Destaque Depec - Bradesco
Ano IX - Número 10 - 05 de Abril de 2011
Aumento do crédito e do endividamento das famílias no Brasil,
nos últimos anos, está longe de poder ser caracterizado como
uma bolha de crédito1
i) a sustentabilidade do endividamento e ii) a
capacidade do sistema financeiro de suportar
possíveis choques.
Ao longo dos últimos anos a economia brasileira
tem experimentado forte crescimento do crédito. O
volume de crédito do Sistema Financeiro Nacional
passou de R$ 417,8 bilhões em janeiro de 2004
para R$ 1,71 trilhão em janeiro de 2011. Com isso,
a relação crédito bancário/PIB passou de 24,3%
para 46,5% no mesmo período. Grande parte desse
crescimento foi impulsionada pelo comportamento
da carteira de pessoa física, que no início de 2004
representava apenas 38% do crédito total e hoje
já atinge 45,9% do estoque, ou o equivalente a R$
787,1 bilhões.
I) A sustentabilidade do endividamento
O crescimento do crédito observado desde 2004,
apesar de expressivo, não foi suficiente para
exaurir o mercado potencial de crédito brasileiro,
a julgar pela comparação internacional da
relação crédito/PIB. Como se pode observar
no gráfico a seguir, dentre a lista de países
selecionados, o Brasil ainda figura entre os
países com menor relação crédito/PIB do
mundo. O fato de o Brasil apresentar ainda
uma reduzida relação crédito bancário/PIB é o
principal fator que nos faz crer que não esteja
em curso no País uma bolha de crédito – aqui
definida como um aumento do crédito sem
contrapartida nos fundamentos econômicos
e que, caso viesse a estourar, causaria uma
severa onda de inadimplência, colocando
o crescimento econômico e a estabilidade
financeira sob risco.
Observando o forte crescimento do crédito à
pessoa física, algumas questões se tornam
extremamente pertinentes: i) quais as razões
para esse fenômeno? ii) quais foram as linhas de
crédito que possibilitaram tal desenvolvimento?
e, principalmente, iii) qual foi o impacto na
renda do consumidor – comprometimento – e
no nível de endividamento da população? Esse
texto abordará de forma mais específica a
questão do endividamento das famílias e, para
tanto, dividiremos a análise em dois tópicos:
200,0%
Relação crédito/
PIB no mundo
186,7%
180,0%
163,2%
154,8%
160,0%
142,3%
130,0%
140,0%
120,0%
103,2%
100,0%
100,5%97,2%
88,0%
79,7%
80,0%
68,7%
57,0%
60,0%
46,5%
40,0%
38,9%
28,2%
20,0%
20,0%
16,0%
Algumas análises atribuem essa baixa relação
crédito/PIB no Brasil à modesta participação do
crédito habitacional (pessoa física) na economia
– que, de fato equivale a apenas 4% do PIB.
Argentina
México
Equador
Turquia
Rússia
Colômbia
Romênia
Brasil
Eslováquia
Polônia
Rep. Checa
Índia
Bulgária
Chile
Hungria
África do Sul
Itália
Tailândia
Japão
Malásia
França
Alemanha
China
Suécia
Canadá
Austrália
Portugal
Nova Zelândia
Coréia
Reino Unido
EUA
0,0%
Espanha
Departamento de Pesquisas e Estudos Econômicos
Equipe Depec
(*) Tailândia: set/2007;
Coréia do Sul e Equador:
dez/2007;
Malásia:
dez/2008; China, Chile,
Colômbia,
México
e
Argentina:
dez/2009;
Brasil: jan/11; demais
países: mar/2008
Fonte: Ecowin, Bancos
Centrais
Elaboração: BRADESCO
Assim, alegar que o crédito bancário/PIB é de
“apenas” 46,5% no Brasil não serviria como
argumento para afastar o risco de uma bolha de
crédito ao consumo, para essas análises, uma
1
Esse Destaque-Depec-Bradesco reflete nossas considerações em relação ao tema da possível existência de uma bolha de crédito no Brasil,
conforme suscitado pela matéria publicada no dia 22 de fevereiro pelo jornal Financial Times.
1
vez que o crédito não hipotecário seria “exagerado”
em relação ao PIB. Nossa leitura, entretanto, diverge
substancialmente deste ponto, uma vez que quando
controlado apenas para o crédito ao consumo, como
se observa no gráfico a seguir, esse volume não
chega a ser incompatível com aquele observado em
outros países, mesmo quando se controla pelo nível
de renda per capita desses países.
200
Crédito para as famílias,
em % da renda disponível dados de 2008
consumo + imobiliário
181,4
Consumo
150
141,6
131,6
127,7
100,2
100
98,3
72,1
63
53,4
50
44,1
32,7
31,5
30,9
25,0
23,8
29,3
24,5
21,5
0
Reino Unido
Canadá
EUA
Japão
França
Alemanha
Itália
Brasil
Brasil(2009)
Fonte: BC, IBGE, LCA, OCDE
Elaboração: BRADESCO
crédito ao consumo/renda
70
Relação do endividamento
com crédito ao consumo,
em função do PIB per
capita- dados de 2008
Japão
60
Canadá
50
Reino Unido
40
EUA
Alemanha
Itália
30
França
Brasil
20
10
Fonte: BC, IBGE, LCA, OCDE
Elaboração: BRADESCO
0
5000
10000
15000
20000
25000
30000
35000
40000
45000
50000
O desempenho observado no crédito à pessoa física
no Brasil está diretamente relacionado a fatores
macroeconômicos, tais como: a) a estabilidade e a
previsibilidade econômica, que ampliaram os prazos
de financiamento; b) a redução na taxa de juros e
spreads bancários, que resultaram em menores taxas ao
consumidor; c) a expansão do mercado de trabalho, com
queda na taxa de desemprego, aumento da formalização
e da renda, que contribuíram para a elevação da confiança
do consumidor e incrementaram sua capacidade de
pagamento e d) mobilidade social, que ampliou a
bancarização de forma substancial nos últimos anos.
97,0
600
Taxa de juros
87,3
87,0
559,0
550
Prazo
491,0
78,6
500
77,0
471,0
450
420,0
69,6
67,0
63,2
62,1
Evolução das taxas de juros
das operações de crédito
com recursos livres pessoa
física -(em % a.a.) e do
prazo médio da carteira em
dias corridos
400
57,9
63,5
57,0
350
320,0
317,0
49,0
319,0
47,0
44,2
300
43,8
43,9
277,0
jan/11
jan/10
mai/10
set/09
jan/09
mai/09
set/08
jan/08
mai/08
set/07
jan/07
mai/07
set/06
jan/06
mai/06
set/05
jan/05
mai/05
set/04
jan/04
mai/04
set/03
jan/03
mai/03
set/02
jan/02
mai/02
set/01
jan/01
mai/01
set/10
39,1 250
37,0
set/00
Destaque DEPEC - Bradesco
PIB per capita PPP
Fonte: BC
Elaboração: BRADESCO
DEPEC
2
Os primeiros dois fatores apontados acima implicaram
a redução da renda requerida para o financiamento.
O terceiro item proporcionou um aumento do
“denominador” da equação, ao aumentar o nível
de renda, e, portanto, a capacidade de pagamento,
além de permitir a maior “alavancagem” das famílias
Endividamento
Habitacional
brasileiras diante de perspectivas mais estáveis de
emprego e renda. Portanto, a conjunção desses
elementos tornou possível elevar o número de
potenciais tomadores de crédito no mercado,
principalmente em relação às modalidades ligadas
ao consumo.
Consumo
100%
7,9%
17,1%
20,1%
80%
19,8%
Composição da
carteira de crédito
de pessoa física
(recursos livres
+ habitacional
direcionado)
60%
40%
72,0%
63,1%
20%
0%
jan/04
Destaque DEPEC - Bradesco
Um fato marcante da evolução do crédito ao consumo
no Brasil é que a expansão se deu especialmente
nas chamadas modalidades “saudáveis”, ou seja,
aquelas atreladas ao consumo de bens ou ao crédito
habitacional, em detrimento das modalidades ligadas
ao “endividamento2” (rolagem de dívida). Como se pode
observar no gráfico anterior, a evolução das modalidades
relacionadas ao refinanciamento (que sugerem elevação
do risco de crédito), como o cheque especial e o cartão
de crédito – composto basicamente pelo crédito rotativo–
apresentaram um comportamento extremamente
benigno no período, dado que ambas as modalidades
perderam participação no crédito à pessoa física.
Contudo, mesmo que a expansão do crédito à pessoa
física esteja ocorrendo através de modalidades
saudáveis, é relevante destacar que o estoque de
crédito aumentou e consequentemente, a dívida a
vencer das famílias também. Logo, acompanhar a
trajetória do endividamento e do comprometimento
de renda dos consumidores é crucial não apenas
para mensurar o risco de crédito, mas também para
verificar o potencial de consumo das famílias e o seu
impacto no crescimento econômico. Vale ressaltar que
não podemos subestimar os reflexos do crédito sobre
o consumo das famílias, pois cerca de 60% do PIB
brasileiro é proveniente deste item.
dez/10
Fonte: BC
Elaboração: BRADESCO
Em teoria, o acompanhamento dessas informações
poderia ser trivial, já que seria necessário apenas o
monitoramento da razão da dívida financeira e da
renda. Contudo, a obtenção dessas informações não
é simples, tanto que não existem indicadores oficiais
com periodicidade fixa. Para suprir essa lacuna, em
setembro de 2008 o Banco Central do Brasil propôs
em seu Relatório de Inflação um exercício para estimar
o endividamento e o comprometimento das famílias
brasileiras. Desde então, a instituição tem aprimorado
a mensuração desses indicadores, sendo que na última
divulgação, em setembro de 2010, introduziu o conceito
de renda disponível, excluindo os recolhimentos
referentes ao imposto de renda e às contribuições
previdenciárias3.
Os indicadores construídos pelo Banco Central
capturam de forma agregada o avanço do crédito em
relação à renda: o endividamento expressa a relação da
dívida total sobre a renda anual, e o comprometimento,
por sua vez, se refere ao percentual mensal da renda
que é alocado no pagamento de prestações de
empréstimos e financiamentos.
Como o Banco Central não divulga tais indicadores
sistematicamente, buscamos replicá-los para fazermos
um acompanhamento mensal. Utilizando a metodologia
2
Obviamente, qualquer tomada de crédito implica em aumento do endividamento mas, quando nos referimos às modalidades ligadas ao “endividamento”
queremos nos referir àquelas cujo fato gerador decorre da rolagem de uma dívida ou do descontrole financeiro temporário, como no caso do cheque-especial
e do crédito rotativo em cartão de crédito. Naturalmente, não conseguimos separar da estatística das chamadas modalidades “saudáveis” aqueles créditos
destinados ao pagamento de dívidas no cheque ou no cartão crédito, como no caso da tomada de um crédito pessoal para esse fim, por exemplo. Entretanto,
mesmo nesse caso, se o motivo da tomada de um crédito pessoal for a troca da dívida no cheque ou cartão de crédito por esta linha, o movimento caminha na
direção de tornar a dívida mais “saudável” dada a diferença de taxa de juros e prazo entre as modalidades, muito inferior nesta última linha.
3
Para construir tais indicadores foram utilizados dados de crédito do Sistema Financeiro Nacional e da renda agregada, obtida através da compilação de
diversas fontes pelo Banco Central; as informações metodológicas estão disponíveis nos Relatórios de Inflação de set/08, jun/09, mar/10 e set/10 no site
do Banco Central.
DEPEC
3
descrita pelo trabalho do Banco Central, conseguimos
obter séries muito semelhantes às dele, em especial
em relação às suas trajetórias. Vale lembrar que
essas séries se baseiam em variáveis agregadas e
constituem proxies para conceitos de endividamento e
comprometimento. Além disso, mais relevante do que
o nível dos indicadores, a sua tendência é o que traz
a principal mensagem.
39,3%
39,0%
37,3%
36,0%
Endividamento
34,9%
Comprometimento
32,8%
32,4%
33,0%
30,0%
Evolução do
endividamento e do
comprometimento da
renda no Brasil
28,8%
27,0%
24,4%
24,0%
21,9%
21,5%
20,8%
21,0%
20,1%
18,0%
18,8%
18,6%
out/10
dez/10
jun/10
ago/10
fev/10
abr/10
out/09
A evolução observada no endividamento é resultado
do forte crescimento da carteira de crédito ao longo
dos últimos anos, superior ao da renda. Contudo,
apenas esse aumento não nos diz muito, pois, de
forma mais prática, gostaríamos de saber se chegamos
ao limite do endividamento “saudável” da população.
Estudos apontam que em economias desenvolvidas o
endividamento da população tende a ultrapassar 100%
dez/09
jun/09
ago/09
fev/09
abr/09
out/08
dez/08
jun/08
ago/08
fev/08
abr/08
out/07
dez/07
jun/07
ago/07
fev/07
abr/07
out/06
dez/06
jun/06
ago/06
15,0%
Fonte: IBGE, Bacen
Elaboração: BRADESCO
da renda anual. O gráfico a seguir traz uma relação de
alguns países selecionados e seus respectivos níveis
de endividamento. Como no Brasil esse percentual
é relativamente baixo, ainda temos bastante espaço
para expandir o endividamento à medida que a renda
per capita siga evoluindo. O Brasil, nessa comparação
internacional, não exibe qualquer traço de excesso de
endividamento se comparado à sua renda.
Dinamarca
140
120
Noruega
Reino Unido
Portugal
Irlanda
Endividamento
100
União Europeia
Espanha
Coréia do Sul
80
Malásia
60
Grécia
Suécia
Alemanha
Itália
África do Sul
Brasil
40
Relação entre
endividamento (como
proporção da renda)
e renda per capita no
mundo
2008
França
Chile
Destaque DEPEC - Bradesco
Polônia
República Tcheca
20
0
0
10000
20000
30000
40000
50000
60000
Fonte: Mckinsey, FMI, Banco Central da
Espanha
Elaboração: BRADESCO
PIB per capita
A tendência esperada para os próximos anos
é de continuidade da trajetória ascendente do
endividamento. É importante destacar que o termo
endividamento não está relacionado à incapacidade de
pagamento, ou seja, não possui qualquer conotação
pejorativa; refere-se apenas à presença de crédito,
empréstimo e financiamento na economia. Fatores
como a continuidade do cenário macroeconômico
benigno, com redução na taxa de juros, mobilidade
social e bancarização serão responsáveis pelo
aumento no estoque de crédito e, consequentemente,
do endividamento. Vale reforçar que a perspectiva de
crescimento expressivo do crédito habitacional, que
atualmente responde por apenas aproximadamente
20% do crédito à pessoa física, tende a incrementar o
endividamento devido ao maior valor agregado.
Outro ponto importante a ser investigado em relação
ao endividamento se refere aos fatores que explicam
a sua elevação, ou seja, se o crescimento observado
foi explicado principalmente pelo incremento de
novos consumidores (bancarização) ou se houve
aumento apenas no valor financiado. A resposta desse
questionamento é relevante tanto para mensurar o
DEPEC
4
risco de crédito (concentração dos tomadores) como
para verificar a eficiência da política monetária através
do canal creditício. Infelizmente, faltam informações
para estimar tais contribuições de maneira precisa.
Contudo, é possível assumir, de forma indireta,
que em grande medida a expansão observada no
endividamento está ligada ao ingresso de novos
indivíduos no mercado bancário, haja vista a evolução
do número de contas correntes, como visto no gráfico
a seguir.
Em milhões
150,0
141,3
140,0
133,6
130,0
125,7
Número de contas correntes
no Brasil
2001 - 2010
120,0
112,1
110,0
102,6
100,0
95,1
90,2
90,0
87,0
77,3
80,0
71,5
70,0
60,0
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2010
Fonte: Bacen
Elaboração: BRADESCO
crédito. Esse comportamento, que no primeiro instante
parece contraituitivo, é explicado pela realocação do
crédito para modalidades mais baratas e mais longas
no prazo e pelo forte crescimento da renda. Portanto,
por mais que o crédito total tenha se expandido a taxas
elevadas, esse crescimento não exerceu grande peso
sobre a dívida a ser paga a cada mês pelo consumidor.
Entretanto, analisar apenas o comportamento
do endividamento não é suficiente para construir
um diagnóstico preciso do impacto do crédito no
crescimento econômico ou no desempenho do
sistema financeiro. Para tanto, é preciso entender os
movimentos do comprometimento de renda. Conforme
mencionado anteriormente, ele se refere à relação do
tamanho do fluxo de pagamento mensal de prestações
de crédito com a renda mensal. No Brasil, existe um
consenso de que o patamar “máximo saudável” de
comprometimento com empréstimos e financiamentos
é de 30% da renda.
Os motivos de aceleração do crédito à pessoa física
e a pequena elevação observada no indicador de
comprometimento de renda (se comparamos com a
expansão do estoque total) não sugerem preocupações
em relação a alterações no consumo das famílias ou no
risco de crédito, como a presença de bolhas de crédito.
O próximo gráfico mostra a relação entre a evolução do
comprometimento de renda e os atrasos acima de 90
dias. Podemos observar que, no curto prazo, enquanto
o comprometimento de renda mostrou apenas uma
pequena elevação, a inadimplência de pessoa física
arrefeceu de forma expressiva, em virtude principalmente
do ambiente favorável no mercado de trabalho – ainda que
uma parte da redução se deva ao aumento do estoque
de crédito. Tal fato, como outros já citados, ameniza a
preocupação de uma bolha no mercado de crédito local.
Importante observar que no exercício realizado para
mensurar o patamar desse indicador na economia
brasileira, o resultado encontrado é inferior ao
nível máximo considerado (30%). Entretanto, não
podemos esquecer que este indicador é apenas uma
proxy e não um resultado preciso, pois se baseia
em variáveis macroeconômicas agregadas, não
individuais. Vale destacar que a trajetória do indicador
de comprometimento de renda apresentou uma
elevação muito pequena ao longo dos últimos anos,
se comparada ao crescimento robusto da carteira de
9,0%
23,0%
Comprometimento
21,9%
22,0%
8,5%
8,5%
Inadimplência
21,5%
21,1%
8,0%
21,0%
7,7%
20,9%
19,9%
20,0%
7,5%
20,0%
7,2%
19,0%
18,0%
18,4%
17,7%
Evolução do
comprometimento de renda
e da inadimplência de
pessoa física (atrasos acima
de 90 dias)
7,0%
6,8%
7,0%
6,5%
6,2%
6,0%
17,0%
5,9%
6,0%
5,7%
5,5%
16,0%
15,8%
5,0%
jan/11
nov/10
jul/10
set/10
mai/10
jan/10
mar/10
nov/09
jul/09
set/09
mai/09
jan/09
mar/09
nov/08
jul/08
set/08
mai/08
jan/08
mar/08
nov/07
jul/07
set/07
mai/07
jan/07
mar/07
jul/06
set/06
nov/06
mai/06
jan/06
mar/06
nov/05
jul/05
set/05
mai/05
jan/05
15,0%
mar/05
Destaque DEPEC - Bradesco
2009
Fonte: Bacen
Elaboração: BRADESCO
DEPEC
5
Todos esses pontos podem não parecer suficientes
para alguns analistas que enxergam no atual
nível de endividamento, um risco de bolha de
crédito. Antes de qualquer análise, parece óbvio
reconhecer que a economia brasileira não está
isenta de choques que elevem a inadimplência. Em
outras palavras, momentos de forte desaceleração
econômica certamente serão seguidos de aumento
da inadimplência, mas isso não caracteriza, nem de
longe, uma bolha de crédito. Logo, se o argumento
do nível do comprometimento de renda não é, em si,
suficiente para convencer as análises mais céticas,
seguem um conjunto de características do mercado
bancário brasileiro que tornam o risco de bolha muito
reduzido:
i)
O estoque de crédito livre de pessoa física é muito
insensível a mudanças nas taxas de juros – causa
principal da maior parte dos estouros de bolha
no mundo: 97% das operações à pessoa física
no Brasil são prefixadas e, portanto, o nível do
comprometimento de renda não é afetado com
uma eventual elevação nos juros. Apenas as novas
concessões são afetadas, mas a elevação dos
juros em si é um limitador do apetite por crédito
neste caso.
Destaque DEPEC - Bradesco
ii) Apesar do aumento, o prazo médio da carteira
de pessoa física ainda é baixo, 559 dias
corridos. Dessa maneira, o estoque de crédito
da economia não compromete de forma
relevante o fluxo futuro de renda das famílias.
Faz toda a diferença se os consumidores de
um país têm sua renda comprometida, em 10%
por exemplo, por 10, 20 anos por conta das
dívidas imobiliárias ou se os consumidores
comprometem 22% da renda em menos de 2
anos. Isso significa que em um eventual choque,
as conseqüências seriam reduzidas, pois o fluxo
futuro de renda estará comprometido por um
período bastante curto.
iii) O crédito ao consumidor no Brasil (e em grande
parte para as empresas esse raciocínio também
é válido) é primordialmente doméstico e em
moeda local. Logo, problemas de liquidez global
não afetam o funding local em grande medida
e, eventuais depreciações cambiais causadas
por incertezas externas em nada afetam o
comprometimento de renda das famílias – fato
bastante diferente do ocorrido no estouro da
bolha de crédito de diversos países do leste
europeu.
Muitos analistas consideram preocupante um
comprometimento de renda da ordem de 22%
(proxy do exercício do Banco Central) na economia
brasileira ao analisarem a necessidade de outros
gastos não associados ao crédito, como o consumo
de alimentos, aluguéis, transportes, etc. Em nossa
visão, o que torna essa preocupação exagerada vem
da evidência de que os brasileiros conviveram nos
últimos anos com esse nível de comprometimento
de renda e não deixaram, ao mesmo tempo, de
consumir bens e serviços (forte aumento das vendas
no varejo e no PIB de serviços) que, inclusive
aumentaram de preço acima da renda em alguns
casos (serviços). Tudo isso em um contexto de
redução da inadimplência, o que se constitui em
forte indício de que o nível de comprometimento
de renda da ordem de 22% não afeta o consumo
dos outros bens nem o pagamento dos empréstimos
junto aos bancos.
Olhando para o futuro, a redução esperada dos
juros reais pode mais do que compensar um
aumento da relação crédito bancário/PIB em termos
de comprometimento da renda das famílias. Ou
seja, em outras palavras, quando os juros caírem
e a tomada de crédito pelas famílias aumentar,
não ocorrerá necessariamente um aumento do
comprometimento, justamente por conta da queda
do principal componente da dívida, que é a taxa
de juros. Provavelmente, se o Brasil for capaz de
conviver com juros reais de 3% a 4% nos próximos
anos, o comprometimento de renda das famílias se
reduzirá, ao invés de aumentar, apesar do aumento
do crédito/PIB, por que o principal item de peso
no comprometimento é a taxa de juros. Como o
estoque, apesar de pré-fixado, é curto, em pouco
tempo o comprometimento agregado se reduzirá
com a queda da taxa de juros, à medida que novos
créditos sejam concedidos.
II) A capacidade do sistema financeiro de
suportar possíveis choques
Para uma análise mais completa sobre o endividamento
das famílias, é necessário observar não apenas o
lado da demanda, como feito anteriormente, mas
também o da oferta de crédito, ou seja, do sistema
financeiro nacional. Afinal, a ocorrência de um estouro
na bolha que cause conseqüências dramáticas
para a economia depende do grau de solidez do
sistema financeiro. Logo, é fundamental observar
tais características. A literatura internacional sinaliza
alguns pontos de atenção para se identificar a
presença de bolhas de crédito. Utilizaremos alguns
desses indicadores para verificar a saúde do sistema
financeiro brasileiro:
i)
O sistema financeiro brasileiro é historicamente
bastante líquido, inclusive em decorrência da
entrada expressiva de recursos externos para o
financiamento do crédito. No Brasil, entretanto,
apenas 7% do passivo bancário está atrelado a
recursos externos, ou seja, nesse quesito não
temos diagnóstico de bolha.
DEPEC
6
18,0
16,8
Passivos internacionais
do sistema bancário
brasileiro
16,0
14,8
13,8 13,8
14,0
14,2
12,5
12,0
11,2
11,1
9,8
10,0
10,3
9,3
9,0 9,1 8,7
10,5 10,6
8,9
10,0 10,0
9,0
8,1
8,1
7,9
8,0
10,1
8,7
7,4
6,4
6,0
6,3
5,3
6,8
5,7
4,0
2,0
set/10
jun/10
mar/10
set/09
dez/09
jun/09
mar/09
set/08
dez/08
jun/08
mar/08
set/07
dez/07
jun/07
mar/07
set/06
dez/06
jun/06
mar/06
set/05
dez/05
jun/05
mar/05
set/04
dez/04
jun/04
mar/04
set/03
dez/03
jun/03
mar/03
0,0
Fonte: Bacen
Elaboração: BRADESCO
instituições financeiras4. No caso das instituições
brasileiras, podemos observar no gráfico 11, que
há cobertura suficiente para absorver possíveis
choques.
ii) Uma forma de verificar a capacidade de absorver
possíveis perdas é verificar a tendência das
operações de crédito com ranting entre “E”
e “H” em relação ao total provisionado pelas
Em R$ milhões
100
96,0
94,5
94,4
Carteira classificada de "E" e "H"
92,6
91,5
90,0
Provisão contabilizada
83,7
82,1
77,6
80
85,2
81,0
79,2
Evolução da carteira
classificada de “E”
e “H” e da provisão
contabilizada
73,1
62,4
60
55,0 54,3
52,1
51,0
59,4
56,6
57,3
48,5
40
Destaque DEPEC - Bradesco
iii) Outra maneira de verificar a solvência de uma
instituição é monitorar a evolução do índice de
Basileia. No caso do Sistema Financeiro brasileiro,
temos um índice de Basileia mínimo requerido
19,0
18,4
jun/10
mai/10
abr/10
mar/10
fev/10
jan/10
dez/09
nov/09
out/09
set/09
ago/09
jul/09
jun/09
abr/09
mai/09
mar/09
fev/09
jan/09
dez/08
out/08
nov/08
set/08
ago/08
jul/08
jun/08
mai/08
abr/08
mar/08
jan/08
fev/08
20
Fonte: Bacen
Elaboração: BRADESCO
pelo Banco Central de 11%, percentual superior
ao recomendado internacionalmente (8%), sendo
que a média atual do sistema brasileiro (17,4%) é
maior que o percentual requerido nacionalmente.
18,6
17,7
17,4
17,3
Índice de Basileia dos
bancos brasileiros
17,0
15,5
15,0
13,0
Fonte: Bacen
Elaboração: BRADESCO
11,0
dez/07
jun/08
dez/08
jun/09
dez/09
jun/10
4
A classificação do rating de crédito leva em consideração, entre outros elementos, a situação econômico-financeira, grau de endividamento, setor de
atividade econômica, limite de crédito, naturaza da operação creditícia, natureza da garantia e montante de crédito, etc. Além disso, são classificadas em
relação ao atraso no pagamento das operações; no caso os ratings “E” e “H”, equivalem a atrasos superiors a 90 dias.
DEPEC
7
iv) A maior parte das operações de crédito do
sistema financeiro está “dentro do balanço”
e não em empresas criadas com o propósito
de securitizar e distribuir os créditos. Logo, a
qualidade da análise do crédito e das garantias
tende a estar mais bem alinhada com os
interesses dos acionistas e facilita a supervisão
bancária por parte do regulador, no caso o Banco
Central Brasileiro. A regulamentação bancária
no Brasil é uma das mais rígidas e apropriadas
do mundo e foi apontada como referência após
a crise bancária de 2008.
Destaque DEPEC - Bradesco
Além desses indicadores, o Banco Central, em
setembro de 2010, publicou o Relatório de Estabilidade
Financeira, com um tópico especial sobre teste de
estresse de capital bancário. O exercício teve como
objetivo estimar o impacto de variações na taxa de
juros e no câmbio sobre o patrimônio e a exigência
de capital para as instituições financeiras, bem
como estresse para risco de crédito, com variações
incrementais no nível de inadimplência. Em todas as
simulações, o resultado encontrado foi de um Índice
de Basileia dos bancos, ao final do choque, acima de
11%, evidenciando a capitalização do sistema. Vale
ressaltar que no teste de estresse de risco de crédito,
o sistema apresentaria algum desenquadramento se
a inadimplência média superasse o máximo histórico,
de 11,4%, patamar cerca do dobro do atual.
Assim, tanto pelo lado da demanda quanto pelo lado
da oferta, não temos observado comportamento
demasiado ou irresponsável. Os resultados
encontrados não apontam para uma bolha de
crédito e sim para o aumento do crédito na economia.
Entretanto, essa conclusão não exclui a necessidade
de monitoramento constante dos riscos de crédito
inerentes a qualquer sistema financeiro. Logo, a
tendência natural do risco de crédito de acompanhar
os ciclos econômicos está mantida, ou seja, um
cenário de arrefecimento econômico, com impactos
negativos sobre o mercado de trabalho, certamente
acarretará em deterioração na taxa de inadimplência,
mas tal movimento não será amplificado por conta da
existência de uma bolha de crédito não prevista na
economia brasileira.
Equipe Técnica
Octavio de Barros - Diretor de Pesquisas e Estudos Econômicos
Marcelo Cirne de Toledo / Fernando Honorato Barbosa
Economia Internacional: Fabiana D’Atri / Daniel Valladares Weeks / Daniela Cunha de Lima /Igor Velecico / Thomas Henrique Schreurs Pires
Matheus Ribeiro Machado / Renata Rodovalho Gonçalves
Economia Doméstica:
Robson Rodrigues Pereira / Andréa Bastos Damico / Ana Paula Almeida / Ellen Regina Steter / Myriã Bast
Análise Setorial:
Regina Helena Couto Silva / Priscila Pacheco Trigo / Rita de Cassia Milani
Pesquisa Proprietária:
Fernando Freitas / Ana Maria Bonomi Barufi / /Leandro Câmara Negrão
Estagiários:
Laura Pinto Gonçalves / Felipe Cardoso D´Avila / Mirella P. Amaro Hirakawa / Wellington Barbosa Nunes / Daiane Cristina Montanari
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DEPEC
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Estudo sobre o Crescimento Recente do Crédito ao