Bolha ou bexiga imobiliária ?
Adriano Gomes
Nos últimos meses tem ocorrido uma discussão em torno de uma possível bolha
imobiliária no Brasil. O fenômeno é conhecido pela alta extraordinária do preço dos
imóveis (venda ou aluguel), normalmente alimentada pelo desequilíbrio entre demanda
e oferta, especulação (quer no mercado real ou via fundos de investimentos imobiliários),
crédito farto e incentivo à construção e reforma de imóveis.
Logo após a entrevista de Robert Shiller, prêmio Nobel de economia, conhecido pelos
seus modelos de previsão de bolhas imobiliárias. A rigor, Shiller não pontificou que
estejamos vivendo o fenômeno clássico de uma bolha. Disse desconhecer amiúde os
números do Brasil e, particularmente, o mercado imobiliário. Também afirmou que ainda
que estejamos em tal circunstância, os efeitos produzidos seriam menos desastrosos que
em outros países.
A seguir, será demonstrado e comentado cada um dos pilares que têm relação com o
fenômeno da chamada bolha imobiliária.
1. Alta extraordinária dos preços dos imóveis
Enquanto o índice denominado FIPE-ZAP acumulou alta de 184,7% entre janeiro de 2008
a setembro de 2013, o IGP-M cresceu 37,6% no mesmo período. Abaixo o gráfico
demonstrativo e a tabela comparativa.
Gráfico 1 – Crescimento do IGP-M versus FIPE-ZAP (Fonte ZAP Imóveis)
Tabela 1 – Comparação FIPE-ZAP x IGP-M (jan/08 a set/13)
FIPE-ZAP
Média Mensal
IGP-M
Média Mensal
Rendimento Real
Média Mensal
184,70%
1,53%
37,60%
0,46%
106,9%
1,06%
De fato, os números são espetaculares e indicam claramente a distância percorrida pela
valorização dos imóveis frente à inflação medida por um índice considerado pelo
mercado. Em média, desde janeiro de 2008 até setembro de 2013, quem aplicou em
imóveis simplesmente dobrou seu capital em termos reais, ou seja, acima da inflação, e
conseguiu a tão sonhada taxa real de cerca de 1% a.m.
Porém, nos últimos meses, parece que os preços praticados no mercado arrefeceram.
Prova disso é o desempenho dos conhecidos FII (Fundos de Investimento Imobiliário).
2. Queda na rentabilidade nos fundos de investimento imobiliário
O mercado financeiro desenvolveu desde 2010 um índice para acompanhar o
desempenho dos fundos imobiliários. Trata-se do Índice de Fundos de Investimentos
Imobiliários (IFIX) e o principal fundo que compõe o IFIX é o BC Fund (BRCR11). Apenas
para apontar o desempenho isolado deste fundo, eis alguns números. Até agosto de 2013
o fundo apresentou uma queda em seus rendimentos de 22,04%. Todavia, a partir desta
mínima e terminando a análise no dia 24/10/2013, houve uma recuperação de 11,8%.
Por outro lado, o IFIX conseguiu uma recuperação de 3,69% entre 28/08/2013 até
24/10/2013. Mas há uma série de fundos que ainda apresentam rendimentos negativos.
Gráfico 2 – Desempenho do IFIX em 2013 (Fonte: Exame)
1.650
1.600
1.550
1.500
Máxima: 1.620
04/02/2013
1.450
1.400
1.350
Mínima: 1.362
28/08/2013
1
8
15
22
29
36
43
50
57
64
71
78
85
92
99
106
113
120
127
134
141
148
155
162
169
176
183
190
197
1.300
Quem está “comprado” em FII neste ano de 2013, com certeza, não tem motivo algum
parar sorrir. A perda atingiu a casa dos dois dígitos (11,7%) e o ritmo de uma possível
recuperação parece ter iniciado somente agora, em meados de outubro de 2013.
Também é verdade que o maior desempenho do índice ocorrer em 2013, quando atingiu
o recorde de 1.620,81 no dia 08/03/2013. Logo, faz-se necessária a devida análise do
dado. Ainda na esteira da relativização do IFIX, foi em 22/09/2011 a menor marcação
histórica do indicador, quando apontou 981,44. Desta forma, se alguém entrou nestes
fundos na chamada “baixa”, auferiu um lucro de 45% em seu capital.
Ou seja, nada mal para estes tempos de baixo rendimento das aplicações financeiras. E,
para corroborar com a ampliação da discussão, o baixo rendimento ou mesmo o
rendimento negativo das aplicações financeiras não é exclusividade deste tipo de fundo,
mas ocorre com outros no mercado.
Abaixo, os quadros demonstrativos do principal índice de acompanhamento dos FII.
Tabela 2 – Comparação do Desempenho do IFIX
IFIX - Maior Fechamento do Ano
Ano
Nominal
Pregão
US$
Pregão
2010
1.000,00
30/12/2010
600,17
30/12/2010
2011
1.171,20
27/12/2011
682,18
07/02/2011
2012
1.573,34
28/12/2012
769,92
28/12/2012
2013
1.620,81
04/02/2013
821,50
08/03/2013
IFIX - Menor Fechamento do Ano
Ano
Nominal
2010
Pregão
US$
Pregão
1.000,00
30/12/2010
600,17
30/12/2010
2011
981,44
12/01/2011
581,00
22/09/2011
2012
1.164,10
02/01/2012
623,08
02/01/2012
2013
1.362,63
28/08/2013
563,91
22/08/2013
IFIX - Rentabilidade (%)
Ano
2010
2011
2012
2010
IFIX Anual
1.000,00
2011
16,50
2012
25,40
2013
11,90
1.165,09
35,00
9,70 -
1.573,34
11,00
1.400,93
3. Oportunidades de nicho
Recentemente a Rio Bravo apresentou o seu índice de rentabilidade que é segmentado
por alguns ramos do mercado imobiliário, conforme tabela abaixo.
Tabela 3 – Rendimento por Segmento (16/08/2013)
Agência Bancária
107,42
Logística
95,51
Shoppings
92,45
Escritórios
91,91
Diversificados
90,87
Rentabilidade Garantida
82,67
Fonte: Rio Bravo - Base 100 = 03/12/2012
O que se percebe é que há a necessidade de um estudo detalhado por parte do investidor
na composição da carteira. Por exemplo, se na carteira há imóveis dedicados à locação
para o sistema financeiro, parece ser uma boa opção. Por outro lado, os badalados
shoppings e escritórios estão com inclinação para baixo.
Uma ressalva grande deve ser feita à concentração absurda deste mercado. Apenas 4
fundos, de um total de 74, representam quase a metade do total de recursos. Ou seja,
5,4% dos fundos detêm 49,5% do mercado. A tabela abaixo mostra tal concentração:
Tabela 4 – Concentração dos FII (Fonte: InfoMoney)
Nome do Fundo
FII BC FUND CI
FII KINEA CI
FII BB PRGII CI
FII JS REAL CI
% Total de Fundos
% do Mercado
5,4%
51,7%
A grande verdade é que os FII enfrentam alguns obstáculos que não estavam no cenário
há alguns meses. O principal deles, na minha opinião é a busca de eficiência dos próprios
gestores de fundos de investimentos frente a um cenário de altas taxas de juros
(nominais e reais). Acostumados a um cenário favorecido pela queda constante da SELIC
e com taxa real de juros na casa de 1% a.a., os FII se apresentaram como uma ótima
opção de investimento. Abaixo a tabela e gráfico da SELIC e dos juros reais.
Tabela 5 – SELIC e Juros Reais
Meses
SELIC
Juros Reais
dez/03
16,50
10,02
dez/04
17,75
10,60
dez/05
18,00
12,31
dez/06
13,25
10,23
dez/07
11,25
6,64
dez/08
13,75
7,85
dez/09
8,75
4,44
dez/10
10,75
4,84
dez/11
11,00
4,50
dez/12
7,25
1,41
jan/13
7,25
1,09
FEV
7,25
0,94
MAR
7,25
0,66
ABR
7,50
1,01
MAI
8,00
1,49
JUN
8,00
1,30
JUL
8,50
2,23
AGO
9,00
2,91
SET
9,00
3,14
OUT
9,50
3,00
Gráfico 3 – SELIC e Juros Reais
20,00
17,75 18,00
18,00
16,50
16,00
13,75
13,25
14,00
12,31
11,25
12,00
10,75 11,00
10,02
10,00
8,75
7,85
8,00
6,00
7,25 7,25 7,25 7,25 7,50
6,64
4,00
8,00 8,00
8,50
9,00 9,00
4,84
4,44
3,14
2,23
2,00
-
1,01
1,41
1,09
0,94 0,66
1,49
2,91
1,30
4. Alta da taxa de vacância
Levantamento de dados recentemente feito pela Herzog Imóveis Industriais e Comerciais
apontou que a chamada taxa de vacância aumentou 50% quando se compara o 2º
semestre de 2013 contra o mesmo período do ano passado. Outro dado interessante é
oferecido pelo Creci-SP. Segundo a última pesquisa (julho de 2013) disponibilizada no site
entidade, o preço médio dos imóveis caiu 4,92% em julho frente a junho de 2013. No ano
de 2013 há uma alta de 1,61%. Na mesma pesquisa o Cresci-SP aponta uma queda
expressiva nas vendas realizadas no mês de julho de imóveis: 15% sobre o mês anterior.
Assim, levando-se em consideração todos os pontos levantados e discutidos neste artigo,
o que se pode concluir é o seguinte:
a) Nos últimos anos o preço dos imóveis subiram de modo extraordinário, ainda que o
cenário pudesse ser adverso a este tipo de investimentos. Quando as taxas de juros
declinaram e o juro real desabou, o mercado cresceu em demasia. Tal crescimento
deve-se aos estímulos oficiais ao setor (lado público) e a formação de funding privado
via fundos de investimentos imobiliários. Investidores não podem reclamar, pois
neste tipo de investimento, não há espaço para amadorismo e pessoas
desinformadas. Logo, ganhar ou perder está na regra do jogo. Ainda há espaço para
garimpar oportunidades de nicho. Portanto, deve o investidor ser muito criterioso e
estudar nos detalhes a composição do fundo. Caberá aos gestores muito mais
cuidado na escolha da aplicação, trabalhar com estruturas eficientes e com pessoas
cada vez mais qualificadas;
b) O cenário atual demonstra atenção. Não diria cuidado, seria exagero. É muito
cômodo apontar o caos e, caso ele se confirme, todos os louros da fama recaiam
sobre quem o pontificou. Foi assim com Nouriel Roubini em 2005 e agora com Robert
Shiller em 2013. O caso brasileiro é bastante distinto. Houve valorização incrível dos
imóveis, isto é verdadeiro. Mas o preço de partida estava absurdamente defasado. E
este é o outro lado da mesma moeda. E, portanto, eis a dúvida nefanda: especulação
ou atualização ?
c) A carteira de crédito imobiliário no Brasil não é a de predileção dos bancos. As
instituições financeiras começaram a despertar para este mercado somente nos
últimos anos. E o nível de financiamento varia entre 70% a 90% do valor do imóvel.
Nos EUA, no auge da crise, os bancos chegaram a financiar 110% a 150% do valor do
imóvel. Ainda neste campo, o crédito imobiliário representa cerca de 7,5% do PIB
brasileiro contra 80% no caso americano.
Considerando todos os argumentos, entendo que o mercado imobiliário tenderá a uma
acomodação de preços. E isto é muito diferente de bolha. A bolha caracteriza-se por um
crescimento artificial dos preços e, num dado momento, eis que a bolha estoura e os
preços desabam e a demanda cai para níveis muito baixos.
No Brasil, a imagem mais próxima talvez seja a da bexiga. Houve o enchimento da bexiga
provocado por dois sopradores: a demanda orgânica e uma dose de especulação. Porém,
invés de estourar, como uma bolha, a bexiga costuma esvaziar.
Oxalá consigamos ânimo para tomar fôlego e encher novamente esta bexiga e ver o
mercado prosperar.
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