos os dados obtidos e fizemos um acompanhamento individual das respostas fornecidas pelos sujeitos, para que pudCssemosindicar os casos e respectivas freqiiencias de transferencia de estraregias de L1 (portugues) para 12 (ingles). Em termos quantitativos, sem a apresentacao de uma lista de estrategias, poucos sujeitos apontaram dados que configurassem 0 processo de transferencia. A falta de uma taxionomia, onde pudessem se apoiar para fomecer os dados, deve ter dificultado essa tarefa. De qualquer forma, qualitativamente, obtivemos dados para nos indicar a possibilidade de ocorencia da transferencia em um grupo de alunos que esta ingressando na universidade, oferecendo, assim, subsfdios para 0 trabalho dos docentes que lidam com tal clientela. Com a apresenmcao de uma taxionomia, 0 indice de transferencia fica mais acentuado, com destaque para "skimming" e volta a certos trechos do texto, mas a necessidade de um trabalho com estraregias de leitura por parte do professor, sobre como facilitar a leitura em 12, ainda persiste, com ampla justificativa. As info~s obtidas nos apontaram que ha pontos comuns no processo de leitura de Ll (portugues) e 12 (ingles), transferiveis de uma lfngua para outra. Analisando as instrueoes recebidas pelo grupo pesquisado, as estraregias utilizadas em Ll e L2 com a apresentaeio de uma taxionomia, as estraregias ai transferidas e, ainda, tendo como ponto de partida a listagem que apresentamos 80S sujeitos na coleta de dados, concluimos que devesse ser dada enfase, para um grupo de sujeitos com as caracterlsticas destes aqui perfilados, a conscientizacao sobre as seguintes estrategias: 1. deduc10 atraves do contexto, que envolve parada em palavras desconhecidas, para verificar-Ihes 0 significado; 2. predicao ou anteeipacio do assunto; 3. reconhecimento de conectivos, com ampliacio para a utiliza~ao dos elementos coesivos do texto, incluindo tambem, nesse caso, a ligaciio de uma frase com outra parte do texto; 4. "scanning" ou busca de informaciio especifica; S. selecao de alguns trechos a serem lidos, que inclui localizacao da introdu~ao e conclusao; 6. saito de palavras ou expressoes sem importAncia; 7. uso de aspectos morfol6gicos (radicais, prefixos e sufixos); 8. uso de conhecimento do mundo e/ou conhecimento previo sobre 0 assunto; 9. uso das fun~s ret6ricas do texto; 10. uso de palavras cognatas; 11..uso de palavras repetidas ou palavras-chave; 12. uso de pistas tipograficas. o criterio que utilizamos para essa sele~ao baseou-se no fato de os sujeitos terem apontado essas estrategias em um ou nos dois momentos da coleta de dados com textos, bem como na constata~io da transferencia (com auxflio de taxionomia), com menos de 50% de freqliCncia. Levamos em consideracao tambem 0 baixo indice de instrucio recebida, tanto em L1 como em L2, ficando excluidas, portanto, "skimming" e volta a certos trechos do texto. Isto nio significa que essas estraregias nio precisem ser trabalhadas, apenas nio precisam ser priorizadas, uma vez que boa parte dos sujeitos mostrou ter conhecimento sobre elas. Observamos que a utilizacio de cada uma dessas tecmcas deve ser adaptada as necessidades do tipo de texto em questio. Para cada uma das estrategias acima apontadas, elaboramos uma metodologia de ensino direcionada aqueles que trabalham com lingua inglesa, podendo tambem ser utilizada para outras linguas, e visando a aquisi~ao da habilidade de leitura. Podeca ser utilizada tanto no 30. grau como oferecer subsidios para 0 trabalho no 10. e 20. graus. Mostraremos, a seguir, a maneira como procedemos em nossa proposta de leitura, relatando, a titulo de exemplificacao, a metodologia elaborada para a estrategia de reconhecimento de conectivos. Essa estrategia consiste em identificar 0 valor dos conectivos como elementos de coesao entre senten~ ou parte delas, especificando "a maneira pela qual 0 que se segue esta sistematicamente conectado com 0 que veio antes" (Halliday & Hasan, 1976, p. 227). Ao construir 0 significado de cada conectivo do texto, 0 alunolleitor deve ser levado, a perceber a rel~o que 0 autor quis assinalar. Assim, uma rel~o de contraste, com respeito Aquilo que foi afirmado anteriormente, podera ser marcada por "however" e uma rela~o de inclusio, por "furthermore". Os exercicios devem trabalhar essas rela~oes a partir dos conectivos (ou relatores) encontrados no texto. o professor precisa ter cuidado ao utilizar a classificacao das conjun~s coordenativas e subordinativas trazida pelas gramaticas tradicionais. Adamczewski (1990, p. 348) aponta a dificu1dadede se tr~ uma fronteira definida entre os dois gropos. Por esse motivo, "but", conj~o de coorde~o, figura tambem na categoria de conjun~o de subo~o ("but that"); "for", por sua vez, e muito pr6xima da conj~o de subor~o "because", porque esta introduz urna justificativa da enunciacao que a precede. E preciso ficar claro ao aprendiz, portanto, que os conectivos mostram a lig~o coesiva entre duas proposi~s colocadas em relacao, em ~ao de uma oper~o efetuada pelo sujeito do discurso, frente ao seu interlocutor. Ao descrevermos a operacional~o didatica das estrategias priorizadas a partir de nossa pesquisa, enfatizamos que existe urn imbricamcnto entre elas. Nao podem ser utilizadas isoladamente, completam-se entre si e devem ser empregadas em conjunto, uma vez que espelham os processos "top-down" (do todo para as partes) e "bottomup" (das partes para 0 todo), agindo interativamente. Destacamos urn ponto que parece ser valida em toda situaeao que envolve estrategias de leitura: a importincia de discuti-las com os alunos, de modo que eles possam fazer suas escolhas individualmente, tornem-se conscientesde seus procedimentos em leitura e tentem aprimora-Ios. 0 papel do professor e estimular 0 desenvolvimentoe 0 uso de estrategias eficientes para chegar ao significado. ADAMCZEWSKI. H. (1990) Grammaire linguistique de l'anglais. Paris: A. Colin. DOTA. M.I.M. (1992) EstratCgias metacognitivas 110 processo de leitura em I.fnguaestraDgeira. In: XXXIX SEMINAIuO DO GEL. 1991. Fraoca-SP. Anais .•• Jau: ~o Educacional MDr. Raul Dauab". 13.52p. p. 676-683. GOODMAN. K. (1987) 0 processo de leilUra: coDSide~S a respeito das lfnguas em descllOvlvimento. In: E. FERREIRO &. M. G. PALACIO. Os proeessos de leitura e escrita: novas perspectivas. Trad. de M. L. Silveira. Porto Alegre: Artes M6dicas. p. 11-22. HOLMES, J. (1982a) S1lIges,strategies and activities. 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