COMUNICADO DE IMPRENSA SUBIDA DO PREÇO DA ÁGUA – PARA TODOS OU SÓ PARA ALGUNS? O aumento do preço da água é uma das medidas mais importantes no âmbito da implementação da Directiva-Quadro da Água, que visa promover um uso mais eficiente e a racionalização dos consumos nos maiores utilizadores. As tarifas da água devem incorporar todos os custos inerentes à sua utilização, como sejam os investimentos em infra-estruturas de captação e distribuição de água, mas também um valor que reflicta a escassez da água e os impactes ambientais decorrentes da sua utilização. Logo, a tarifação da água deverá ser mais penalizadora para os utilizadores que mais desperdiçam e causam maiores impactes, tanto na quantidade de água disponível como na sua qualidade. Numa altura em que a Presidência Portuguesa da União Europeia assumiu a seca e a escassez de água como uma prioridade, a Liga para a Protecção da Natureza (LPN) e a Fundação Nova Cultura da Água (FNCA) esperam que a mesma se venha a reflectir numa correcta aplicação dos instrumentos da Directiva-Quadro da Água, em especial no que respeita ao preço da água. No entanto, a julgar pela proposta de regulamentação do regime económico e financeiro da água apresentada ao Conselho Nacional da Água, os sectores de utilização mais penalizados não serão aqueles que mais gastam e de uma forma menos eficiente. Segundo os dados do Programa Nacional para o Uso Eficiente da Água (www.inag.pt), o sector da agricultura é o maior utilizador da água (87%), mas também aquele em que se registam as maiores perdas (88%), enquanto que a utilização no sector doméstico corresponde a cerca de 8% e no industrial cerca de 5%, sendo as perdas neste sector respectivamente 8% e 4% do total. Face a este cenário, seria de esperar que os aumentos no preço da água se reflectissem sobretudo no sector do regadio agrícola, de modo a promover as alterações necessárias para 1 reduzir os consumos e aumentar a eficiência do uso da água, nomeadamente no que diz respeito às perdas muito elevadas que ainda se verificam. No entanto, reflectindo uma visão claramente desajustada e injusta, a proposta de diploma para o regime económico e financeiro da água penaliza sobretudo o sector doméstico. A fórmula de cálculo da taxa de recursos hídricos considera cinco componentes diferentes, nomeadamente a utilização da água, a descarga de efluentes, a extracção de inertes, a ocupação do domínio público hídrico e utilização das águas sujeitas a planeamento e gestão públicos. Na primeira componente, em que se taxa a quantidade de água utilizada, tendo em conta um coeficiente de escassez diferenciado para as diversas bacias hidrográficas, aplica-se uma taxa de 0,003 € por metro cúbico (m3) de água à agricultura, enquanto que ao consumo doméstico é aplicado um valor de 0,015 €/ m3, ou seja, 5 vezes superior. Por sua vez, na componente que diz respeito à utilização das águas sujeitas a planeamento e gestão públicos, o valor base é de 0,0006 €/ m3 para a agricultura, 0,000004 €/ m3 para a produção de energia hidroeléctrica e 0,003 €/ m3 aplicáveis ao sector doméstico. Isto significa que ao consumidor doméstico é aplicada uma taxa 5 vezes superior à agricultura e 750 vezes superior à produção de energia. Adicionalmente, não é claro de que forma é que a nova regulamentação irá incentivar o uso eficiente dos recursos hídricos, uma vez que, seguindo o princípio de equilíbrio financeiro das entidades gestoras, a redução das vendas é compensada pelo aumento do preço, o que irá implicar que sejam os consumidores os penalizados por uma opção ambientalmente correcta como é a poupança da água e de energia. A LPN e a FNCA consideram que a penalização do consumidor doméstico em valores muito superiores aos sectores da agricultura e produção de energia eléctrica é injusta e inaceitável; o abastecimento de água às populações assegura uma necessidade vital, é um direito humano e deve, por isso, constituir uma responsabilidade pública assumida por todos os níveis da Administração. Para além disso, a utilização de água pelos sectores agrícola e hidroeléctrico é maioritariamente assegurada por obras públicas (barragens), cujos impactes negativos na qualidade da água e nos ecossistemas aquáticos são bem conhecidos e deveriam ser incorporados nas tarifas correspondentes. Nesta matéria, a FNCA tem expressado posições bastante claras no que se refere às prioridades e critérios de gestão da água, salientando as seguintes categorias de valor e de direito relacionadas com as funções da água: - Em primeiro lugar a “água-vida”, assegurando as funções básicas de sobrevivência. É a prioridade máxima para garantir a sustentabilidade dos ecossistemas e o acesso de todos a quantidades básicas de águas de qualidade, enquanto direito humano; 2 - Em segundo lugar a “água-cidadania”, referente a actividades de interesse geral da sociedade, funções de saúde e coesão social –como os serviços urbanos de água e saneamento–, que se articulam com os direitos de cidadania; - Só em terceiro lugar virá a “água-crescimento”, referente a funções económicas ligadas a actividades produtivas, em ordem a proporcionar o direito individual de cada cidadão poder melhorar o seu nível de vida. Trata-se de objectivos estritamente económicos e, por isso, só aqui devem ser aplicados critérios estritos de racionalidade económica, baseados no princípio da recuperação de custos. A LPN e a FNCA consideram que a proposta para o regime económico e financeiro da água, caso venha a concretizar-se tal como foi apresentada na única versão pública conhecida, fere gravemente os princípios da Directiva-Quadro da Água e representa uma injustiça para os consumidores doméstico, reflectindo um desajustamento com a real utilização da água. Estaremos perante mais um caso em que a opinião pública e os pareceres apresentados são escandalosamente ignorados, apesar de estarem em jogo direitos humanos e de cidadania? Para mais informações: Paula Chainho 962 415 546 Eugénio Sequeira 968 029 499 Liga para a Protecção da Natureza | Estrada do Calhariz de Benfica, n.º 187 1500-124 Lisboa; www.lpn.pt 217 780 097 | 217 740 155 | 217 740 176 Carlos Bragança dos Santos 963074944 Fundação Nova Cultura da Água I Pedro Cerbuna, 12, 4º dcha 50009 Zaragoza; www.unizar.es/fnca/ 961670010 I (+34) 976 761 572 Lisboa, 23 de Julho de 2007 A Direcção Nacional da Liga para a Protecção da Natureza A Liga para a Protecção da Natureza (LPN), fundada em 1948, é uma Organização Não Governamental de Ambiente (ONGA) de âmbito nacional. É uma Associação sem fins lucrativos com estatuto de Utilidade Pública. A LPN é membro da IUCN (The World Conservation Union), do EEB (European Environmental Bureau), do CIDN (Conselho Ibérico para a Defesa da Natureza), do MIO-ECSDE (Mediterranean Information Office for Environmental Culture and Sustainable Development) e do SAR (Seas at Risk). Comissão Permanente do Patronato da Fundação Nova Cultura da Água 3