sala de aula sala de aula é possível? Uma postura crítica, mas proativa Devemos salvar o planeta! Com o desenvolvimento da Revolução Industrial (séc. XVIII) houve uma aceleração no ritmo de fabricação dos bens de consumo e de produção. A Civilização Ocidental alcançava seu maior desenvolvimento material, mas a que custo? Essa pergunta é muito recente na história da humanidade. Na década de 60, movimentos conhecidos como Beatniks, Hippies, Contracultura, cada qual de seu jeito, questionaram o “modo de vida ocidental”, e seus padrões, entre eles o padrão de consumo. Em 1972, de maneira mais sistemática, a Conferência de Estocolmo produziu a “Declaração do meio ambiente humano”, que estipulava alguns princípios para a questão ambiental. Observa-se que vinte anos depois, a Conferência Rio-92 deu continuidade e atualizou as questões formuladas em Estocolmo. De uma maneira geral, as discussões mais populares e 20 julho 2009 . contemporâneas sobre o meio ambiente afloraram nos anos 80 do século passado. As passeatas e manifestações contra a energia nuclear e sua ameaça mais contundente à guerra nuclear, num mundo ainda ameaçado pela Guerra Fria. Pode-se dizer que os grupos ambientalistas se fortaleceram nesse período. Hoje, os movimentos ambientalistas se utilizam de diversas práticas para promover a sua causa, desde militância político-partidária, organizações com finalidade educativa até as organizações de enfrentamento. O pensamento “verde” ganhou espaço na Europa, se sobrepondo às tradicionais questões políticas que se dividiam entre “esquerda” e “direita”. Garantir a vida na Terra, na pauta política dos partidos políticos tradicionais, estava descolado de qualquer relação ambiental, tanto o capitalismo quanto o socialismo partiam da premis- Walfrido S. de Oliveira Junior Assessor de História, Filosofia e Sociologia da Editora Positivo [email protected] A formação do consumidor consciente como desafio escolar © ilustrações: Thais beltrame A sustentabilidade sa que, para garantir o bemestar humano, se utilizavam os recursos naturais sem qualquer preocupação de preservação. Com o que se preocupavam (se preocupam) os “verdes”? Preservar os recursos naturais para que as gerações futuras tenham condições de viver no planeta Terra. Qual o papel da escola neste processo de repensar os atuais padrões de produção e de consumo na nossa sociedade a medida que, se a utopia da humanidade for a de elevar o padrão de existência material aos níveis dos países ricos, então necessitaremos de outras “Terras” para suprir a demanda por recursos naturais? Pode-se pensar uma sociedade organizada com outros valores? Sempre é possível fazer isso. A escola pode, e deve ser o espaço para germinar a utopia da sustentabilidade. Uma sociedade em que o ser humano se veja como parte do ecossistema e não como predador dele. Uma sociedade que valorize a simplicidade e não a ostentação. Uma sociedade em que os valores humanos sejam superiores aos valores de mercado. Para começar a desenvolver ações de consumo sustentável deve-se perguntar se as práticas econômicas são: a) ecologicamente corretas; b) economicamente viáveis; c) socialmente justas; d) culturalmente aceitas. Salvar o planeta! Para tanto é fundamental refundar a humanidade, com outros valores e outra percepção sobre si e sobre sua relação com a Terra. Menos de 30% da população mundial possui condições de consumir além das necessidades básicas – somente no Brasil são aproximadamente 165 milhões de excluídos. Enquanto isso, a pressão ambiental exercida pela minoria compradora já se mostra suficiente para exaurir as reservas naturais e inviabilizar os ciclos de renovação dos recursos do planeta. Desde os apontamentos dos primeiros relatórios do PNUD* e WWI** é sabido que a manutenção desse modelo tem acentuado as desigualdades sociais e empurrado o ambiente ao colapso. O aquecimento global e a violência urbana são apenas dois exemplos de impactos de nosso culto ao consumo. Mas quais seriam então as atitudes e os hábitos necessários para atenuar os resultados de nossas atividades de consumo? A resposta fundamental tem sido exercitar o consumo sustentável e/ou construir condições para tanto. Um consumidor sustentável – ético, consciente e responsável – seria alguém que entende o consumo como parte da dinâmica da vida social, sem ignorar que a vida biológica está em risco por conta do consumismo; que contempla em suas decisões de compra aspectos ligados não apenas ao usufruto, mas também à produção e ao descarte dos bens e serviços; e que questiona criticamente às necessidades criadas (ou impostas) pela publicidade. Para formar esse tipo de cidadão não há veículo de significação social com poder comparável à escola. Nela, os alunos vivenciam tudo do fazer cotidiano, inclusive o consumo, e tais vivências, se refletidas, tornam-se experiências de vida que carregarão consigo para sempre. As possi- bilidades de leitura da realidade socioambiental e a construção de instrumentos para intervenção consolidam-se como função da educação formal, de forma que uma instituição escolar que se preza contemporânea não pode privar-se da discussão sobre os hábitos de consumo das crianças, jovens e adultos que a fazem. No ensino das ciências, consumo sustentável não se define apenas como um conteúdo novo, senão que demarca novos significados para conteúdos clássicos. Não há mais como ensinar fluxo energético, biodiversidade, ecossistemas, recursos naturais, alimentação e até sexualidade sem tomar entre os objetivos as conexões desses temas com nossos hábitos de compra. Os desequilíbrios ecológicos, a poluição do ar, a água e o solo, e mesmo nossos conceitos de beleza recebem agora as marcas da publicidade e das pressões sociais pelo consumismo. Outras áreas do saber como a Matemática, a Geografia, a História, o Português e as Artes ganham força como parceiras em articulações interdisciplinares. Respectivamente, os estudos de dados da economia doméstica, a análise da transformação do espaço natural e social pelas formas de produção e descarte, os significados das alterações históricas, atividades sociais e a análise das linguagens utilizadas nas peças publicitárias são algumas das relações que se pode tecer. Para o trabalho de sala de aula destacam-se estratégias como pesquisas direcionadas aos hábitos de consumo dos alunos e suas famílias, saídas a campo e estudos de cenários como feiras livres, supermercados e centros de compras, investigações de ciclo produtivo e de bens materiais presentes na escola, encenações teatrais envolvendo produtos e serviços fictícios, até questionamentos coletivos dos padrões e significados dos hábitos de consumo da turma. São atividades como essas que abrem espaço para que os já sinalizados conhecimentos específicos das disciplinas escolares sejam reivindicados como instrumentos de interpretação e análise. Por fim, ao constatarmos que o consumo também carrega em si o significado de status e realização pessoal, e que isso favorece um panorama ambiental e social insustentável, a temática do consumo atinge a escola não mais apenas como uma questão de cidadania, mas de sobrevivência. *Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. (1998). Relatório do desenvolvimento humano. Disponível no: http://www.pnud.org.br/rdh/ rdh98/index.php **Worldwacth Institute. (2000). State of the world. Disponível no: www.worldwatch.org Marcelo Valério Assessor de Ciências da Natureza e Biologia da Editora Positivo [email protected] . julho 2009 21