O Chipre é uma Borboleta
Monica Baumgarten de Bolle
Economista, Diretora do IEPE/Casa das Garças e Professora da PUC-Rio
(Publicado no O Globo a Mais de 19/03/2013)
Conhecem aquela história da borboleta que bate as asas num país distante, digamos,
na Argentina, e causa um furacão no norte do oceano Atlântico? Pois parece que os
europeus, mais especificamente, os alemães, gostam tanto de efeitos borboleta que
resolveram testá-los no Chipre. Afinal, porque não testar a hipótese de que uma
crise bancária numa ilha pequena do mediterrâneo possa causar um novo
cataclismo financeiro na Europa?
O efeito borboleta é a forma popular de explicar a Teoria do Caos, a dinâmica por
vezes explosiva e errática dos sistemas não-lineares, ao público leigo. A ideia
fundamental é que um evento de pequenas proporções possa gerar estragos
catastróficos dependendo apenas das condições iniciais do sistema, isto é, do ponto
de partida e das não-linearidades que se retroalimentam e se amplificam durante o
processo.
As condições iniciais do sistema dinâmico e altamente não-linear que vigora na zona
do euro são, no mínimo, frágeis. A recessão se agrava, o desemprego não para de
subir e a situação dos bancos, sobretudo em países como a Espanha e a Itália,
continua periclitante. O próprio FMI, um dos envolvidos no teste da borboleta
cipriota, destacou, recentemente, que a Europa avançou pouco no saneamento dos
balanços bancários e na formulação de um novo arcabouço regulatório que limite as
fragilidades financeiras. Para acrescentar ofensa à injúria, a região está sendo
solapada pelo esgarçamento social e político proveniente da crise. A Itália hoje vive
esse drama intensamente, com suas eleições inconclusivas e as dificuldades de
formar um governo para iniciar a agenda de reformas, sem as quais os problemas
fiscais e bancários se agravarão. A Itália está entre as quatro maiores economias da
eurozona. Espirros na Europa, para usar outra imagem associada à Teoria do Caos
que os nossos governantes no Brasil gostam de utilizar, podem provocar uma
pneumonia dupla na Itália. Daí para uma pandemia global de crises respiratórias
nos mercados é apenas um pulo. Portanto, a zona do euro possui não só condições
iniciais perigosas, como apresenta uma dinâmica de alto grau de não-linearidade, ou
seja, ela é muito instável.
Pois bem. Foi diante deste quadro que os líderes europeus resolveram conduzir um
experimento inusitado no último fim de semana. Entra o Chipre. O Chipre é a
terceira maior ilha do Mediterrâneo, perdendo para a Sicília e para a Sardenha. Fica
ao leste da Grécia e ao sul da Turquia. Tornou-se independente em 1960, depois do
Acordo de Zurique e Londres. Mais de 80% do PIB do Chipre vem do setor de
serviços, onde o sistema financeiro é o componente mais importante. Os problemas
do Chipre começaram com a crise grega e se agravaram quando o país vizinho
reestruturou a sua dívida em 2012, a mando da comunidade financeira
internacional. Os bancos cipriotas detinham cerca de 23 bilhões de euros da dívida
grega reestruturada. Não parece muita coisa, sobretudo perante os cifrões
trilionários frequentemente associados à crise global, mas há um detalhe. O PIB do
Chipre é de uns 17,5 bilhões de euros, o que significa que os bancos carregavam em
seus balanços um montante de papeis do governo da Grécia equivalente a 130% do
PIB cipriota. Quando a Grécia promoveu o seu haircut, a redução de cerca de 70% da
dívida, os ativos dos bancos cipriotas viraram pó. O sistema ruiu. Desde então o país
negocia uma saída honrosa com os líderes da eurozona.
A saída honrosa, aparentemente, não foi possível. Os negociadores europeus,
auxiliados pelo FMI, não quiseram dar ao Chipre os cerca de 17 bilhões de que
necessitariam para cobrir o rombo deixado pela reestruturação grega. Alegaram que
um resgate dessa magnitude, equivalente ao PIB do país, impossibilitaria o
ressarcimento mais à frente, pondo em risco o dinheiro dos contribuintes europeus
que financiaria o socorro. Os alemães, liderados por Jörg Asmussen, membro do
comitê executivo do BCE, foram particularmente veementes quanto a isso. A solução
criativa, quiçá inspirada na nacionalidade do novo papa – Francisco, nascido na
terra dos corralitos e dos congelamentos de depósitos – ou no continente de onde
veio, foi a seguinte: para reduzir os 17 bilhões para um montante mais palatável
para o contribuinte alemão, holandês, e tantos outros mais, se recorreu a uma lei da
UE que permite que depósitos acima 100 mil euros sejam tributados. Segundo a lei,
tal tributação funciona como um imposto sobre a riqueza.
Ocorre que os bancos cipriotas não têm depósitos acima de 100 mil euros em
número suficiente para reduzir os 17 bilhões por meio da tributação. Fez-se, então,
algo inédito – na Europa: formulou-se uma proposta para que os depósitos
inferiores a 100 mil euros fossem taxados em 6,75%. Aqui, nas nossas terras do sul,
isso tem um nome. O nome não é bonito, embora seja Collorido, como algumas
espécies de borboleta. Chama-se confisco. A brilhante ideia dos líderes europeus
para reduzir o pacote do Chipre de 17 para “apenas” 10 bilhões foi instituir um
confisco generalizado de depósitos.
Confiscos não acabam bem. Geram corridas bancárias. Provocam grande sofrimento
social. Induzem manifestações populares violentas. Derrubam presidentes,
ministros, regimes. Podem levar à saída do primeiro país da zona do euro, o Chipre.
A decisão causou um grande alvoroço. Todos foram às ruas sacar dinheiro das caixas
eletrônicas. O Presidente Nicos Anastasiades foi à tevê para tranquilizar a
população, dizendo que tentará dissuadir os líderes da eurozona ou ao menos
persuadi-los de que o pequeno depositante deve ser poupado. Diante da balbúrdia,
um feriado bancário foi decretado e ficará em vigor até quinta-feira dessa semana.
Agora é só aguardar para ver como isso se propagará pelo resto da Europa.
Ah, as borboletas...tão frágeis, tão singelas, tão ameaçadoras.
Para os leitores curiosos: a figura que ilustra este artigo, semelhante à uma
borboleta, é a solução para o sistema dinâmico de equações não-lineares formulado
pelo matemático americano Edward Lorenz, um dos pais da Teoria do Caos e
responsável por cunhar o termo “Efeito Borboleta” para descrevê-la.
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