COMUNICADO DE IMPRENSA PORQUE NÃO SE DISCUTE O PREÇO DA ÁGUA? Terminou no final do mês de Julho a consulta pública ao Calendário e Programa de Trabalhos para a Elaboração dos Planos de Gestão de Região Hidrográfica, ao abrigo das exigências da Directiva-Quadro da Água (DQA) em relação à participação pública. O aumento do preço da água é uma das medidas mais importantes no âmbito da implementação da DQA, que visa promover um uso mais eficiente e a redução dos consumos nos maiores utilizadores, no entanto, sobre esta matéria pouco se discute na praça pública. Os documentos apresentados para consulta pública apenas através do site de Internet (http://www.inag.pt/inag2004/port/diversos/pgrh/pgrh.html) do Instituto da Água são uma mera formalidade decorrente das exigências da DQA em relação à calendarização e programação dos Planos de Gestão de Região Hidrográfica (PGRH), uma vez que se limitam a transpor as exigências da DQA em relação a estes instrumentos. Por sua vez, no que diz respeito à regulamentação decorrente da Lei da Água, apenas o Projecto de Diploma sobre a elaboração, aprovação, aplicação e avaliação do Plano Nacional da Água, dos Planos de Gestão de Região Hidrográfica e dos Planos Específicos de Gestão das Águas foi disponibilizado a um público alargado para envio de comentários. De todos os diplomas e normas técnicas que têm vindo a ser elaborados, este é o que inclui menos resoluções vinculativas para o público em geral, visto ser uma descrição dos conteúdos dos planos de águas a serem elaborados. Pelo contrário, questões tão importantes como a definição das normas de qualidade da água, a definição do regime económico e financeiro ou as normas para os empreendimentos de fins múltiplos têm sido mantidas num secretismo quase absoluto até à sua publicação, sem que o envolvimento activo dos interessados seja promovido, tal como é explicitado pela DQA. No que diz respeito ao diploma 1 para a definição do regime económico e financeiro, teve lugar um consulta restrita a alguns actores interessados, sem que o resultado da ponderação seja do conhecimento público. Tendo em conta os anúncios sucessivos do aumento do preço da água para consumo humano pelo Ministro do Ambiente, o último dos quais a propósito do retomar das obras de construção da barragem de Odelouca, a LPN apela à sua discussão de uma forma alargada antes da sua aprovação e publicação, visto que tocam os interesses directos da população portuguesa. Entre as questões mais prementes que deverão vir a público, contam-se as seguintes: - Porque é que os aumentos previstos no preço da água penalizam mais o consumo doméstico do que outros sectores de utilização com maiores consumos e/ou maiores perdas e/ou impactos ambientais, como é o caso da produção de energia hidroeléctrica e o regadio agrícola intensivo? - Porque é que não se penalizam os utilizadores e entidades gestoras que registam as perdas mais elevadas e maior ineficiência, numa altura em que a seca e a escassez de água são temas prioritários da Presidência Portuguesa? - Porque é se volta a falar numa possível privatização da Águas de Portugal, na mesma altura em que se anunciam aumentos significativos do preço da água, unicamente para o consumidor doméstico? Anexo – Comunicado de Imprensa “SUBIDA DO PREÇO DA ÁGUA – PARA TODOS OU SÓ PARA ALGUNS?”, enviado em 23 de Julho O aumento do preço da água é uma das medidas mais importantes no âmbito da implementação da Directiva-Quadro da Água, que visa promover um uso mais eficiente e a racionalização dos consumos nos maiores utilizadores. As tarifas da água devem incorporar todos os custos inerentes à sua utilização, como sejam os investimentos em infra-estruturas de captação e distribuição de água, mas também um valor que reflicta a escassez da água e os impactes ambientais decorrentes da sua utilização. Logo, a tarifação da água deverá ser mais penalizadora para os utilizadores que mais desperdiçam e causam maiores impactes, tanto na quantidade de água disponível como na sua qualidade. Numa altura em que a Presidência Portuguesa da União Europeia assumiu a seca e a escassez de água como uma prioridade, a Liga para a Protecção da Natureza (LPN) e a Fundação Nova Cultura da Água (FNCA) esperam que a mesma se venha a reflectir numa correcta aplicação dos instrumentos da Directiva-Quadro da Água, em especial no que respeita ao preço da água. No entanto, a julgar pela proposta de regulamentação do regime económico e financeiro da água apresentada ao Conselho Nacional da Água, os sectores de utilização mais penalizados não serão aqueles que mais gastam e de uma forma menos eficiente. 2 Segundo os dados do Programa Nacional para o Uso Eficiente da Água (www.inag.pt), o sector da agricultura é o maior utilizador da água (87%), mas também aquele em que se registam as maiores perdas (88%), enquanto que a utilização no sector doméstico corresponde a cerca de 8% e no industrial cerca de 5%, sendo as perdas neste sector respectivamente 8% e 4% do total. Face a este cenário, seria de esperar que os aumentos no preço da água se reflectissem sobretudo no sector do regadio agrícola, de modo a promover as alterações necessárias para reduzir os consumos e aumentar a eficiência do uso da água, nomeadamente no que diz respeito às perdas muito elevadas que ainda se verificam. No entanto, reflectindo uma visão claramente desajustada e injusta, a proposta de diploma para o regime económico e financeiro da água penaliza sobretudo o sector doméstico. A fórmula de cálculo da taxa de recursos hídricos considera cinco componentes diferentes, nomeadamente a utilização da água, a descarga de efluentes, a extracção de inertes, a ocupação do domínio público hídrico e utilização das águas sujeitas a planeamento e gestão públicos. Na primeira componente, em que se taxa a quantidade de água utilizada, tendo em conta um coeficiente de escassez diferenciado para as diversas bacias hidrográficas, aplica-se uma taxa de 0,003 € por metro cúbico (m3) de água à agricultura, enquanto que ao consumo doméstico é aplicado um valor de 0,015 €/ m3, ou seja, 5 vezes superior. Por sua vez, na componente que diz respeito à utilização das águas sujeitas a planeamento e gestão públicos, o valor base é de 0,0006 €/ m3 para a agricultura, 0,000004 €/ m3 para a produção de energia hidroeléctrica e 0,003 €/ m3 aplicáveis ao sector doméstico. Isto significa que ao consumidor doméstico é aplicada uma taxa 5 vezes superior à agricultura e 750 vezes superior à produção de energia. Adicionalmente, não é claro de que forma é que a nova regulamentação irá incentivar o uso eficiente dos recursos hídricos, uma vez que, seguindo o princípio de equilíbrio financeiro das entidades gestoras, a redução das vendas é compensada pelo aumento do preço, o que irá implicar que sejam os consumidores os penalizados por uma opção ambientalmente correcta como é a poupança da água e de energia. A LPN e a FNCA consideram que a penalização do consumidor doméstico em valores muito superiores aos sectores da agricultura e produção de energia eléctrica é injusta e inaceitável; o abastecimento de água às populações assegura uma necessidade vital, é um direito humano e deve, por isso, constituir uma responsabilidade pública assumida por todos os níveis da Administração. Para além disso, a utilização de água pelos sectores agrícola e hidroeléctrico é maioritariamente assegurada por obras públicas (barragens), cujos impactes negativos na qualidade da água e nos ecossistemas aquáticos são bem conhecidos e deveriam ser incorporados nas tarifas correspondentes. 3 Nesta matéria, a FNCA tem expressado posições bastante claras no que se refere às prioridades e critérios de gestão da água, salientando as seguintes categorias de valor e de direito relacionadas com as funções da água: - Em primeiro lugar a “água-vida”, assegurando as funções básicas de sobrevivência. É a prioridade máxima para garantir a sustentabilidade dos ecossistemas e o acesso de todos a quantidades básicas de águas de qualidade, enquanto direito humano; - Em segundo lugar a “água-cidadania”, referente a actividades de interesse geral da sociedade, funções de saúde e coesão social –como os serviços urbanos de água e saneamento–, que se articulam com os direitos de cidadania; - Só em terceiro lugar virá a “água-crescimento”, referente a funções económicas ligadas a actividades produtivas, em ordem a proporcionar o direito individual de cada cidadão poder melhorar o seu nível de vida. Trata-se de objectivos estritamente económicos e, por isso, só aqui devem ser aplicados critérios estritos de racionalidade económica, baseados no princípio da recuperação de custos. A LPN e a FNCA consideram que a proposta para o regime económico e financeiro da água, caso venha a concretizar-se tal como foi apresentada na única versão pública conhecida, fere gravemente os princípios da Directiva-Quadro da Água e representa uma injustiça para os consumidores domésticos, reflectindo um desajustamento com a real utilização da água. Estaremos perante mais um caso em que a opinião pública e os pareceres apresentados são escandalosamente ignorados, apesar de estarem em jogo direitos humanos e de cidadania? Lisboa, 3 de Agosto de 2007 A Direcção Nacional da Liga para a Protecção da Natureza Para mais informações: Paula Chainho 962 415 546 Eugénio Sequeira 968 029 499 LPN - Liga para a Protecção da Natureza Estrada do Calhariz de Benfica, n.º 187, 1500-124 Lisboa Tel: 217 780 097 | 217 740 155 | 217 740 176 Tlm: 964 656 033 | 918 947 553 Fax: 217 783 208 www.lpn.pt e-mail: [email protected] A Liga para a Protecção da Natureza (LPN), fundada em 1948, é uma Organização Não Governamental de Ambiente (ONGA) de âmbito nacional. É uma Associação sem fins lucrativos com estatuto de Utilidade Pública. É membro do EEB (European Environmental Bureau), IUCN-The World Conservation Union, CIDN (Conselho Ibérico para a Defesa da Natureza), MIO-ECSDE (Mediterranean Information Office for Environment, Culture and Sustainable Development), SAR (Seas at Risk), EUCC (European Union for Coastal Conservation) e é a Agência Nacional do Centro Naturopa do Conselho da Europa. 4