AS CONTROVÉRSIAS NA SEGUNDA FASE DO TRIBUNAL DO JÚRI APÓS A EDIÇÃO DA LEI 11.689/08 Autor: EDUARDO BRONCHTEIN Professor Orientador: FELIPE MACHADO CALDEIRA Instituição: IBMEC-RJ. Resumo: A finalidade deste artigo é realizar uma análise crítica das inovações oriundas da Lei 11.689/2008 no Tribunal do Júri, especialmente no tocante ao questionário destinado aos jurados, na segunda fase do procedimento, bem como suas controvérsias, através de uma interpretação em conformidade com os preceitos previstos na Constituição Federal de 1988. Palavras Chave: Tribunal do Júri; Lei 11.689/2008; Controvérsias. INTRODUÇÃO: O presente artigo encontra amparo na seara processual penal, bem como na Constituição Federal de 1988, notadamente na instituição do Tribunal do Júri, também conhecido como Tribunal Popular, cuja competência não é definida pela Lei Federal Ordinária, mas pela própria Constituição Federal, como órgão responsável pelo julgamento dos crimes dolosos contra a vida. Visa-se abordar as principais controvérsias oriundas da modificação da sistemática do questionário destinado aos jurados, que persistem até os dias de hoje, cerca de cinco anos após a edição do diploma legal. Além da comparação com a previsão normativa anterior, o que parece inevitável, far-se-á uma análise de forma crítica estas controvérsias, indicando as diversos entendimentos doutrinários e jurisprudenciais, bem como tentaremos indicar a melhor solução para a sua pacificação, sempre com base em uma interpretação conforme à Constituição Federal de 1988. 1 - DA CONSTITUCIONALIDADE DO QUESITO ABSOLUTÓRIO: A partir da nova sistemática adotada pela Lei 11.689/2008, uma vez ultrapassados os quesitos referentes à materialidade delitiva e autoria, torna-se necessária a indagação do terceiro quesito, absolutório, consistente na seguinte questão: “O jurado absolve o acusado?”. Em que pese ter o legislador elaborado este quesito com o objetivo de simplificar a sistemática anterior, fato é que parte dos juristas se manifestou contrariamente à sua adoção, pois condensa todas as teses defensivas arguidas em plenário, ao contrário do que era previsto na quesitação anterior, em que cada tese defensiva deveria se consubstanciar em quesitos individuais. Dentre aqueles que são manifestamente contrários ao novo quesito absolutório, temos Luiz Flavio Gomes1 que, em obra coletiva com Rogério Sanches Cunha e Ronaldo Batista Pinto, afirma que todas as teses defensivas devem ser indagadas separadamente, mantendo-se, neste aspecto, a forma ultrapassada. Em suas razões, menciona que desta forma o órgão acusador poderia conhecer as razões da improcedência de seu pedido condenatório, possibilitando, assim, subsidiar eventual recurso a ser impugnado. Marcio Schlee Gomes2, em artigos específicos sobre o tema, sustenta a absoluta inconstitucionalidade do quesito absolutório, por violação aos princípios constitucionais relativos ao Tribunal do Júri, bem como aos direitos fundamentais dos próprios cidadãos. De acordo com o referido jurista, como na nova sistemática as teses defensivas não seriam indagadas individualmente, mas apenas através do “tal” quesito genérico, o Ministério Público estaria sendo tratado com disparidade, bem como estaria impossibilitado de recorrer no caso de absolvição quando alegada mais de uma tese 1 In Comentários às reformas do Código de Processo Penal e da Lei de Trânsito. 1ª edição; São Paulo: Ed. RT; 2008. Pg. 222-223. 2 In A inconstitucionalidade da quesitação na reforma do júri. Arts. 482 e 483 da Lei nº 11.689/08 e Críticas à nova quesitação do Júri. Revista do Ministério Público do RS. Porto Alegre, n. 62, nov. 2008 – abr. 2009. Pg. 45 – 67. defensiva, o que também acarretaria em violação ao princípio do contraditório. São as suas palavras: A defesa, então, poderia alegar inúmeras teses, sem qualquer compromisso (pois não serão votadas as teses), havendo clara disparidade com a atuação certa da parte contrária, e, pior, absolvido o réu, mesmo que registradas as teses defensivas em ata, o Ministério Público não terá como “adivinhar” qual a tese que foi acolhida pelos jurados... Simplesmente, o Ministério Público ficará sem possibilidade de recorrer da decisão do Júri... [...]. Além disso, afirma o aludido autor que este quesito absolutório, em havendo inúmeras teses defensivas e restando absolvido o acusado, impossibilitará o próprio Tribunal de Justiça de analisar o recurso acusatório, criando uma soberania absoluta da decisão dos jurados. Indica, ainda, que este novo quesito possibilitará a absolvição por uma “maioria fictícia”, o que constituiria uma nítida injustiça. Caso a defesa, por exemplo, alegasse sete teses absolutórias distintas, e o jurado acolhesse cada um, uma das teses alegadas, teríamos uma maioria formada por apenas um voto, e não uma maioria de quatro, conforme prevê a nova sistemática. No mesmo sentido é o pensamento de Vidal3, que afirma que a unificação das teses defensivas em um único quesito impede a formação da verdadeira maioria, trazendo vantagens ao acusado, bem como dificulta a compreensão do fundamento decisório adotado pelo Conselho de Sentença. E assim se manifesta: [...] a dúvida que impedia absolver na primeira tese cede diante da percepção de que outros assim já pensavam, e assim sucessivamente, até aque no exame da segunda ou terceira tese surge a maioria... [...]... impede o controle de verossimilhança da decisão condenatória coma prova dos autos, de modo que veda o julgamento do recurso de apelação do acusado em termos adequados [...]. 3 Luiz Fernando Camargo Vidal. In Três reflexões sobre o novo processo do Tribunal do Júri. Boletim IBCCRIM, São Paulo: IBCCRIM, v.16, n°188, Julho 2008. Seguindo esta corrente desfavorável ao terceiro quesito, também temos a opinião de Nassif4, que se manifesta no sentido de que, como a quesitação teria por finalidade a obtenção do voto do jurado através de sua intima convicção, nada mais justo do que a sua fragmentação, de forma detalhada, de modo a instigar as lembranças do jurado, em conformidade com o caso que foi debatido em plenário pelas partes, pois apenas desta forma é que seria realizado um julgamento justo, sem dúvidas e angústias. Neste sentido: [...]... a oferta plural dos quesitos elimina dúvidas e angústias. O jurado, preservada a sua individualidade, torna-se igual a seus pares e, provocada a memória, responderá com o vigor da completitude das informações. [...]. Joppert5, por sua vez, entende que o quesito absolutório único só poderia ser utilizado para as teses defensivas quando o seu efeito jurídico fosse o mesmo, qual seja, a absolvição. No entanto, caso as teses levantadas em plenário pela defesa não tenham por consequência a absolvição, seria necessário um desdobramento da quesitação, indagando-se primeiramente o quesito absolutório e posteriormente outro quesito pertinente ao tema. Por outro lado, temos o entendimento de Mendonça6, que, apoiando-se na lição de Eloísa de Souza Arruda e César Dario Mariano da Silva, salienta que o novo quesito claramente favoreceu à defesa do acusado, em prejuízo da acusação, mas em contraprestação tornou ainda mais evidente a plenitude de defesa do acusado. Além disso, discordando expressamente da posição exposta por Luiz Flavio Gomes, o jurista aponta que qualquer interpretação disposta a desdobrar o quesito absolutório genérico em quesitos individuais acerca de cada tese defensiva, como na antiga sistemática, seria contrária à lei e aos próprios fundamentos da mudança normativa, já que o objetivo da reforma foi exatamente a de facilitar a votação pelos jurados, já que são juízes leigos. 4 NASSIF, Aramis. O Novo Júri Brasileiro: conforme a Lei 11.869/08, atualizado com as Leis 11.690/08 e 11.719/08; Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora. 2009. Pg. 144-145 5 JOPPERT, Alexandre Couto. Manual do Novo Júri: Lei 11.689/08 Anotada. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. Pg. 139-140. 6 MENDONÇA, Andrey Borges de. Nova reforma do Código de Processo Penal: comentada artigo por artigo. 2ª edição. Rio de Janeiro: Forense. São Paulo: Método, 2009.Pg. 110-112. No tocante às alegações de impossibilidade de rescindir a decisão dos jurados, bem como no conhecimento do fundamento absolutório pelo Tribunal, quando do julgamento de eventual apelação, Mendonça novamente reconhece que a inovação normativa dificultou o atuar da acusação e do Tribunal, mas não o impossibilitou. Como alternativa, sugere que, caso o membro do Ministério Público insurja-se contra a decisão dos jurados, vendo-a como manifestamente contrária à prova dos autos, rebata em suas razões todas as teses levantadas pela defesa, até mesmo porque estas deverão constar na ata da sessão de julgamento, conforme prevê o artigo 495, XIV do CPP7. No tocante ao Tribunal, sustenta o autor que deverá ser feita a análise de cada uma das teses, com base nos mesmos argumentos. Reforçando esta tese, é citada a Ementa 148, oriunda do III Simpósio de Procuradores e Promotores de Justiça de Minas Gerais. Quanto ao argumento de que com o novo quesito as decisões não seriam tomadas por uma “maioria fictícia”, o jurista entende que o mesmo é improcedente, pois o que importaria, apesar do acolhimento por cada um dos jurados de fundamentos diversos, é a sua intenção de absolver. São as suas palavras: Realmente, se quatro jurados absolvem o réu, cada um adotando uma tese defensiva diversa, não se pode alegar que tenha ocorrido equívoco no julgamento, porque o que importa é que a maioria dos jurados entendia ser caso de absolvição, independentemente de qual foi a motivação que levou cada jurado a proferir seu voto. Como bem observado por todos os juristas acima mencionados, certo é que o terceiro quesito, ao condensar as teses defensivas em um único quesito, com exceção daquelas que se enquadram nos quesitos anteriores, tais como ausência de crime, negativa de autoria, desclassificação, tentativa e rompimento do nexo de causalidade, beneficiou a esfera jurídica do acusado, já que é cristalina a maior facilidade em se 7 “Art.495: a ata descreverá fielmente todas as ocorrências, mencionando obrigatoriamente: (...) XIV – os debates e as alegações das partes com os respectivos fundamentos”. 8 “Entendendo o Ministério Público ser a decisão dos jurados manifestamente contrária à prova dos autos, deverá, nas razões recursais, refutar todas as teses sustentadas pela defesa, sendo que estas deverão ser consignadas em ata, a seu requerimento”. chegar a uma decisão absolutória, eis que não mais se questionam todas as teses arguidas pela defesa técnica e pela autodefesa. Neste ponto, portanto, concordamos que houve disparidade no tratamento direcionado às partes, mas acreditamos que ela não seja suficiente para macular o princípio do contraditório a ponto de se tornar inconstitucional. Inicialmente, a nova redação se encontra em sintonia com a proposta do legislador e das comissões de reforma, que foi a de simplificar os quesitos para facilitar o julgamento pelos jurados leigos. Registre-se, no mesmo sentido, que em detrimento do principio do contraditório, foi fortalecido o sistema de apreciação de provas da íntima convicção, que é o aplicável ao iudicium causae do Tribunal do Júri, já que os jurados não necessitam fundamentar a sua decisão, ao contrário da regra aplicada ao processo penal que se consubstancia no livre convencimento motivado. No forma do questionário anterior, o fundamento da decisão invariavelmente era demonstrado, já que todas as teses defensivas eram questionadas. Além disso, como bem demonstrado por Mendonça9, o Ministério Público não restará impossibilitado de recorrer de eventual absolvição do acusado que repute injusta, já que todas as teses defensivas deverão constar na ata da sessão de julgamento e, querendo, todas poderão ser impugnadas individualmente. O Tribunal de Justiça, por sua vez, também não restará impedido de analisar se a decisão proferida pelos jurados se demonstra manifestamente contrária à prova dos autos, mas deverá fazê-lo cotejando as teses apresentadas pelas partes. Assim, temos que a soberania dos veredictos, ao contrário do que sustenta Gomes, não se torna absoluta, de modo a não permitir a cassação das decisões proferidas pelos jurados, mas certamente é ainda mais fortalecida, já que o seu rompimento demandará uma análise da prova mais detida pelos julgadores de segunda instância. Com isso, torna-se certo que a quantidade de cassações dos julgamentos proferidos pelo Tribunal do Júri irá diminuir. 9 Ibid. Pg. 113 A jurisprudência10, por conseguinte, nos tem demonstrado que se qualquer uma das teses arguidas pelas partes encontrar um mínimo de amparo na prova dos autos, a soberania dos veredictos deverá ser preservada, mantendo-se a decisão proferida. Neste sentido, destacamos trechos da ementa de recente julgado proferido pelo Superior Tribunal de Justiça: 4. Para que a decisão do Conselho de Sentença seja considerada manifestamente contrária à prova dos autos, é necessário que a versão acolhida não encontre amparo nos elementos fático-probatórios amealhado aos autos, o que, a toda evidência, não se verifica na espécie em análise, tendo em vista que a Corte estadual destacou, de forma fundamentada, que existem elementos concretos que dão arrimo à decisão dos jurados, tais como prova pericial e prova testemunhal produzidas em juízo. 5. Manifestamente contrária à prova dos autos é a decisão que despreza as provas produzidas, não aquela que, claramente, opta por uma das versões apresentadas em Plenário, como verificado na espécie sub examine. (HC 170.447/DF – Relator Ministro Sebastião Reis Junior) Destaque-se, ainda, que durante os dois anos em que este subscritor foi estagiário oficial do Ministério Público perante às Promotorias de Justiça junto ao III Tribunal do Júri da Capital do Estado do Rio de Janeiro, a nova forma do questionário não se demonstrou um fator impeditivo à interposição e formulação de eventuais recursos de apelação com fundamento na contrariedade da decisão à prova dos autos. Dentre aqueles que foram efetivamente interpostos, diversos foram providos pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro11, o que reforça o entendimento exposto, no sentido da constitucionalidade do terceiro quesito. 2 - DA OBRIGATORIEDADE DO QUESITO ABSOLUTÓRIO: Superada a controvérsia sobre a constitucionalidade do quesito absolutório, observa-se que a prática cotidiana nos trouxe outro obstáculo acerca deste mesmo quesito, qual seja, a sua obrigatoriedade quando superados os quesitos referentes à 10 STJ - AgRg no REsp 1321597/AP e AgRg no AResp 96517/RJ; STF – HC 111207/ES; Vide apelações n° 0119481-23.1998.8.19.0001 (4ª Câmara Criminal); 008892960.2007.8.19.000; 0004207-34.2005.8.19.0205 (5ª Câmara Criminal); 0145536-54.2011.8.19.0001 (8ª Câmara Criminal); 0324175-02.2008.8.19.0001 (6ª Câmara Criminal) 11 materialidade e autoria. Ou seja, o Juiz Presidente, em qualquer situação, deverá indagar aos jurados se estes absolvem o acusado? Se, por um lado, é unanimidade a obrigatoriedade do terceiro quesito quando não superadas todas as teses defensivas nas indagações anteriores, o mesmo não pode ser dito quando os jurados já tiverem rechaçado as teses de defesa anteriormente, como no caso de alegação unicamente da inexistência do crime e/ou negativa de autoria. O entendimento majoritário que vigora atualmente é no sentido da obrigatoriedade do quesito absolutório em qualquer circunstância. Como fundamentos para este posicionamento, indica-se que a sua obrigatoriedade está expressa no artigo 483, §2º do CPP, bem como que ele deriva do sistema da íntima convicção de valoração probatória, o que não impediria que os jurados viessem a reconhecer outra causa de absolvição, mesmo que não arguida pelas partes em plenário. Joppert12 e Avena13, por sua vez, apesar de concordarem com a obrigatoriedade do quesito absolutório mesmo que já rechaçadas as teses defensivas debatidas em plenário, sustentam que a decisão deverá ter um mínimo de amparo na prova dos autos. No entanto, Joppert vai além, sustentando que este mínimo de amparo na prova dos autos que a decisão dos jurados deve ter não permitiria uma absolvição meramente por clemência ao réu. São suas palavras: O que não é possível se aceitar, como querem alguns, é a admissão de que os jurados possam absolver por ‘clemência’ ou ‘pena’ do réu. Mesmo que nenhuma prova dos autos, por mínima que seja, autorize o caminho absolutório. E conclui: Pensar diferente seria o mesmo que criar uma nova possibilidade de perdão judicial afetas aos juízes leigos sem qualquer 12 Ibid. Pg. 140. AVENA, Norberto. In Processo Penal: Esquematizado; 5ª Edição; Rio de Janeiro: Forense. Pg. 13 779 amparo legal, transformando o Tribunal popular em uma corte de indulgências, pautada em aleatórios preconceitos e subjetivismos infinitos. Com isso, transformar-se-ia o julgamento do Júri num autêntico procedimento lotérico, cujo resultado não dependeria mais da prova dos autos, e sim da composição episódica de cada Conselho de Sentença, e por vezes da própria aparência física, do sexo, da raça, da condição econômica ou cultural, religião ou origem do acusado ou acusada. . Já Nucci14 defende que a defesa técnica tem a necessidade de sustentar em todas as ocasiões uma tese subsidiária que seja compatível com o quesito absolutório, mesmo que a tese principal seja a negativa de autoria e a subsidiária seja a “clemência”, sob pena de ser o réu declarado indefeso. Por outro lado, insurgindo-se contra a obrigatoriedade do quesito absolutório, temos Mendonça15. Em suas razoes, salienta o jurista que o “juiz presidente não pode e não deve quesitar teses que não foram alegadas pelas partes”. Assim, se a defesa (autodefesa e defesa técnica) apenas tiver alegado a negativa de autoria e esta tese seja afastada pelos jurados, a votação deverá ser encerrada com a consequente condenação do acusado. E somente assim, de acordo com o jurista, estaria sendo respeitada a previsão legal da parte final do artigo 482, parágrafo único do CPP e mantida a imparcialidade do juízo. Vejamos: “Não pode o juiz suprir, ele próprio, as falhas ou deficiências da defesa, incluindo quesito não alegado pela parte, sob pena, inclusive, de macular sua imparcialidade”. O autor supramencionado ainda destaca que uma absolvição pelo quesito genérico, sem que haja qualquer tese defensiva consignada em ata acaba por ferir o princípio do contraditório e da paridade das armas, já que neste caso o Ministério Público estará impossibilitado de recorrer com fundamento na decisão manifestamente 14 NUCCI, Guilherme de Souza. Tribunal do Júri. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.Pg. 226. 15 Ibid. Pg. 115. contrária à prova dos autos, eis que não haveria tese explicita a ser arrazoada no recurso. Portanto, por violar os princípios elencados, o devido processo legal também restaria maculado. Neste mesmo sentido é o pensamento de Abujamra16. E finaliza, alegando que consequentemente a súmula 156 do Supremo Tribunal Federal também não poderia ser aplicada à hipótese, e a decisão do magistrado que determinou a quesitação da indagação absolutória estaria eivada de nulidade, de modo a ser impugnada através de apelação, mas com fundamento na alínea “a” do artigo 593, III do CPP. Ou seja, Mendonça insurge-se contra o proceder do magistrado, e não contra a decisão proferida pelos jurados. Pensamento semelhante a este é o de Gimenez Junior17, que aduz que os jurados devem proferir a sua decisão com isenção, não tendo poder ilimitado para decidir como bem entenderem. Assim, ao emitirem seus votos, devem respeitar a inviolabilidade do direito à vida, bem como a igualdade dos cidadãos perante a lei, o que os impede de julgar movidos por sentimentos de piedade, indulgência ou clemência, pois assim estarão infringindo a Constituição Federal. E, em havendo o afastamento da tese de negativa de autoria, a sua conclusão é no sentido de ser encerrada a votação, por restarem prejudicados os demais quesitos, caso não haja qualificadoras ou causas de aumento e/ou diminuição da pena, com a condenação do acusado. São suas palavras e fundamentos: Realizada a análise do que significa a soberania dos veredictos, conclui-se que os jurados não podem responder afirmativamente ao quesito absolutório tendo, anteriormente, 16 Rafael Abujamra. In Art. 483, § 2, do CPP – redação conferida pela Lei n 11.689/2008 – Quesito ‘O Jurado Absolve o réu ?’ – Inconstitucionalidade de inserção obrigatória em qualquer hipótese – Necessidade de Interpretação Conforme a Constituição, inclusive, no controle Difuso de Constitucionalidade – Adequação a preceitos constitucionais. Disponível em: http://www.confrariadojuri.com.br/artigos/artigos_view2.asp?cod=51 Acesso em: 28/05/13. 17 Manoel Torralbo Gimenez Junior. In Tribunal do Júri: O quesito absolutório e a tese exclusiva de negativa de autoria. Disponível em: http://www.conamp.org.br/Lists/artigos/DispForm.aspx?ID=47 e http://www.mp.sp.gov.br/portal/page/portal/cao_criminal/doutrinas/doutrinas_artigos/O%20quesito%20a bsolut%C3%B3rio%20e%20a%20tese%20exclusiva%20de%20negativa%20de%20autoria.doc. Acesso em: 28/05/13. afirmando a autoria, sendo a negativa dessa a única tese absolutória sustentada pela defesa, técnica e pessoal. Se assim agirem, haverá contradição na resposta entre eles... (...) A fim de evitar essa contradição, em caráter preventivo, portanto, o juiz Presidente deverá dar por prejudicada a votação do quesito absolutório, com fundamento no Parágrafo Único do próprio artigo 490. Em que pese a autoridade e substância dos respeitáveis entendimentos acima manifestados, entendemos que o mais correto é aquele trazido por Joppert. Inicialmente, importante destacarmos que, ao contrário do que muitos alegam como fundamento para a obrigatoriedade do terceiro quesito, no sentido de ser a plenitude de defesa que obriga a sua indagação, não entendemos neste sentido, eis que a plenitude de defesa estaria limitada ao atuar da própria defesa, seja ela a autodefesa ou defesa técnica. Nucci18, ao explicar o tema em tópico especial de sua obra sobre o Júri, nos diz que a plenitude de defesa se limita à atuação do defensor, que deve ir além do “regular”, não podendo cometer deslizes, sob pena de ser o réu declarado indefeso, bem como, surgindo eventual questão de direito a ser decidida pelo magistrado, com duas interpretações distintas, a mesma deve ser favorável ao acusado. O que torna possível e obrigatório tal quesito, nos parece claro, é fato de que o Conselho de Sentença, em virtude de sua apreciação probatória através do sistema da íntima convicção, não ser obrigado a fundamentar a sua decisão, bem como não estar adstrito aos fundamentos levantados pela defesa ou mesmo pela acusação, bastando a existência de qualquer outro elemento mínimo de prova que permita uma sentença absolutória. Contudo, não nos parece razoável a obrigatoriedade da defesa técnica, em todos os casos, possuir uma tese subsidiária que se encaixe no quesito absolutório, até mesmo porque, estrategicamente, isto pode eventualmente enfraquecer a sua sustentação oral perante o Conselho de Sentença, demonstrando certa falta de convicção na tese principal, o que iria de encontro exatamente ao seu conceito de plenitude de defesa. 18 Ibid. Pg. 24-29. Concluímos, por conseguinte, que a obrigatoriedade de uma tese subsidiária que se enquadre no terceiro quesito pode acabar por ferir a plenitude de defesa, permitindo, ai sim, a declaração de estar o réu indefeso. Por derradeiro, e apesar da coerência de seus fundamentos, também não concordamos com o entendimento trazido por Mendonça. Na verdade, a resposta afirmativa ao terceiro quesito, uma vez rechaçadas anteriormente rodas as teses defensivas, não se enquadra como um erro no proceder do magistrado, o que daria ensejo ao recurso de apelação com fundamento da letra “a” do artigo 593, III do CPP, já que, como salientado acima, o quesito tem natureza obrigatória. O problema, na verdade, seria ligado ao próprio mérito da decisão proferida pelos jurados, eis que a soberania dos veredictos não nos parece ser absoluta (pelo menos no primeiro julgamento), o que os impede de decidirem como bem entenderem, pois a votação deve ter um respaldo, ainda que ínfimo, na prova constante dos autos. A jurisprudência19 do Supremo Tribunal Federal é pacífica neste sentido. Consequentemente, os jurados, durante a votação, ao mesmo tempo em que devem ter em mente o princípio do favor rei, onde a dúvida deve obrigatoriamente beneficiar o acusado, também devem ter em mente a inviolabilidade do direito à vida e a igualdade dos cidadãos perante a lei. Do contrário, não tendo a sua decisão qualquer respaldo na prova dos autos, teremos o enfraquecimento da instituição do Tribunal popular e a sua concepção como uma casa de misericórdia, o que não lhe compete, já que a justiça divina (para quem nesta acredita) não é realizada pelo Conselho de Sentença. Ademais, como cediço, a Constituição Federal de 1988, ao não adotar expressamente nenhuma religião oficial, nos demonstrou claramente que não se pode mais confundir o Estado com religião, reforçando ainda mais a noção de que o Tribunal do Júri, direito e garantia fundamental do indivíduo, é uma casa em que impera a vontade do homem baseada na lei, não sendo uma corte de benevolências. 19 Vide - RHC 107.250/SP – Relatora Min. Rosa Weber; HC 94.567/BA Relator Min. Ayres Britto; HC 102.004/ES Relatora Min. Carmen Lucia; HC 88.707/SP Relatora Min. Ellen Gracie; Assim, caso na votação os jurados venham a rechaçar antes do quesito absolutório todas as teses defensivas, e, neste, absolvam o réu, nos parece que deverá o magistrado, com fulcro no artigo 490, caput, do CPP, repetir a votação do quesito para afastar a presente contradição, ao contrário do que defende Nucci, no sentido da inaplicabilidade deste artigo. E isso, como visto, se dá por um simples motivo: ao magistrado cabe a fiscalização dos trabalhos, de modo que, ao realizar a re-indagação da questão, nada mais estará fazendo do que um controle prévio da decisão, evitando-se nulidade futura a qual poderia ser facilmente evitada. Contudo, repetida a votação do terceiro quesito, e persistindo a absolvição do réu, caberá ao Ministério Público interpor recurso de apelação, com fulcro no artigo 593, III, d, eis que a decisão se demonstra manifestamente contrária à prova dos autos, cabendo ao Tribunal, como Corte de direito que é, prover o recurso Ministerial, submetendo o acusado a novo julgamento, eis que a decisão proferida não apresentou o mínimo respaldo na prova dos autos. 3 - A ORDEM DO QUESITO DESCLASSIFICATÓRIO: A possibilidade da indagação de um eventual quesito desclassificatório, nos termos da Lei 11.689/2008, não restou esquecida pelo legislador pátrio, que, em se tratando da desclassificação própria, previu no §4º do art. 483 do CPP que ela deverá ser indagada “após o 2º (segundo) ou 3º (terceiro) quesito, conforme o caso”. Exatamente em virtude desta opção de inserção do quesito desclassificatório após o segundo ou terceiro quesitos que surge novamente uma controvérsia sobre o tema, pelo menos a nível doutrinário. Inicialmente, importante o destaque de que o quesito desclassificatório “próprio” é aquele que se origina de uma tese alegada por qualquer das partes no sentido de que o Júri Popular não seria competente para a apreciação da causa, pois os fatos não versariam sobre um crime doloso contra a vida. Portanto, é neste quesito que os jurados fixam ou não a sua competência para julgar a causa. Assim, caso entendam não ser competentes para o julgamento, a substância remanescente, ainda que contenha crimes conexos, ficará a cargo do Juiz-Presidente, que decidirá utilizando-se do sistema da persuasão racional. No tocante à ordem de inserção do quesito desclassificatório, Mendonça20 afiliase à tese sustentada, dentre outros, por Arruda e Silva, ao citá-los nos seguintes termos: “(...) Se a principal tese de defesa for a da absolvição, figurando como tese subsidiária a da desclassificação para outro crime não doloso contra a vida, o quesito correspondente deverá ser incluído logo após o terceiro”. Para esses juristas, bem como Badaró21 e Campos22, apenas desta forma é que seria respeitada a plenitude de defesa. Por outro lado, temos o entendimento defendido por Lopes e Lucena de Oliveira23 que, em síntese, sustentam que a nova ordem legal não apresenta nenhuma novidade em relação à anterior quanto ao quesito desclassificatório, já que antes de decidirem acerca da antijuridicidade e culpabilidade – o que se dá no quesito absolutório-, os jurados realizam um juízo de adequação típica do fato praticado. E assim exemplificam: Apenas para ilustrar a incongruência, cabe aqui questionar como é possível ao julgador decidir se o meio usado pelo acusado para o exercício da defesa era necessário ou mesmo se houve moderação no seu uso quando ainda não houve sequer definição quanto à tipicidade de sua conduta. 20 Ibid. Pg. 118-119. BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Tribunal do Júri: lei 11.689 de 09.06.2008. In: MOURA, Maria Thereza Rocha de Assis (Coord.). As Reformas no Processo Penal: as novas Leis de 2008 e os projetos de reforma. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008. Pg. 207-208. 22 CAMPOS, Walfredo Cunha. O novo júri brasileiro, São Paulo: Primeira Impressão, p. 229. 23 In O novo tribunal do júri. O quesito da tese absolutória pode vir antes do desclassificatório? 21 Joppert24 adota o mesmo entendimento, mas com a explicação de que antes de adentrarem no mérito do quesito absolutório, que é obrigatório em sua concepção, devem os jurados desde logo fixar a sua competência. Em nossa opinião, em que pese o respeito aos entendimentos em contrário e a sua plausibilidade, com razão parece estar a segunda corrente. Ab initio, como cediço e oriundo da própria teoria geral do processo, temos o princípio constitucional da legalidade bem como o do juiz natural, sendo que este ultimo, em síntese, determina que ninguém será processado e julgado senão pela autoridade judicial competente, que é aquela que possui a parcela de jurisdição para o enfrentamento do caso, previamente definida de forma abstrata pela lei. Dessa forma, como bem destacam Lopes e Lucena de Oliveira, é indiscutível que a competência do Tribunal do Júri deve ser definida preliminarmente, de modo que o quesito desclassificatório deverá ser prévio ao absolutório. Do contrário, teríamos um órgão incompetente para o julgamento da causa, acarretando em nulidade de ordem absoluta. Além disso, segundo a lição dos juristas, não é vedado que se interprete que o legislador, ao introduzir a expressão “conforme o caso” na parte final do §4º do art. 483 do CPP, tenha se referido à situação onde quaisquer das partes tenham sustentado a ausência ou rompimento do nexo de causalidade, tese esta que deverá ser obrigatoriamente indagada antes do quesito absolutório, se tornando o terceiro quesito. Portanto, neste caso, a tese desclassificatória viria após o terceiro quesito, não sendo este o absolutório, que se viria a ser o quinto quesito. E, como se trata de matéria de ordem estritamente processual, e não híbrida, não há que se falar em obrigatoriedade de interpretação favorável ao acusado. Portanto, somos no sentido de que o quesito desclassificatório deverá ser obrigatoriamente indagado previamente ao absolutório, sob pena de nulidade de ordem absoluta, por violação à Constituição Federal. 24 Ibid. Pg. 141 5 - A (NÃO) QUESITAÇÃO DAS CIRCUNSTÂNCIAS AGRAVANTES E ATENUANTES: Pela redação originária do CPP de 1941, não era prevista a indagação aos jurados sobre tais circunstâncias, o que veio a ser alterado pela Lei 263/48. Contudo, a nova previsão legal, oriunda da Lei 11.689/2008, excluiu novamente a apreciação do tema pelo Conselho de Sentença. Em face desta nova disposição normativa, insurge-se Nucci25, arguindo que, apesar de não mais existir a obrigatoriedade da quesitação das circunstâncias agravantes e atenuantes, elas nem sempre passariam a ser de livre apreciação pelo Juiz-Presidente. Como seriam os jurados juízes de fato, e, levando-se em consideração o princípio da plenitude de defesa, argui o jurista que a substância não poderia ser subtraída da apreciação dos jurados caso houvesse pedido expresso da defesa para a sua análise, bem como das agravantes alegadas pela acusação. Além disso, sustenta que, com base no artigo 492, I, b do CPP, o magistrado apenas poderia apreciar ao proferir a sua sentença as agravantes e atenuantes que forem debatidas pelas partes em plenário, ainda que não sejam requeridas como objeto de quesito próprio e alegadas expressamente pelas partes durante os debates. No sentido contrario, parece ser o entendimento dado por Mendonça 26, que afirma que por se tratar o tema relativo à aplicação da pena, melhor que o seu julgamento fique a cargo do Juiz-Presidente, o que não feriria o princípio da soberania dos veredictos. Em que pese a autoridade do entendimento manifestado por Nucci, verifica-se que a ausência da quesitação das agravantes e atenuantes encontra respaldo no objetivo da reforma procedimental, que foi a simplificação do questionário destinado aos 25 Ibid. Pg. 222 – 224. Ibid. Pg. 120. 26 jurados. Ademais, a jurisprudência do STJ27 nos parece pacífica no sentido da não indagação de tais circunstâncias aos jurados após a reforma procedimental. No entanto, concordamos plenamente com Nucci no sentido de que o magistrado, ao proferir a sentença, deverá ater-se apenas às circunstâncias debatidas pelas partes em plenário, ainda que implicitamente, o que estaria em conformidade com o artigo 492, I, b do CPP. Essas, portanto, são as questões mais controvertidas oriundas da Lei 11.689/2008 no que tange à quesitação destinada aos jurados, às quais procuramos enfrentar, debater e, quando possível, dar uma solução que nos parece mais plausível à luz dos princípios referentes à matéria e através de uma interpretação em conformidade com a constituição federal de 1988. 27 Vide HC n° 194.737/PB – 6ª Turma- Relator Min. Sebastião Reis Junior; REsp 1.157.292/MG – 5ª Turma – Relator Min. Felix Fischer; AgRg no REsp 245.469/RS – 5ª Turma – Relator Min. Mariza Maynard; CONCLUSÃO: Há muito o nosso vetusto Código de Processo Penal vinha (e continua) sendo criticado por grande parte dos juristas, devido ao seu caráter nitidamente autoritário e contrário aos princípios gerais de direito, já que baseado em cartas estrangeiras editadas durante regimes que pouco se importavam com os direitos e garantias fundamentais dos seus cidadãos, em especial o Italiano. A resposta aos anseios sociais, em decorrência do exposto, foi tardia, vindo a ocorrer cerca de 20 anos após a promulgação da Constituição Federal de 1988. Além disso, em especial no tocante ao Código de Processo Penal, houve uma modificação parcelada, parcial, combinando institutos recentes com outros obsoletos e sem aplicabilidade prática, o que foi objeto, com razão, de diversas críticas de nossos juristas. Em que pese o esforço do legislador em adequar o procedimento relativo ao julgamento dos crimes dolosos contra a vida aos preceitos constitucionais, o que em grande parte foi realizado, bem como em simplificar o questionário destinado aos jurados, já que estes são juízes leigos que devem julgar fatos, e não questões técnicas, admitimos que em alguns pontos não foi feliz o legislador, já que manteve disposições anteriores as quais se revelavam nitidamente inconstitucionais. Entretanto, a despeito das diversas questões analisadas criticamente neste artigo, podemos concluir que a reforma parcial foi bem vinda, dando uma sobrevida – diga-se, momentânea – ao ordenamento processual penal. Até que haja uma reforma total do Código de Processo Penal, debatida corretamente em nossas Casas Legislativas e em cooperação com a sociedade civil, o que demandará, a nosso ver, muito tempo, caberá aos operadores do direito a realização de um esforço, necessário, para que sejam os institutos analisados devidamente interpretados em conformidade com a Constituição Federal, de modo a assegurar a toda sociedade as suas garantias e direitos fundamentais, ainda tão negligenciados. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: ABUJAMRA, Rafael. Art. 483, § 2, do CPP – redação conferida pela Lei n 11.689/2008 – Quesito ‘O Jurado Absolve o réu ?’ – Inconstitucionalidade de inserção obrigatória em qualquer hipótese – Necessidade de Interpretação Conforme a Constituição, inclusive, no controle Difuso de Constitucionalidade – Adequação a preceitos constitucionais. Disponível em: http://www.confrariadojuri.com.br/artigos/artigos_view2.asp?cod=51 Acesso em: 28/05/13. AVENA, Norberto. 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