ISSN 1677-6704 LESÃO DE CÉLULAS GIGANTES PERIFÉRICA: RELATO DE CASO PERIPHERAL GIANT CELL LESION: A CASE REPORT 1 Alvimar Lima de CASTRO2 Eni Vaz Franco Lima de CASTRO2 Leda Maria Pescinini SALZEDAS3 Ellen Greves GIOVANINI Lesão de células gigantes periférica: relato de caso Peripheral giant cell lesion: a case report RESUMO: Com maior incidência entre a terceira e a sexta décadas de vida e com discreta preferência pelo sexo feminino, a lesão de células gigantes periférica é comum na boca, acometendo tanto maxila como mandíbula e quase exclusivamente rebordo alveolar e gengiva. Apesar da etiologia obscura, acredita-se que o aparecimento dessas lesões esteja relacionado a fatores irritantes locais como raízes residuais, dentes mal conservados ou mal posicionados, cálculos dentais, restaurações com excessos proximais, próteses inadequadas, ou ainda corpos estranhos no sulco gengival. O diagnóstico depende da avaliação integrada entre os achados clínicos, radiográficos e histológicos. No presente relato, os autores descrevem um caso em paciente negra com 72 anos de idade, apresentando um nódulo gengival avermelhado de aproximadamente 1,5 cm de diâmetro na região vestibular de incisivo a canino inferiores esquerdos, com base séssil, limites nítidos, consistência flácida e indolor. Radiograficamente não se identificou alteração óssea na área. As hipóteses diagnósticas consideradas foram Lesão de Células Gigantes Periférica, Fibroma Cemento Ossificante Periférico e Hiperplasia Fibrosa, não se considerando o diagnóstico de Lesão do Hiperparatireoidismo pela ausência de sinais clínicos e radiográficos sugestivos da lesão. O diagnóstico definitivo foi conseguido após biópsia excisional em cuja análise microscópica se identificou presença de lesão osteofibrosa benigna com células gigantes (Lesão de Células Gigantes Periférica). O acompanha-mento clínico pós-operatório evidenciou favorável reparação cicatricial da área operada. UNITERMOS: Granuloma de células gigantes; Lesão periférica de células gigantes; Lesões Maxilofaciais. Categoria – Relato de caso clínico INTRODUÇÃO A lesão de células gigantes periférica (LCGP) é de natureza proliferativa não neoplásica, provavelmente decorrente de respostas teciduais a estímulos crônicos de longa duração 1,9 . Esses estímulos podem ser raízes residuais, dentes mal conservados ou mal posicionados, cálculos dentais, restaurações com excessos proximais, próteses inadequadas e corpos estranhos no sulco gengival, além de outros agentes traumáticos 7,13. Sua etiologia ainda permanece obscura, sendo que alguns autores acreditam que a lesão evolui a partir do tecido conjuntivo periférico, do ligamento periodontal ou do periósteo subjacente 2,10,11,14. Ocorre em todas as idades, mas é mais freqüente entre a terceira e a sexta décadas de vida, principalmente em mulheres. São lesões quase exclusivas de rebordo alveolar e gengiva, em geral clinicamente se apresentando com base pediculada ou séssil, coloração vermelha ou violácea, e tamanho variando entre 0,5 e 1,5 cm 1,3,6,9 . Radiograficamente não se observam áreas de explícito envolvimento, restringindo-se a observação a discretas áreas de reabsorção óssea em forma de taça, refletindo envolvimento secundário do osso, provavelmente pela compressão exercida pela lesão 5 . Histologicamente, constata-se a presença de um estroma de tecido conjuntivo contendo numerosas células jovens ovóides ou fusiformes e células gigantes multinucleadas, focos de hemorragia e, mais freqüentemente, espículas neoformadas de osso ou tecido osteóide 3,7,8,10,14. Segundo Bonetti et al. 2 , as células gigantes encontradas na LCPG possuem um fenótipo diferente daquelas encontradas nas __________________________________________________________________________________________________________ Docentes do Departamento de Patologia e Propedêutica Clínica da Faculdade de Odontologia de Araçatuba - UNESP. 2 Aluna do Curso de Doutorado do Programa de Pós-Graduação em Odontologia, Área de Estomatologia, da Faculdade de Odontologia de Araçatuba - UNESP. 3 Aluna do curso de Mestrado do Programa de Pós-Graduação em Odontologia, Área de Estomatologia, da Faculdade de Odontologia de Araçatuba - UNESP. 1 Revista Odontológica de Araçatuba, v.28, n.2, p. 51-54, Maio/Agosto, 2007 51 ISSN 1677-6704 reações inflamatórias crônicas, parecendo se tratar de verdadeiros osteoclastos. Usualmente são tratadas pela excisão cirúrgica e eliminação do fator irritante, sendo baixa a taxa de recorrência quando adequadamente removida, o que justifica a conservação dos dentes próximos ao processo 3,10 . RELATO DO CASO: Paciente melano-derma com 72 anos de idade, portadora de lesão nodular no rebordo alveolar anterior inferior com evolução de dois meses. Ao exame físico extrabucal se notava assimetria facial provocada por um abaulamento na porção esquerda do lábio inferior e uma massa tecidual avermelhada entre os lábios dificultando o selamento labial (Figura1). Intrabucalmente se observava nódulo de coloração violácea na porção gengival vestibular região de incisivo a canino inferiores esquerdos, com aproximadamente 1,5 cm de diâmetro, base séssil, limites nítidos, consistência flácida e indolor (Figura 2). Periférica. A paciente retornou para avaliação pós-operatória um mês após a cirurgia (Figura 4), com aparência clínica de evolução cicatricial favorável e sem sinais de recidiva ou nova lesão primária. Figura 3 – Aspecto radiográfico sem evidência de alteração FIGURA 1 – Aspecto extrabucal inicial, destacando a ausência do selamento labial FIGURA 4 – Aspecto clínico favorável no acompanhamento pós-operatório de um mês DISCUSSÃO FIGURA 2 – Aspecto clínico intrabucal, destacando nódulo gengival violáceo Ao exame radiográfico não se observou nenhuma alteração óssea (Figura 3), estabelecendo-se como diagnóstico diferencial Granuloma Piogênico, Lesão de Células Gigantes Periférica, Fibroma Cemento Ossificante Periférico e Hiperplasia Fibrosa, excluindo-se do diagnóstico diferencial a possibilidade de Lesão do Hiperparatireoidismo pela ausência de sinais clínicos e radiográficos contributivos. Foi realizada biopsia excisional e a peça cirúrgica encaminhada para análise histopatológica, que evidenciou presença de lesão osteofibrosa celularizada com células gigantes multinucleadas de permeio, definindose o diagnóstico como Lesão de Células Gigantes Revista Odontológica de Araçatuba, v.28, n.2, p. 51-54, Maio/Agosto, 2007 Para a maioria dos autores, a maior prevalência de LCGP está entre a terceira e a sexta décadas de vida 1,9,10,12 enquanto para Buchner et al.4 essas lesões ocorrem geralmente em iguais proporções em todos os grupos de idade. Analisando 133 casos, Durso e Consolaro8, encontraram que apenas 2,25% dos casos de lesões de células gigantes periférica ocorrem em pacientes acima de 70 anos de idade, faixa etária da paciente cujo caso é relatado no presente trabalho. Quanto ao sexo e raça, quase todos os autores concordam que a LCGP seja mais comum em mulheres brancas, o que não exclui a possibilidade de acometer paciente da raça negra como no caso descrito. Para avaliação da localização, alguns trabalhos utilizam como critério o envolvimento dos maxilares 1,4 enquanto outros analisam a predileção pelos tecidos intra-orais 8,9 . A localização da lesão em rebordo alveolar mandibular, na região de pré-molares, está de acordo com a maior prevalência citada por esses autores. Na análise histopatológica foi encontrado 52 ISSN 1677-6704 grande número de células gigantes multinucleadas, cujos núcleos se apresentavam ora globosos com cromatina reticular ora picnóticos em meio a um estroma de pequenas células fusiformes alongadas ou ovóides com núcleos também ovóides e cromatina reticular, caracteristicamente como descrito na literatura. O tratamento da LCGP consiste na excisão cirúrgica local e raspagem dos dentes adjacentes para remoção de qualquer foco de irritação. O encerramento do caso sem prazo para acompanhamento se deve ao fato dessa lesão apresentar um baixo índice de recidiva. Katsikeris et al.10 em trabalho de revisão de literatura, encontrou que a taxa de recorrência é de apenas 9,8% dos casos. CONCLUSÃO O diagnóstico de uma lesão proliferativa bucal como LCGP deve ser embasado na avaliação clínica explorando os dados fornecidos pelo paciente, as características imediatas da lesão, e os exames complementares de laboratório, onde a análise histopatológica é de suma importância em sua definição. Estabelecendo-se um correto plano de tratamento que no caso de LCGP é essencialmente cirúrgico com eliminação de fatores irritativos locais, o prognóstico é favorável com raros episódios de recidivas. ABSTRACT With larger incidence among the third and to sixth decades of life and with discreet preference for females, the peripheral giant cells lesion is common in the mouth, attacking as much maxilla as mandible and almost exclusively alveolar edge and gum. In spite of the obscure aetiology, it is believed that the emergence of those lesions is related to irritants local factor as residual roots, teeth badly conserved or badly positioned, dental calculus, restorations with excesses, inadequate prostheses, or still strange bodies in the gingival furrow. The diagnosis depends on the evaluation integrated among the clinical, radiographic and histopatological features. In the present report, the authors describe a case in black woman 72 years old, presenting a nodule red gingival of approximately 1,5 cm of diameter in the vestibular area of incisor to left inferior canine tooth, with large base of implantation, clear limits, painless and flaccid consistence. Radiographicaly didn't identify bony alteration in the area. The diagnosis hypotheses considered were Peripheral Giant Cells Lesion, Peripheral Cemento Ossifying Fibroma and Fibrous Hyperplasia, not being considered the diagnosis of Lesion of Hyperparathyroidism for the absence of suggestive clinical and radiographic signs of Revista Odontológica de Araçatuba, v.28, n.2, p. 51-54, Maio/Agosto, 2007 this lesion. The definitive diagnosis was gotten after biopsy in whose microscopic analysis identified presence of osteofibrous benign lesion with giant cells (Peripheral Giant Cells Lesion). The postoperative clinical accompaniment evidenced favorable repair of the operated area. UNITERMS: Giant cell lesion; Giant cell granuloma; Maxillofacial Lesions REFERÊNCIAS 1 - Bodner L, Peist M, Gatot A, Fliss DM. Growth potential of peripheral giant cell granuloma. Oral Surg Oral Med Oral Pathol. 1997; 83(5): 548-51. 2 - Bonetti F, Pelosi G, Martgnoni G, Mombello A, Zamboni G, Pea M. et al. Peripheral giant cell granuloma: evidence for osteoclastic differentiation. Oral Surg Oral Med Oral Pathol. 1990; 70(4): 471-5. 3 - Brinhole MCP, Prada CT, Adde CA. Granuloma de células gigantes periférico: relato de um caso. Rev Inst Ciênc Saúde. 1997; 15(1):5760. 4 - Buchner A, Calderon S, Ramon Y. Localized hyperplasic lesions of the gingival: a clinicopathologic study of 302 lesions. J Periodontol. 1977; 48(2):101-4. 5 - Castro, A. L. Estomato-logia. 3.ed. São Paulo: Santos; 2000. 6 - Costa CAS, Benatti Neto C, Pansani CA. Granuloma periférico de células gigantes. RGO. 1993; 41(6):367-8. 7 - Dayan D, Buchner A, Spirer S. Bone formation in peripheral giant cell granuloma. J Periodontol. 1990; 61(7): 444-6. 8 - Durso BC, Consolaro A. Lesão periférica de células gigantes: análise da casuística do serviço de anatomia patológica da Faculdade de Odontologia de Bauru – Universidade de São Paulo. JBC J Bras Clin Odontol Integr. 2003; 41(7):399-404. 9 - Fortes TMV, Queiroz LMG, Piva MR, Silveira EJD. Estudo epidemiológico de lesões proliferativas não neoplásicas da mucosa oral: análise de 20 anos. Cienc Odontol Bras. 2002; 5(3):54-61. 10 - Katsikeris N, Kakarantza-Angelopoulou E, Angelopoulous AP. Peripheral giant cell granuloma: clinicopathologic study of 224 new cases and review of 956 reported cases. Int J Oral Maxilofac Surg. 1988; 17(2):94-7. 11 - Kfir Y, Buchner A, Hartsen LS. Reactive lesions of the gingival: a clinicopathological study of 741 cases. J Periodontol. 1980; 51(11):655-61. 12 - Magini RS, Carvalho AW, Schiochett C, Bianchini MA. Lesão periférica de células gigantes: caso clínico. Rev Bras Odontol. 2001; 58(3):201-3. 13 - Pandolfi PJ, Felepli S, Flaitz CM, Johnson 53 ISSN 1677-6704 JV. An aggressive peripheral giant cell granuloma in a child. J Clin Pediatr Dent. 1999; 23(4): 353-5. 14 - Shafer WG, Hine MK, Levy BM. Tratado de patologia bucal. 4.ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 1987. Endereço para correspondência Alvimar Lima de Castro Rua José Bonifácio, 1193 – CEP 16015-050 – Araçatuba, SP – Departamento de Patologia e Propedêutica Clínica, FOA/UNESP E-mail: [email protected] Revista Odontológica de Araçatuba, v.28, n.2, p. 51-54, Maio/Agosto, 2007 54