Como a gestão pode gerar resultados em empresas do setor de energia Lian Missel, Rafael Masteguin e Renato Sabino Orientação: Carlos Bicheiro Novembro de 2014 Em um contexto de sustentabilidade e energias sastre de grandes proporções naquele ano e em 2002. limpas e renováveis, um dos pilares fundamentais do novo Infelizmente, esse cenário controlado não foi mantido nos anos cenário econômico mundial é a capacidade dos países de promover a infraestrutura interna e como isso impacta no seguintes. Dados do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE) desenvolvimento de sua produção. O Brasil, cada vez mais, se revelam que desde janeiro de 2011 o país já passou por 150 destaca nessa nova conjuntura. Além de ser citado nos fóruns blecautes acima de 100MW. Só em 2013 foram 27, sendo que multilaterais como referência na produção de petróleo em águas um deles provocou um prejuízo de R$45,6 bilhões ao tesouro profundas e do etanol, a crescente identificação do país como nacional. Em fevereiro de 2014, um apagão deixou 11 estados potência energética se deve, em parte, ao seu parque de das regiões Sul, Sudeste, Centro-Oeste e Norte às escuras por geração hidrelétrico, seu exponencial aproveitamento de até duas horas, como mostra a Figura 1, com um breve energia eólica e o extenso e integrado sistema de transmissão de energia elétrica. Contudo, a melhor característica brasileira pode ser histórico dos apagões nos últimos 13 anos. Segundo Elbia Melo, presidente da Associação Brasileira de Energia Eólica, o baixo crescimento do Brasil no também seu maior risco: pelo fato do sistema de fornecimento ano contribuiu para evitar um programa de redução de de energia no Brasil ser essencialmente constituído por consumo. Devido ao baixíssimo crescimento esperado do PIB hidrelétricas, a capacidade de fornecimento de energia elétrica para o ano de 2014 (em torno de 1%), não foi necessário torna-se vulnerável, principalmente em ocorrência de estiagem implantar um programa de racionamento de energia. atípicas, como observadas nos últimos anos. Por conta disso, o país acaba sendo obrigado a impor medidas públicas de economia de energia para evitar a ocorrência de “apagões”, e um sistema de gestão excelente passe a ser fundamental para Ao fator da vulnerabilidade do setor energético gerado por fontes hidráulicas soma-se a aparente dificuldade do país em administrar bem os recursos que possui. Conforme dados da Empresa de Pesquisa Energética administrar os períodos de crise e contornar os desvios (EPE), no ano de 2013 houve um aumento na demanda por causados por elas. energia elétrica de 4% e o país poderia ter aproveitado a oportunidade Alta vulnerabilidade do setor elétrico e o histórico de apagões Em 2001, o país viveu a maior crise da história no setor elétrico, quando o risco de “apagão” foi combatido através de um intenso racionamento de energia, com o objetivo de reduzir em 20% os gastos domiciliares. Em parceria com a consultoria FALCONI – Consultores de Resultado foi realizado um trabalho de gestão e concretizou-se o maior desdobramento de metas do mundo. Graças a esse trabalho o país conseguiu evitar um de- para desenvolver seu potencial de geração hidráulica. O que se viu foi o contrário. Apesar do incremento de 1.724 MW na capacidade instalada de geração hidráulica, a oferta desse tipo de energia caiu 6%. O mau gerenciamento das obras de usinas geradoras e de linhas de transmissão provoca atrasos em obras e “estouros” em orçamento. Um estudo da Universidade de Oxford, Reino Unido, analisou 245 megabarragens construídas em 65 países entre 1934 e 2007 e constatou que, no caso do Brasil, os custos das barragens são em média 101% maiores Figura 1: Histórico de blecautes no Brasil nos últimos 13 anos Fonte: Folha de São Paulo Figura 2: Atendimento ao Cronograma dos empreendimentos por fonte de geração elétrica Fonte: Tribunal de Contas da União do que os previstos. Dados do Tribunal de Contas da União (TCU) mostram que, dentre as obras outorgadas entre 2005 e 2012, 79% das obras de usinas hidrelétricas não cumpriram o cronograma inicial e o atraso médio dos empreendimentos é de 8 meses. No caso das usinas eólicas, 88% não cumpriram o cronograma e o atraso médio é de 10 meses. Em relação às linhas de transmissão, os atrasos chegam a 83% dos empreendimentos, com atraso médio de 14 meses, como mostra a Figura abaixo. com fonte hídrica, continua usando óleo diesel e óleo combustível. Uma das causas é que não foram feitas obras complementares para recepcionar a energia hídrica da TucuruíManaus. A linha, que tem capacidade para transportar 2.500 MW, no ano de 2013, somente escoou 35 MW. Em certos casos, há infraestrutura pronta para a geração de energia, devidamente paga pelo sistema, mas não há benefícios, por falta de transmissão. Em relação ao orçamento, a Hidrelétrica de Jirau previa gastos de R$ 9,6 bilhões e atualmente esse valor ultrapassa os R$ 16,6 bilhões. Outro exemplo é o das usinas do rio Madeira, em Rondônia, construídas e operadas pela iniciativa privada. A usina de Santo Antônio saiu de R$ 14,3 bilhões em dezembro de 2010 para R$ 19,2 bilhões em fevereiro de 2014. Figura 3: Cronograma das obras de linhas de transmissão Segundo estudo da Universidade de Oxford, os empreendimentos acabam custando mais caro pois os valores dos projetos são subestimados durante as etapas de planejamento e nos estudos de viabilidade, sem mencionar as consequências que os atrasos nos cronogramas trazem aos orçamentos previstos. Figura 3: Aumento do orçamento previsto nas obras de Jirau Fonte: Tribunal de Contas da União A auditoria do TCU ainda aponta prejuízos da ordem de R$ 8,3 bilhões entre os anos de 2009 a 2013 em razão de atrasos tanto nas obras de geração quanto nas de transmissão de energia elétrica. Os casos de atrasos e descompassos entre obras de geração e transmissão de energia foram detectados em alguns dos mais importantes projetos em andamento atualmente, como nas Usinas Hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau, e nas Fonte: Tribunal de Contas da União Figura 4: Aumento do orçamento previsto nas obras de Santo Antônio interligações do complexo do Madeira ao Sudeste e do Sistema Acre-Rondônia ao Sistema Interligado Nacional. Santo Antônio e Jirau estão com atraso no cronograma superior a um ano para algumas unidades geradoras, o que é especialmente desastroso para o sistema nessa época chuvosa da região Norte. Segundo a auditoria do TCU, existem também exemplos de atrasos em linhas de transmissão que demonstram uma ineficiência econômica e energética do Sistema Elétrico Brasileiro. O parque energético de Manaus, por exemplo, apesar de possuir à sua disposição a Linha de Transmissão TucuruíManaus, já construída e pronta para abastecer parte da cidade Fonte: Tribunal de Contas da União Para dar conta do aumento na demanda por energia elétrica, especialistas do setor revelam, em trabalho divulgado em 2012, que o governo brasileiro pretende investir até R$ 190 bilhões na construção de novas hidrelétricas até 2020. Contudo, os exemplos mostrados de obras atrasadas e com “estouros” em orçamento sugerem que existe uma causa relacionada à alta vulnerabilidade do setor elétrico brasileiro que não está sendo atacada: o baixo nível de conhecimento em gestão de projetos do setor. O estudo da Universidade de Oxford comprova essa afirmação. A pesquisa identificou que não houve aprendizado em relação aos erros do passado. Os mesmos problemas de atrasos e valores subestimados de obras que ocorriam nas décadas de 30 e 40 ocorreram nos anos 2000. Obras como a usina de Estreito, no Maranhão, que custou sete vezes mais, ou a hidrelétrica de Itaipu, no Paraná, com aumento de 240% nos custos, parecem não servir de exemplo para evitar problemas em obras mais recentes, como Jirau e Santo Antônio. Um fator que pode agravar a situação é a natureza “projetizada” e de capital intensivo dos negócios de geração e transmissão: além de cada vez mais os projetos tornarem-se o core business das empresas, eles demandam altos e contínuos investimentos em imobilizado (CAPEX) ao longo do tempo para serem concretizados, tornando-os extremamente caros. Portanto, os prejuízos devido ao mau gerenciamento dos projetos acaba se tornando tão elevado quanto os gastos do próprio empreendimento. Considerando-se esse cenário, o uso de metodologias de gerenciamento de projetos deveria ser comum nas empresas do setor de geração e transmissão de energia elétrica, de forma a minimizar atrasos em obras e perdas que surgem sobre desvios em orçamentos, e que prejudicam os retornos sobre os investimentos dos acionistas. Em um mercado regulado como é o mercado de energia elétrica torna-se primordial para o retorno do investimento o cumprimento dos prazos estipulados. Uma vez que uma empresa ganha uma licitação para construção de uma usina hidrelétrica ou linhas de transmissão, ela torna-se responsável em negociar a energia elétrica no prazo determinado no contrato de concessão. Atrasos geram multas e, além disso, as empresas chegam a precisar comprar energia no mercado aberto de forma a cumprir as obrigações contratuais. E cada vez mais o retorno dos investidores vai se diluindo. O setor elétrico brasileiro e a necessidade de elevar seu nível de maturidade em gestão Atualmente, quase um terço do PIB da economia mundial é gerado por meio de projetos (TURNER, 2008) mas o fracasso em projetos costuma estar mais presente do que se gostaria. Por exemplo, segundo Merrow (2011) fundador da IPA – Independent Project Analysis, dados de 2010 de mais de 300 megaprojetos industriais (orçamento maior que US$1 bi) concluídos em todo o mundo mostram que 65% deles falharam em atingir os objetivos do negócio. Nos últimos anos observa-se um significativo movimento em direção à profissionalização da gestão de projetos com o destaque para o cenário em que algumas grandes empresas passaram a exigir de seus fornecedores a presença de profissionais certificados e a adoção de ferramentas e padrões avançados, com o objetivo de diminuir os riscos de atrasos e a baixa qualidade nas partes dos projetos entregues pelos fornecedores. A definição de sucesso, resumidamente, significa que o projeto atingiu a meta. De maneira um pouco mais detalhada significa que ele foi encerrado com todas as entregas disponibilizadas e atendendo aos objetivos do negócio. Os principais envolvidos ficaram satisfeitos com os resultados e o projeto foi encerrado dentro do prazo e orçamento previstos. A pesquisa apontou que a maturidade média das organizações brasileiras é de 2,61, em uma escala de 1 a 5, sendo o nível 1 indicativo de precariedade de métodos de gestão e, o nível 5, um patamar de excelência. Outro aspecto muito importante mostrado pela pesquisa é a distribuição das organizações brasileiras nos níveis de maturidade. A Figura 6 mostra que aproximadamente 54% das organizações ainda estão em um patamar fraco de gestão (níveis 1 e 2) e apenas 10% estão em patamares de alta eficiência (níveis 4 e 5). Figura 6: Distribuição das Organizações Brasileiras em Níveis de Maturidade Gestão dá resultados e isto tem sido comprovado por inúmeras pesquisas. Por exemplo, a pesquisa conduzida por Darci Prado e Russell Archibald, com 435 participantes de organizações brasileiras, mostra que quanto mais matura uma organização maior o seu nível de sucesso, conforme Figura 5. DISTRIBUIÇÃO PERCENTUAL NOS NÍVEIS - 2012 60% 50% 42,9% 40% 35,9% 30% Figura 5: Maturidade e Sucesso. 20% 11,3% 9,4% 10% 0,5% 0% 1-INICIAL 2-CONHECIDO 3-PADRONIZADO 4-GERENCIADO 5-OTIMIZADO Quando se observa que a evolução na maturidade é um processo lento (segundo Kerzner, gasta-se 7 anos para se atingir o patamar de excelência partindo-se do nível inicial), a correta leitura da figura 6 ganha uma significativa importância: empresas que já atingiram o patamar de excelência tem um enorme diferencial competitivo com relação àquelas que estão iniciando a evolução. Ou, por outro lado, considerando que a maioria das organizações ainda está em patamares iniciais, des- pertar para o tema e iniciar a evolução já é uma atitude competitiva. Esta consideração é válida para todos os segmentos de negócios no Brasil, inclusive o setor elétrico, cuja maturidade média é 2,68 (Figura 7). dos à especificidade do negócio de cada organização, permite o desenvolvimento de modelos bem definidos para a implementação de mudanças alinhadas estrategicamente às tendências e vantagens competitivas da área de negócio em questão. Figura 7: Maturidade por Área de Atuação das Organizações Brasileiras. O número de empresas que utilizam o gerenciamento de projetos tem crescido significativamente nos últimos anos. Contudo, poucas empresas brasileiras têm desenvolvido um modelo de gerenciamento de projetos. E para as empresas que buscam uma vantagem competitiva pela inovação, gerar competências em projeto passa a ser fundamental. MATURIDADE POR ÁREA DE ATUAÇÃO DAS ORGANIZAÇÕES - 2012 Consultoria 2,96 Metalurgia e Siderurgia 2,88 Saúde 2,79 Tecnologia da Informação (Hardware & Software) 2,73 Engenharia 2,72 Energia Elétrica (Produção e/ou Distribuição) 2,68 Defesa, Segurança e Aeroespacial 2,53 Bancos, Finanças e Seguros 2,52 Petróleo, Óleo e Gás 2,45 Transportes, Armazenagem e Serviços & Logística 2,45 Construção 2,44 Telecomunicações 2,20 Educação 2,10 1 2 3 4 Nível de Maturidade 5 Ainda segundo a pesquisa, para o setor elétrico, temos atraso médio e estouro em custos em 24% e 13%, respectivamente, pouquíssimo abaixo da média das empresas de iniciativa privada no Brasil, que possuem 2,66 de nível de maturidade em gestão de projetos, 26% de atraso médio e 15% de estouro médio em custos. O benchmark para a área de energia elétrica é de 3,67, segundo dados da pesquisa disponíveis no site www.maturityresearch.com. Neste sentido, essa questão pode estar aliada ao nível de maturidade das empresas em relação à metodologia de gestão de projetos e com os conceitos que ela traz, pois a maturidade é ligada a quão capaz uma organização está de gerenciar seus projetos. De acordo com o Prof. Darci Prado (2012), especialista em Gerenciamento de Projetos no Brasil, “um maior amadurecimento em GP propicia menores prazos, maior aderência aos custos previstos e entrega de resultados (outcomes) conforme esperados”. De acordo com o modelo apresentado por PRADO, se, após avaliação da maturidade da empresa, for constatado que seu valor está abaixo de 4 (o que muito provável), é importante traçar um plano de crescimento para atingir o nível 4, conforme já mostrado na Figura 8. A evolução deve ocorrer nas dimensões da maturidade, como mostra a Figura 9. Então, o caminho para as organizações competitivas é a evolução, conforme aponta a Figura 8. Figura 8: O Caminho para as organizações competitivas. Figura 9: Dimensões da Maturidade ou Plataforma para Gerenciamento de Projetos Dentre os benefícios que o gerenciamento de projetos oferece à empresa, podem se destacar: redução no aparecimento de “surpresas” durante a execução dos projetos, devido ao processo de documentação e compartilhamento de lições aprendidas; permite o desenvolvimento de diferenciais competitivos e novas técnicas com alto valor agregado, através do desenvolvimento de metodologias adaptadas para negócio específicos, baseadas nas melhores práticas utilizadas; antecipa as situações desfavoráveis que poderão ser encontradas, para que ações preventivas e corretivas possam ser tomadas antes que essas situações se consolidem como problemas; documenta e facilita as estimativas para futuros projetos; oferece uma importante ferramenta de compartilhamento de conhecimento organizacional para toda a instituição. É importante observar, contudo, que o gerenciamento de projetos não é uma metodologia pré definida, e sim um conjunto de práticas e conhecimentos que, se adapta- O gerenciamento de projetos como solução para a alta vulnerabilidade do setor de energia elétrica Segundo estudos que compõem o Plano Nacional de Energia 2030 e o Plano Decenal de Energia 2018-2022, do Ministério de Minas e Energia, a projeção para o crescimento médio do consumo final de energia elétrica é 3,6% entre 2005 e 2030, ou seja, em 2030 o Brasil precisará suprir uma demanda de energia elétrica quase três vezes superior a 2005. Para suprir parte dessa demanda o governo pretende investir, segundo o Plano Decenal de Energia, R$ 260 bilhões em geração e transmissão elétrica até 2022, sendo R$ 200 bilhões destinados à construção de 35 usinas hidrelétricas (UHE). Contudo, se não houver investimentos para elevar o nível de maturidade em gestão de projetos do setor elétrico, es- sas previsões de investimento podem tornar-se o dobro. Segundo estudo da Universidade de Oxford, no Brasil o aumento médio no custo das obras é de 101%, e considerando esse valor, os investimentos previstos em construção de novas hidrelétricas mais do que dobrariam e poderiam alcançar a marca de R$400 bilhões investidos em barragens até 2022, sem contar os diversos atrasos que surgiriam em obras. Em outras palavras, a vulnerabilidade do setor elétrico brasileiro “está em xeque”. Percebe-se a urgência com que o setor elétrico brasileiro tem em buscar a elevação de seu nível de maturidade em gestão e solucionar o problema da vulnerabilidade da matriz elétrica. O benchmark do setor para o nível de maturidade em gestão está definido: 3,67. O próximo passo depende das empresas privadas e do governo brasileiro investirem na excelência em gerenciamento de projetos e evitarem posteriores programas de racionamento de energia.