TABLETS NA EDUCAÇÃO, UMA REALIDADE!¹
O uso das novas tecnologias digitais na educação hoje é mais do que uma realidade, é
praticamente uma necessidade cognitiva em muitos casos. É fazer com que as fronteiras, ora antes
intransponíveis para alguns educandos, sejam abertas. É possibilitar aos jovens, e não jovens, terem
acesso à ponte que leva do conhecimento ao entendimento. É incorporar mais um instrumento mediador,
e facilitador, no processo ensino-aprendizagem. É fazer com que futuro e passado caminhem juntos em
todos os momentos. É dar voz ao educando que é nitidamente agente do processo. É dar mais voz ao
educador que, sem perder seu importante papel, poderá melhorar ainda mais a sua prática. É inovar! É
arriscar! É ensinar!
Ao leitor que entra em contato com essa nossa introdução, suscita vários questionamentos. Desde
o que é tecnologia, até o tradicional discurso de que “não é necessário tecnologia para ensinar”! Pois bem,
não temos aqui a intenção dogmática de atribuir à tecnologia toda a responsabilidade pelo sucesso no
ensino, muito menos tirar dela seu lugar de destaque e inquietude. Portanto, antes de discorremos mais
sobre o assunto, precisamos definir nossas condições de contorno.
Em primeiro lugar, gosto muito de uma frase ouvida a algum tempo de um colega que disse que
“nova tecnologia é tudo aquilo que apareceu depois que eu nasci”. Pois bem, dos radicais gregos “tekhno“
(técnica, indústria, arte) e “logía” (linguagem, proposição), podemos dizer que é a proposição de uma arte,
uma linguagem técnica, artística, industrial. Portanto é fazer arte, é criar, é ousar. Pensando dessa forma,
todo educador ousa, cria e sonha. O sonho, e objetivo, de um verdadeiro educador é auxiliar o seu
educando em crescer social e culturalmente. Porém, ele deve se permitir criar e ter condições para isso.
Podemos citar Alberto Santos Dumont, Carlos Chagas, Paulo Freire, Vital Brasil, César Lattes,
Cora Coralina e muitos outros brasileiros que ousaram sonhar e que investiram tanto nos seus sonhos a
ponto de realizá-los, conquistando os seus objetivos. Sendo assim, nós, educadores, devemos acreditar
que o ensinar e o aprender são possíveis, mas, para isso, temos que nos dar condições, e nos dar
condições é nos permitir usar linguagens outras, técnicas diversas para aprimorar a nossa arte da locução
e interlocução no processo ensino-aprendizagem.
L.S.Vigotski propôs que os indivíduos são, também, frutos de interações sociais e que com o
auxílio de parceiros mais capazes eles têm a capacidade de, durante uma interação, aprimorar os seus
conhecimentos. De maneira geral os educadores conhecem muito bem a teoria da zona de
desenvolvimento proximal e de que isso implica em interagir para se desenvolver, o que, de maneira geral,
o fazem constantemente. Nós acreditamos que o “se desenvolver” está ligado à interação com o parceiro
mais e menos capaz. Entretanto, a pergunta que fazemos é: essa interação social é unidirecional? Ou
seja, o educando realmente interage com aquele conhecimento apresentado em aula?
Dos escritos de Vigotski e seus sucessores (Luria, Leontiev entre outros), Engström aprimorou o
conceito de interação e, baseando-se na ideia vigotskiana de mediação, elabora sua Teoria de Atividade
propondo três modelos de interpretações distintos, mas complementares. Em seu último modelo,
Engström consegue expandir a análise de uma relação em que envolve vários componentes e, assim, fica
mais clara a função que cada elemento da interação executa. A relação dialógica entre estes elementos da
interação ficam mais evidentes e assim é possível vislumbrar nitidamente uma relação interacionista e
dialógica sociocultural.
Desta maneira, podemos imaginar que ao usar tecnologias como giz, cadernos, livros, pranchetas
e quadros-negros, ou novas tecnologias como lousas eletrônicas, internet e tablets, os educadores estão,
na verdade, mediando o processo de ensino-aprendizagem por estes artefatos, estes instrumentos que
auxiliam a interação promovida.
Pensando desta forma, uma aula é uma Atividade em que envolvem-se vários personagens, tanto
intrínsecos, quanto extrínsecos. Tal atividade, porém, deve levar em conta os elementos sugeridos por
Engström, elementos que compõem, de maneira geral, uma atividade de ensino-aprendizagem. Para
elucidarmos tais referências, devemos apresentar ao leitor o modelo da Teoria da Atividade
Sócio-Histórica-Cultural (SHC) de última geração proposta Engström.
Modelo da teoria da atividade de última geração aplicado ao uso do tablet.
Pensando nesse quadro, podemos explicá-lo descrevendo uma situação real de sua aplicação.
Para isso, vamos nos basear no projeto iniciado pela Escola Internacional de Alphaville que tornou-se
ação pedagógica através de uma operação educacional. Ao se transformar em ação pedagógica, o projeto
toma as características de um programa e, como tal, pode ser encarado como uma atividade a ser
desenvolvida ao longo dos próximos anos.
Já colocamos aqui que os educadores lançam mão de vários artefatos mediadores do processo
ensino-aprendizagem, mas procuremos nos ater ao uso das novas tecnologias digitais, mais
especificamente os tablets. Desta forma, o exemplo da Escola Internacional de Alphaville é muito
ilustrativo. Antes de iniciar o Life@School Tablet Program, a instituição procurou tomar alguns cuidados
importantes. Vamos utilizar o quadro proposto acima para esclarecer melhor o programa.
Tendo como objeto o processo ensino-aprendizagem e buscando como resultado a incorporação,
pelos educandos, do conhecimento oferecido pela escola, elaborou-se uma atividade em que ficam nítidas
as relações entre os componentes propostos por Engström. Na verdade, a primeira atividade extrínseca foi
avaliar a viabilidade da proposta de um computador por aluno (1-2-1), efetuando-se uma pesquisa global,
ou seja, promoveu-se aqui uma operação de benchmarking em várias escolas ao redor do mundo que já
adotavam essa proposta 1-2-1. Essa operação resultou em uma ação concreta de troca de informações
presenciais com essas instituições de ensino. Desta forma, pode-se levantar possíveis falhas, desvios e
sucessos da proposta. Uma vez levantada a pesquisa de campo, pudemos avaliar as limitações
envolvidas e assim dar prosseguimento ao projeto.
O próximo passo então deveria ser a divisão do trabalho para o desenvolvimento da atividade.
Nessa divisão, cada indivíduo envolvido passa assumir uma função, seja contatando fornecedores, seja
avaliando outras possibilidades, mas sempre tendo como ponto alto a troca de informações entre seus
membros. É importante salientar que houve uma participação ativa da Direção, Coordenações e
responsáveis pela tecnologia.
Nesse momento, é crucial avaliar quais serão os sujeitos envolvidos no programa ao final do
projeto. Essa avaliação levou os responsáveis a considerar o fato de se tratar de educandos com
características de Geração Y e de Geração Milennium (ou Geração Z), isto é, inquietos, tecnológicos,
nativos digitais, touchs, ativos etc.. Com isso chegou-se à conclusão que a melhor opção de adoção era a
de um dispositivo portátil, que permitisse agilidade nas operações, presteza nas informações, facilidade na
utilização e mobilidade suficiente para uma interação sem fronteiras físicas: um tablet.
Nesta etapa, a escola, após avaliar os possíveis sistemas disponíveis no mercado e os possíveis
dispositivos, decide então envolver os outros sujeitos da atividade: os professores. Cria-se então um
comitê de professores que não tinham restrições ao uso das novas tecnologias como parte do trabalho de
avaliação das possibilidades.
Após escolhido o dispositivo e o sistema operacional, baseando-se em fatores concretos como
segurança, qualidade, preço, familiaridade por parte da comunidade e dos sujeitos, interatividade,
facilidade de acesso, entre outros, a próxima etapa era delinear um plano claro de capacitação do Corpo
Docente. Devemos então ter em mente que, para uma atividade ser bem sucedida, os sujeitos envolvidos
devem estar cientes e confortáveis com as condições em que atuarão. O seu engajamento e envolvimento
é de extrema importância para o sucesso da atividade e para que as operações educacionais propostas
inicialmente tornem-se ações pedagógicas concretas. Em outras palavras: treinamento, treinamento e
treinamento.
Nesse instante começa-se a definir as regras que serão válidas ao longo da atividade e o
envolvimento da comunidade. Mais uma vez devemos nos atentar para o fato de que todos na atividade
estão interligados e que, portanto, a atividade permite uma mediação com todos os componentes, para
que o objeto leve ao resultado pré-determinado através do sentido estabelecido por ela e possibilitando
um real significado.
Para que as operações e todos os componentes descritos acima e propostos por Engström fiquem
claros, podemos representar o desenvolvimento da atividade utilizando para isso uma relação temporal.
Tal relação pode ser muito bem observável utilizando-se o que chamamos de diagrama de Gannt. Esse
diagrama consiste em uma relação temporal de dois eixos: um, mostrando a divisão do trabalho
estabelecido juntamente com a comunidade; e o outro, uma linha de tempo aproximada.
Diagrama de Gannt
Mais uma vez, o que a escola busca com a implantação do programa, é uma maior interação, com
trocas reais de conhecimento e possibilidades concretas de uma melhoria na qualidade do aprendizado.
Isso fica claro quando pensamos na rapidez com que os educandos poderão trocar informações entre si e
com os seus professores. Da mesma forma, podemos imaginar que disciplinas como Física, Química,
Biologia e tantas outras que exige dos alunos uma abstração um pouco mais elaborada, passam a ser
beneficiadas com esses dispositivos.
Interação social mediada pelo tablet
Devemos lembrar que a heterogeneidade de cognições (visuais, auditivas e sinestésicas) em uma
sala de aula é um fator que os educadores de maneira geral não podem mais ignorar e que, portanto, a
busca por diferentes instrumentos mediadores faz-se extremamente mandatária. Seja utilizando
computadores, lousas digitais ou tablets, precisamos estar cientes de que o nosso interlocutor é um
indivíduo que merece ter contato a outras formas de ensino-aprendizagem e que as novas tecnologias são
possibilidades plausíveis.
Assim também, não podemos esquecer que é importante deixar o educador em uma situação
confortável, uma condição de segurança, um status de confiança frente a uma geração nitidamente digital.
O que não podemos esquecer em quaisquer instantes da utilização, é que a qualquer problema, por menor
que seja, os professores tendem a recorrer à sua zona de conforto, o que não é de todo mal, mas que se
utilizada constantemente pode ser prejudicial ao programa.
Em resumo, o que tentamos apresentar aqui, é a possibilidade de se estabelecer objetivos a partir
de sonhos, desde que o caminho traçado esteja claro e que a interpretação das operações a serem
desenvolvidas na atividade sejam ações concretas. Sendo assim, ousar a ser cabrais, colombos, jesuítas,
bandeirantes, é ter noção de que haverá intempéries, mas sempre transponíveis e que a educação é viva.
¹Prof. Dr. Francisco Amancio Cardoso Mendes
Doutor em Educação pela
Universidade de São Paulo;
Professor de Física a 22 anos;
Consultor
Educacional
e
atualmente é Coordenador de
Tecnologia
Educacional
da
Escola internacional de Alphaville
(www.escolainternacional.com.br)
Referências:
DANIELS, Harry - Vygotsky y la Pedagogia, 2001
ENGSTRÖM, Y. Learning by Expanding, Helsinki: Orienta-Konsultit Oy, 1987;
HOUAISS, A.- Dicionário Eletrônico Houaiss - versão 1.0 - Dezembro 2001;
LEONTIEV, A. – Activity, Consciousness, and Personality
Disponível em < http://www.marxists.org/archive/leontev/index.htm> acessado em 15/dez/2008,
1978b;
MENDES, F.A.C. – Ambientes Virtual e Presencial de Aprendizagem: uma interação dialógica mediada pelo chat.
– Dissertação de Mestrado. Bauru: FC/UNESP, 2005
MENDES, F.A.C.- Física: uma língua(gem). / Tese de Doutorado. – FE/USP São Paulo, 2010
VIGOTSKI, L.S.. A formação social da mente: o Desenvolvimento dos processos psicológicos superiores; São
Paulo: Martins fontes, (1930; 1935; 1960; 1966) 1998a;
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