UNIVERSIDADE VEIGA DE ALMEIDA
FACULDADE DE DIREITO
INTRODUÇÃO À CIÊNCIA DO DIREITO
PROF. JOSEMAR ARAÚJO – [email protected]
FOLHA DE APOIO 07
Direito e as Regras de Trato Social
As Regras de Trato Social são padrões de conduta social, elaboradas pela
sociedade e que, não resguardando os interesses de segurança do homem, visam a
tornar o ambiente social mais ameno, sob pressão da própria sociedade. São as
regras de cortesia, etiqueta, protocolo, cerimonial, moda, linguagem, educação,
decoro, companheirismo, amizade etc.
Entre as questões doutrinárias que as Regras de Trato Social suscitam apresentase uma ordem de indagações axiológicas: Qual o valor ou valores que esse campo
normativo realiza? Essas normas possuem algum valor exclusivo ? Enquanto os
demais instrumentos de controle social possuem um valor próprio, bem definido,
essas regras exigem um estudo mais apurado, para se descobrir, na multiplicidade
de suas espécies, uma unidade de propósito.
Sanção difusa - A sanção que as Regras de Trato Social oferecem é difusa,
incerta e consiste na reprovação, na censura, crítica, rompimento de relações
sociais e até expulsão do grupo. O indivíduo que nega uma ajuda a seu amigo,
por exemplo, viola os preceitos de companheirismo. A sanção será a reprovação,
o enfraquecimento da amizade ou até mesmo o seu rompimento. A apresentação
em sociedade com traje inadequado provoca naturalmente a crítica. O
constrangimento que as regras impõem é, muitas vezes, mais poderoso do que a
própria coação do Direito. O duelo, hoje em desuso, é um exemplo. Durante
muito tempo existiu apenas como convenção social contra legem. O indivíduo
preferia romper com a lei a fugir da praxe social.
Isonomia por classes e níveis de cultura - As obrigações que as Regras de Trato
Social irradiam não se destinam, de igual modo, aos membros da sociedade. O
seu caráter impositivo varia em função da classe social e nível de cultura. Assim,
não se espera de um simples trabalhador o trajar elegante, de acordo com a moda.
Um juiz, porém, que se apresente socialmente com as vestes de um andarilho
provoca estranheza e reprovação. De um matuto do interior admite-se o linguajar
incorreto, mas de indivíduo que possui escolaridade, a pronúncia errônea ou a
concordância incorreta conduz à crítica.
Natureza das Regras de Trato Social
Paulo Nader adota o método da exclusão. Os assuntos pertinentes à segurança,
sendo exclusivos do Direito, não podem participar dos objetivos dessas regras.
Por outro lado, somente a Moral e a Religião procuram o aperfeiçoamento do
homem. Se colocarmos entre parênteses o valor segurança e os referentes ao
aperfeiçoamento espiritual do homem, atentando para o fato de que são regras
que orientam o comportamento interindividual, projeta-se o campo de
normatividade das Regras de Trato Social e singulariza-se o seu valor. A faixa de
atuação das Regras incide nas maneiras de o homem se apresentar perante o seu
semelhante, e o seu valor consiste no aprimoramento do nível das relações
sociais. O papel das Regras de Trato Social é o de propiciar um ambiente de
efetivo bem-estar aos membros da coletividade, favorecendo os processos de
interação social, tornando agradável a convivência, mais amenas as disputas,
possível o diálogo. As Regras de Trato Social, em conclusão, cultivam um valor
próprio, que é o de aprimorar o nível das relações sociais, dando-lhes o polimento
necessário à compreensão. Esse valor, contudo, não é de natureza independente,
mas complementar. Pressupõe a atuação dos valores fundamentais do Direito e da
Moral. O valor que as Regras de Trato Social traduzem constitui uma sobrecapa
dos valores éticos de convivência.
Características das Regras de Trato Social
São características das regras de trato social: a) aspecto social; b) exterioridade;
c) unilateralidade; d) heterônoma; e) incoercibilidade; f) sanção difusa; g)
isonomia por classes e níveis de cultura.
Aspecto social - Como a própria denominação induz, as regras possuem um
significado social. Constituem sempre maneira de se apresentar perante o outro.
O indivíduo isolado não se subordina a esses preceitos. Ninguém é cortês consigo
próprio. Se a sua finalidade é o aperfeiçoamento do convívio social, é natural que
essas regras atinjam apenas a dimensão social dos homens.
Exterioridade - Via de regra essas normas visam apenas à superficialidade, às
aparências, ao exterior. Assim, por exemplo, são as normas de etiqueta,
cerimonial, cortesia. Quando se deseja bom dia a alguém, cumpre-se um dever
social, que não requer intencionalidade. O querer do indivíduo não é necessário.
Há algumas normas, todavia, como as de amizade e companheirismo, em que se
exige além das aparências. Um gesto de consideração não espontâneo,
desprovido de vontade própria, não possui significado nas relações de amizade.
Unilateralidade - A cada regra correspondem deveres e nenhuma exigibilidade.
As relações sociais, fundadas nessas regras, não apresentam um titular capacitado
a reclamar o cumprimento de uma obrigação. As Regras de Trato Social são
unilaterais porque possuem estrutura imperativa: impõem deveres e não atribuem
poderes de exigir..
Heteronomia -Os procedimentos, os padrões de conduta não nascem na
consciência de cada indivíduo. A sociedade cria essas regras de forma
espontânea, natural e, por considerá-las úteis ao bem estar, passa a impor o seu
cumprimento. O caráter heterônomo dessas regras decorre do fato de que
obrigam os indivíduos independentemente de suas vontades. A cada um compete
apenas a adaptação de atitudes de acordo com os preceitos instituídos.
Incoercibilidade - Por serem unilaterais e não sofrerem a intervenção do Estado,
essas regras não são impostas coercitivamente. O mecanismo de constrangimento
não é dotado do elemento força, para induzir à obediência. A partir do momento
em que o Estado assume o controle de alguns desses preceitos, estes perdem o
caráter de Trato Social e se transmutam em Direito. Quando a lei estabelece a
indumentária dos militares, as normas que definem os uniformes e o seu uso não
são Regras de Trato Social, mas se acham incorporadas ao mundo do Direito.
Uma outra questão levantada na doutrina refere-se à natureza das Regras de Trato
Social. Constituem um tertium genus, ao lado do Direito e da Moral? Ou, bem
examinadas, se vinculam a um ou a outro compartimento ético?
Corrente negativista - Entre os autores que contestam a especificidade das Regras
de Trato Social, como principais nomes destacam-se: Del Vecchio e Gustav
Radbruch. Para o jus filósofo italiano, as normas de conduta social ou pertencem
ao campo do Direito ou ao setor da Moral. Ou as normas são imperativas,
característica da Moral, ou são imperativo-atributivas, peculiaridade do Direito.
Há certas regras que não revelam imediatamente a sua natureza, mas, submetidas
a rigoroso estudo, revelam-se portadoras apenas de deveres, sendo, assim,
imperativos morais; ou apresentam uma estrutura imperativo-atributiva, hipótese
em que se identificam como preceitos jurídicos.
Para Gustav Radbruch, os preceitos ordenadores da conduta social se bipartem,
igualmente, entre os setores do Direito e da Moral. O ponto de partida de seu
raciocínio consiste na afirmação de que os processos culturais visam a realização
de um valor específico. Assim o Direito se estrutura em função da justiça; a
Moral procura alcançar o bem e a Religião persegue a divindade. As Regras de
Trato Social ,em sua concepção, não visam a um valor específico ou exclusivo,
não constituindo, assim, processo normativo de natureza própria.
Corrente positiva - Para Rudolf Stammler a distinção entre os dois processos
culturais, Direito e Convencionalismos Sociais , baseia-se nos diversos graus de
pretensão de efetividade. Enquanto o Direito é imposto coercitivamente, • s
convencionalismos são apenas orientações para o comportamento social, que se
acompanham apenas de uma pressão psicológica, sem contar com o elemento
força. Negou a possibilidade de uma diferenciação com base na matéria das
Regras de Trato Social, pois é comum um determinado conteúdo deslocar-se de
uma espécie para outra. A etiologia das normas, para ele, não pode igualmente
servir de critério, pois tanto o Direito como as Regras podem nascer de uma
forma reflexiva ou da prática consuetudinária.
Direito, Regras de Trato Social E ética
Segundo Reale, Esse tipo de regras, ocupam, por assim dizer, uma situação
intermédia entre a Moral e o Direito. Ninguém pode ser coagido, por exemplo, a
ser cortês, pois é inconcebível a cortesia forçada, como seria uma saudação feita
sob ameaça de agressão. Nesse ponto, as normas "convencionais" compartilham
da espontaneidade e da incoercibilidade próprias da Moral. Quem desatende a
essa categoria de regras sofre uma sanção social, sem dúvida, tal como a censura
ou o desprezo público, mas não pode ser coagido a praticá-las.
Por outro lado, não é indispensável que os atos de bom tom ou de cavalheirismo
sejam praticados com sinceridade. Atende às regras de etiqueta tanto o homem
desinteressado como quem se serve delas com intenções malévolas. Aliás, é o
hipócrita quem mais se esmera na prática de atos blandiciosos.
Para que seja atendida uma norma de trato social basta, com efeito, a adequação
exterior do ato à regra, sendo dispensável aderir a seu conteúdo: nesse ponto, as
regras de trato social coincidem com o Direito, no que este possui de
heteronomia.
Por outro lado, as regras costumeiras são bilaterais, tanto como as da Moral, mas
não são bilateral-atributivas, razão pela qual ninguém pode exigir que o saúdem
respeitosamente: a atributividade surge tão somente quando o costume se
converte em norma jurídica consuetudinária, ou então quando o ato de cortesia se
transforma em obrigação jurídica, como se dá com a saudação do militar ao
superior hierárquico.
Fontes:
NADER, Paulo. Introdução ao Estudo do Direito. 26. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2012.
REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. São Paulo: Saraiva, 2002.
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