O REPARO DE DANOS NA CONJUGALIDADE * (Elda Elbachá). Psicoterapeuta Sistêmica, Diretora, Docente e Supervisora do Centro de Estudos da Família e Casal - CEFAC/BA _____________________________________________________________________________________________________ Uma relação longa e duradoura, por mais amorosa e desejada, pode tornar-se vulnerável e falível, proporcionando mágoas, dores, sofrimentos e danos ao longo do tempo. Sendo assim, o reparo de danos na conjugalidade é um dos aspectos terapêuticos de maior relevância para a continuidade e possibilidade de um casal. Afinal, existe um ser humano perfeito e infalível? Ou somos perfeitamente imperfeitos? Os significados dos danos causados pelos casais podem ser de ordem sistêmica e/ ou individual. Nem sempre os danos significam apenas o que cada um deixou faltar para o outro na conjugalidade, mas também o que cada um precisa e escolhe viver para si, apesar e além do outro. É uma visão parcial e vitimista, depositar no outro a culpa pelo dano causado. Às vezes, é uma forma cruel e tirana de não se implicar e não assumir as consequências da construção pessoal desse dano. Pelo profundo viés do enfoque apreciativo da epistemologia sistêmica, estamos todos implicados, enredados e temos uma responsabilidade relacional em todas as construções de vínculos e de realidade vividas. Reparar danos é, primeiramente, admitir a própria implicação no dano construído e sair da pontuação, vitimização e da culpabilização do outro. Um casal capaz de reconhecer o dano causado, colocar-se no lugar da dor do outro, disponibilizar-se e comprometer-se para minimizar, suavizar ou reparar o dano construído, é um casal possível de seguir adiante no afeto e, até mesmo, de fortalecer o vínculo e a cumplicidade no cuidado com a relação que segue. A justiça reparatória é uma atitude amorosa, terapêutica, curativa, quando ambos os cônjuges assumem as suas partes, assumem as consequências dos danos, se comprometem verdadeiramente com o reparo e com o perdão, que são dois aspectos distintos e ao mesmo tempo interconectados, intergenerativos e imprescindíveis. Reparo e perdão são atitudes e sentimentos co-construtores. Quanto mais se constrói o reparo, mais se constrói o perdão; e quanto mais se constrói o perdão, mais se constrói o reparo. São processos e circuitos retroalimentadores. No processo terapêutico do reparo de danos, é muito significativo que agressor e vítima possam criar uma possibilidade de compensação dessa dor. O agressor deve atender ao pedido profundo que a vítima necessitar, sobre o que pode fazer verdadeiramente à reparação. A vítima, por sua vez, precisa pedir, dizer ou fazer algo que não seja mais destrutivo que o próprio dano. Dessa forma, a vítima não se coloca em um lugar de “superioridade” e “santidade”, proporcionando que o agressor não se perpetue em um lugar de inferioridade e dívida irreparável, possibilitando a ambos saírem das expiações e das culpabilizações, recriando uma verdadeira oportunidade de mudanças profundas para si, para o outro e para a conjugalidade. Com uma verdadeira e profunda tentativa de reparar danos, a relação não fica "congelada" no trauma da quebra de confiança, movendo o vínculo para uma melhor resolução, seja pela possibilidade vivenciada de reconstrução da conjugalidade ou pela decisão experienciada de dissolução da mesma. A reparação de danos é uma oportunidade humana para a reconciliação e a justiça reparatória, sem a qual não pode haver nem liberação, nem conclusão.