A PARTICIPAÇÃO E A EMERGÊNCIA DE MULHERES NAS ORGANIZAÇÕES COMUNITÁRIAS EM BLUMENAU: UMA EXPERIENCIA VIVENCIADA NAS COMUNIDADES DAS RUAS PEDRO KRAUSS SENIOR E BRUSQUE /BLUMENAU – SC 1 Cleide Terezinha de Oliveira2 Reidy Rolim de Moura3 Falar sobre questões de gênero, numa primeira análise pode parecer simples, porém, este assunto trás discussões ainda muito recentes e que causam um certo estranhamento, pois, revela paradigmas sobre o papel de ser homem ou ser mulher influenciados por padrões estabelecidos culturalmente. Discutir questões ligadas às relações de gênero implica em rever as relações de poder entre homens e mulheres. Certos papéis sociais de ser homem ou ser mulher estão tão naturalizados que os cumprimos sem questioná-los, como se fossem parte da natureza humana e não pudessem ser transformados. Tradicionalmente, nos modelos de sociedades patriarcais, as mulheres são alijadas do processo e da tomada de decisões em todos os sentidos, pois não são consideradas “capacitadas” para gerir suas próprias vidas. Quando estuda-se as relações de gênero e como estas se estabelecem, observa-se que em geral, homens e mulheres não têm as mesmas oportunidades, principalmente no que se refere ao papel desempenhado por um ou outro em seu grupo social. Ao analisar-se o contexto cultural que constitui a história da maioria das mulheres, incluindo a nossa, perceber-se-á que quando crianças foram educadas para obedecer ao patriarca (pai, avô ou até o irmão mais velho na ausência dos 1 Este artigo é uma síntese do trabalho de conclusão de curso apresentado para apreciação em banca em Julho de 2005, obtendo nota 10,0. 2 Acadêmica - formanda do curso de Serviço Social da Universidade Regional de Blumenau. Endereço Rua Roberto Bugmann, 304 – Progresso – CEP 89027-380 – Blumenau/SC. e-mail: [email protected] telefone: (47) 336-6931/ (47) 91156453. 3 Doutoranda do Programa de Pós Graduação em Sociologia Política da Universidade federal de Santa Catarina; Professora do Departamento de Serviço Social da Universidade Regional de Blumenau. Endereço: Rua Videira, 61 (ap 201), Bairro Vila Nova – Blumenau-SC, CEP: 89035-235. E-mail: [email protected] Fone: (47)9106-3497. anteriores) da família, e mais tarde, pelo exemplo da mãe (com raras exceções é claro), a ser submissa às ordens do marido, levando-as assim, a se posicionarem à parte das discussões e tomadas de decisões, mesmo que estas digam respeito a elas, seus anseios e desejos. (SOUZA LOBO, 1991). Entretanto, este quadro vem se modificando, no sentido em que as mulheres vêm cada vez mais se destacando nas diversas organizações e espaços da vida social, que vem se configurando muitas vezes num processo de empoderamento, partindo do pressuposto que empoderar-se significa exercer escolhas de acordo com seus anseios e necessidades com autoconfiança e acréscimo de poder (LISBOA, 2003; FRIEDMANN, 1996). Nesse sentido, a partir de uma experiência de estágio no Projeto de extensão: Assentamentos Humanos Populares da FURB – Fundação Universidade Regional de Blumenau, na Comunidade da Rua Pedro Krauss Sênior na cidade de Blumenau/SC durante o período de março de 2003 a junho de 2004, foi possível perceber a peculiaridade de uma representação comunitária que apresentou como protagonistas às mulheres, trazendo indícios de um rompimento com o perfil de lideranças masculinas das tradicionais associações de moradores em Blumenau, onde a mulher, com raras exceções, ainda ocupa os bastidores das associações de moradores, em funções ligadas à parte social ou a cozinha das mesmas. Este trabalho teve como objetivo evidenciar e discutir a participação e a emergência de mulheres como lideranças nas organizações comunitárias das Ruas Pedro Krauss Sênior e Brusque em Blumenau/SC, bem como, visualizar as formas de participação e as posições ocupadas pelas mulheres nestas organizações comunitárias, além de evidenciar as relações de gênero, nesse contexto, percebendo um possível processo de empoderamento destas mulheres. Metodologicamente, realizou-se uma pesquisa qualitativa, fundamentada em estudo exploratório sobre dados obtidos a partir de fontes primárias e secundárias. Realizou-se pesquisa de campo, na qual o instrumento de coleta de dados foi à entrevista estruturada, bem como levantamento bibliográfico e documental. O universo da referida pesquisa foram os membros da Associação de Moradores da Rua Pedro Krauss Sênior e Adjacências. No momento da pesquisa de campo ampliou-se o universo para mais uma associação de moradores: Rua Brusque e Transversais – AMORBRUT, objetivando buscar dados que possibilitassem maior visibilidade sobre esta realidade nas associações de moradores em Blumenau/SC. A amostra foi composta por sete pessoas, 2 (dois) homens e 2 (duas) mulheres na Associação da Rua Brusque e 2 (duas) mulheres e 1 (um) homem, na Associação da Rua Pedro Krauss Sênior e Adjacências. No que se refere aos resultados da pesquisa, um primeiro fato que se destacou foi que referente ao papel ocupado pelas mulheres na organização comunitária, através das falas das entrevistadas foi possível perceber que estas têm clareza do papel que exercem junto à associação de moradores, e sentem-se bem à vontade no cumprimento do mesmo. Revelou-se também que para estas mulheres, não há mais nenhum estranhamento em relação a sua presença neste espaço. Esta nova configuração das associações de moradores rompe com o tradicional formato dado pela sociedade patriarcal às organizações comunitárias, ou seja, ao espaço público. Já para os homens, parece haver uma necessidade de justificativa para a mulher estar ocupando este espaço, afirmando a presença da mulher na associação como algo incomum. Esta conotação pôde ser percebida na fala dos entrevistados, que não apenas relataram o cargo ocupado por uma mulher na associação da qual fazem parte da diretoria, mas também, na ênfase que os mesmos dão ao justificar que a mulher cumpre bem a tarefa que o cargo lhe atribui. Outro fato importante foi à configuração da participação nas organizações comunitárias, que apareceu de três formas na visão das mulheres: uma primeira coloca que a mulher participa mais por pensar na família, por ter o “dom” de ser mãe, o que acaba reforçando o pensamento machista de que lugar da mulher é no espaço privado, cuidando do marido, dos filhos e da casa. Conforme Perrot (1998, p.9), “A mulher foi criada para a família e para as coisas domésticas. Mãe e dona de casa, esta é a sua vocação e nesse caso ela é benéfica para a sociedade inteira”. Uma segunda visão foi o fato de que a mulher participa mais, pois o homem geralmente participa quando é oferecido algo que é comum ao sexo masculino; e uma terceira visão traz a cena um indício de um processo de empoderamento, na qual a mulher vem ganhando a cena social de forma perspicaz, afirmando que os homens ainda estão à frente, mas que as mulheres já estão ocupando os mesmos espaços assumindo as mesmas responsabilidades. A pesquisa apresenta ainda que as mulheres ocupam cargos de presidente, vice-presidente e primeira secretária, além de cargos no conselho fiscal. Para os homens, esta aceitação da mulher no espaço público não acontece da mesma forma, alguns ainda percebem com um certo estranhamento o fato de a mulher estar adentrando a este espaço. Alguns ainda vêm à mulher no espaço da associação como aquela que cumpre papéis ligados à organização de festas, ações de caridade e atividades domésticas, ou seja, aos bastidores da mesma. Ficou claro que as mulheres lideres na comunidade primam por uma relação transparente e democrática na organização comunitária. Estas mulheres buscam incentivar a participação coletiva e legítima dos moradores, tanto nas discussões, quanto nas decisões a serem tomadas. Evidenciou-se a partir deste estudo uma significativa mudança na configuração da organização comunitária local, percebendo assim a emergência da mulher no espaço público. Esta afirmação deve-se ao fato de que a mulher tem se mostrado cada vez mais interessada pela vida pública, e, para tanto, tem buscado sua inserção neste espaço através das associações de moradores. Partindo para uma conclusão, durante a pesquisa foi possível perceber que as mulheres entrevistadas vêm rompendo com paradigmas machistas a muito arraigados em nossa sociedade. Estas mulheres não se calam diante das desigualdades de gênero, ao contrário, vão a luta e provam que são capazes de conduzir uma associação de moradores de forma democrática, e com uma participação efetiva dos moradores. Demonstram ainda ter conquistado a confiança da maioria da comunidade, pois em uma das diretorias estudadas, as mulheres já estão em sua segunda gestão, o que confirma esta confiança depositada pela comunidade em seu trabalho frente à diretoria da associação de moradores. Nesta perspectiva é possível perceber a necessidade e urgência de implantação e/ou implementação de políticas públicas voltadas para este segmento, com caráter de incentivo a inserção da mulher no espaço público, e que possibilitem o empoderamento destas atrizes sociais. É desnecessário dizer que estas políticas devem ser implantadas e/ou implementadas a partir das necessidades apresentadas por este segmento, e não de forma autoritária (de cima para baixo) como estamos habituados a presenciar. Entende-se que, quanto mais discutido este tema for, mais transformações serão possibilitadas. É imprescindível que a mulher reescreva sua história se colocando nem acima, nem abaixo, mas lado a lado com o homem no cenário social. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: FRIEDMANN, John. Empowerment: Uma Política de Desenvolvimento Alternativo. Oeiras: Ed. Celta, 1996. LISBOA, Teresa Kleba. Gênero, classe e etnia: Trajetórias de vida de mulheres migrantes. Florianópolis: Ed. da UFSC/ Chapecó: Ed. Argos. 2003. OLIVEIRA, Cleide T. de. A participação e emergência de mulheres nas organizações comunitárias em Blumenau: uma experiência nas comunidades das Ruas Pedro Krauss Sênior e Brusque/Blumenau-SC. Departamento de Serviço Social, FURB-Fundação Universidade Regional de Blumenau, 2005. Trabalho de Conclusão de Curso. PERROT, Michelle. Mulheres públicas. Tradução: Roberto Leal Ferreira, São Paulo: Fundação Editora da UNESP, 1998. SOUZA-LOBO, Elizabeth. A Classe Operária Tem Dois Sexos: Trabalho, dominação e resistência. São Paulo: Brasiliense, 1991, p. 179.