Braz J Periodontol - September 2013 - volume 23 - issue 03
TRATAMENTO ESTÉTICO DA LESÃO PERIFÉRICA DE
CÉLULAS GIGANTES
Aesthetic treatment of peripheral giant cell lesion
Carlos Sardenberg1, Viviane Viana Nicácio da Silva2, Diva Claudia de Almeida3, Luiz Claudio Borges4, Walter Augusto Soares
Machado5
1 Cirurgião–dentista;
mestrando em Clínica Odontológica UFF; professor do curso de especialização em Periodontia da Universidade Veiga de Almeida.
2 Cirurgião–dentista;
especialista em Periodontia pela Universidade Veiga de Almeida.
3
Cirurgião-dentista; mestre em Clínica Odontológica UFF; professor do curso de especialização em Periodontia da Universidade Veiga de Almeida.
4
Cirurgião–dentista; doutor em Periodontia (UERJ); professor do curso de especialização em Periodontia da Universidade Veiga de Almeida.
5
Cirurgião–dentista; livre docente em Periodontia (UERJ); coordenador do curso de especialização em Periodontia da Universidade Veiga de Almeida.
Recebimento: 22/03/13 - Correção: 05/06/13 - Aceite: 13/08/13
RESUMO
A lesão periférica de células gigantes (LPCG) é uma lesão hiperplásica inflamatória não neoplásica, envolvendo
a gengiva ou mucosa alveolar. Mais de 60% dos casos ocorrem em pacientes com menos de 30 anos de idade, é
mais frequente em mulheres do que em homens. A relação entre mandíbula e maxila tem sido verificada em uma
proporção de 2:1, e a porção anterior da mandíbula, é o local mais comum para o seu desenvolvimento. Paciente do
sexo feminino, cor branca, 35 anos de idade, foi indicada para a clínica de especialização em periodontia da Faculdade
de Odontologia da Universidade Veiga de Almeida, em setembro de 2011, para tratamento de uma lesão inflamatória
hiperplásica gengival localizada na região superior anterior vestibular entre os dentes 12 e 13. A cicatrização após o
tratamento cirúrgico aconteceu normalmente alcançando um resultado extremamente saudável e estético. O exame
histopatológico confirmou o diagnóstico como LPCG. O presente caso mostra a confecção de um retalho dividido
deslocando o complexo mucogengival coronariamente, recobrindo assim o defeito gengival deixado após a remoção
da lesão, com excelentes resultados após 3 meses.
UNITERMOS: doenças gengivais; granuloma; hiperplasia; biopsia excisional. Periodontia. R Periodontia 2013;
23:65-69.
Introdução
A lesão periférica de células gigantes (LPCG) é uma
lesão hiperplásica inflamatória não neoplásica, envolvendo a
gengiva ou mucosa alveolar. A sua etiologia é desconhecida,
porém é sugerido que ela se origine de uma lesão no
ligamento periodontal e gengiva iniciando uma resposta
hiperplásica no periósteo (Katsikeris et al., 1988). Entre
outras hiperplasias, pode ser considerada uma resposta local
exacerbada a uma injúria tecidual (Priddy, 1992).
Uma lesão inicial estimula a formação de um tecido
de granulação constituído pela proliferação de células
endoteliais, uma rica rede capilar, células inflamatórias
crônicas e os fibroblastos. O tecido de granulação logo
fica revestido por um epitélio escamoso estratificado. As
maiorias das lesões são sésseis, clinicamente assintomáticas,
An official publication of the Brazilian Society of Periodontology ISSN-0103-9393
suavemente contornadas ou lobuladas com vermelho escuro
devido à rica vascularização, moderadamente macias e
esponjosas (Kfir et al., 1980; Katsikeris et al., 1988; Neville
et al., 2002).
A LPCG é uma lesão incomum, uma vez que corresponde
a menos que 7% de todas as lesões benignas dos maxilares
(Wood & Goaz, 1997). Mais de 60% dos casos ocorrem em
pacientes com menos de 30 anos de idade, é mais frequente
em mulheres do que em homens, a relação entre mandíbula
e maxila tem sido verificada em uma proporção de 2:1, e a
porção anterior da mandíbula, é o local mais comum para
o seu desenvolvimento (Wood & Goaz, 1997).
A LPCG difere de outras lesões benignas dos maxilares
na presença de células gigantes multinucleadas de origem
desconhecida (Jaffe, 1952; Sapp, 1972; Katsikeris et al.,
1988). Vermelho escuro é a cor predominante, mas pode
65
Braz J Periodontol - September 2013 - volume 23 - issue 03 - 23(3):65-69
ser azulada ou rosa pálido, nodular, localizada na crista de
área edêntula ou no cume gengival, mais comumente na
mandíbula. A palpação lembra uma borracha macia, e é
predominantemente encontrada em caucasianos (Giansanti
& Waldron, 1969; Bhaskar et al., 1971; Eversole & Rovin,
1972; Buchner et al., 1977; Katsikeris et al., 1988; Carvalho
et al., 1995). Também pode haver uma reabsorção óssea
subjacente à lesão. Microscopicamente são observados vários
graus de inflamação e vascularização com células gigantes
multinucleadas espalhadas por toda lesão e eritrócitos
extravasados.
A LPCG deve ser completamente removida e analisada
microscopicamente. Fatores irritantes locais devem ser
removidos (Katsikeris et al., 1988; Mighell et al., 1995). A
excisão total da LPCG contendo uma margem de tecido
normal, necessário para o exame histopatológico, pode
resultar em um grave defeito mucogengival em área estética.
A prevenção destes defeitos pós-cirúrgicos pode ser realizada
preferencialmente com técnicas de cirurgia plástica periodontal
no momento da biopsia excisional (Bernier & Cahn, 1954;
Sahingur et al., 2004). O presente relatório descreve um caso
de LPCG em região anterior de maxila, em que foi realizada
a biópsia excisional e o defeito mucogengival foi prevenido
através da utilização de um reposicionamento coronário do
complexo mucogengival remanescente.
Relato do Caso Clínico
Paciente do sexo feminino, cor branca, 35 anos de idade,
foi indicada para a clínica de especialização em periodontia
da Faculdade de Odontologia da Universidade Veiga de
Almeida, em setembro de 2011, para tratamento de uma
lesão inflamatória hiperplásica gengival localizada na região
superior anterior vestibular entre os dentes 12 e 13 (Figura 1).
Após a realização de um rigoroso exame clínico geral,
ficou constatado que a paciente não apresentava nenhuma
alteração sistêmica que pudesse indicar a causa da presença
da lesão, de dimensão de 10 x 6 mm.
Constatou-se igualmente que não apresentava quadro
clínico de gravidez.
A paciente informou que havia sido submetida a um
tratamento ortodôntico e que, algum tempo após sua
conclusão, ocorreu aumento da gengiva somente no referido
lugar.
Em seguida, foi realizado exame clínico periodontal de
profundidade de bolsa e perda de inserção e radiográfico.
Ficou constatada ausência de bolsa periodontal e uma
alteração da crista óssea entre os dentes 12 e 13, além de
discreta perda óssea na face vestibular do 13 (Figura 2).
Figura 2 – Rx periapical da lesão
Desta forma, foi indicada a realização da biopsia excisional
da lesão, objetivando, primeiramente, remover a lesão, sendo
conversado com a paciente que, posteriormente, após o
período de cicatrização, seria avaliada a possível correção
do defeito mucogengival deixado através de técnicas de
enxertia para recobrimento radicular. Porém em seguida a
biopsia, para evitar uma maior retração gengival, pois havia
uma perda óssea vestibular, foi realizado o deslocamento
coronário do retalho. Assim, provavelmente, se fosse realizada
apenas a biópsia excisional, poderia resultar em uma enorme
retração gengival no dente 13 que dificultaria a sua correção
posteriormente (Figura 3).
Figura 1 – Aspecto inicial da lesão
Tratamento Cirúrgico
Em outubro de 2011, foi realizada cirurgia de excisão
da lesão e reposição coronária do retalho, iniciada com
anestesia infraorbitária e infiltrativa no local da lesão (com
objetivo de diminuir o sangramento), utilizando bisturi Bard
66
An official publication of the Brazilian Society of Periodontology ISSN-0103-9393
Braz J Periodontol - September 2013 - volume 23 - issue 03 - 23(3):65-69
Parker com lâmina 15C. Foi feita a remoção total da lesão
com uma margem sadia para enviar o material para exame
histopatológico, que confirmou o diagnóstico como LPCG.
Em seguida foram feitas duas incisões verticais relaxantes,
divergentes, apicalmente na mesial e distal do dente.
Um retalho dividido (Figura 3) foi preparado por dissecção
e então todo o complexo mucogengival foi posicionado
coronariamente e suturado (Figura 4) no nível da junção
cemento-esmalte (JCE). Para auxiliar a sutura e estabilizar o
retalho na posição da JCE foi colocada uma “roda” de resina
composta na vestibular do elemento 13.
Figura 5 – Cicatrização após 3 meses da cirurgia
DISCUSSÃO
A paciente retornou após três meses de cirurgia, com a
margem gengival em posição satisfatória e exibindo um tecido
gengival saudável, com 1 mm de profundidade de bolsa a
sondagem em torno de toda a face vestibular do elemento
13 e sem sangramento à sondagem (Figura 5).
A excisão cirúrgica ainda é o tratamento de escolha para
a LPCG (Bataineh & Al-Dwairi, 2005). A recorrência desta
lesão é extremamente variada na literatura relacionada
(Eversole & Rovin, 1972; Buchner et al., 1977; Katsikeris et
al., 1988; Carvalho et al., 1995). Estas grandes variações
são, provavelmente, relacionadas com as diversas técnicas
cirúrgicas que podem ser empregadas para o tratamento da
LPCG. Em casos refratários ou em casos de lesões recorrentes,
excisões mais amplas estendendo-se até o periósteo e
incluindo toda a base da lesão devem ser feitas para garantir
o sucesso do tratamento. A terapia cirúrgica das LPCG pode
resultar em defeitos gengivais com desagradável exposição da
raiz, especialmente quando a lesão está localizada em área
estética (Neville et al., 2002; Sahingur et al., 2004; Bataineh
& Al-Dwairi, 2005).
Várias abordagens cirúrgicas têm sido utilizadas para
corrigir defeitos mucogengivais (Bouchard et al., 2001). A
morfologia do defeito dos tecidos moles após a excisão total
da LPCG é semelhante a das recessões gengivais. Assim, as
taxas de sucesso para recobrimento radicular com retalhos
reposicionados coronariamente com o uso de enxertos
teciduais podem se apresentar similares as para defeitos
mucogengivais após excisão cirúrgica da lesão. A cobertura
radicular média de recessões classe I e II de Miller deixadas
após a excisão de lesões orais é de 50 a 70%, dependendo
da profundidade do defeito utilizando técnicas com uso de
enxertos teciduais (Roccuzzo et al., 2002). Na reabilitação
imediata, onde os defeitos dos tecidos moles são cobertos
imediatamente na primeira abordagem cirúrgica, o paciente
é poupado de uma cirurgia adicional, o que é melhor
An official publication of the Brazilian Society of Periodontology ISSN-0103-9393
67
Figura 3 – Aspecto após biopsia excisional e desenho das relaxantes que servirão para
reposicionamento do retalho coronalmente
Figura 4 – Sutura estabilizando o retalho na posição da JCE
Braz J Periodontol - September 2013 - volume 23 - issue 03 - 23(3):65-69
principalmente em área estética. Só no caso de recidiva, uma
nova intervenção cirúrgica seria necessária.
Uma alternativa é a modalidade de tratamento tardio. Esta
abordagem de dois estágios permite uma maior concentração
na excisão da lesão por completo e uma avaliação da situação
clínica até a cicatrização do tecido. Então, numa operação
seguinte, a correção cirúrgica definitiva da deiscência dos
tecidos moles pode ser realizada. As principais desvantagens
para o paciente na abordagem tardia são a necessidade de
uma nova intervenção cirúrgica, e o longo tempo de espera
até o final da reabilitação estética. Porém apresenta uma taxa
de recorrência muito inferior à modalidade cirúrgica descrita
acima (Roccuzzo et al., 2002; Lev et al., 2010).
No caso estudado, a paciente do sexo feminino com
uma lesão na região anterior de maxila de 10 x 6 mm com
hipótese diagnóstica de LPCG foi orientada sobre o seu
problema e concordou em fazer o tratamento em duas
etapas. Na primeira seria feita a biopsia excisional da lesão e
numa segunda oportunidade seria feita a correção do defeito
mucogengival deixado, reduzindo assim a probabilidade de
recorrência da lesão. Mas após avaliação do defeito deixado,
após a excisão cirúrgica da lesão, foi decidido fazer um retalho
reposicionado coronariamente sem uso de enxerto tecidual
para reduzir ou eliminar a sequela da lesão. O resultado foi
extremamente satisfatório, não apresentando nenhuma
exposição radicular decorrente da remoção da lesão. Mostrouse assim, que mesmo técnicas sem a utilização de enxerto
tecidual podem ser utilizadas para o tratamento imediato de
LPCG, alcançando resultados estéticos.
female, white, age 35, was nominated for a clinic specializing
in periodontics, Faculty of Dentistry, University Veiga de
Almeida, in September 2011, for treatment of an injury
inflammatory gingival hyperplasia located in the upper anterior
buccal between teeth 12 and 13. Healing after treatment
was usually reaching an extremely healthy and aesthetic.
Histopathological examination confirmed the diagnosis as
PGCL. The present case shows a flap divided displacing the
complex mucogingival coronally, thereby covering the defect
after removal left gingival lesion, with excellent results after
3 months.
UNITERMS: gum disease, granuloma, hyperplasia;
excisional biopsy
CONCLUSÃO
A excisão cirúrgica do LPCG pode resultar num defeito
significativo na gengiva, porém o presente trabalho mostrou
a confecção de um retalho dividido deslocando o complexo
mucogengival coronariamente, mesmo sem uso de enxertos
teciduais podem ser eficazes, recobrindo assim o defeito
gengival deixado após a remoção da lesão, apresentando
excelentes resultados após 3 meses.
ABSTRACT
The peripheral giant cell lesion (PGCL) is an inflammatory
non-neoplastic hyperplastic lesion involving the gingiva or
alveolar mucosa. More than 60% of cases occur in patients
under 30 years of age, is more common in women than in
men. The relationship between the mandible and maxilla have
been verified by a ratio of 2:1, and the anterior portion of the
mandible is the most common site for development. Patient
68
An official publication of the Brazilian Society of Periodontology ISSN-0103-9393
Braz J Periodontol - September 2013 - volume 23 - issue 03 - 23(3):65-69
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1- Katsikeris N,Kakarantza-Angelopoulou E, Angelopoulos AP. Peripheral
giant cell granuloma. Clinicopathologic study of 224 new cases and
review of 956 reported cases. Int J Oral Maxillofac Surg 1988;17:94-99.
2- Priddy RW. Inflammatory hyperplasias of the oral mucosa. J Can Dent
Assoc 1992;58:311-315;319-321.
3- Kfir Y, Buchner A, Hartsen LS. Reactive lesions of the gingiva. A
clinicopathological study of 741 cases. J Periodontol 1980;51:655-661.
18-Roccuzzo M, Bunino M, Needleman I, Sanz M. Periodontal plastic
surgery for treatment of localized gingival recessions: a systematic
review. J Clin Periodontol. 2002;29 Suppl 3:178-94; discussion 1956. Review.
19-Lev R, Moses O, Holtzclaw D, Tal H. Esthetic treatment of peripheral
giant cell granuloma using a subepithelial connective tissue graft and a
split-thickness pouch technique. J Periodontol. 2010 Jul;81(7):1092-8.
4- Neville BW, Damm DD, Allen CM, Bouquot JE. Soft tissue tumors. In:
Neville BW, Damm DD, Allen CM, Bouquot JE, eds. Oral & Maxillofacial
Pathology, 2nd ed. Philadelphia: WB Saunders Company; 2002:12:
437-495.
5- Wood NK, Goaz PW. Peripheral oral exophytic lesions. In: Wood NK,
Goaz PW, eds. Differential Diagnosis of Oral and Maxillofacial Lesions,
5th ed. St. Louis: Mosby- Year Book; 1997:10:130-161.
6- Jaffe HL. Giant-cell reparative granuloma, traumatic bone cyst, and
fibrous (fibro-osseous) dysplasia of the jawbones. Oral Surg Oral Med
Oral Pathol 1953;6: 159-175.
7- Sapp JP. Ultrastructure and histogenesis of peripheral giant cell
reparative granuloma of the jaws. Cancer 1972;30:1119-1129.
8- Giansanti JS, Waldron CA. Peripheral giant cell granuloma: Review of
720 cases. J Oral Surg 1969;27: 787-791.
9- Bhaskar SN, Cutright DE, Beasley JD 3rd, Perez B. Giant cell reparative
granuloma (peripheral): Report of 50 cases. J Oral Surg 1971;29:110115.
10- Eversole LR, Rovin S. Reactive lesions of the gingiva. J Oral Pathol
1972;1:30-38.
11- Buchner A, Calderon S, Ramon Y. Localized hyperplastic lesions of
the gingiva: A clinicopathological study of 302 lesions. J Periodontol
1977;48:101-104.
12- Carvalho YR, Loyola AM, Gomez RS, Araujo VC. Peripheral giant cell
granuloma. An immunohistochemical and ultrastructural study. Oral
Dis 1995;1: 20-25.
13- Mighell AJ, Robinson PA, Hume WJ. Peripheral giant cell granuloma:
A clinical study of 77 cases from 62 patients, and literature review.
Oral Dis 1995;1:12-19.
14- Bernier JL, Cahn LR. Peripheral giant cell reparative granuloma. J Am
Dent Assoc 1954;49:141-148.
15- Sahingur SE, Cohen RE, Aguirre A. Esthetic management of peripheral
giant cell granuloma. J Periodontol 2004;75:487-492.
16-Bataineh A, Al-Dwairi ZN. A survey of localized lesions of oral
tissues: a clinicopathological study. J Contemp Dent Pract. 2005 Aug
15;6(3):30-9.
17-Bouchard P, Malet J, Borghetti A. Decision-making in aesthetics: root
coverage revisited. Periodontol 2000. 2001;27:97-120.
An official publication of the Brazilian Society of Periodontology ISSN-0103-9393
Endereço para correspondência:
Carlos Henrique Sardenberg Pereira
Rua Fernandes Figueira, 55, apto. 303
Tel.: (21) 2264-2322
E-mail: [email protected]
69
Download

REVISTA PERIO SETEMBRO 2013 - 22-11-13.indd