CEFAC
CENTRO DE ESPECIALIZAÇÃO EM FONOAUDIOLOGIA CLÍNICA
LINGUAGEM
REFLEXÕES SOBRE OS DISTÚRBIOS DE LEITURAESCRITA NA ALFABETIZAÇÃO
MARIANA HARGREAVES DE ARAUJO
RIO DE JANEIRO
1999
1
RESUMO
O trabalho a seguir está baseado na minha prática clínica e em teorias de
aquisição de desenvolvimento de linguagem.
Tem como objetivo refletir sobre as dificuldades das crianças na aprendizagem
da alfabetização e descobrir uma forma de atuação mais eficaz do fonoaudiólogo em
sua conduta terapêutica.
O que fazer com crianças que chegam ao nosso consultório, desinteressadas,
desmotivadas para ler e escrever no C.A. ?
Por que isto acontece? O que é possível ser feito?
O trabalho fonoaudiológico deve estimular a linguagem oral e escrita da criança,
favorecendo a construção de seu conhecimento, de sua inteligência, desenvolvendo
sua capacidade de pensar, raciocinar e deduzir. Para que isso ocorra, deve-se
pensar em linguagem como uma capacidade que deverá ser instigada a ser
desenvolvida pela criança na interação com o outro. Logo, ela poderá sentir como é
prazeroso descobrir o mundo letrado, aprendendo a adquirir o domínio da palavra e a
produzir (não só reproduzir) o conhecimento.
Portanto, a construção do saber é realizada através do trabalho de linguagem,
onde a escrita e a oralidade interagem e complementam-se.
2
SUMMARY
The following work is based on my clinical practice and in theories of language
development acquirement.
Its aim is to reflect about the difficulties children usually have in the process of
alphabetization learning and to find out a more efficient approach for the
phonoaudiologist in his therapeutical conduct.
What to do with children from the Alphabetization Course who come to our office
completly unable to read or write?
Why does it happen and what can we do about it?
The phonoaudiologist’s work must encourage the child’s oral and written
language, helping to built up his knowledge and intelligence, developing his ability to
think, raciocinate and deduct. For this to happen we must think of language as an
aptitude that should be prompted to be developed by the child in his interaction with
someone else. Soon the child will be able to feel how pleasant it is to discover the
litterate world, learning to acquire the command of the word and to produce (not only
reproduce) knowledge.
Therefore, the building of knowledge is accomplished through the work of
language when speaking and writing intergrate and complete each other.
3
Dedico este trabalho a meu pai, pesquisador e escritor da música popular
brasileira, que durante anos e anos passou grande parte de sua vida, alimentando
sua paixão pela arte de pesquisar, procurando artigos e capítulos já esquecidos de
nossa história e cultura.
4
INTRODUÇÃO
Através deste trabalho, sem intenção de aprofundar e confrontar teorias,
apresento as minhas reflexões sobre as grandes dificuldades de aprendizagem
de muitas crianças no processo de alfabetização.
Freqüentemente, em nosso trabalho terapêutico, enquanto fonoaudiólogos,
recebemos crianças desmotivadas, resistentes à aprendizagem da leitura - escrita,
qualificadas pelas escolas como crianças problemáticas, inadaptadas ao método de
ensino, atrasadas, desatentas, desinteressadas ...
E de outro lado, pais apreensivos, preocupados com o rendimento escolar,
prevendo o trauma da repetência, numa luta contra o tempo, inconformados em aceitar
o fracasso de seus filhos, ansiosos por sua recuperação.
O que fazer?
Como criar na criança o desejo em se recuperar?
Como trabalhar os distúrbios de aprendizagem, em crianças na fase de
alfabetização?
Como ajudá-las, criando uma nova postura na sociedade em geral e na própria
escola em relação a alfabetização, evitando que o ensino da escrita nas escolas se
restrinja a uma simples técnica sem sentido, produzindo uma atividade sem
consciência e que até faz desaparecer o desejo de ler e escrever ?
Como impedir que o ato de ensinar se caracterize e se reduza ao falar e ao
apontar o erro e o ato de aprender se caracterize pelo tentar copiar e calar?
Como podemos atuar com nossos pacientes, sem inseri-lo dentro de uma visão
mais ampla, de forma a ajudá-los a compreender melhor o sentido da alfabetização?
5
Assim, pretendo levantar algumas questões do desenvolvimento da linguagem
oral e escrita, buscando compreender a dimensão da construção do conhecimento.
Faz-se necessário refletir sobre todos estes questionamentos, para que a
prática fonoaudiológica se transforme e estimule a realidade sócio-cultural de nossos
pacientes.
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DISCUSSÃO TEÓRICA
Durante 8 anos de terapia fonoaudiológica, atendendo a crianças de escolas
públicas e particulares, em ambulatório e consultório particular, pude observar que o
sucesso na alfabetização depende basicamente:
1) Do nível cognitivo/lingüístico da criança;
2) Do que a criança recebeu da família e do meio antes de ingressar no colégio,
ou seja, se a criança for estimulada a explorar a linguagem oral e observar a
leitura/escrita, (processo de letramento);
3) Da conduta assumida pelo colégio no pré-escolar e durante a alfabetização;
4) Do fator emocional.
Em relação ao 1º item, sinto que ainda existe alguma dificuldade em se
diagnosticar o grau de defasagem em que uma criança se encontra.
Apesar dos grandes avanços da Neurologia, e da grande esperança que temos
em suas futuras descobertas, avaliar as funções mentais superiores ainda é uma
incógnita.
Infelizmente, ainda não podemos contar com testes neurológicos que nos
auxiliem efetivamente a compreender a causa dos distúrbios de aprendizagem.
Na prática clínica, recebemos a grande contribuição de Piaget, que nos ajudou a
refletir sobre o desenvolvimento do pensamento infantil.
Piaget nos mostrou a relação entre o caráter simbólico da escrita e o nível de
pensamento operatório - concreto. Entretanto, pude observar que, em muitos casos, o
pensamento lógico - matemático parece não ser o suficiente para que a criança se
alfabetize. Ou ainda, observando exatamente o oposto: crianças alfabetizadas com
dificuldade em executar tarefas da 3ª etapa de Piaget.
7
Além disso, baterias de testes que avaliam a prontidão para a leitura - escrita
parecem fotografar algumas áreas do desenvolvimento infantil (como a lateralidade,
coordenação motora, percepção visual, auditiva, ou mesmo, a própria linguagem oral),
sem atingir o ponto mais importante que me parece ser a capacidade de decodificar os
símbolos da escrita, fazendo a relação letra X som.
Aqui, e como foi visto acima, percebo que a capacidade que a criança tem de
relacionar o símbolo escrito com a fala, muitas vezes não depende de todas as áreas
avaliadas nos testes de prontidão.
Vigotsky (1979) afirma, por exemplo, que “ao aprender a escrever, a criança tem
que se libertar do aspecto sensorial da linguagem e substituir as palavras por imagens
de palavras ... Quando fala, a criança tem uma consciência muito imperfeita dos sons
que pronuncia e não tem qualquer consciência das operações mentais que executa.
Quando escreve, tem que tomar consciência da estrutura sonora de cada palavra, tem
que dissecá-la e reproduzi-la em símbolos alfabéticos.”
A partir de 1970, começaram a surgir trabalhos que tentavam explicar a
aquisição da linguagem escrita em crianças pré-escolares.
Em 1980, começou a ser divulgado no Brasil o trabalho pioneiro de Emília
Ferreiro sobre os processo de aquisição da linguagem escrita em crianças préescolares argentinas e mexicanas, levantando e difundindo suspeitas com relação aos
métodos de alfabetização.
Apoiada em teorias psicolingüísticas de Chomsky, Goodman, Smith, Read e
assumindo a perspectiva da epistemologia genética piagetiana, Ferreiro desenvolveu
uma pesquisa inovadora, pois reveladora de aspectos até então não considerados na
relação das crianças com a linguagem escrita.
Com base numa sólida evidência empírica, e demonstrando uma grande
honestidade intelectual, o trabalho de Ferreiro e Teberosky (1979) aponta várias
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contradições e conflitos, tanto do ponto de vista psicolingüístico quanto do ponto de
vista pedagógico.
As implicações pedagógicas deste trabalho são inúmeras, e as concepções e
preocupações lançadas por Ferreiro começam a fazer parte do discurso oficial no
Brasil.
É interessante notar, no entanto, que simultaneamente a pesquisa de Emília
Ferreiro (1979), estavam sendo desenvolvidas várias outras pesquisas com relação à
aquisição da linguagem escrita em vários países: Mary Clay (1972-75) na Austrália,
começa a organizar e teorizar sobre a produção escrita espontânea de crianças de
cinco anos, investigando também a percepção e interpretação da escrita em livros.
Goodman (1978) investiga a leitura acidental de rótulos de embalagens de
produtos industrializados atentando para as estratégias de interpretação das crianças.
Read (1978) começa a sistematizar os erros ortográficos das crianças
americanas, mostrando a lógica e a coerência dos mesmos.
Foucambert (1978) e Lentim (1979) desenvolvem na França pesquisas sobre o
processo de leitura em crianças pequenas, e sobre procedimentos pedagógicos.
Scribner & Cole (1981) partem para um estudo etnográfico, numa aldeia na
Libéria, procurando entender as condições e os processos de instrução e aquisição da
escrita numa comunidade letrada, mas não escolarizada.
Isto para não falar em estudos anteriores: Gibson & Levin (1976), Lavine (1972),
Freinte (1977) e outros.
Através de trabalhos como estes, começou-se a observar a grande importância
de uma estreita relação entre a criança e o “meio escrito”, antes mesmo do início de
uma instrução formal na escola.
Parece-me, então, que a criança não estará pronta para alfabetizar-se, se não
for motivada a entender a finalidade comunicativa da escrita - para quê e por quê ler? muito antes da classe de alfabetização.
9
A curiosidade e a vontade de ler para adquirir novos conhecimentos são fatores
essenciais para a aquisição da linguagem escrita. Estimulando precocemente esta
postura na criança, estaremos ajudando ao fortalecimento de sua atenção, memória e
consciência metalingüística (habilidade de “refletir” sobre linguagem com a própria
linguagem) nesta área.
Todo este processo de aquisição da linguagem escrita, que nada mais é do que
um processo de comunicação, depende do “outro” para que possa ser caracterizado
como tal.
Nesta visão, fundamenta-se a teoria sócio-interacionista, onde o “outro” interage
e constrói com a criança o conhecimento sobre a escrita, concomitantemente.
Por isso, voltando ao item 2, como alfabetizar uma criança que, apesar de viver
num meio rico em estímulos visuais, escritos, nunca foi despertada e orientada para
compreendê-lo ? Ou ainda, de acordo com o item 3, como criar na criança, em cima
da hora, no C.A., uma postura observadora, aberta à aprendizagem de uma coisa que
não lhe parece nem um pouco familiar - a relação escrita X oralidade?
A escola se mantém enquanto as crianças evadem. Mesmo no contexto das
escolas particulares, a situação não é muito diferente: só que a “evasão” é substituída
pela “mudança de escola”.
Em relação ao item 4, o quadro só tende a piorar. A criança que já chegou a
alfabetização com problemas psicológicos, que a impedem de se alfabetizar, cria uma
maior apatia em relação a escrita, alimentando a falta de interesse para a leitura e um
sentimento de frustração enorme.
A psicologia pode ajudar a fonoaudiologia ? Talvez. Se conseguirmos realizar
um trabalho em conjunto que procure colocar o paciente em prioridade, antes de
interesses pessoais/profissionais, os resultados serão mais eficazes e em menor
prazo.
10
Reflexos de alguns destes questionamentos podem ser observados no
desempenho de crianças das primeiras séries.
Basicamente, estas crianças apresentam apenas noções das funções da escrita
(nomear, identificar, mostrar, indicar, informar e comunicar), sem entretanto receber da
escola auxílio para explorá-las mais eficientemente.
Além disso, as crianças não
revelam “conhecimentos metalingüísticos”, pelo contrário, tentam interpretar, levantando
hipóteses e suposições, que são consideradas como “erros” pela escola. As crianças
usam os termos “letra”, “sílaba”, “palavra”, “oração” aleatoriamente, mostrando não
terem conhecimento sobre isso.
Muitas vezes, as letras são apresentadas pela criança como “desenhos” - “a” é
abelhinha - ou confundidas com sílabas - o “M” não é “eme”, é “ma” de macaco, o que
em muitos casos dificulta a compreensão do mecanismo da escrita, evidenciando uma
grande confusão entre “imagem” e representação gráfica e escrita.
Segundo às escolas, as crianças, num momento inicial de aquisição da
leitura/escrita, perdem o sentido em prol da decifração.
Mas, não deveria ser
exatamente o oposto ? Ela não perdem o sentido, e sim, buscam sempre mais sentido
enquanto decifram ?
Outro ponto diz respeito à interpretação que as crianças atribuem à escrita. As
escolas, muitas vezes, confundem a carência de experiências passadas e
conhecimentos de uma criança com incapacidade mental e motora, servindo de
justificativa para que “não se ensine nada a elas”.
Além disso, a rigidez com relação “ao cumprimento do programa” e aos “erros”
ortográficos, exigindo um padrão de escrita ideal, correta e “adulta”, faz com que várias
crianças sejam avaliadas de forma inadequada.
De uma forma geral, a escola não tem considerado a alfabetização como um
processo de construção de conhecimento nem como um processo de interação, um
processo discursivo, dialógico.
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Emerge, então, a fascinante questão da relação pensamento/linguagem,
procurando trabalhar o processo inicial de leitura e escrita na interdiscursividade, (num
jogo de negociações discursivas e troca de saberes), criando condições para uma
intensa interação verbal, abrindo espaço para a elaboração do diálogo, da narrativa
entre crianças e adultos.
Sendo assim, poderíamos analisar o processo de aquisição da escrita nas
crianças sob três diferentes óticas.
A primeira seria aquela em que as crianças são consideradas “passivas”
durante o aprendizado e suas primeiras tentativas de leitura e escrita não só são
desprezadas como são reprimidas ou proibidas, além de serem avaliadas em relação
a um suposto modelo “correto”, “adulto”.
Esta concepção de aprendizagem baseia-se na repetição, no treino, na
memorização das habilidades perceptuais, motoras, articulatórias e cognitivas (sem
outra função a não ser treinar, copiar, memorizar e reproduzir a escrita).
A linguagem escrita é vista como uma associação entre o fonema e o grafema,
ou seja, a escrita seria a transcrição da fala. E os erros apresentados pelas crianças
seriam sintomas de transtorno perceptual ou cognitivo.
A segunda, que é contrária a primeira, seria a da construção individual do
conhecimento que se dá através da ação do sujeito sobre o meio. Considera a escrita
como um objeto de conhecimento, colocando em evidência a preocupação em se
analisar o “conflito cognitivo” durante a aprendizagem.
Vê a linguagem escrita como um sistema de representação da fala, existindo
uma correspondência entre a dimensão sonora e a extensão gráfica. Analisa a escrita
inicial das crianças em termos de níveis de desenvolvimento, e considera o erro como
parte do processo de construção.
Infelizmente,
as
implicações
pedagógicas
dessa
ótica,
divulgadas
principalmente pelo trabalho de Ferreiro & Teberosky, têm reduzido o ensino da escrita
12
à questão da correspondência gráfico-sonora, categorizando crianças e turmas de
crianças de forma bastante limitada, já que o processo de leitura e escrita abrange
outros aspectos e outras dimensões. É claro que não podemos ignorar o aspecto
cognitivo apontado por Ferreiro, porém devemos levar em consideração toda a
dimensão simbólica pragmática, a dimensão lúdica, dialógica, o processo de
conceitualização e elaboração das experiências, a metalinguagem e o conhecimento
prévio da criança.
A terceira ótica, que incorpora a segunda e a complementa, seria a da
interação, da interdiscursividade, da dependência do desenvolvimento cognitivo ao
aspecto social. A linguagem escrita é vista como um sistema particular de símbolos e
signos, completamente diferente da linguagem oral, por sua estrutura e pelas condições
de produção (quem escreve, para quem, para que, onde, como, por quê?).
A criança atua no próprio processo de construção do conhecimento e traz para o
processo de alfabetização esta bagagem previamente construída em práticas
discursivas.
Sua atividade mental não se restringe a uma atividade cognitiva, no sentido da
estruturação piagetiana, transformando-se em atividade discursiva, que implica a
elaboração conceitual pela palavra.
Assim ganham força as funções interativa,
instauradora e constituidora do conhecimento pela escrita.
Nesse sentido, a
alfabetização é um processo discursivo: a criança aprende a ouvir, a entender o
outro pela leitura; aprende a falar, a dizer o que quer pela escrita. Mas para
aprender, a criança tem que praticar, usar, fazer, conhecer. Enquanto escreve,
ela aprende a escrever e aprende sobre a escrita.
Neste processo discursivo, onde se desenvolve a alfabetização, levantam-se
questões vindas das concepções de linguagem de Piaget e Vygotsky.
Vygotsky contesta e discute a explicação piagetiana da fala inicial, egocêntrica,
aproximadamente entre os 3 e 7 anos, dizendo que o discurso egocêntrico da criança é
13
uma forma de processar o discurso social, e constitui, fundamentalmente, um período
de transição do “discurso social” externo para o discurso interno.
Ao invés de
considerar o movimento de socialização da fala individual, como Piaget, Vygotsky
argumenta que o que se dá é a internalização do discurso social e a sua transformação
em discurso interior.
Smolka (1993), partindo do princípio de Vygotsky que afirma que a linguagem
egocêntrica seria um “período de transição” do discurso social para o discurso interior,
levanta outra questão: crianças que “não falam”, que são consideradas “pouco verbais”,
não elaboram um discurso interior ? Não internalizam o discurso social? Ao invés
então de dizer que o discurso egocêntrico “precede” o discurso interior, não
poderíamos dizer que ele justamente indica, revela (não apenas no sentido do
egocentrismo e da irreversibilidade lógicas como Piaget propõe, mas no sentido das
inúmeras possibilidades de articulação e visão do mundo) a elaboração do discurso
interior?
Neste ponto, poderíamos traçar um paralelo entre discurso social, discurso
interior e discurso falado e escrito - por que não dizer que todos interagem entre si e se
constituem?
A criança nasce com capacidade mentais. Interage com o meio, o que estimula
o seu desenvolvimento cognitivo/lingüístico. A criança revela o desenvolvimento de seu
pensamento através do discurso (que não precisa ser só o egocêntrico, pois com
menos de 1 ano, a criança já faz “relação” com o outro, trocando conhecimentos). Ou
seja, a criança já vai tendo um discurso social que revela o seu discurso interior. Este
discurso interior não é apenas o reflexo, o espelho, a xerox do meio, mas também
todas as “relações” que são feitas a partir do que se aprende. A criança raciocina, e
cria novos conhecimentos que não necessariamente foram recebidos do meio. Este
discurso social, representado pela linguagem oral e escrita da criança, ajuda à
organização do pensamento, do discurso interior, reorganizando a realidade de outras
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formas. Sendo assim, a linguagem oral e a leitura-escrita transformam e constituem o
pensamento (discurso interior), que numa segunda etapa, transforma e constitui a
linguagem oral e a linguagem escrita.
Todo este processo só pode ocorrer pois a criança vai adquirindo,
gradualmente, o caráter simbólico, numa busca permanente pelo significado. Assim,
numa fase inicial da escrita, a criança deve soltar a imaginação e sentir-se motivada a
passar para o papel aquilo que ela quer comunicar, buscando o sentido que ela quer
dar ao texto. Isto pode ser observado, quando a criança escreve espontaneamente o
que quer dizer, contar, narrar. As crianças não escrevem, neste caso, frases curtas e
fáceis.
São relatos do cotidiano, registrados em extensas frases, apesar de
apresentarem características pré-silábicas, silábicas ou alfabéticas. Ao contrário do
que é observado num ditado, por exemplo, onde existe a preocupação em fazer
correspondência entre a dimensão sonora e a extensão gráfica.
Outro ponto a ser levantado, é que o trabalho simbólico da escritura é
monitorado pela linguagem oral, num processo discursivo, dialógico. Falando enquanto
escreve, a criança usa recursos orais como repetições, retornos e alongamentos na
busca do significado.
Quando ela fala, pensa, escreve, ouve-se falando, vai
organizando e reorganizando o pensamento pela fala, operando a oralidade e a escrita,
adquirindo uma nova forma de dizer, dando objetivo às idéias. Observa não só o
aspecto comunicativo do processo, como também o aspecto intelectivo, regulativo, na
medida em que um outro “eu” começa a se desdobrar e a se refletir. O “outro” de
Vygotsky, assume, assim, vários sujeitos:
vozes internalizadas (reproduzidas pela
criança) - vozes da professora, da escola, do grupo ... vozes de leitor, escritor, autor,
narrador, protagonista ...
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Escolhi o tema reflexões sobre os distúrbios de leitura-escrita na alfabetização
pois sentia a necessidade de aprofundar meus conhecimentos na área, buscando
proporcionar a meus pacientes uma terapia cada vez mais rica e qualificada e que os
proporcione maior prazer e rapidez de tratamento.
A decodificação do alfabeto não é conquista fácil para crianças que lutam, com
sua percepção falha, para compreender a relação letra X som, e chegam em nosso
consultório com o semblante triste, com um ar derrotado, cansadas de conviver com o
fracasso de compreender signos lingüísticos, cheios de informações tão almejadas,
porém inatingíveis.
Trabalhar os distúrbios de linguagem em crianças na alfabetização me fascina,
pois na busca de uma solução para o problema das crianças, proporcionamos a elas a
descoberta de muitos conceitos, que as fazem reagir e encontrar um mundo novo e
estimulante.
Sinto que muitas descobertas ainda estão para serem feitas em relação a todos
os fatores que são responsáveis pelo processamento do pensamento, da inteligência e
das funções mentais superiores.
Mas gostaria de finalizar, reforçando a minha
convicção e crença de fazer nascer nas crianças a verdadeira motivação para aprender
a ler e escrever, e dizer que o aprendizado deve fluir naturalmente, sem imposições,
mas com interação onde a criança e o(s) outro(s) promovam, construam, desenvolvam
o conhecimento.
Como fonoaudiólogos, cabe a nós intervirmos junto às escolas e à sociedade,
no sentido de formar essa nova mentalidade, colaborando para minimizar as grandes
dificuldades de aprendizagem de leitura-escrita na alfabetização.
16
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. CASTRO, A.N. Fundamentos da lingüística.
São Paulo, 1996.
[Tese -
Faculdades Integradas Simonsen, CEPEP].
2. CONDERMARIN, M & BLOMQUIST, M. Dislexia: manual de leitura corretiva.
Porto Alegre, Artes Médicas, 1986, 143p.
3. COSTA, V.A.M. & NÉSPOLI, Z.B. Dificuldades de aprendizagem. São Paulo,
1996. [Tese - Faculdades Integradas Simonsen, CEPEP].
4. FERREIRO, E. & TEBEROSKY, A. Psicogênese da língua escrita. Porto Alegre,
Artes Médicas, 1985, 283p.
5. GREGOIRE, J & PIERART, B. Avaliação dos problemas de leitura: os novos
modelos teóricos e suas implicações diagnósticas.
Porto Alegre, Artes
Médicas, 1997, 261p.
6. MORI, N.N.R. Caminhando com a 1ª D no Universo da linguagem escrita: uma
experiência de alfabetização com repentes. São Paulo, 1990. [Dissertação Mestrado - PUC/SP].
7. SMOLKA, A.L.B. A criança na fase inicial da escrita: a alfabetização como
processo discursivo. São Paulo, Papirus, 1989, 135p.
17
8. ______________. A linguagem e o outro no espaço escolar: Vygotsky e a
construção do conhecimento. São Paulo, Papirus, 1993, 177p.
9. TEBEROSKY, A. Psicopedagodia da linguagem escrita. São Paulo, Trajetória
Cultural, 1993, 148p.
18
ANEXO
19
Sugestões de atividades que estimulem a criança a ler e escrever:
1 - O terapeuta deve trazer o material escrito (CRACHÁS, CALENDÁRIO, LIVROS,
REVISTAS, BILHETES, RÓTULOS DE PRODUTOS, EMBALAGENS, etc. ...) para
dentro do consultório. Encorajar a criança a ler e falar sobre o material escrito.
2 - Incentivar a criança a ler e ouvir a literatura adequada a sal idade. Ex.: Coleção
Gato e Rato, Editora Ática. A fono lê uma página, a criança lê a outra e assim por
diante. A fono, ao término da história, faz perguntas sobre o texto e pede que a criança
conte as suas próprias experiência com animais.
3 - Pedir para a criança folhear a revista e recortar alguma coisa que lhe agrade.
Depois de colar a figura, ela escreve a justificativa embaixo.
4 - Criança deve escrever uma frase referente à história que leu.
5 - Escrever e depois desenhar, ir contando para fono sobre a história ou desenhar e ir
contando a história e depois escrever sobre ela.
6 - Listas de palavras construídas a partir de atividades vivenciadas na sessão.
Exemplo: neste caso as palavras se referem a uma receita para fazer bolo e uma lista
de frutas para uma salada de frutas. Estas listas não precisam ser obrigatoriamente
ditadas pela fono. Os 2 podem pensar juntos nos ingredientes.
20
Bolo:
Salada de Fruta:
Banana
Farinha
Pêra
Açúcar
Laranja
Ovo
Maçã
Leite
Uva
Nescau
Manga
Manteiga
Melancia
7 - Elaboração de uma entrevista com alguém famoso. A criança vai ser o repórter e
tem que pensar nas perguntas que vai escrever. A criança pode sugerir alguém (Xuxa,
Faustão, Romário, Papa,...). Basta que algo daquilo que se pretende referir esteja
escrito. Por exemplo: Se a pergunta for: “Você gosta de queijo?” a criança pode
colocar só: “QUE”, desde que quando ela olhar para aquilo ela lembre qual era a
pergunta.
8 - Loto de palavras.
9 - Procurar em revistas palavras que conheça, para depois recortar e colar.
10 - A criança conta uma história vivenciada por ela, para a fono e depois escreve.
Logo após, a criança lê o material concluído. Incentivar que a criança escreva sobre
aspectos interessantes do seu cotidiano. Apoio: Gravação ou vídeo.
21
11 - Elaborar um quadro junto à criança sobre sua rotina diária. A fono pode escrever
(se estiver difícil para criança). Depois a fono pergunta: 2ª feira à tarde o que você faz?
E 3ª feira pela manhã e 5ª feira à noite? OBS: Procurar atividades extracurriculares
como ponto de referência.
QUADRO DA SEMANA
Manhã
Tarde
Noite
Segunda-feira
Terça-feira
Quarta-feira
12 - No início da sessão, perguntar que dia é hoje? Que dia foi ontem? Que dia será
amanhã? Agora é manhã, tarde ou noite? É antes ou depois do almoço? É antes ou
depois do café da manhã? Que horas são? Tentar fazer a criança escrever números.
13 – Se a criança sente muita dificuldade em ler um livrinho infantil, a fono pode ir lendo
para ela. Depois a fono dá o livro e pede que copie 10 palavras (por exemplo) do texto,
que ela conheça, enquanto depois vai contando a historinha para fono.
14 – A fono e a criança conversam sobre várias figura, em cima da mesa. Vão criando
uma história onde cada figura vai aparecendo e desenvolvendo ações interligadas. Em
seguida a fono escreve palavras e pede para criança achar as figuras correspondentes.
15 - A fono pede para criança olhar, durante o tempo de 1 ampulheta, uma figura (cheia
de detalhes). Depois a criança deverá falar o nome de 6 coisas que viu na figura,
enquanto a fono escreve as palavras que a criança disse além de outras que não tem
22
relação com a figura.
A seguir, a criança vai checar, lendo e verificando quais
palavras estão certas.
16 - Escrever uma lista de material necessário a ser levado numa pescaria. A criança
deve criar e soltar a imaginação. A fono dará o padrão correto ajudando a criança no
caso de qualquer erro.
PESCARIA:
Vara
Anzol
Linha
Minhoca
Balde
17 - Inventar palavras com um jogo de letras de madeira ou de borracha.
18 - Inventar palavras com dados de letras.
19 - NA CORREÇÃO, a terapeuta pode dar o modelo certo. O ideal é a terapeuta
desfazer o que fez e pedir para a criança refazer, desta vez, sozinha.
20 - Combinar com a criança para escrever as regras de um jogo. Deverá ser uma
explicação bem clara, para que um leitor desconhecido da criança possa entender.
Ex.:
Como funciona o jogo OLHO VIVO?
Como funciona o jogo SENHA?
Como funciona o BANCO IMOBILIÁRIO?
Como funciona o jogo MEMÓRIA?
23
Como funciona o jogo DOMINÓ?
21 - Usar o artifício: FINGE, FAZ DE CONTA, que a gente vai escrever ...
22 – Utilizar a escrita da criança para organizar seus próprios trabalhos.
23 – Apresentar o alfabeto a criança e soletrar o nome das letras que ela não sabe: ele,
esse, ême, agá, jota ... (é importante falar o nome da letra e não “MA”: de macaco,
“PA”: de pato).
24 - O terapeuta escreve, na frente da criança, o diálogo que está tendo com ela.
25 - Organizar exercícios de escritura que criem a curiosidade, a surpresa e a
motivação na criança.
26 - Deixar a criança livre, inicialmente, para escrever com a letra que ela quiser (de
imprensa, geralmente).
27 - Ler uma história e escrevê-la em seguida para que a criança veja como se
manuseia os signos. Depois, ela pode ler e corrigir a terapeuta, se achar conveniente.
A criança pode ter no terapeuta um espelho do que ela vai ser no futuro.
28 - Orientar a família no sentido de criar em casa um ambiente prazeroso, estimulando
a leitura de livrinhos infantis, a criação de bilhetinhos para o pai, a mãe, a irmã ...
29 - Brincar com a criança, fazendo de conta que ela é um garçom e vai anotar o seu
pedido num restaurante.
24
30 - Colar uma gravura no caderno e falar para criança: finge que a gente vai escrever
uma frase sobre isso. (Mesmo que a criança ainda não saiba ler e escrever, não
haverá problema se a sua produção escrita se restringir a apenas riscos. O importante
é que, numa fase inicial de escrita, a criança saiba o significado do que escreveu).
31 - Brincar com a criança com seqüência lógicas de figuras, explorando o diálogo.
a) Embaralhar as peças, retirar uma e pedir pra criança escrever, descrevendo
qual a peça que está faltando.
b) Escrever uma história a partir do que foi explorado anteriormente.
32 - Ler uma historinha até uma parte, e pedir para a criança escrever o final da
história. Falar para a criança:
— E então ...
33 - Mandar a criança ler. Se chegar numa palavra que ela não conheça, pular.
Quando chegar no final da leitura, perguntar:
— Deu para você entender o que leu? ..... Não! Então é porque aquela palavra é
importante! Vamos voltar para o início da frase e ler tudo para entender.
34 - Contar e escrever sobre: um sonho, um filme, um pesadelo.
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escrita na alfabetização