unesp
UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA
“JÚLIO DE MESQUITA FILHO”
Campus de Rosana - SP
VICTOR HUGO MARIANNO DE OLIVEIRA
A CASA DE FLÁVIO DE CARVALHO: CONSERVAÇÃO,
RECONHECIMENTO LOCAL E POTENCIAL TURÍSTICO.
ROSANA – SÃO PAULO.
2012
VICTOR HUGO MARIANNO DE OLIVEIRA
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A CASA DE FLÁVIO DE CARVALHO: CONSERVAÇÃO,
RECONHECIMENTO LOCAL E POTENCIAL TURÍSTICO.
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao
Curso de Turismo – Unesp/Rosana, como requisito
parcial para obtenção do título de Bacharel em
Turismo.
Orientador: Prof. Dr. Eduardo Romero de
Oliveira
ROSANA – SÃO PAULO.
2012
VICTOR HUGO MARIANNO DE OLIVEIRA
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A CASA DE FLÁVIO DE CARVALHO: CONSERVAÇÃO,
RECONHECIMENTO LOCAL E POTENCIAL TURÍSTICO.
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao
Curso de Turismo – Unesp/Rosana, como requisito
parcial para obtenção do título de Bacharel em
Turismo.
Orientador: Prof. Dr. Eduardo Romero de
Oliveira
Data de aprovação:
MEMBROS COMPONENTES DA BANCA EXAMINADORA:
Presidente e Orientador: Prof. Dr. Eduardo Romero de Oliveira
Universidade Estadual Paulista “Julio de Mesquita Filho”
Membro Titular: Prof. Ms. Francisco Barbosa do Nascimento Filho
Universidade Estadual Paulista “Julio de Mesquita Filho”
Membro Titular: Prof. Dr. Patrícia Alves Ramiro
Universidade Estadual Paulista “Julio de Mesquita Filho”
Local: Universidade Estadual Paulista
UNESP – Campus Experimental de Rosana
4
Dedico este trabalho a minha mãe, Margaret
Marianno, Por todo amor e carinho em todos estes
anos de vida.
A minha namorada, Sumaya, pelo amor e ajuda dada
para conclusão deste TCC.
AGRADECIMENTOS
5
Agradeço primeiramente a minha família. Minha mãe Margaret pela paciência e toda
preocupação. Ao meu pai Luiz, que apesar da distância, preza, como eu, nossos momentos
juntos. Agradeço a memória de minha querida vó Laura, minha eterna companheira de
aventuras.
Agradeço a Heloísa, sem ela este trabalho não existiria. Muito obrigado por tudo que
me ensinou.
Agradeço aos amigos de Valinhos. Da Fazenda Capuava, aos irmãos Liro, Ovo e
Gordo. Ao Frango, João Pinga, Fagnani e Popó.
Agradeço aos amigos de Primavera. Ao Hugão, a primeira parceria de boteco. Buda e
Caiçara, a primeira república, mesmo com as várias tentativas de botar fogo na casa, despertar
logo cedo no sábado e domingo com som alto, tiveram muita paciência comigo, grandes
amigos. À Natiroots, pelo abrigo e as longas conversas durante as noites de Primavera. Ao
Véinho segunda moradia, com vários sermões, comidas de rabo e muitos peixes na
churrasqueira.
A República Tcheca, Ling-ling chinesa doida, Mari das sessões da tarde, Mucuri
neném do papai, Cami mãe de todos, Pirituba, Day, Luna, Vinicius (vikili the kid) bicicleta,
bicicleta, bicicleta, e o Du que completava o berçário (sala) da Tcheca.
A República Katapulta, meu irmão e parceiro Eder, aos gêmeos Porks e Kiba, ao
Victor Pedro vulgo Tg são-paulino doido e ao Tio Chico.
A República Meu P. de Óculos, ultima moradia em primavera, primeiro só com minha
irmã Mucuri e seus todynhos, e depois fechando o trio, Tg o nosso querido corvo e parceiros
dos todynhos do neném. Ao Ovo metrosexy, temporário agregado p. de óculos.
Agradeço aos amigos do Lú, Deva, Balão Aniki, Castor, Vinão, Titica, Cheilow,
Carlinhos e ao próprio Lú.
Agradeço as meninas: Punk, C1, Lara, Rose, Chumira, Annie e Denise, por todas as
bebedeiras e risadas
Agradeço também ao casal Mari e Koréia, pela força e ajuda nessa ultima etapa.
Obrigado a todos!
6
RESUMO
Palavras – chave: Patrimônio; Reconhecimento; Potencial; Uso; Poder Público
Este trabalho procura mostrar o reconhecimento da casa do artista Flávio de Carvalho
e seu potencial turístico. Através de análise do processo de tombamento pode-se avaliar o
motivo e o que realmente levou ao seu tombamento. Além do mais, conta-se com entrevista
feita com representante da família para avaliar a importância da casa para a própria família e
seus usos, como também futuros projetos com a casa. Há também um trabalho de pesquisa da
parte pública realizado, porém, somente baseado em recortes de jornais, uma vez que a
Secretaria se omitiu. Por fim, foi feito um questionário com 100 moradores de Valinhos para
poder ver o reconhecocimento do artista e da casa, dado que todo o processo de tombamento
levou algum tempo até tudo se concretizar e a casa ser vista como potencial turístico. Aqui se
mostra o resultado de uma política pública deficiente em um patrimônio abandonado e
deixado ao esquecimento e suas consequências.
7
ABSTRACT
Keywords: Heritage, Recognition, Potential, Use, Government
This paper aims to demonstrate the true value of artist Flávio de Carvalho’s house and its
touristic potential. By analyzing the landmarking procedure, the motives behind it are
scrutinized as well as what it took to get accorded the status of a landmark. Also, showcased
is an interview with a representative of the family to assess the importance of the house to the
family itself, plus its uses and future projects with the house. Furthermore, certain research
work was carried out, but based solely on newspaper clippings since the official government
body excluded itself and was unreachable. And finally, a questionnaire was carried out with
100 dwellers in the city of Valinhos to gauge the recognition of the house and the artist, since
the landmarking process took some time to finalize and the house to be recognized with
touristic potential. Here we see the results and consequences of deficient public politics in an
abandoned and forgotten heritage site.
8
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1 – Etária da população entrevistada.
Gráfico 2 – Foto Tempo de moradia em Valinhos da população entrevistada.
Gráfico 3 – Atrativos turísticos em Valinhos
Gráfico 4 – Potencial turístico em Valinhos.
Gráfico 5 – Locais com importância cultural ou artística
Gráfico 6 - Nível de interesse em conhecer locais com historia e a cultural de uma pessoa ou
local
9
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1 – Planta original da casa de Flávio de Carvalho.
Figura 2 – Foto da casa na época da construção.
Figura 3 – Instalações da Associação Cultural Educacional Social e Assistencial - A.C.E.S.A.
Figura 4 – Imagem de satélite da área atual da casa de Flávio de Carvalho.
Figura 5 – Foto atual da casa de Flávio de Carvalho.
10
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
A.C.E.S.A. – Associação Cultural Educacional Social e Assistencial Capuava
CACC - Centro de artes, cultura e comércio
CONDEPHAAT - Conselho de defesa do patrimônio histórico arqueológico artístico e
turístico
FEPASA – Ferrovia Paulista S.A.
FNPM – Fundação Nacional próMemória
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IBOPE - Instituto Brasileiro de Opinião e Estatística
IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
MEC – Ministério da Educação e Cultura
Mtur - Ministério do turismo
ONU - Organização das nações unidas
SPHAN - Serviço de patrimônio histórico e artístico nacional
UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura
11
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.......................................................................................................................12
CAPÍTULO 1 – PATRIMÔNIO CULTURAL E ARTÍSTICO E SUAS RELAÇÕES
COM O TURISMO.................................................................................................................18
O Patrimônio Cultural e Artístico........................................................................................18
1.2 Identidade, Memória e Tombamento..............................................................................23
1.3 A Preservação do Patrimônio no Brasil..........................................................................32
1.4 Turismo Cultural.............................................................................................................36
CAPÍTULO 2 – A CASA DO ARTISTA FLÁVIO DE CARVALHO...............................41
2.1 Processo de Tombamento da casa do artista pelo CONDEPHATT...............................41
2.2 Pesquisa de Campo.........................................................................................................42
2.2.2 Iniciativa Privada: entrevista com um representante da família de Flávio de
Carvalho............................................................................................................................46
2.2.3 A opinião pública: entrevistas com a comunidade local..........................................48
2.2.4 UM ABANDONO DA HISTÓRIA..............................................................................57
..................................................................................................................................................66
CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................................67
REFERÊNCIAS......................................................................................................................70
APÊNDICES............................................................................................................................75
APÊNDICE A –.......................................................................................................................76
12
INTRODUÇÃO
Este Trabalho de Conclusão de Curso tem como objeto de estudo a casa do artista
Flávio de Carvalho, sede da fazenda Capuava no município de Valinhos, São Paulo.
Inaugurada em 1939 (MATTAR, 1999, p.9) a casa projetada pelo artista foi construída
antes mesmo da fundação do município de Valinhos em 30 de dezembro de 1953, quando foi
desvinculada do município de Campinas (PREFEITURA MUNICIPAL 2010).
Figuras 1 e 2 (da esquerda para direita): Planta original da casa de Flávio de Carvalho e uma
foto da época.
Localizada na região metropolitana de Campinas, Valinhos tem sua história ligada às
grandes fazendas, inicialmente de cana-de-açúcar e posteriormente de café e figo roxo. Porém
seu maior desenvolvimento se deu a partir da construção da Estrada de Ferro de Jundiaí à
Valinhos pela Cia. Paulista, principalmente em 1888 com a abolição da escravidão e a
chegada de imigrantes italianos (PREFEITURA MUNICIPAL2010).
De acordo com dados do IBGE (2008) e da Prefeitura Municipal, Valinhos possui uma
população de aproximadamente 105.282 habitantes distribuídos em 148,9 Km². Sua
localização é privilegiada e próxima a cidades de médio e grande porte, além de ser cercada
por amplo sistema viário de qualidade como rodovias Anhanguera e Bandeirantes. Valinhos
dista apenas 18 km do Aeroporto Internacional de Viracopos, o que transforma o município
em um “promissor pólo de desenvolvimento econômico, destinado a empresas nas múltiplas
atividades nas áreas da indústria, comércio e serviços.”
13
Por apresentar essas características e por fazer divisa com Campinas, um dos
principais pólos de negócios do Estado de São Paulo, Valinhos potencializa a atração para
novos investimentos e a torna-se também um pólo de turismo de negócios.
Andrade (1997, p.73-74) define que o Turismo de Negócios é:
[...] o conjunto de atividades de viagem, de hospedagem, de alimentação e
de lazer praticado por quem viaja a negócios, referentes aos diversos setores
da atividade industrial ou comercial, ou para conhecer os mercados,
estabelecer contatos, firmar convênios, treinar novas tecnologias, vender ou
comprar bens ou serviços. (ANDRADE)
O maior evento turístico do município de Valinhos é a Festa do Figo (AGROLINE),
que em 2011 passou pela sua 62ª Edição juntamente realizada com a 17ª Expogoiaba de 14 a
30 de janeiro. Dados da Prefeitura informam que o figo roxo é o principal produto agrícola do
município que é conhecido como a Capital Nacional do Figo Roxo. O fruto foi introduzido
em terras valinhenses pelo imigrante italiano Lino Bussato no ano de 1901.
Apesar de todas essas características propícias para os negócios, Valinhos também foi
o lar de um importante artista modernista – Flávio de Carvalho.
Flávio nasceu em 1899 em Barra Mansa, Rio de Janeiro (JUNIOR, 1985, p.17). Muito
jovem, aos 12 anos de idade foi estudar na França, no internato em Lyce Jeson de Saily, Paris,
para realizar seus estudos, vivendo assim longe de sua família (TOLEDO, 1994, p.12).
Acredita-se que venha a partir deste momento a influência do artista pela cultura européia, o
que ficará evidente em sua formação como artista da era modernista.
De acordo com Junior (1985, p. 17-18) e Toledo (1994, p. 20-25), em 1914, quando
Flávio estava viajando pela Inglaterra acontece a Primeira Guerra Mundial. Nesse período por
falta de documentos fica obrigado a permanecer no país. Entretanto, utiliza-se disso
positivamente, retomando aos estudos em Londres. Em 1915, na cidade de Blackburn se
interessa por filosofia, mas não chega a concluir o curso e em 1918 começa outro curso:
engenharia civil pela manhã e no período noturno, artes na King Edward VII School of Fine
Arts. A formação em engenharia em conjunto com o curso de artes seria marcante para vida
de Flávio.
Em agosto do ano de 1922, com 24 anos, termina a faculdade e retorna ao Brasil. Logo
começa a trabalhar em reconhecidas empresas de engenharia civil. É, contudo, somente em
1927 que houve a aparição de Flávio no cenário das artes por conta de sua participação no
concurso para construção do Palácio do Governo do Estado de São Paulo. Este projeto veio a
ser o primeiro projeto modernista do Brasil, mas não o tornou o vencedor do prêmio. No
14
entanto o artista seguiu participando de concursos e criando exposições de obras nas artes
plásticas (MATTAR, 1999, p. 8-9).
A mesma autora (1999, p. 9) conta que mesmo tendo criado muitos projetos, Flávio
concretizou apenas dois: o primeiro foi o conjunto de casas localizadas na Alameda Lorena,
em São Paulo no ano de 1938. Era sua primeira obra como engenheiro, e por serem casas
familiares, não obteve tanta liberdade para o projeto. Essas casas se encontram hoje muito
modificadas, fugindo do projeto original.
O segundo projeto, quase dois anos após a construção das casas, e também o seu
último como engenheiro e arquiteto foi à casa de Valinhos na fazenda Capuava. Devida ao
fato de a fazenda ser propriedade de seu pai, Flávio teve liberdade em expressar sua
criatividade utilizando-se de técnicas novas que incorporavam o clima exterior da vegetação
que a cercava e o formato de sarcófago egípcio, tornando-a uma casa totalmente inovadora
para época, além de diferente no seu espaço interno (JUNIOR, 1985, p 26-27).
Criada para ser a sede da fazenda e servir de moradia para Flávio, foi também ponto
de encontro de amigos onde ocorriam várias festas particulares. Relata JUNIOR (1985, p 2728) que após o falecimento do artista em 4 de junho de 1973, a casa continuou na posse dos
familiares, mas na década de 1980 foi abandonada. Nesta década ocorreu o tombamento da
casa, cedido pelo CONDEPHAAT – Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico
Arqueológico Artístico e Turístico do Estado de São Paulo.
Devido aos anos e do abandono a casa foi se deteriorando e somente por volta do ano
de 2003, a prima de segundo grau de Flávio (Helóisa de Carvalho), e herdeira da fazenda
decidiu pela restauração da mesma. Hoje no espaço funciona uma clínica para crianças
portadoras de necessidades especiais (ROSSETI, 2007).
A opção por estudar a casa e o artista Flávio de Carvalho justifica-se visto que é um
remanescente da história de Valinhos e também da história da arte brasileira. Mesmo que a
construção passe por restaurações, poderá se tornar um patrimônio esquecido se não for
apresentada uma preocupação pública e/ou particular. Outro fator que justifica esta pesquisa é
que o autor deste trabalho é residente da cidade de Valinhos e por manter uma forte ligação
com a família do artista, não gostaria de ver um patrimônio tão valioso abandonado, já que
acredita que o mesmo possa ser utilizado para o desenvolvimento do turismo cultural:
A finalidade do turismo cultural é o conhecimento de patrimônios materiais
e imateriais advindos do homem, o qual ao longo do tempo deixou vários
sinais e marcas que testemunham suas ações, ou seja, o seu patrimônio
15
cultural, cujo é formado por seu valor histórico, arqueológico etnográfico,
bibliográfico ou artístico” (MALETTA, 2001 apud ANDRADE, 2008, p.14)
Como problemática este estudo pretende saber a importância do artista para história do
modernismo brasileiro e, consequentemente, para a história da cidade de Valinhos. E também
qual a possibilidade de desenvolvimento do Turismo Cultural, utilizando-se da casa sede da
fazenda Capuava e da participação da comunidade.
O objetivo geral deste trabalho é estudar um bem patrimonial (a casa de Flávio de
Carvalho), suas condições de conservação,
preservação legal (tombamento
pelo
CONDEPHAAT) e entender o seu reconhecimento pela comunidade local.
Já os objetivos específicos que se pretendeu alcançar foram: o primeiro, identificar
junto à Prefeitura, Secretaria da Cultura, Secretaria de Turismo e demais órgãos responsáveis
pelo patrimônio e cultura da cidade de Valinhos, qual a importância dada ao patrimônio em
questão, a casa sede da fazenda Capuava. O segundo foi o estudo desta casa, desde sua
criação até seu estado atual, avaliando cronologicamente seus usos e desusos, junto à família
do artista, que atualmente possui a casa, com a possibilidade de se propor, se viável, um uso
futuro. Um terceiro objetivo foi entrar em contato com o CONDEPHAAT para a obtenção do
processo de tombamento para verificar como se deu este processo (avaliação técnica e
deliberações do órgão) e qual o motivo para este tombamento. Por fim, o quarto objetivo foi
colher informações junto à população local, com a realização de entrevistas, no intuito de
identificar se o artista/casa exerceu ou exerce algum tipo de reconhecimento pelos moradores.
Para um aprofundamento acerca dos temas comentados, foi realizada pesquisa
documental e bibliográfica indireta em bibliotecas universitárias, sites oficiais, periódicos e
jornais que retratam a época da vida de Flávio de Carvalho (1899-1973), buscando temas
relacionados à pesquisa como: biografias do artista, patrimônio, patrimônio cultural,
identidade, turismo histórico-cultural e movimentos artísticos no Brasil, os quais iriam
auxiliar na composição final deste estudo. No intuito de entender mais sobre o assunto foram
criados roteiros de entrevistas que apresentaram resultados quali-quantitativos.
Para a pesquisa qualitativa foi utilizado como instrumental de coleta, a técnica de
entrevistas1 semi-estruturadas com o secretário da cultura de Valinhos para saber o histórico
das ações públicas atuais e o que está sendo feito no momento, e, com o secretário de turismo
para identificar se há algum movimento deste setor em relação à casa, além de uma entrevista
1
“É uma comunicação verbal entre duas ou mais pessoas, com um grau de estruturação previamente definido,
cuja finalidade é a obtenção de informações de pesquisa” (DENCKER, 1998 p.137).
16
semi-dirigida com os familiares, que vivem na fazenda Capuava a fim de conhecer a história
da casa e o que se pretende fazer.
A pesquisa qualitativa responde questões muito particulares. Ela se preocupa, nas
ciências sociais, com um nível de realidade que não pode ser quantificado. Ou seja, ela
trabalha com o universo de significados, motivos, aspirações, crença, valores e atitudes, o que
corresponde a um espaço mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos que não
podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis. (DESLANDES, 1994, p.21).
Com os moradores locais também foi utilizada a técnica de entrevista para descobrir o
grau de informação sobre o artista, sobre a casa e o valor atribuído pelo questionado. Porém
esta entrevista foi estruturada com perguntas fechadas utilizando-se de uma amostragem
probabilística aleatória simples que proporcionou uma análise quantitativa. Foram
entrevistados 100 moradores de Valinhos, o que significa aproximadamente 0,1% da
população (de acordo com dados do IBGE já mencionados acima) entre os dias 02 do mês
Fevereiro ao dia 20 do mês Março no ano de 2011 em diferentes bairros da cidade. Todos os
entrevistados foram escolhidos de forma aleatória. As respostas obtidas geraram componentes
que foram interpretados e tabulados para a confecção de gráficos e tabelas que estão presentes
no corpo deste trabalho.
As pesquisas quantitativas são mais adequadas para apurar opiniões e atitudes
explícitas e conscientes dos entrevistados, pois utilizam instrumentos estruturados
(questionários). “Devem ser representativas de um determinado universo de modo que seus
dados possam ser generalizados e projetados para aquele universo” (IBOPE, 2010).
Para melhor leitura e entendimento do que foi proposto, o presente documento estará
dividido em dois capítulos, (já que durante a revisão da bibliografia e dos objetivos definidos
surgiram assuntos pertinentes ligados ao contexto estudado e que foram inseridos neste
trabalho tornando-se de extrema validade para enriquecimento do estudo).
No primeiro capítulo serão apontados os conceitos e definições sobre patrimônio
cultural e artístico, identidade, memória, tombamento e turismo cultural. Mostrar-se-á ainda
como ocorre à preservação do patrimônio no Brasil.
Já o segundo capítulo trará inicialmente o processo de tombamento da casa sede da
fazenda Capuava pelo CONDEPHAAT e o potencial turístico da mesma. Nesse contexto
serão relatadas as entrevistas com os Secretários de Cultura e Turismo e com o representante
da família de Flávio de Carvalho. Também será contemplada no capítulo a opinião pública
por meio da análise dos dados pesquisados e tabulados e com isso poderá ser traçada a relação
entre o potencial turístico e o real interesse turístico.
17
Para concluir o trabalho serão feitas as considerações finais apontando os resultados
do estudo e se há a possibilidade do desenvolvimento do turismo cultural com a preservação
da casa de Flávio de Carvalho. Serão destacados os pontos que possam estimular a
continuidade desse estudo em outras aplicações ou outros casos semelhantes.
18
CAPÍTULO 1 – PATRIMÔNIO CULTURAL E ARTÍSTICO E SUAS
RELAÇÕES COM O TURISMO
O Patrimônio Cultural e Artístico
Com a existência da coletividade, as pessoas se diferenciam entre inúmeras outras,
mas ainda convivem em constante interação e mudança, e esta inevitavelmente leva à
multiplicidade de pontos de vista, de interesses e de ações no mundo. As opiniões acabam por
resultar na diversidade de interesses dos benefícios que se espera obter. Dessa forma, o que é
patrimônio para uns, para outros não é. Conforme os valores sociais mudam com tempo, é
importante a análise de como o patrimônio foi visto ao longo dos tempos e dos grupos sociais.
Patrimônio é uma palavra de origem latina, patrimonium, que se referia entre
os antigos romanos, a tudo o que pertencia ao pai, pater ou pater famílias,
pai de família. A semelhança entre os termos – pater, patrimonium, família –
esconde diferenças profundas nos significados, já que a sociedade romana
era bem diferente da que se conhece atualmente. A família compreendia tudo
que estava sob domínio do senhor, inclusive a mulher e os filhos, mas
também os escravos, os bens móveis e imóveis, até mesmo os animais. Isso
tudo era o patrimonium, tudo que podia ser legado por testamento, sem
excetuar, portanto, as próprias pessoas (FUNARI, PELEGRINI, 2009, p. 1011).
Tão importante quanto à origem é saber qual o significado da palavra., e como afirma
Barreto (2000, p.9), são vários. O mais comum é o conjunto de bens que uma pessoa ou
entidade possui. Completando esse pensamento Cruz (2002, p.21) diz o seguinte:
Patrimônio é tudo que cremos, valorizamos e queremos preservar: são os
monumentos e as obras de arte, e também as festas, músicas e danças, os
folguedos e as comidas, os saberes, os fazeres e falares. Tudo enfim que
produzimos com as mãos, as idéias e a fantasia.
Para entender melhor a definição de patrimônio é necessário compreender sua
evolução no tempo. Segundo Funari e Pelegrini (2009):
O conceito de patrimônio, surgido no âmbito privado do direito da
propriedade, estava intimamente ligado aos pontos de vista e interesse
aristocráticos. Entre os romanos, a maioria da população não era
19
proprietária, não era possuidora de patrimonium. O Patrimônio era um valor
aristocrático e privado, referente à transmissão de bens no seio da elite
patriarcal romana. Não havia o conceito de patrimônio público. Ao
contrário, o Estado era apropriado pelos pais de família. (p. 11)
Nessa época o patrimônio era então patriarcal, individual e privativo da aristocracia.
Sabe-se que, como em todas as épocas da história da humanidade que se conta, sempre houve
a existência das elites, porém, conforme o tempo foi passando, a importância do pensar fez
com que os povos fossem libertos para mudanças e cientes do diferencial dos grupos sociais.
Para Funari e Pelegrini (2009) a difusão do cristianismo e o predomínio da igreja, em
especial, na Idade Média (séculos VI-XV), ao caráter aristocrático do patrimônio acrescentouse outro, simbólico e coletivo: o religioso. As manifestações e interpretações populares
existiam e eram ligadas às questões aristocráticas, porém não tinham controle. Já a
monumentalização das igrejas e a construção das catedrais caracterizavam um patrimônio
coletivo, mas aristocrático. O culto aos santos e a valorização das relíquias deram às pessoas
comuns um sentido de patrimônio muito próprio e que, de certa forma permanece entre nós: a
valorização dos lugares e objetos como dos rituais coletivos.
As mudanças na perspectiva social começaram a aparecer com o advento do
Renascimento. Ainda que o caráter aristocrático fosse mantido, os homens começaram a lutar
pelos valores humanos em substituição ao domínio da religião e combateram o teocentrismo
que prevalecera por longos séculos. Para isso buscaram inspiração na Antiguidade grega e
romana. Ainda pautado no que escreveram Funari e Pelegrini (2009), com a invenção da
imprensa, multiplicaram-se as edições das obras clássicas, na língua original e traduzidas e,
em paralelo, os humanistas começaram a se preocupar com a catalogação e coleta de tudo que
viesse dos antigos.
No entanto, o que rompeu as bases aristocráticas e privadas foi o surgimento dos
Estados Nacionais que foi fator principal para desencadear uma transformação radical no
conceito de patrimônio. O melhor exemplo de criação do Estado Nacional Moderno é o da
França, que foi iniciado com a Revolução Francesa de 1789 e teve como marco a Queda da
Bastilha.
É possível dizer que a política de preservação na França surgiu de razões
práticas. Em primeiro lugar, com a extinção da monarquia. Com isso os bens
da Coroa, que eram da família reinante, passam para o Estado, bem como as
intocáveis propriedades do clero e da Igreja. [...] Finalmente, ao lado das
propriedades monárquicas e eclesiásticas, juntam-se os bens dos emigrados,
ou seja, dos aristocratas que abandonaram a França revolucionária
(CAMARGO, 2002, p.19).
20
O patrimônio histórico e as condutas a ele associadas encontram-se presas em estratos
de significados cujas ambiguidades e contradições articulam e desarticulam dois mundos e
duas visões de mundo (CHOAY, 2001, p. 11). Para o mesmo autor (2001, p.11), a palavra
patrimônio está relacionada ao legado herdado durante gerações, pois tem a sua origem
relacionada “às estruturas jurídicas, familiares, econômicas de uma sociedade estável,
enraizadas no espaço e no tempo”. Já o termo patrimônio histórico remete na acumulação
contínua, realizada para o usufruto da comunidade, de “uma diversidade de objetos que se
congregam por seu passado comum: obras e obras-primas das belas-artes e das artes
aplicadas, trabalhos e produtos de todos os saberes [...] dos seres humanos”.
Ainda segundo a autora, a expressão patrimônio histórico designa entre outros
sentidos, que um bem está destinado ao usufruto de uma comunidade, devendo receber um
maior questionamento, além da simples aprovação, por ser um elemento revelador de uma
sociedade e de seus integrantes.
Enquanto durante um tempo falar em patrimônio referia-se apenas uma parte dos bens
culturais, depois se mudou para patrimônio histórico-cultural. Recentemente essa noção foi
abarcada por outra, mais ampla, como podemos ver, o patrimônio cultural, envolve ainda a de
patrimônio ambiental, “uma vez que hoje concebemos o ambiente como um produto da ação
dos homens, portanto, da cultura” (RODRIGUES, 2006, p.16). Sendo assim, a definição de
patrimônio passou a ser pautada pelos referenciais culturais nas dimensões do cotidiano das
comunidades e das realizações intangíveis.
Barreto (2000, p.1-12) explica que num sentido mais restrito, entendia-se patrimônio
cultural como as obras de arte no espaço, como a pintura, a escultura e a arquitetura. Mas
existem outras artes que transcorrem com o tempo que são a dança, a literatura, a música,
entre outros que fazem parte do patrimônio cultural artístico, e que por não terem a mesma
materialidade que os anteriores tornam complexa sua qualificação. Essa noção identifica que
o patrimônio cultural não inclui apenas os bens tangíveis, mas os intangíveis também. Ou
seja, o patrimônio deixou de ser definido pelos prédios que abrigaram os reis e pelos seus
utensílios, passando a ser considerado como “o conjunto de todos os utensílios, hábitos, usos
e costumes, crenças e forma de vida cotidiana de todos os segmentos que compuseram e
compõe a sociedade”.
[...] Hoje entendemos que, além de servir ao conhecimento do passado, os
remanescentes materiais de cultura são testemunhos de experiências vividas,
21
coletiva ou individualmente, e permitem aos homens lembrar e ampliar o
sentimento de pertencer a um mesmo espaço, de partilhar uma mesma
cultura e desenvolver a percepção de um conjunto de elementos comuns, que
fornecem o sentido de grupo e compõem a identidade coletiva. (FUNARI;
PINSKY, 2003, p. 17)
Camargo (2002) apresenta dois conceitos de patrimônio cultural. Para o conceito
clássico, patrimônio é definido como aqueles bens ou monumentos de excepcional valor
histórico e artístico, indicativos da identidade nacional (considerada homogênea e singular)
relacionada com as origens e tradições luso-brasileiras, valorizando-se somente o estilo
barroco-colonial. Já o conceito contemporâneo, abrange outros aspectos culturais e pressupõe
o caráter seletivo, no qual há necessariamente a “preservação” de alguns bens e o
“esquecimento” de outros.
[...] Considerando que artefatos culturais são, em princípio, objetos dotados
de funcionalidade que seriam obsoletos para nós, o patrimônio cultural só
pode ser entendido como um conjunto de símbolos. Os símbolos precisam
ser desconstruídos e interpretados para apreendermos seu significado. Neste
sentido são igualmente significativos os bens nacionais já consagrados, tanto
quanto os regionais ou locais (CAMARGO, 2002, p. 96).
De acordo com Fonseca (1997), o patrimônio histórico e o artístico assumem, nesse
caso, uma dimensão instrumental e passam a ser utilizados na construção de uma
representação de nação. A capacidade dos patrimônios de “evocar a idéia de nação decorreria
da atribuição, a esses bens, de valores da ordem da cultura [...]”.
Outra questão importante a ser abordada é a classificação dada por diferentes autores
para o patrimônio cultural. Uma primeira idéia é que o patrimônio cultural pode ser
classificado como conjunto de bens materiais (tangíveis) e imateriais (intangíveis), não só as
edificações e monumentos históricos ou as manifestações artísticas, mas todo o fazer humano,
tudo o que o ser humano produz, de todas as classes sociais, de tanto as mais quanto as menos
favorecidas. (BARRETO, 2000, p. 11).
Lemos (1981), subdivide o patrimônio material do imaterial. Para ele, o patrimônio
cultural é dividido e três categorias de elementos: os da natureza; os que reúnem os bens
culturais tangíveis (tais como artefatos e construções); e o grupo de elementos que se refere
aos elementos não tangíveis do patrimônio. O autor apresenta ainda um conceito relacionado
ao patrimônio material não abordado por outros autores: o Patrimônio Ambiental Urbano, que
compreende os diferentes momentos pelo qual determinada cidade passou. É uma forma de
analisar o patrimônio histórico que leva em consideração a dinâmica cultural das cidades e o
22
uso que se faz de cada espaço. Assim, com essa definição, o autor revela uma preocupação
com a dinâmica cultural presente mesmo em bens imóveis, considerando não só o prédio em
si, mas também os usos que se fez e faz dele.
Meneses (2004, p.30) possui uma idéia diferenciada, pois coloca que entre patrimônio
material e imaterial não há uma divisão tão marcada e perceptível. O autor analisa o
patrimônio como um todo, ao afirmar que mesmo no patrimônio material há certa
imaterialidade: “O patrimônio que o turista quer ver deve ser vivo. Ele deveria ser vivenciado
em seu próprio devir, em sua dinâmica, vivência que conjuga história, tradição, arte, valores e
práticas costumeiras” (MENESES, 2004, p.30). Desse modo, na concepção do autor, o
patrimônio cultural material é um conjunto constituído pela edificação e pelas atividades nela
desenvolvidas.
Com base no que foi definido pelos autores é possível compreender que elementos que
compõem o patrimônio histórico (por exemplo, prédios históricos ou uma tradição mantida
por diversas gerações) assim como os que compõem o patrimônio artístico (desde quadros,
pinturas, até a dança e o teatro) e, numa visão mais recente os elementos que formam o
patrimônio ambiental, estão em um grupo maior e mais abrangente chamado de patrimônio
cultural ou legado cultural. Essa idéia se torna mais clara ao perceber que a cultura não pode
ser estudada como uma ciência experimental, buscando leis e sim uma ciência interpretativa,
que procura entender a razão que originou a população a gerar o seu costume, sua cultura
típica (GEERTZ apud BARRETO, 2006, p.18).
Ainda no assunto de patrimônio, surge Leite (2002) para discutir a temática, onde
ocorre um fenômeno que se volta para a “reapropriação cultural das imagens das cidades,
objetivando – na maioria das vezes – recriar sentidos e usos dos conteúdos e materiais do
passado”. Leite ainda traz no texto informações muito interessantes quanto a considerar os
uso e contra-usos e suas consequências para a sociedade e reativação como espaços públicos.
Leite, ainda no mesmo texto trata de um processo muito comum pra revitalização, o
gentrification (enobrecimento). O autor usa esse termo da mesma maneira que outros autores,
no sentido de que o empregam para “designar intervenções urbanas como empreendimentos
que elegem certos espaços da cidade considerados centralidades e os transformam em áreas
de investimentos públicos e privados, cujas mudanças nos significados de uma localidade
histórica faz do patrimônio um segmento do mercado”.
No entanto, depois de se falar com processo de gentrification, torna-se válido enunciar
que atualmente tal processo tanto pode se referir à reabilitação de casarios antigos como ainda
23
também pode englobar construções totalmente novas, conforme o próprio autor já deixa claro
posteriormente.
Falar dos usos e contra-usos propriamente é um ponto importante de se discutir e
refletir, pois “esses usos podem alterar a paisagem e imprimir outros sentidos às relocalizações da tradição e aos lugares nos espaços da cidade” (LEITE, 2002). De acordo com
o autor, dependendo do tipo de uso que atribuirmos ao espaço publico, este pode às vezes
servir para criar tipos de situações que amplie as possibilidades de interação com o povo, mas
que também, por outro lado, possa vir a gerar certos tipos de conflitos que antes inexistiam.
Portanto, qualquer que seja a intervenção que seja planejada para as obras, é bom que seja
levada em conta as alterações que podem ser trazidas para o local.
Nesse contexto também se percebe que algo somente é considerado um patrimônio se
foi importante, teve destaque ou caracterizou de maneira marcante o cotidiano de determinada
sociedade em certo período de sua história. Assim pode-se dizer que um patrimônio está
intimamente ligado a memória de um povo e a identidade que se cria acerca de um fato,
elementos esses que serão estudados a seguir.
1.2 Identidade, Memória e Tombamento
A noção de patrimônio histórico seja ele tangível ou intangível, direciona a uma
discussão intrínseca a essa idéia: a memória. Questões como vestígio, lembrança e percepção
do coletivo direcionam a memória como sinônimo de registro. Preserva-se o legado de um
povo e assim conserva-se o passado para que as futuras gerações entendam o presente.
Ao se tratar de memória, Halbawachs (1990, p. 54-56) discorre sobre a diferença entre
a memória individual e a memória coletiva. O autor explica que a memória coletiva envolve
as memórias individuais, mas não se confunde com elas. “Ela [a memória individual] evolui
segundo suas leis, e se algumas lembranças individuais penetram algumas vezes nelas,
mudam de figura assim que sejam relocadas num conjunto que não é mais uma consciência
pessoal” (1990, p.54). Porém, essa memória não é isolada, necessitando do meio e até mesmo
da memória coletiva para ser formada. A memória individual não é suposta como “reduzida
em si mesma”. Já a memória coletiva compõe-se dos acontecimentos nacionais e mundiais,
passados de geração em geração. São lembranças e experiências de outras pessoas, assumidas
como importantes para cada uma.
24
Nesse contexto, Chauí (1996, p.117), reflete sobre a idéia da consciência ligada a
memória em que esse é o sentimento da identidade individual num fluxo temporal de estados
corporais e mentais que retém o passado na memória. A consciência seria “a capacidade para
compreender e interpretar sua situação e sua condição (física, mental, social, cultural e
histórica)”. A partir dessa consciência sobre as condições de identidade do indivíduo, abordase em uma amplitude maior, no que diz respeito não somente a memória individual, mas
sobre a memória coletiva.
Seguindo na conceituação de memória, Haigert (2005, p. 87) cita que “[...] as
memórias são construídas a partir de subjetividades, ou seja, do que é importante e válido
para cada um”. Dessa forma a memória trata da construção de referências sobre o passado e o
presente de diferentes grupos sociais, ancorados nas tradições e intimamente associados a
mudanças culturais (HAIGERT, 2005, p. 92).
Para Magaldi (1992, p.24):
[...] entre as muitas demandas dos múltiplos agentes que produzem a cidade,
aquela que diz respeito à preservação da memória é tão importante como
qualquer outra: se não está ligada diretamente a “interesses”, incide sobre a
identidade e cultural e social dos habitantes da cidade, sobre o controle do
seu passado em suas relações com o tempo presente, em seus diretos de
cidadania (indissociáveis da dimensão temporal) que implicam a luta de
apropriação e gestão de espaços urbanos para todos os cidadãos, na luta pela
democracia.
Dentre os conceitos de memória, aquele que mais se adéqua a formação de
patrimônios culturais é o de memória coletiva, pois é a cultura, o significado, o valor que um
grupo, um povo atribui para determinada tradição, cultura, forma de construir. A memória
coletiva consiste em anotações de “datas e definições ou lembranças arbitrárias de
acontecimentos e fatos históricos” que se relacionam aos acontecimentos nacionais as
diversas fases da vida e passam a ser pontos de referência e divisões dela (HALBWACHS,
1990, p.54-57). Por intermédio desta memória, um grupo determinado é capaz de distinguir
sua história “no momento em que considera seu passado, sente acertadamente que
permaneceu o mesmo e toma consciência de sua identidade através do tempo” (ibidem, p.87).
A memória coletiva faz parte da identidade de grupos sociais sobre fatos históricos,
tradições e costumes ocorridos em suas gerações, pois permite evocar o passado a partir do
tempo presente, ou seja, recordar o que não existe mais, pelo que é atualmente. Se por
ventura, a memória coletiva de um grupo for perdida, ela passa então a ser considerada como
memória histórica, que deve ser materializada para ser mantida por meio de documentos,
25
artefatos, edifícios ou tombamentos, existentes em qualquer território que tenha essa
importância histórica e cultural, seja em cidades interioranas, no meio rural ou em grandes
urbes (ANDRADE, 2008).
De acordo com Camargo:
O valor simbólico que atribuímos aos objetos ou artefatos é decorrente da
importância que lhes atribui à memória coletiva. E é esta memória que nos
impele a desvendar seu significado histórico-social, refazendo o passado em
relação ao presente, e a inventar o patrimônio dentro de limites possíveis,
estabelecidos pelo conhecimento (2002, p.31).
No entanto, com globalização e o industrialismo, e o processo acelerado de
urbanização que transformou cidades em grandes núcleos urbanos trouxeram profundas
mudanças decorrentes dos processos produtivos e das novas tecnologias. Nesse novo
processo, a evocação ao passado pode significar desvantagem e desatualização diante aos
novos processos tecnológicos e econômicos. Aparece então, como uma das consequências
desses processos, a desvalorização da memória relativa à consciência do significado da
identidade histórico-social de uma sociedade civil (ADAMS, 2002, p.19).
Essa desvalorização citada pela autora preocupa, pois é a memória é um dos principais
componentes formadores da identidade de um povo. Conforme Fentres e Wickman, (1994,
p.12) “a memória social identifica um grupo, conferindo sentido ao seu passado e definindo
suas aspirações para o futuro”:
[...] a memória pode mudar com o tempo, mas, mesmo quando não mudam,
certamente serão selecionadas, a partir de um conjunto potencialmente
infinito de memórias possíveis pela sua relevância para os indivíduos que
recordam pelo seu contributo para a construção das identidades e das
relações pessoais.
Partindo desse pressuposto, atualmente tornou-se imprescindível buscar meios para
retomar a valorização da memória coletiva e da revalorização cultural, que são elementos
integrantes da identidade, no decorrer do tempo, de grupos sociais estabelecidos para que com
o tempo os assuntos ligados à memória não se tornem absoletos. Desta forma, a memória é e
deve ser considerada como um direito de propriedade da população e um dever do Estado,
que deve criar ferramentas e métodos para que ela não seja perdida totalmente. Para que esta
memória permaneça, é preciso que a comunidade adquira e se aproprie dos seus bens
culturais, estes que são constituídos de:
26
[...] fatores indispensáveis no processo de conservação integral ou
preservação sustentável do patrimônio, pois fortalece os sentimentos da
identidade e pertencimento da população residente, e ainda estimula a luta
pelos seus direitos, bem como o próprio exercício da cidadania
(PELEGRINI, 2006, p.127).
À medida que o cidadão se coloca como parte integrante do seu entorno, tende a
reconhecer a sua memória individual e coletiva e, portanto, passa a elevar a sua autoestima e
valorizar a sua própria identidade cultural. Como expõe Haigert (2005):
[...] o suporte fundamental da identidade é a memória, mecanismo de
retenção de informações, conhecimento, experiências, quer em nível
individual, quer social, e por isso mesmo, eixo de atribuições, que articula,
categoriza os aspectos multiformes da realidade. (HAIGERT, 2005, p. 100)
Alberti (2005, p.167) diz que “a memória é essencial a um grupo porque está atrelada
à construção de sua identidade”. Ela é resultado de um trabalho de organização e de seleção
do que é importante para o sentimento de unidade, de continuidade e de coerência, isto é, de
identidade. Percebe-se, nessa situação a relação entre a memória coletiva e a identidade
cultural, pois a memória coletiva refere-se às lembranças pertinentes ao grupo consideradas
assim, um elemento que compõe a sua identidade, uma vez que, a partir dessas lembranças,
evoca sentimentos e simbologias que caracterizam determinado grupo e o difere de outros.
Sobre o assunto, afirma Santos (2004, apud BATISTA, 2005) que:
“a definição da própria identidade cultural implica em distinguir os
princípios, os valores e os traços que a marcam, não apenas em relação a si
própria, mas frente a outras culturas, povos ou comunidades. Memória e
identidade estão interligadas, desse cruzamento, múltiplas pelas
possibilidades poderão se abrir ora produção de imaginário históricocultural” (SANTOS, 2004, apud BATISTA, 2005).
A expressão identidade vem do grego idios, que significa “mesmo”, “si próprio” ou
“privado”, ou seja, antes de qualquer coisa a palavra remete a semelhanças consigo mesmo.
No que tange ao conceito de identidade, Haigert (2005, p. 102-103) considera que identidade
“é o elemento que caracteriza os membros de uma sociedade, comunidade ou grupo humano
entre si e perante os outros [...] pode ser tomada pelas suas características peculiares que as
diferem de outras. [...]” sendo que “a memória de um povo é o seu referencial de conduta e
identidade. Sem memória não há identidade, desaparece a cultura e destrói-se a consciência
coletiva”.
27
De acordo com Maffesoli (1987, BARRETO, 2003, p.44) “o conceito de identidade
implica o sentimento de pertença a uma comunidade imaginada, cujos membros não se
conhecem, mas partilham importantes referencias comuns: uma mesma história, uma mesma
tradição”. Ainda, com base em Hall (2003) e em Meneses (1993), o conceito de identidade
cultural é definido historicamente na interação entre o individual e o social, e justamente por
isso não pode ser colocado como um referencial fixo, completo ou unificado. Ele surge do
sentido de pertencer às culturas em suas formas étnicas, racionais, linguísticas, religiosas e,
acima de tudo, nacionais. A internalização de significados e valores provenientes de
identidades culturais é o que contribui para alinhar nossos sentimentos subjetivos com os
lugares objetivos que ocupamos no mundo social e cultural (HALL, 2003, p. 12).
Desse modo, quando pessoas portadoras de outros padrões culturais, quando inseridas
em um novo ambiente podem interferir na cultura local, mudando a identidade cultural.
Cultura e identidade estão sensíveis a fatores externos.
[...] tradição, como uma categoria autoconsciente, é “inevitavelmente
inventada”. [...] falar de “construção” de identidade cultural ou de “invenção
de tradição” é “enfatizar que cultura é um produto dinâmico da consciência
humana e esta sendo constantemente reformulada no contexto
contemporâneo” (LIMEKIN 1997, p.217 apud JÚNIOR; BARRETO, 2002,
p. 134).
As alterações ocorridas com o passar do tempo podem gerar o que é chamado de
“crise da identidade”, ou seja, as identidades estão sendo fragmentadas e descentradas para
dar espaço ao surgimento de novas identidades. Este procedimento “está deslocando as
estruturas e processos centrais das sociedades modernas e abalando os quadros de referência
que davam aos indivíduos uma ancoragem estável no mundo social” (HALL, 2003, p.07). [...]
“a identidade muda de acordo com a forma como o sujeito é interpelado ou representado, a
identificação não é automática, mas pode ser ganha ou perdida” (ibidem, p.21).
No Brasil, a preocupação com a identidade começou com o movimento dos
modernistas no início do século XX, ao se mobilizarem para promover busca da identidade
nacional tomando como base as raízes socioculturais do Brasil colonial. No governo Vargas
houve a implantação institucional de um serviço que visava proteger e definir o nacional
dando ênfase à produção cultural “buscando o engajamento dos intelectuais no processo de
construção do Brasil moderno através do Estado, bem como à construção de uma legitimidade
política nacionalista respaldada pelas práticas e tradições de vários aspectos da cultura
popular brasileira” (BRENNER, 2002, p.68). Todo esse esforço tinha como objetivo unir a
28
população brasileira em torno de algo que pudesse ser considerado como nacional, e que
todos se identificassem com este. A identidade e cultura da nação moderna buscam e
caracterizam-se por um discurso homogêneo e universal, como cultura nacional. Ao discutir
as identidades nacionais, percebe-se que buscam unir as diferenças em uma única identidade.
Continuando a discussão, Hall (1995, apud BRENNER, 2002), ressalta que a
imaginação sobre nação, não é apenas representada pelas suas instituições, mas também pelos
símbolos, histórias e os discursos que a compõem formando um conjunto de elementos que
são utilizados entre seus membros para a identificação com essa comunidade, diferenciando-a
de outras nações e constituindo a identidade nacional.
Dentre esses elementos que caracterizam uma sociedade e sua história, merece
destaque aqueles ligados a arquitetura e monumentos, pois em cada época essas obras
refletem o ambiente vivido no momento.
A revolução industrial trouxe um novo conceito de monumento histórico. Isso por
estar passando pelo modernismo que trazia o repensar do urbanismo, gerando novas técnicas
de arquitetura e reconstruído as cidades e por esse motivo levando a destruição de
monumentos velhos e mantendo-se poucos monumentos para abrir espaço para esse novo
urbanismo e conceito de monumento. (CHOAY, 2001, p. 126-127). Barreto (2000, p.12)
explica que monumento é identificado quando são obras arquitetônicas podendo ser edifícios,
pinturas, obras de arte e artefatos arqueólogos, com valor para a história, arte ou ciência.
Ruskin salienta a oposição de ambos os lados da fatídica linha de separação
entre arquitetura tradicional e a construção moderna. Pública ou doméstica, a
primeira tinha por vocação afirmar a permanência do sagrado, enquanto
encadeava na duração as diferenças dos homens. A segunda, anônima e
estandardizada, recusa a duração e suas marcas - a arquitetura doméstica é
substituída por apartamentos precários, por onde se passa como se fossem
albergues; e a arquitetura pública cede lugar a espaços de ferro e vidro, na
superfície dos quais o tempo não tem permissão para pousar. (CHOAY,
2001, p. 137)
É enfatizado pelos autores Funari e Pinsky (2003, p.15), que:
A finalidade do patrimônio, originalmente tida como a de representar o
passado das nações, multiplicou-se. A partir de dois pontos de vista, muitas
vezes tomados como antagônicos – o poder público, que pretende a
valorização dos bens como mercadorias culturais, e o de parte da sociedade,
que o vê como fato de qualidade de vida.
Assim, os mesmos autores demonstram que pensar na herança cultural como memória
é ligá-la diretamente à preservação do patrimônio. Tradicionalmente, a preservação de bens
29
faz parte da cultura de uma coletividade. Preserva-se um bem em razão da beleza ou do
caráter histórico ou natural. Entretanto, para que a conservação seja efetiva, é necessária sua
institucionalização, ou seja, é indispensável que algumas medidas sejam traçadas pela
legislação, obrigando igual comportamento pela população frente aos bens que merecem ser
conservados. Esta é a oportunidade de haver um resgate cultural por ambas as partes
envolvidas, pois tanto o poder público como a sociedade sentem-se privilegiadas com tal
preservação, podendo exercer um trabalho em conjunto para que esta idéia possa se tornar
realidade e o patrimônio seja preservado.
A preservação desses bens é realizada pelo setor público através do tombamento.
Meirelles (1996, p. 491) define Tombamento como “a declaração, pelo poder público, do
valor histórico, artístico, paisagístico, cultural ou científico de coisas que, por essa razão,
devem ser preservadas de acordo com a inscrição em livro próprio”.
Outro conceito é apresentado por Gasparini (2004 apud GASPARINI, 2005, p. 51):
Tombamento é a submissão de certo bem, público ou particular, a um regime
especial de uso, gozo, disposição ou destruição em razão de seu valor
histórico, cultural, artístico, turístico ou paisagístico. (...) O tombamento, ato
administrativo que declara e registra em livro próprio o valor histórico,
cultural, artístico, turístico e paisagístico de certo bem para preserva-lo, pode
ser: I – de ofício, II- voluntário e III – compulsório, consoante à legislação
federal. O primeiro incide sobre bens públicos; o segundo, sobre bens
particulares, cm a anuência do proprietário; e o terceiro recai sobre bem
particular e contra vontade do proprietário.
O tombamento é um ato administrativo precedido de um procedimento no qual são
feitos os estudos acerca do valor histórico, cultural, artístico, turístico ou paisagístico do bem
(IPHAN; 2010).
É concedido o direito ao contraditório ao proprietário para que se manifeste
acerca de sua concordância ou não da medida protetiva, e ainda é fixada a
data a partir da qual o bem deve ser oficialmente preservado. Isso quer dizer
que não é possível ser decretado por lei, uma vez que estaria afastado o
princípio contraditório, e os estudos que levam a conclusão da necessidade
da preservação do bem não seriam de conhecimento público. Quanto aos
efeitos do tombamento (CUNHA, 2007, p.24).
O processo de tombamento, após avaliação técnica preliminar, é submetido à
deliberação das unidades técnicas responsáveis pela proteção aos bens culturais brasileiros.
Caso seja aprovada a intenção de proteger um determinado bem, seja cultural ou natural, é
expedida uma notificação ao seu proprietário. Essa notificação significa que o bem já se
30
encontra sob proteção legal, até que seja tomada a decisão final, depois de o processo ser
devidamente instruído, ter a aprovação do tombamento pelo Conselho Consultivo do
Patrimônio Cultural e a homologação ministerial publicada no Diário Oficial. O processo
finalmente termina com a inscrição no Livro do Tombo e a comunicação formal do
tombamento aos proprietários (IPHAN, 2010).
Gasparini (2005) ainda menciona que:
[...] o tombamento também impõe restrições aos proprietários de imóveis
vizinhos ao bem tombado. O artigo 18 da lei de Tombamento preceitua que
‘sem prévia autorização do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional, não se poderá, na vizinhança da coisa tombada, fazer construção
que lhe impeça ou reduza a visibilidade nem nela colocar anúncios ou
cartazes, sob pena de ser mandado destruir a obra ou retirado o objeto,
impondo-se neste caso a multa de 50% do valor do mesmo objeto’” (p. 68).
O tombamento impõe restrições para o bem tombado e para os bens vizinhos no
intuito de “preservar, por intermédio da legislação específica, esses bens, de valor histórico,
cultural, arquitetônico, ambiental e também de valor afetivo pela população, impedindo assim
que determinados bens não sejam destruídos ou descaracterizados” (CUNHA, 2007, p.26).
Ainda segundo a autora (2007, p.26), o tombamento realizado pelo Estado ocorre no
sentido da conservação da memória coletiva. Porém, surge um questionamento de que
memória coletiva é essa, já que “grande maioria dos tombamentos brasileiros ocorrerem por
intermédio de intelectuais, tornando-o algo distante da população”.
Outro problema verificado por Cunha (2007, p.27) são os processos de tombamento
pouco explicativos:
[...] o tombamento compulsório e nem um pouco esclarecedor uma vez que
se trata de um ato que recai obrigações, muitas vezes é visto como punição
pelos donos. Seria necessário que o tombamento fosse planejado incluindo
seus moradores, pois as consequências desse tipo de ação ultrapassam a
destruição física dos bens. São inúmeros os exemplos de patrimônios que
valorizados pelo reconhecimento oficial foram esvaziados de seu significado
e dos referenciais de cultura e memória originais. E, o que é mais grave, em
geral ocorre à dispersão de seus moradores, destruindo os modos de vida e
redes de sustentação de culturas específicas.
Ocorre também como agravante do processo de tombamento o pouco interesse do
Estado em distribuir recursos financeiros para a preservação de um bem. Nesse sentido
Barreto (2006, p.121) diz o seguinte:
31
O tombamento de um monumento ou de uma cidade não traz no seu bojo a
solução econômica para a manutenção desse bem, porque, a partir do
momento da declaração, há um prazo de cinco anos para que o lugar passe a
receber ajuda financeira, dada a tramitação burocrática. Tampouco traz a
garantia de sua integridade, pois o monumento ou cidade tombado,
transforma-se, quase de imediato, numa atração turística. Isso leva a um
número excessivo de visitação e, conforme o Centro de Estudos da
Preservação e Restauração da Propriedade Cultura (Iccrom), o dinheiro dos
turistas não é investido na conservação dos monumentos, a não ser em casos
excepcionais, como o de Roma.
As edificações tombadas pelos órgãos competentes são “escolhidas” por motivos
determinados, buscando representar uma determinada época, classe social ou acontecimento,
levando necessariamente a exclusão outras épocas, classes sociais e acontecimentos em um
processo que envolve disputa de poder. Ou seja, ao se determinar o tombamento de
determinada edificação, ao se constituir determinado roteiro.
Há que se mencionar que não apenas edifícios públicos são tombados, mas também
monumentos em propriedades particulares. Sobre o tema, Barreto (2000, p.14-15) diz que:
O tombamento de bens particulares por parte do poder público leva
automaticamente a uma perda do potencial de comercialização do terreno
para a construção de propriedade horizontal. Desde que esta última é a
aspiração da maior parte dos proprietários de casarões antigos, sobretudo
quando se trata de bens herdados, o tombamento passa a ser visto como fator
negativo, até indesejado, uma ameaça ao patrimônio particular, patrimônio
aqui entendido como pecúlio. Um exemplo disso é o acontecido na Avenida
Paulista em São Paulo, onde a maior parte dos casarões do café foi demolida
na segunda metade do século para dar lugar a prédios comerciais ou
residenciais de alto padrão. Outros proprietários simplesmente abandonam o
imóvel, sob a alegação de que, se o poder público o tombou, deve ocupar-se
da restauração, da manutenção e da utilização do lugar. Como resultado, os
imóveis antigos tombados ficam abandonados, provocando um efeito
contrário ao esperado, qual seja o de enfear as cidades em lugar de
embelezá-las.
Uma vez que as arquiteturas e espaços não devem ser fixados por uma idéia de
conservação fixa, mas tentar manter um dinamismo no local que remeta quem ali estiver
àquele momento representado, muitas vezes isto não se faz possível pelos proprietários que
reivindicam o direito de dispor livremente de seus bens. (CHOAY, 2001, p.17-18)
Existem ainda muitas características, leis e regras relacionadas ao tombamento que
não foram exemplificadas nesse trabalho. No entanto, é importante lembrar que esta ação visa
à melhoria de condições de vida dos usuários do bem tombado, preservando-o para futuras
32
gerações e mantendo os alicerces da história e cultura daqueles que o utilizam. Entretanto, da
maneira como tem sido realizado, o tombamento perde a sua eficácia.
Desta forma, com o intuito de incentivar a amenizar os paradoxos instituídos pelo
tombamento e ajudar na sua eficácia, a partir da década de 1960 o SPHAN – Serviço de
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (primeiro órgão dedicado à preservação no Brasil,
substituído atualmente pelo IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional)
começa a tratar a preservação com aspiração para o desenvolvimento da atividade turística.
Isto como tentativa de solucionar a situação instituída pelo Estado que quando tomba prédios
históricos para protegê-los da destruição rápida, acaba tolhendo suas possibilidades de
utilização e os condena à destruição lenta do abandono, sem poder obrigar os donos, que
muitas vezes não possuem recursos financeiros, a tomar providências (CUNHA, 2007).
1.3 A Preservação do Patrimônio no Brasil
De acordo com Barreto (2000), para manter a identidade, seja ela étnica, local,
regional ou nacional, é necessário que a comunidade se sinta segura e unida por laços em
comum. São esses laços entre seus membros que levam a comunidade a uma identidade
diferenciando-a de outras nações e constituindo a identidade nacional. Para Martins (2006,
p.68) o estudo de identificação, reconhecimento e preservação do patrimônio cultural em
nome da continuidade histórica das inúmeras comunidades que compõem a sociedade
brasileira, tornam possível a sobrevivência dessas culturas perante a força do progresso.
Ações de preservação de áreas urbanas podem ser entendidas como resgate da
identidade do indivíduo e de sua condição de ente social inserido em um espaço cultural
nacional, internacional e globalizado que, no presente se apresenta em espaços urbanos
específicos. (ADAMS, 2002, p. 13).
É por esse motivo que o Estado “pode e deve ser um agente de ações e propostas
políticas em relação à preservação consciente e sistemática do acervo cultural de uma
determinada localidade” (ANDRADE, 2008, p.25). Para a autora, as ações do Estado, quanto
à preservação de patrimônios possuem base em processos legais e de valores prévios que:
[...] têm como consequência a proteção de bens culturais que passam a
integrar os acervos, federal, estadual e municipal, sendo objeto de cuidados
que visam à sua preservação. A existência desse acervo protegido reforça a
identidade coletiva, conferindo legitimidade àquilo que identifica como
fundamental (ADAMS, 2002, p.20).
33
Para Lemos (1981), o termo preservar deve ser aplicado necessariamente com toda a
amplitude de seu significado. A atenção deve estar voltada somente às alterações
psicossociais ou sócio-étnicas incididas nos variados segmentos do panorama cultural
brasileiro, provocada por fatores externos.
Mesmo que desde 1937, a Conferência de Atenas tenha defendido a salvaguarda do
patrimônio cultural, Funari e Pelegrini (2006) contam que essa atividade atinge seu ápice no
período que vai de 1914 a 1945, quando duas guerras eclodem sob o impulso dos
nacionalismos. Ao final da Segunda Guerra Mundial, em 1945, houve a criação da ONU –
Organização das Nações Unidas, e da UNESCO – Organização das Nações Unidas para a
Educação, a Ciência e a Cultura, essa última até hoje responsável pela conservação do
patrimônio mundial. Em decorrência do impacto da destruição causada pelos bombardeios
decorrentes da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), a atenção dos estudiosos voltou-se ao
patrimônio, já que era essencial a reconstrução das cidades e a restauração dos monumentos.
Como já mencionado anteriormente, a iniciativa de valorização do patrimônio
histórico brasileiro inicia-se com intelectuais modernistas oriundos do movimento
denominado Semana da Arte Moderna de 1922. Sob as influências do Modernismo iniciou-se
a construção de uma política de preservação do patrimônio histórico brasileiro. Segundo
Simão, (2006):
(...) para os modernistas nacionais, o Brasil adentraria o mundo moderno
através da busca da identidade própria civilizando-se. Sendo assim, ser
brasileiro significava ser moderno e isto implicava em entender o próprio
Brasil, buscar sua história e suas raízes. A busca dessa tradição significava
estabelecer vínculos com a arte brasileira.
Na arquitetura colonial, existiam características que se assemelhavam a arquitetura
moderna porque ambas eram essencialmente e fundamentalmente sociais, estavam de acordo
com os materiais, meios de realização e meios artísticos disponíveis cada uma no seu tempo.
E, por esses motivos eram consideradas ambas verdadeiras, uma representando a história, o
passado; e outra representando as técnicas atuais, a modernidade. Outros fatores que
contribuíram para trazer a tona preocupações com a preservação do patrimônio brasileiro foi o
crescimento do nacionalismo impulsionado pelos modernistas e a valorização da arte sacra
colonial no mercado internacional.
Segundo Simão (2006), no Brasil a grande lacuna cultural era a inexistência de uma
cultura própria, de identidade local. A proposta originária e fundadora do modernismo foi a de
34
criar uma nova arte brasileira capaz de retratar a nação. A pedido de Gustavo Capanema,
então Ministro de Educação, Mário de Andrade elaborou em 1936 um anteprojeto para a
criação do instituto preservacionista e as diretrizes para a proteção do patrimônio artístico
nacional. E foi aí que se depositou a base para a legislação federal promulgada 30 de
novembro de 1937 como Decreto-Lei nº 25.
Ainda conforme Simão (2006), o tombamento, escolhido como instrumento legal de
proteção, originou-se do estudo de Mário de Andrade, à semelhança de alguns países
europeus sendo que os quatro Livros de Tombo, onde se inscrevem os bens até hoje válidos,
dividem-se nas seguintes categorias: Livro de Tombo Arqueológico, Etnográfico e
Paisagístico, Livro de Tombo Histórico, Livro de Tombo das Belas-Artes e Livro de Tombo
das Artes Aplicadas. Reconhece-se que este foi um período muito importante no
desenvolvimento das instituições relacionadas ao conhecimento e preservação do patrimônio
nacional, realizando inventários e tombamentos que garantiram a manutenção de uma série de
obras de relevantes valores á história do Brasil. Foi uma época em que a preservação era
movida pela paixão pessoal dos interessados, já que o recurso financeiro praticamente
inexistia.
O Decreto-Lei 25/37, instrumento legal que rege a matéria até a atualidade,
promulgado pelo Estado Novo, já havia sido aprovado pela Câmara e pelo Senado quando o
golpe de estado dissolve o Congresso. Assim, resultou de discussões ampliadas e refletiu o
pensamento modernista da época. Este foi fundamentado conceitualmente no estudo de Mário
de Andrade e sofreu modificações principalmente em seu aspecto operacional e no universo
de abrangência de “obra de arte” (SIMÃO, 2006).
Foi definido como:
Patrimônio histórico e artístico nacional o conjunto dos bens móveis e
imóveis existentes no país cuja conservação seja de interesse público, quer
por sua vinculação a fatos memoráveis da história do Brasil, quer por seu
excepcional valor arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou artístico.
(MEC/SPHAN/FNPM, 1980, p111)
O IPHAN é um órgão de preservação do patrimônio cultural, que a partir de um
princípio normativo, que atualmente tem como base o artigo 216 da Constituição da
República Federativa do Brasil de 1988, define patrimônio cultural:
A partir de suas formas de expressão; de seus modos de criar, fazer e viver;
das criações científicas, artísticas e tecnológicas; das obras, objetos,
documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações
artístico-culturais; e dos conjuntos urbanos e sítios de valor histórico,
35
paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico
(IPHAN, s.d.).
Segundo o IPHAN, a Constituição também estabelece que cabe ao poder público, com
o apoio da comunidade, a proteção, preservação e gestão do patrimônio histórico e artístico do
país. O IPHAN vem realizando um trabalho permanente de identificação, documentação,
proteção e promoção do patrimônio cultural brasileiro.
Conforme Pelegrini (2008), em 1960, o questionamento das formas de poder
emergente, abriu brechas para a manifestação de valores identitários, antes subjugados, e
trouxe à tona referencias culturais anteriormente incógnitas. “A contestação de toda e
qualquer forma de autoridade, as utopias por uma sociedade mais humana, a revisão de
arquétipos de comportamento e a emergência de novas sensibilidades levou a percepção dos
bens culturais” imateriais. Nessa direção:
[...] os fundamentos que norteavam a seleção dos bens e o sentido da
preservação propugnada pela UNESCO ampliaram-se alcançando não
somente monumentos suntuosos representativos do ponto de vista dos
poderes hegemônicos, mas também construções mais simples e integradas ao
dia-a-dia das populações e mais recentemente, os bens culturais de natureza
intangível (PLEGRINI/FUNARI, 2008, p. 35).
Passa-se então a desenvolver a ideia de se descentralizar a preservação do patrimônio,
e a conceituar de forma ampliada passando a trabalhar a preservação dos bens móveis em
conjunto com os bens imóveis.
A partir de 1980, com o fim do regime militar, iniciou-se uma discussão acerca da
inclusão da sociedade nas políticas preservacionistas. Os responsáveis por essa prática
trouxeram à tona a discussão sobre a finalidade e quem seria o público alvo da preservação
dos monumentos e também a função social da preservação, pois os imperativos econômicos e
mercadológicos se tornaram questões presentes e primordiais nestas discussões. O patrimônio
passou a ser valorizado como fonte documental, procurando dar ênfase à pluralidade cultural
brasileira, como as obras dos imigrantes estrangeiros, as obras das camadas desfavorecidas da
população; e a arquitetura vernacular (CUNHA, 2007, p.20).
Além dos esforços federais, a preservação do patrimônio também ocorre de maneira
local. No estado de São Paulo, a atividade do IPHAN passou a contar, a partir de 1968, com o
CONDEPHAAT – Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e
Turístico. O CONDEPHAAT é o órgão estadual responsável pela identificação, classificação,
36
restauração e preservação dos bens históricos, arqueológicos, dos artísticos e turísticos móveis
e imóveis existentes no território do Estado de São Paulo. Estes bens que compõem o
patrimônio são preservados através do instrumento jurídico chamado de tombamento.
Além das definições já apresentadas anteriormente, o Departamento do Patrimônio
Histórico da Secretaria Municipal de Cultura da Cidade de São Paulo explica que o
tombamento:
[...] significa um conjunto de ações realizadas pelo poder público com o
objetivo de preservar, por meio de legislação específica, bens culturais de
valor histórico, cultural, arquitetônico e ambiental, impedindo que venham a
ser demolidos, destruídos ou mutilados. O tombamento pode ser aplicado a
bens móveis e imóveis, quais sejam: fotografias, livros, mobiliários,
utensílios, obras de arte, edifícios, ruas, praças, bairros, etc., mas somente
àqueles de interesse coletivo e para a preservação da memória.
Com todos esses esforços do governo no âmbito federal e estadual, para preservar os
patrimônios culturais do país, criou-se interesse na população pelo seu passado, pois como
afirma Barreto (2000, p.45) “o indivíduo, por sua vez, precisa recorrer a essa memória
coletiva quando quer saber sobre os fatos que não testemunhou e que fazem parte de seu
passado e de sua comunidade”. Como resultado, o turismo cultural tem se destacado e é esta
essa atividade que será estuda a seguir.
1.4 Turismo Cultural
Mesmo que definir o turismo não seja uma tarefa muito simples, alguns autores e
órgãos de regulamentação e estudo desta atividade buscam criar conceitos que mais se
enquadrem ao momento pesquisado. “A conceituação do turismo não pode ficar limitada a
uma simples definição, pois este fenômeno ocorre em destinos, campos de estudo, em que é
explicado conforme diferentes correntes de pensamento, e verificado em vários contextos da
realidade social” (BENI, 2001, p.39).
De acordo com Prudente (2005, p.83), com o advento da sociedade industrial e o
aprimoramento dos meios técnicos, o turismo associado ao lazer está condicionado aos
diferentes níveis de consumo frente ao novo panorama fundamentado em novas relações
econômicas internacionais.
Essa realidade em que o turismo se insere atualmente remete a outra questão muito
utilizada: a segmentação:
37
A segmentação é um processo que, no turismo, deve ser sempre levado em
consideração, pois facilita a comercialização do produto turístico, permite
uma formatação mais profissional do produto com a contratação de
especialistas que possibilitarão a melhoria continua dis atrativos
privilegiados pela localidade, a qual não seria possível caso se resolvesse
atuar com um leque muito amplo de segmentos do turismo cultural. A
identificação de uma prioridade em termos de turismo cultural permite atrair
setores que complementam o atrativo principal, de modo a possibilitar um
alinhamento de interesses (DIAS, 2006, p.56).
Há grande discussão acerca da definição de turismo cultural. Barreto (2000, p. 19-20)
diz que turismo cultural é “todo turismo em que o principal atrativo não seja a natureza, mas
algum aspecto da cultura humana. Esse aspecto pode ser a história, o cotidiano, o artesanato
ou qualquer outro dos inúmeros aspectos que o conceito de cultura abrange”. Já Andrade
(2002, p. 71) fala que o turismo cultural:
[...] abrange exclusivamente as atividades que se efetuam através de
deslocamentos para a satisfação de objetivos de encontros com emoções
artísticas, científica, de formação ou informação nos diversos ramos
existentes, em decorrência das próprias riquezas da inteligência e da
criatividade humanas.
Segundo o MTur – Ministério do Turismo (2006), “o turismo cultural compreende as
atividades turísticas relacionadas à vivência do conjunto de elementos significativos do
patrimônio histórico e cultural e dos eventos culturais, valorizando e promovendo os bens
materiais e imateriais da cultura.”. Enquanto para Goeldner et al (2000) o turismo cultural é
aquele no qual os turistas conhecem e aprendem sobre os modos de vida e de pensar da
comunidade local.
Apesar da diferentes definições para o turismo cultural, o que há em comum é a idéia
de que essa modalidade de turismo, de acordo com o caso, ser um meio de preservação do
patrimônio cultural. O lucro gerado pela atividade turística pode (o que não é visto em grande
parte dos casos) ser reinvestido na conservação do patrimônio, pois, como já mencionado,
muitas vezes o tombamento de um patrimônio, ou de todo um conjunto, não garante a sua
preservação.
Autores concordam com essa idéia como no caso de Rodrigues (2006), quando diz que
a atividade turística pode funcionar como motivadora da manutenção da identidade local,
sendo o turismo uma das grandes alternativas econômicas atuais para os núcleos urbanos
38
preservados; e Pires (2003, p.75) quando menciona que: “o turismo é um gerador de emprego
e riqueza, mas principalmente, uma grande ferramenta de democratização da cultura.”.
Porém, não se deve esperar que o turismo seja o único elemento responsável pela
preservação de certo patrimônio cultural. Essa visão pode ficar mais clara com o que
demonstra Portuguez (2004, p.5):
[...] deve-se considerar que não são todos os tipos de heranças que despertam
o interesse do fluxo turístico. São muitos os sítios históricos que apresentam
construções de belezas únicas. No entanto, o aspecto estético e a
conservação do patrimônio não se têm mostrado suficientes para assegurar a
presença e a permanência dos turistas. Determinados sítios históricos
representam muito para comunidades específicas, de acordo com o elenco de
fatores que deram origem aos processos responsáveis por sua existência.
Nesse contexto, um fato a ser lembrado, é que em muitos casos o desenvolvimento da
atividade turística, mesmo que preserve o patrimônio, pode descaracterizá-lo. Diversos
exemplos são encontrados na Europa, em que edifícios históricos são ocupados pela iniciativa
privada para montar lojas de roupas, restaurantes, entre outros. Preserva-se a fachada, porém
perde-se o valor histórico. Sob esse aspecto os conjuntos urbanos tombados vêm sendo
inseridos na dinâmica da cidade e são utilizados como casas residenciais, comércios, sedes de
órgãos públicos (prefeitura, casa de saúde, museus, etc.) e até mesmo para equipamentos e
serviços da atividade turística.
Esse tipo de uso causa muitas discussões entre os estudiosos, já que muitos deles
acreditam que no turismo cultural o produto a ser construído e vendido deve ser fiel às
tradições e costumes da comunidade, para que o consumo não descaracterize sua identidade
mas, sim, se torne um instrumento para seu fomento. Como pode ser visto, não é sempre
assim que acontece. Barreto (2006, p.128-129) mostra uma concepção numa “espécie de
oposição entre o sagrado (o patrimônio) e o profano (os negócios turísticos)”. Ela traz a
pergunta se “uma loja de souvenirs (profana) em um monumento não é melhor que sua
destruição por falta de uso ou de verba para sua manutenção”.
Nossa visão cotidiana de patrimônio é aquela que está profundamente
entrelaçada com o nosso senso de história e passado e também como com as
nossas tendências consumistas; isto é, a escolha e o valor são fatores-chave,
mas também os desejos a serem satisfeitos, adestrados e supridos com o
aumento do senso de individualidade. Esse ponto é importante. Patrimônio –
como parte do crescimento da cultura com indústria – deve ser visto como
oportunidade para os visitantes de construir, aumentar ou reorientar seus (e
dos outros) próprios sensos de identidade (BACHLEITNER e ZINS, 1999,
p.200 apud BURNETT, 2004, p.40).
39
Nesse sentido, Barreto (2006, p.129) diz que dado o processo pelo qual o tombamento
é realizado nos dias de hoje, surge a dúvida se em pouco tempo o interesse turístico de um
bem não vai prevalecer sobre seu valor histórico ou cultural. Desta forma, “as razões
econômicas teriam predominância e seria feita a vontade dos grupos de poder, que obteriam
benefício com os negócios turísticos a partir da criação de atrativos avalizados por órgãos
nacionais e internacionais”. Para a autora, de alguma forma, isso já está acontecendo.
Apesar desse apelo especialista e do potencial para problemas na
apresentação do patrimônio e cultura como atrações turísticas, o patrimônio
e a cultura tem muitas sinergias como o turismo, e eles se apoiam bem. O
turismo atrai a cultura e o patrimônio das destinações para muita de sua
imagem promocional: castelos, catedrais, palácios, folclore, aldeias
singulares têm apelo popular vívido. Mais do que isso, muitos visitantes
desejam explorar e vivenciar as características do patrimônio e cultura de um
local, mesmo se sua motivação inicial é de relaxamento e divertimento. Esse
interesse tem vantagens positivas para locais específicos de patrimônio e
países com notável tradição cultural, trazendo visitantes e seus rendimentos
para áreas às quais frequentemente têm poucas opções de atividades
econômicas, por meio disso fornecendo ambos: fundos financeiros e análise
racional para conservar construções antigas e outras facetas da cultura local
(LAWS, 2004, p.555-56).
Vale mencionar que tão importante quanto à discussão é que a atividade seja planejada
e a população deve relacione-se com o patrimônio que obtém contribuindo dessa forma, para
que as visitações aos bens culturais não se tornem espetáculos, deixando de ser elementos de
uma tradição, de uma cultura ou monumentos que representam determinado momento
histórico, para se tornar exclusivamente atrativos turísticos, perdendo a referência com a
comunidade e com história.
A participação comunitária, por meio de políticas de inclusão da sociedade é
fundamental que para que várias práticas sociais, políticas e econômicas – inclusive a
atividade turística - tenham sucesso, eficiência e eficácia, visto que, assim como outras
atividades econômicas:
O turismo passa por um momento histórico em que [...] ou se apresenta
como uma proposta econômica de inclusão social e, assim contribui para
novas perspectivas de valorização da vida, do consumo de produtos culturais
e de distribuição de renda, ou, por outro lado alia-se a uma economia que
exclui parcelas imensas da população da participação na produção e, dessa
forma opta por uma proposta de consumo de massa que pouco se preocupa
com a sustentabilidade da produção econômica. [...] É possível e estimulante
pensar em um planejamento diferente, em uma percepção mais acurada,
40
onde o bem histórico-cultural possa ter tratamento de construção histórica
dinâmica e em andamento e possa propiciar inclusão identitária e social de
quem participa ativamente dessa dinâmica. A experiência turística tem
demonstrado que a participação comunitária sustenta não apenas o atrativo,
mas também a própria estrutura receptiva do turista (MENESES, 2004,
p.13).
A relação de compromisso entre consumo e identidade evitando a superficialidade do
usufruto faz com que o turismo construa algo que é fundamental para a sustentabilidade da
atividade e do atrativo que se constrói, ou seja, ocorre a dignificação da existência cotidiana
que dá substrato ao atrativo.
É sob esses aspectos e dos demais assuntos abordados até o momento que no próximo
capítulo serão apresentados dados sobre a casa de Flávio de Carvalho, no município de
Valinhos-SP, como se deu o processo de tombamento e quais os usos com o passar do tempo.
Tudo isso pautado em documentos e também em entrevistas com representantes públicos,
família e população local para que possa ser feito um paralelo entre a história e o potencial
turístico do monumento.
41
CAPÍTULO 2 – A CASA DO ARTISTA FLÁVIO DE CARVALHO
2.1 Processo de Tombamento da casa do artista pelo CONDEPHATT
Com informações do processo de tombamento da casa do Flávio de Carvalho podemos
constatar que em 1973, logo após a morte do artista Flávio de Carvalho, seu amigo e futuro
biógrafo, José Mario de Arruda Toledo pede ao CONDEPHAAT o tombamento da casa que
Carvalho criou, alegando ser uma obra de grande importância artística e histórica. Após dois
anos do pedido a prefeitura de Valinhos demonstrou interesse em apoiar o tombamento.
Em 19 de setembro de 1975, o prefeito de Valinhos, Arildo Antunes dos Santos
enviou uma carta ao Secretário de Estado da Secretaria de Cultura, Ciência e Tecnologia, Dr.
José E. Mindlin, para fazer o pedido para tombamento da casa do Flávio de Carvalho. Com o
grande motivo de seu falecimento e de umas únicas obras originais existentes com esse
tamanho, cita as casas criadas por ele em São Paulo na Alameda Lorena. Porém, por terem
sido muito alteradas, estas perderam o seu caráter original. Assim, a casa seria a única obra
deixada pelo artista, com esse tamanho, que se manteve no formato original que ele havia
criado.
O prefeito alega que a casa seria uma obra de importância artística e histórica para
cidade, sendo que esta começou a ser feita em 1935 e só foi terminada em 1938. Além do seu
tombamento, o prefeito cita que depois da casa ser tombada seria feito um museu histórico de
suas obras e, com isso pode-se verificar a primeira manifestação de interesse em um projeto
para o uso da casa.
A carta foi encaminhada ao secretario executivo Ruy de Azedo Marques do
CONDEPHAAT. O orgão em questão teve inúmeros problemas para poder avaliar o valor do
artista: o primeiro problema foi da localização do inventário do Flávio de Carvalho, anexação
dos elementos gráficos e fotográficos, além de várias visitas para poder avaliar a casa onde
não se encontrava o responsável. Dessa forma, o avaliador não pode avaliar a casa, o que
somente foi executado depois de várias visitas.
Depois de superados esses obstáculos, o membro do conselho avaliador, Antonio Luiz
Dias de Andrade, divulgou a decisão do tombamento da casa por motivos históricos e
culturais, por conta de sua participação em vários movimentos culturais de vanguarda que
mostrou a sua diversidade na produção do campo das artes e da arquitetura. Sem contar que
destacou que existiam poucas obras do artista que estavam em seu estado original ou que
42
ainda existiam, citando o exemplo do conjunto de residências da Rua Alameda de Lorena em
São Paulo que foi bastante alterada, perdendo assim sua característica original.
Essa decisão foi tomada em 19 de agosto de 1981. No dia 20 de outubro de 1981 o
Presidente do Egrécio Colegiado, Ruy Ohtake divulgou a decisão em uma síntese da decisão.
O diretor de divisão da secretaria executiva do CONDEPHAAT, Aldo Nilo Losso,
enviou uma carta ao prefeito de Valinhos, Luiz Bissoto, informando o tombamento da casa na
data de 12 de novembro de 1981 e informando que a casa não poderia ser alterada, demolida,
destruída sem a autorização do CONDEPHAAT.
O diretor também enviou cartas ao Delegado Civil, Dr. Natal Aparecido Paganelli, e
ao Proprietário, Dr. Custódio R. De Carvalho, informando sobre o tombamento e em especial
parabenizando o Dr. Custódio de Carvalho. Em 12 de maio de 1982 foi oficializado pelo
Secretário da Cultura do Estado de São Paulo, Antonio Henrique da Cunha Bueno, o
tombamento da casa.
2.2 Pesquisa de Campo
2.2.1 Análise de artigos de jornais sobre o artista
Nos artigos de jornais, encontrados na Biblioteca Municipal de Valinhos, podem-se
obter várias informações sobre a casa Flávio de Carvalho e do artista. Encontraram-se recortes
de jornais desde o ano de seu falecimento, como em um primeiro artigo 2 que continha
informações de como foi o enterro de Flávio de Carvalho, onde a prefeitura possuía a intenção
de prestar homenagem ao artista e enterrá-lo em Valinhos, mas o seu tio, Dr. Custodio R. de
Carvalho, com um documento que foi entregue ao prefeito Arildo Antunes dos Santos,
alegando ser dono do corpo, levou o artista, que foi enterrado na cidade de São João Batista,
onde era um cidadão emérito desde 1969.
Passado seu enterro e a tentativa de homenagem por parte da prefeitura de Valinhos, o
prefeito Santos decide transformar a casa de Flávio de Carvalho, onde ele criou muitas de
suas obras e morou, em um museu, onde essas mesmas obras ficariam expostas junto da
arquitetura do edifício. Além do projeto do museu, foi dado à principal via de acesso da
fazenda, o nome do artista, atualmente conhecida como rodovia Flávio de Carvalho,3.
2
3
Flávio terá monumento e sua casa será museu. Correio Popular, Campinas, 7 jun. 1973.
Flávio terá monumento e sua casa será museu. Correio Popular, Campinas, 7 jun. 1973.
43
Uma semana depois, foi divulgado em outro artigo4, que em reunião do Conselho de
Defesa ao Patrimônio Histórico, Artístico e Cultural do Estado de São Paulo
CONDEPHAAT, presidido pelo Sr. Luiz Saia, foi aprovado o tombamento da casa, onde seria
instalado um museu com o seu nome.
Visto que foi J. Toledo,5 amigo e biografo do artista plástico, quem pediu o
tombamento da casa de Flávio de Carvalho, e por ser amigo também, de Luiz Saia, presidente
do CONDEPHAAT, este entra em contato com o então presidente do órgão para a realização
do tombamento, porém, no mesmo ano que Luiz Saia declara a casa como edifício tombado,
ele falece, e assim o processo que fora interrompido se torna longo e complicado. Com isso,
Toledo em uma tentativa de retomarem o processo do tombamento, busca outras pessoas que
possam ajudá-lo. Dessa forma, procurou o ministro da Educação Eduardo Portela que estava
tentando o tombamento pelo IPHAN, porém, o ministro pediu demissão, assim, Toledo se viu
mais uma vez sem ter a quem recorrer.
No dia 29 de novembro de 1981, o jornal Correio Popular6 noticiou que o prefeito de
Valinhos, Luiz Bissoto, foi informado que o CONDEPHAAT propôs o tombamento da casa,
em reunião realizada no dia 7 de outubro de 1981. No ano de 1982, 7 se torna oficial o
tombamento da casa e Toledo comemora o feito. Mesmo com nove anos de espera, depois da
morte de Flávio de Carvalho, diz que foi um processo difícil, pois alguns integrantes da
família não queriam o tombamento, e observa que, com o passar do tempo a casa e os seus
arredores estavam abandonados.
Em um artigo da Folha de São Paulo8, foi encontrado que a iniciativa pública tenta
desde 1988 viabilizar um projeto que pretende transformar a casa em um local destinado às
artes plásticas. O projeto seria assessorado pelo arquiteto Ruy Ohtake com o apoio da
iniciativa privada, empresas de Valinhos, a matriz da Gessy Lever da França e da prefeitura
de Valinhos, porém, com o fim da lei proposta por Sarney, esse projeto acabou não sendo
realizado.
O jornal Diário do Povo,9 em 18 de dezembro 1989, mostra em sua reportagem o
estado da casa e o abandono em que se encontra por parte do setor público e do
CONDEPHAAT, que nada faziam para restaurar a casa e não permitiam a restauração por
4
Conselho decidiu o tombamento da casa de Flávio de carvalho. Correio Popular, Campinas, 8 jun. 1973.
Entra para a história a casa de Flávio de Carvalho. Correio Popular, Campinas, 16 maio 1982.
6
CONDEPHAAT propõie tombamento da casa de Flávio de carvalho. Correio Popular, Campinas, 29 nov. 1981.
7
Entra para a história a casa de Flávio de carvalho. Correio Popular, Campinas, 16 maio 1982.
8
Falta de manutenção ameaça a casaa modernista de Flávio de Carvalho. Folha de S. Paulo, São Paulo, 17 fev
1991.
9
FELISMINO, David. Casa histórica abondonada em valinhos. Diário do Povo, Campinas, 18 de dezembro de
1989.
5
44
parte da família, temendo que esta fizesse alterações na construção. A casa se encontrava
bastante danificada por conta do tempo e de vândalos.
No mesmo artigo, Lúcia de Carvalho dá o seu depoimento de revolta com a situação
da casa e afirmava que o tombamento estava acabando com a mesma. Lúcia referia-se ao
tombamento como sendo quase que um tombamento literal. Prolonga-se dizendo que no final
dos anos 70 a família tentou reformar a casa, mas a prefeitura e o CONDEPHAAT não
permitiam qualquer reparo, com medo de que modificassem a casa. Em 1985 os engenheiros
do CONDEPHAAT disseram à família para reformar a casa, pois eles não tinham recurso
para tal. Porém, a família não tinha mais como arcar com a reforma, pois a casa já estava
muito degradada. A família esperava alguma ajuda do setor público ou da sociedade, para que
ajudassem na restauração.
Em 1994, o jornal Terceira Visão divulgou duas reportagens nos dias 8 de janeiro,10 e
2 de abril de 1994,11 onde a casa seria restaurada através de verba da Secretaria Estadual da
Cultura. Dessa forma, ocorreu uma licitação onde a construtora Sampaio Arruda ganhou e
começou o seu trabalho em 29 de março 1994. Foi dado um prazo de 60 dias para terminar a
restauração, onde se constatou que a casa estava em péssimo estado.
No jornal de Valinhos datado em 07 de janeiro de 1994,12 também foi divulgado a
restauração, e neste também foi informado que a prefeitura de Valinhos estaria ajudando com
o apoio técnico da Secretaria de Obras da Cidade.
Essa restauração acaba não acontecendo por falta de verba e a casa continua sem
reparos e sem uso até que em 1998,13 é divulgado pelo secretario da cultura de Valinhos,
Antônio Stopiglia, um contrato de empréstimo – sob regime de comodato com a família de
Flávio de Carvalho – onde a casa foi aberta para visitação, com o agendamento prévio na
Secretaria da Cultura. Stopiglia conta que,14 por conta de em 1999 ser a comemoração do
centenário de Flávio, era importante que fizessem os preparativos para essa data, e também
foi concordado que a prefeitura faria reformas na casa, tudo autorizado pelo CONDEPHAAT.
Esse contrato se estenderia até o dia 31 de dezembro de 2000, por conta do fim do mandato
do prefeito Vitório Antoniazzi.
10
Casa de Flávio de Carvalho começa a ser restaurada. Terceira Visão, Valinhos, 8 jan 1994.
Flávio de Carvalho restauração da casa do artista deverá estar concluída em 60 dias. Terceira Visão, Valinhos,
2 abr. 1994.
12
Casa de Flávio de Carvalho começa a ser restaurada. Jornal de Valinhos, Valinhos, 7 jan. 1994.
13
Casa de Flávio de Carvalho passa para municipalidade. Jornal de Valinhos, Valinhos, 14 ago. 1998.
14
Casa de Flávio de Carvalho será aberta para visitação. Terceira Visão, Valinhos, 14 ago. 1998.
11
45
Em 2000,15 é divulgada a situação da casa, a qual está da mesma forma ou pior, a única
atitude tomada foi a limpeza da piscina e ao redor da casa. O Secretario, Antônio Stopiglia,
alega que a prefeitura não tem dinheiro para restauração e quem deveria arcar com a
restauração deveria ser o governo, estadual, federal e o CONDEPHAAT.
Em 2004,16 foi realizada uma mostra do artista para divulgar o projeto de recuperação,
que passará a abrigar a recém-criada fundação Flávio de Carvalho, que consta da união a
partir do trabalho realizado pela Associação Cultural Educacional Social e Assistencial A.C.E.S.A. - onde são tratadas crianças com necessidades especiais. Assim, essa fundação
tem como objetivo restaurar a casa e utilizá-la como espaço para o funcionamento da
associação, além de juntar recursos para que ambos possam funcionar. O projeto de
recuperação estava sendo feito pelo arquiteto Lucas Otávio Rotta.
Figura 3: instalações da A.C.E.S.A.
Na casa também houve uma exposição das obras e artigos pessoais do artista, o que a
família pode coletar. Mas a casa sofreu algumas adaptações para poder se tornar útil para a
associação. Toledo fica feliz com a notícia, após 31 anos da morte do Flávio de Carvalho – a
casa será recuperada, porém, teme a descaracterização da casa. O sonho dele era de manter a
casa como era na época que Flávio vivia nela, um espaço cenográfico.
15
Prefeitura não cumpre promessa de restauração de casa modernista. Correio de Valinhos, Valinhos, 23 mar.
2000.
16
Mostra a ser aberta em setembro ocupará a casa de Flávio de Carvalho, em Valinhos, que será transformada
em memorial e espaço de terapia para crianças especiais. Correio Popular, Campinas, 28 abr. 2004.
46
Após essa iniciativa por parte da família, a casa foi sendo aos poucos recuperada, no
entanto, não totalmente, e em 2010,17 foi organizado junto da prefeitura de Valinhos um
tributo ao artista. Foram realizadas oficinas para os alunos da associação no período da manhã
e tarde, e a partir das 19 horas foi aberta a visitação ao público, onde conheceram as
instalações do artista com algumas das obras dele e a exposição dos trabalhos realizados pelas
crianças. Ocorreram também palestras sobre o artista, performances de grupos de teatro de
Valinhos e por fim, um show musical.
Infelizmente, a pesquisa de campo foi obrigada a se restringir ao que se pode encontrar
em jornais, pois a colaboração do órgão público municipal não foi obtida. Buscou-se ir
pessoalmente tratar com o Diretor da Cultura, na própria Secretaria de Cultura, onde este
aceitou participar e ajudar, solicitando somente que fosse encaminhado um questionário, pois
entregaria pessoalmente ao Secretário de Cultura do município. O encaminhamento do
questionário foi feito, porém, qualquer espécie de retorno jamais veio. Desta forma, foi
enviado um e-mail para cobrar uma resposta, no entanto, ainda sem retorno. Depois de alguns
meses no aguardo por uma resposta, buscou-se entrar em contato com outra pessoa da
Secretaria de Cultura, o que também se mostrou improdutivo. Por fim, para continuação do
trabalho desistiu-se de obter essa resposta e prosseguiu-se com o material recolhido.
2.2.2 Iniciativa Privada: entrevista com um representante da família de
Flávio de Carvalho
Em entrevista realizada com o representante da família, foi percebido que a casa foi
utilizada até 1986, onde Lúcia Vieira Braga de Carvalho Crissiuma, prima de segundo-grau
do artista morou, porém, acabou por se mudar para uma casa ao lado, onde fica a atual sede da
fazenda Capuava. Lúcia se mudou por conta da casa não estar em situação segura para morar,
uma vez que o telhado apresentava problemas, assim, de 1986 até 2003 a casa ficou sem uso e
com pouco cuidado.
A família por não ter dinheiro suficiente não conseguiu recuperá-la, porém, em 2004 a
filha de D. Lúcia, Heloísa C. de Carvalho cria a fundação Flávio de Carvalho onde tenta
recuperar a casa e encontra uma utilização para o espaço. O local serve até hoje para as
atividades dos alunos da A.C.E.S.A. Assim a casa seria recuperada e ajudaria ao
funcionamento da associação que foi fundada em 1994.
17
Tributo a Flávio de Carvalho traz programação especial para Valinhos. Terceira Visão, Valinhos, 13 ago.
2010.
47
Ricardo, atual proprietário e filho de Heloísa, afirma que a casa sempre foi mantida
pela família e posteriormente também pela associação. Ele também diz que a família não
participou do tombamento da casa. A divulgação do tombamento veio na época que seu
bisavô estava doente, e com o falecimento dele, assim a família não foi contra nem a favor do
tombamento.
A família também diz que nunca recebeu orientações de conservação da casa, somente
o que a lei diz sobre o patrimônio tombado. Contudo, mantiveram uma preservação no sentido
de manutenção, limpeza e alguns reparos. Foi colocado pela família que a casa nunca passou
por restauração, somente recuperação que foi realizada em 2004, com autorização do
CONDEPHAAT, e continua a ser feita.
Para a família manter um patrimônio tombado é muito oneroso, visto que o interesse
público e privado com a casa é nulo. A família acredita que a casa possui um grande valor no
patrimônio cultural de Valinhos, por conta de se encontrar no município e tendo importância
na historia da cidade. Acreditam mais ainda que o local é tão mais importante para historia do
Estado de São Paulo do que municipal.
Ao se questionar sobre o interesse de investimento turístico na casa, Ricardo diz que
não há esse interesse atualmente, visto que a casa teria um altíssimo custo de restauração, isso
se for possível a restauração, pois ele acredita que há problemas sérios de estrutura e
encanamento que impossibilitariam tal trabalho de restauração. Mas acredita que há o
interesse da população regional, de visitação da casa. Entretanto, como a família mora ao
lado, teriam de verificar uma forma de ocorrer essa visitação, pois não gostariam de perder a
privacidade.
Em relação ao desenvolvimento turístico do local, por parte da prefeitura, Ricardo diz
que nunca existiu um interesse da iniciativa privada ou publica, tão pouco.
Sobre a associação, ele diz ser muito importante para o município, visto que presta
serviços para uma parte da população que é carente dos serviços oferecidos. Tudo isso ajuda
muito as famílias a conseguirem uma melhora dos seus filhos e uma atenção que não iriam
conseguir por conta da situação financeira.
Nas considerações finais, Ricardo diz que atualmente a fazenda está em processo de
venda para uma construtora de Valinhos, porém, o contrato só será realizado com a liberação
por parte da prefeitura para sua exploração. A casa do Flávio e a A.C.E.S.A. continuarão com
seu funcionamento normal.
No questionário há uma falta de dados em algumas perguntas por conta do
representante da família ser ainda muito jovem – possui 30 anos, e sua mãe Heloísa, que foi a
48
responsável pela associação e recuperação da casa, faleceu em 2006. Dessa forma, se
perderam muitas das informações relativas ao que havia acontecido na Casa e na Associação.
2.2.3 A opinião pública: entrevistas com a comunidade local
Está analise refere-se ao questionário aplicado à população local do município de
Valinhos. Realizada no período de 02/02/2011 à 20/03/2011, nos bairros do Centro, Dois
Córregos, Paiquere, Castelo e Pinheiro.
O questionário realizado procurou reconhecer, o perfil dos moradores e as opiniões
destes, relativas ao setor de turismo no município. Juntamente, procurou-se identificar o
conhecimento, por parte da população, sobre o artista Flávio de Carvalho e do local onde fica
situada a Casa Flávio de Carvalho, e por fim, caracterizar o turismo na cidade de Valinhos.
A primeira questão inicia com a informação sobre a faixa etária da população. Pode-se
perceber
que
esta
é
relativamente
jovem,
como
16%
18%
21%
9%
15 a 25 anos
25 a 35 anos
35 a 45 anos
45 a 55 anos
acima de 55 anos
36%
Gráfico 1: Faixa etária da população entrevistada
mostra
o
gráfico
abaixo.
49
A cidade, além de possuir uma população jovem é considerada uma cidade-dormitório
por seus moradores. Segundo Miglioranza (2005), a urbanização de Valinhos ocorrida a partir
das décadas de 60, 70 e 80 deu-se através da implantação de chácaras de lazer, que fixaram a
imagem de uma cidade com boa qualidade de vida. Esta forma de ocupação de baixa
densidade teve na década de 90 uma modificação, transformando-se em uma ocupação mais
densa, em que fazendas com atividades agrícolas foram substituídas por condomínios
fechados.
Localização dos condomínios, loteamentos e principais
Pontos de referência do município de Valinhos,
Segundo dados da Prefeitura Municipal de Valinhos, 2002
50
Ainda segundo Miglioranza (2005), para atender a demanda de migrantes que
chegaram à região, outros setores também apresentaram modificações. O setor industrial, por
exemplo, teve diminuído o número de pequenas e médias empresas, e as grandes diminuíram
seu quadro de funcionários. Em contra ponto, ocorreu o aumento do número de comércios
para atender a demanda dos novos moradores.
No gráfico a seguir verificamos o percentual de anos, que a população entrevistada,
possui morando na cidade:
15%
menos de 5
anos
5 a 15 anos
13%
20%
30%
15 a 25
25 a 35
22%
mais de 35
anos
Gráfico 2: Tempo de moradia em Valinhos da população entrevistada
Neste gráfico, pode-se perceber que grande parte dos entrevistados, não só esses
recentes habitantes, como mesmo quem há muito tempo habita o município, são pessoas que
migraram de outras cidades à procura de um bem-estar para suas famílias.
Com esse diferencial, se afeta o conhecimento entre os moradores, sobre o artista
Flávio de Carvalho e sua casa, mascarando também outros meios de turismo que o município
pode oferecer.
Foi questionado aos moradores se estes conheciam as atividades turísticas
desenvolvidas em Valinhos. Como resposta, 38% disse não ter conhecimento sobre turismo
na região, e 62% disseram que conheciam os seguintes atrativos: Fazenda Fonte Sônia18, Festa
18
A Fazenda Fonte Sônia que teve a inauguração de sua fonte realizada em 11 de junho de 1921, pelo ex-prefeito
de Campinas, Orozimbo Maia, que batizou o nome do local em homenagem a sua neta. Em 1929, as instalações
foram ampliadas, devido a uma sociedade feita com o português Aldino Bartholo. A Fonte Sônia funciona de
finais de semana e feriados das 8 às 18 horas ao publico em geral, com espaço de lazer com quadras
51
do Figo, o Circuito das Frutas e Casa do Flávio de Carvalho. E de um modo geral as
atividades foram consideradas de qualidade regular.
Atrativos naturais
15%
26%
Festa do figo
16%
15%
28%
Fonte Sonia
Casa do Flavio de
Carvalho
Circuito das frutas
Gráfico 3: Atrativos turísticos em Valinhos
O município de Valinhos por ser considerada a “Capital Nacional do Figo Roxo”,
apresenta no seu calendário de eventos, como um dos mais representativos, a Festa do Figo,
que em 2012 teve sua 63ª edição19.
Outra questão levantada pelo questionário foi se acreditam que no município possa
haver potencialidade turística. Dos entrevistados, 37% disseram que não, enquanto que 63%
poliesportivas, piscinas e lagos, sendo que um deles conta com dois tobo-águas e pedalinhos. Entremeado a uma
topografia acidentada possui bosque, lagos e cascatas, além do caminho de acesso ao Cristo Redentor, como
atrações para os turistas. A água mineral da fonte é de alto teor terapêutico, sendo que todos os visitantes fazem
questão de desfrutar desta fonte. A área do terreno do local é de aproximadamente 3.708.368,05 m² de terreno.
Localiza-se na Avenida Orozimbo Maia, Bairro Fonte Sônia.
19
A festa conta com exposição e venda de frutas, praça de alimentação, shows de cantores regionais e atrações
itinerantes, além disso, a festa possui stand para vendas do agroturismo e barracas de figo. O Pólo Turístico do
Circuito das Frutas foi criado no dia 02 de outubro de 2002, em cerimônia no Palácio dos Bandeirantes, e é
composto pelos municípios de Indaiatuba, Itupeva, Itatiba, Jarinú, Jundiaí, Louveira, Morungaba, Valinhos e
Vinhedo localizados na região metropolitana de Campinas, inserida no Estado de São Paulo, região Sudeste do
território brasileiro. A região é marcada pela intensa imigração e o cultivo do café, porém cada município possui
características próprias.
52
afirmaram que sim, citando alguns locais, como pode ser observado no gráfico abaixo:
16%
Parque Municipal de Feiras e
Exposições
Fonte sonia
41%
27%
Casa do Flavio de Carvalho
Circuito das frutas
16%
Gráfico 4: Potencial turístico em Valinhos
O Parque Municipal de Feiras e Exposições20 “Monsenhor Bruno Nardini” é de uso
público e pertence ao Município de Valinhos. Anualmente, o local cedia eventos tradicionais
como a Festa do Figo, carnaval, Festival de Cultura Popular, Festa Italiana, Dia da Criança,
Festa Junina, Encontros, entre outros.
A Fonte Sônia foi citada pela população como potencial turístico do município,
porém, a fazenda que foi um antigo hotel fazenda e possuía desde restaurantes até salas de
convenções, hoje funciona apenas aos fins de semana. Também esta passou de hotel para
parque e observa-se que a população, apesar de citá-la como potencial turístico, não possui
informação sobre como funciona o atrativo nos dias atuais, resultado da falta de divulgação e
comunicação da administração atual do parque.
Em seguida, verifica-se, que entre os lugares citados como potencial turístico de
conhecimento da comunidade, a casa Flavio de Carvalho também teve dentro da pesquisa,
parte do percentual de respostas como potencial.
20
Possui uma área aproximada de 130.870 m², a qual possui equipamentos como: pavilhões para exposições de
4.225 m²; palcos para shows, cada um com, respectivamente, 120m² e 287m²; ginásio de esportes “Pedro
Ezequiel da Silva” com capacidade para 4.500 espectadores sentados; área para restaurantes; sanitários, em uma
área de 250m²; piscina semi-olímpica; e pista de skate.
53
A próxima questão em análise foi sobre a existência de algum local com importância
cultural ou artística, onde 32% disseram que o município não possuía tais locais e 68%
afirmaram que sim, citando alguns locais como se vê no gráfico a seguir:
Casa do Flavio
4%
14%
25%
Festa do figo
Casa da Cultura
11%
Local de
Homenagem a
Adoniram Barbosa
Museu ferroviario
21%
25%
Outros
Gráfico 5: Locais com importância cultural ou artística
O Centro Cultural Vicente Musselli21 é uma escola livre de artes que tem como
principal objetivo ministrar cursos básicos de arte de todas as modalidades: arte cênica, artes
visuais, dança e música. O Centro de Artes, Cultura e Comércio “Adoniran Barbosa”22 –
CACC – foi implantado pela administração municipal no sai 16 de agosto de 2008.
O Museu ferroviário, antiga estação FEPASA ou Museu Municipal Fotógrafo
“Haroldo Ângelo Pazinatto”, foi inaugurada como estação em 1872. Em 1913 foi substituída
21
O Centro Cultural Vicente Musselli possui 24 cursos oferecidos gratuitamente aos moradores da cidade a partir
dos 7 anos de idades. Administrado pela Secretaria da Cultura e mantido pela Prefeitura do município de
Valinhos, conta com 3170 alunos matriculados.
22
A denominação do espaço, localizado ao lado da rodoviária, homenageia o cantor e compositor Adoniran
Barbosa nascido em Valinhos. O local possui palco, camarins e sanitários e concentra atividades sociais,
artísticas, culturais e comerciais.
54
pela atual construção que abriga, desde 1996, o atual museu. Seu acervo é composto por mais
de 1200 peças e revela a história da cidade desde seu inicio.
Na classificação de outros entra a Serra dos Cocais e atrativos naturais de Valinhos.
Sobre o artista Flávio de Carvalho, 65% disseram conhecer ou já ter ouvido falar sobre
o artista, mostrando que existe um grande número de pessoas que têm conhecimento sobre a
sua existência, porém a grande maioria conhece apenas seu nome e não é capaz de relacionálo à sua história e obras.
Sobre o conhecimento da fazenda Capuava, 65% dos entrevistados disseram ter
conhecimento sobre a fazenda, mas somente 38% disseram ter realizado visita ao local.
Juntamente foi perguntado sobre a fundação que funciona dentro da fazenda, a A.C.E.S.A. –
Associação Cultural Educacional Social e Assistencial, 68% disseram conhecer tal fundação.
A.C.E.S.A. é uma entidade sem fins lucrativos inaugurada em 2002, que trabalha com
pessoas portadoras de algum tipo de deficiência. A fundação funciona junto com o espaço da
casa Flávio de Carvalho, como escola, e atua na área da terapia para pessoas portadoras de
necessidades especiais com espaços para equoterapia, fisioterapia, psicologia, pedagogia entre
outras. A instituição busca ajudar pessoas e juntamente procura restaurar a casa e dar um uso
ao espaço que antigamente não estava sendo usado.
A questão seguinte teve como foco saber dos entrevistados se possuíam algum tipo de
interesse em se conhecer locais que contam sobre a história e a cultural de uma pessoa ou
lugar. Como resultado pode-se observar que:
55
9%
25%
16%
Muito
Razoável
Pouco
Nenhum
50%
Gráfico 6: Nível de interesse em conhecer locais com historia e a cultural de uma
pessoa ou local
A população possui interesse acima de razoável sobre a visitação de locais que contam
sobre a vida e a obra de artistas de importância histórica e cultural.
Em seguida, foi questionada a opinião dos moradores sobre a prefeitura incentivar o
turismo no município. Mais de 75% dos entrevistados disseram acreditar que falta um
incentivo maior para a atividade turística da cidade.
Os entrevistados foram questionados também sobre o conhecimento que a atividade
turística pode trazer em relação aos benefícios como economia e infraestrutura: 70% disseram
acreditar que o turismo pode trazer muitos benefícios, 25% optaram por razoável e 5%
acreditam que os benefícios com a atividade seriam poucos.
Por fim, foi indagado aos entrevistados, se estes gostariam que houvesse mais
atividade turística em Valinhos: 72% afirmaram que gostariam muito e 28% disseram que
seria razoável. Tal amostra serve para exprimir que boa parcela da população gostaria que o
setor público estimulasse mais o setor de turismo. Algumas pessoas ressaltaram ainda que a
prefeitura deveria dar mais valor ao turismo e explorar melhor os potenciais existentes.
56
57
2.2.4 Um abandono da História
O decorrer do tempo pode e traz mudanças na cultura e, desta forma, na história de um
povo. Tais transformações, por sua vez, eventualmente apresentam a capacidade de deixar
marcas profundas nas sociedades, muitas vezes visíveis em monumentos ou obras de outros
tipos e áreas. Cruz (2002), já afirmou que “Patrimônio é tudo que cremos, valorizamos e
queremos preservar: são os monumentos e as obras de arte, e também as festas, músicas e
danças, os folguedos e as comidas, os saberes, os fazeres e falares”. Na mesma linha de
raciocínio, Barreto (2000) discute sobre patrimônio cultural ser composto por bens tangíveis e
intangíveis, e que este é “o conjunto de todos os utensílios, hábitos, usos e costumes, crenças
e forma de vida cotidiana de todos os segmentos que compuseram e compõe a sociedade”.
A obra em questão, a casa deixada a Flávio por seu pai, é uma das únicas obras
remanescentes deixadas pelo artista, onde pode expressar toda sua liberdade, criatividade e
estudo realizado na Europa, criando conforme afirma Junior (1985), uma obra totalmente
inovadora para a época e diferente, inclusive pelo formato de sarcófago egípcio. Sua idade
pode ser averiguada, na obra de Mattar (1999), onde este afirma que sua inauguração deu-se
em 1939.
A família permaneceu em posse da propriedade após a morte do artista em 1973,
porém, foi abandonada na década de 1980 – período de tombamento por órgão responsável do
Estado de São Paulo. Com o abandono, a casa ficou cada vez mais danificada pelas forças do
tempo até que uma prima de Flávio buscou sua restauração no ano de 2003, com a intenção de
fornecer posteriormente, atendimento às crianças portadoras de necessidades especiais, assim
como Rosseti (2007) discorre em sua obra.
Figura 4: imagem de satélite da área atual da casa de Flávio de Carvalho.
58
Faz-se interessante uma reflexão quanto ao do conceito de patrimônio, dado a questão
da posse e origem da casa, de como já trabalhado por Funari e Pelegrini (2009) ao afirmar que
este surgiu “no âmbito privado do direito da propriedade, estava intimamente ligado aos
pontos de vista e interesse aristocráticos”. Segundo pesquisa deles, o patrimônio era
característico da elite e, portanto, particular. Não havia o conceito de patrimônio público, o
que se pode dizer que se aplica à casa do artista.
Uma vez adentrado este assunto, Camargo (2002) por sua vez apresenta dois conceitos
de patrimônio cultural. O clássico, onde patrimônio é definido como aqueles bens ou
monumentos de excepcional valor histórico e artístico indicativos da identidade nacional.
Mais tarde apresenta o conceito contemporâneo, que abrange outros aspectos culturais e
pressupõe o caráter seletivo, no qual há necessariamente a “preservação” de alguns bens e o
“esquecimento” de outros.
E há ainda que se falar, de acordo com Lemos (1981), sobre a subdivisão que este faz
do patrimônio em material e imaterial. Para ele, o patrimônio cultural é dividido e três
categorias de elementos: os da natureza; os que reúnem os bens culturais tangíveis e o grupo
de elementos que se refere aos elementos não tangíveis do patrimônio. Lemos apresenta ainda
um conceito associado ao patrimônio material que nenhum outro autor discorre: o Patrimônio
Ambiental Urbano. Para o autor, este tipo de patrimônio compreende os diferentes momentos
pelo qual determinada cidade passou.
Para finalizar essa questão, Meneses (2004) já informava que o patrimônio é
constituído por algo mais do que ele próprio, pelas atividades ali desenvolvidas também. Nas
próprias palavras do autor: “O patrimônio que o turista quer ver deve ser vivo. Ele deveria ser
vivenciado em seu próprio devir, em sua dinâmica, vivência que conjuga história, tradição,
arte, valores e práticas costumeiras”.
Agora, um fato é que quando há a intenção de se preservar a história de uma
sociedade, é necessária também a ação por parte de alguém responsável para que esta história
não se perca, pois sem o devido cuidado e preservação uma obra se deteriorará e poderá
deixar de existir. Halbawachs (1990) já afirmou que a memória coletiva compõe-se dos
acontecimentos nacionais e mundiais, passados de geração em geração. Desta forma, são
lembranças e experiências de outrem, no entanto, assumidas como importantes para cada
individuo.
Foi anunciado em jornais a noticia de que a prefeitura de Valinhos novamente
demonstrara seu interesse na obra já tombada, desde o ano de 1988, com a intenção de
transformar a casa em um local destinado às artes plásticas. Apesar de apoio de iniciativa
59
privada e todo o reforço necessário para a obra poder seguir em frente, a iniciativa foi
bloqueada juntamente com a lei proposta por Sarney para auxiliar nesse tipo de situação.
Do ponto de vista da iniciativa pública, Cruz (2002), já afirmou que patrimônio é tudo
que cremos, valorizamos e queremos preservar, desta forma, a casa de Flávio já se caracteriza
como um, pois de acordo com seu histórico, sobrevive, mesmo que arduamente, ao processo
industrial e à globalização crescente e é hoje, um símbolo de luta contra a desvalorização da
memória relativa à consciência do significado da identidade histórico-social de uma sociedade
civil, assim como Adams (2002) já afirmou em outro momento sobre o momento em que a
sociedade em que vivemos hoje está claramente em ação.
De um outro ponto de vista, Chauí (1996) parte de um ponto em que a ideia de
consciência está ligada à memória, e que esta seria “a capacidade para compreender e
interpretar sua situação e sua condição (física, mental, social, cultural e histórica)”. Dentro
desta conceituação, Haigert (2005) diz que “[...] as memórias são construídas a partir de
subjetividades, ou seja, do que é importante e válido para cada um”, e, que a memória é sobre
a construção de referências a partir do passado e presente nas diferenças que vivenciamos e
presenciamos em grupos sociais, ancorados nas tradições e intimamente associados a
mudanças culturais. Halbwachs (1990) sobre a memória diz que um grupo determinado é
capaz de distinguir sua história “no momento em que considera seu passado, sente
acertadamente que permaneceu o mesmo e toma consciência de sua identidade através do
tempo”.
Dessa forma, quando a memória coletiva de um grupo for perdida, ela passa então, a
ser considerada como memória histórica, que deve ser materializada para ser mantida por
meio de documentos, artefatos, edifícios ou tombamentos, assim como afirma Andrade
(2008). Camargo (2002) já disse que “O valor simbólico que atribuímos aos objetos ou
artefatos é decorrente da importância que lhes atribui a memória coletiva”.
Ao partir para o lado da família, em entrevista cedida por um representante desta foi
informado que o interesse deles é pequeno pelo alto custo. O representante também alegou
que a própria iniciativa pública é carente. Descobriu-se ainda que ultimamente a fazenda onde
se encontra a casa de Flávio de Carvalho está em processo de venda para uma construtora, que
só está no aguardo para fechar o contrato até que a prefeitura libere a exploração, contanto
que a casa e o local de funcionamento da associação sejam preservados, portanto, é bom que
se tome uma atitude em breve para que a casa permaneça em pé.
60
Figura 5: foto atual da casa de Flávio de Carvalho
Atualmente, a globalização e o industrialismo, e o processo acelerado de urbanização
transformou cidades e trouxe profundas mudanças. Adams (2002) sobre esse fenômeno alega
que surge dessa forma, por consequência desses processos, a desvalorização da memória
relativa à consciência do significado da identidade histórico-social de uma sociedade civil. O
município de Valinhos está localizado próximo à Campinas, um mega polo industrial e ao
aeroporto internacional de Viracopos. Conforme dados, este apresenta como maior fonte
turística festas de frutas, justificável por se tratar de uma cidade que apresenta em suas raízes
históricas, um passado caracterizado por ser um sítio de grande produção de produtos
agrícolas, como no passado, o café, por apresentar uma terra rica e propícia para o
desenvolvimento deste tipo de atividade.
Como a pesquisa conduzida pode atestar, de acordo com as mudanças da cidade ao
que concerne a mudança dos componentes de sua sociedade e sua faixa etária, há um numero
que só tende a crescer mais de habitantes que são cada vez mais jovens e advindos de outras
regiões. Isto se dá por Valinhos ter se tornado uma cidade-dormitório como Miglioranza
(2005) mesmo afirma, uma cidade onde as pessoas apenas ficam para dormir e, como uma das
consequências disso, cada vez menos conhecem suas historias, tudo por conta da globalização
e suas consequências. Porém, é muito importante tê-la em mente, pois “a memória social
identifica um grupo, conferindo sentido ao seu passado e definindo suas aspirações para o
futuro” - Fentres e Wickman, (1994).
Neste contexto todo, memória e identidade estão tão interligadas, que podemos citar
Alberti (2005) em “a memória é essencial a um grupo porque está atrelada à construção de
sua identidade”. Haigert (2005), por sua vez já expõe que “[...] o suporte fundamental da
61
identidade é a memória, mecanismo de retenção de informações, conhecimento, experiências,
quer em nível individual, quer social”. Já Santos (2004, apud BATISTA, 2005), sobre este
assunto afirma que “a definição da própria identidade cultural implica em distinguir os
princípios, os valores e os traços que a marcam, não apenas em relação a si própria, mas
frente a outras culturas, povos ou comunidades”. Não para por aí ao trabalhar essa
problemática e ainda segue a linha de raciocínio sobre a ligação destes dois temas ao inferir
que “estão interligadas, desse cruzamento, múltiplas pelas possibilidades poderão se abrir ora
produção de imaginário histórico-cultural”.
Maffesoli (1987) já trabalhou esse conceito de identidade também presente na
construção das sociedades e declara que implica em um sentimento de pertencer a uma
comunidade imaginada onde compartilham importantes referencias em comum. Aqui vale
ressaltar que quando pessoas portadoras de outros padrões culturais são inseridas em um novo
ambiente podem interferir na cultura local, estas mudam a identidade cultural.
E sobre essa questão de influência por outros, que podemos notar de acordo com a
pesquisa conduzida, que a sociedade está muito suscetível às influências, pois a maior parte
da população, portanto, dos entrevistados é composta por indivíduos relativamente jovens e
que vivem na cidade há pouco tempo. Vale ressaltar que os entrevistados disseram que
surgiriam pontos positivos se maior investimento fosse feito na área de turismo na cidade,
assim como mais de 75% dos entrevistados disseram acreditar que falta um incentivo maior
para a atividade turística e de exploração dos potenciais já existentes.
Quando há organização e cuidados apropriados para trabalhar os vestígios
remanescentes na historia do povo, há também, além da preservação desta memória, uma
chance de torná-la mais conhecida ao povo que esta influenciou, através de torná-la passível
de explorada como um potencial turístico, e desta forma, capaz de ainda produzir retorno
monetário e trazer diversas potencialidades positivas para maiores investimentos, de acordo
com cada caso. Foi no governo Vargas que houve a implantação institucional de um serviço
que visava proteger e definir o nacional dando ênfase à produção cultural. Sobre este ponto,
Brenner (2002) escreveu que através de ajuda dos intelectuais neste processo de construção do
Brasil moderno, “bem como à construção de uma legitimidade política nacionalista
respaldada pelas práticas e tradições de vários aspectos da cultura popular brasileira”.
Entretanto, a realidade é outra: de acordo com entrevista cedida por um familiar, a
condição da casa era de tamanha depredação, que eles mesmos – familiares – não possuíam o
dinheiro necessário para financiar sua restauração. Apesar da associação criada também
62
buscar ajudar dentro de suas condições, o valor necessário para sua recuperação ainda
superava muito a quantidade que eles podiam e ainda podem arrecadar.
Ou seja, se a restauração depender apenas dos interesses particulares para ser realizada
e a obra mantida, é questão de tempo até que a casa desabe por falta de investimentos. Devido
ao tipo de construção modernista e seu formato diferente, os materiais empregues já há 73
anos não suportam a ação do tempo. Realmente, pontos da casa estão prestes a desabar pelo
peso que é sobrecarregado em sua estrutura moderna.
O responsável pela preservação dos bens classificados como patrimônio cabe ao setor
público. Meirelles (1996) já definiu o tombamento como “a declaração, pelo poder público,
do valor histórico, artístico, paisagístico, cultural ou científico de coisas que, por essa razão,
devem ser preservadas de acordo com a inscrição em livro próprio”. Gasparini (2004), por sua
vez o apresenta como “a submissão de certo bem, público ou particular, a um regime especial
de uso, gozo, disposição ou destruição em razão de seu valor histórico, cultural, artístico,
turístico ou paisagístico”. Já o IPHAN (2010) define o tombamento como um ato
administrativo precedido de um procedimento no qual são feitos os estudos acerca do valor
histórico, cultural, artístico, turístico ou paisagístico do bem.
Foi também publicado em outro momento, outro artigo onde era feita uma matéria
sobre o estado de abandono da casa, deixada tanto por parte do município de Valinhos quanto
pelo próprio órgão responsável pelo seu tombamento, o CONDEPHAAT. Há o agravante de
que nada faziam para alterar o estado precário e de vandalismo que esta se encontrava e muito
menos permitia que a família, em sua iniciativa privada buscasse ajudar como pudesse.
É válido ressaltar, porém, que como Gasparini (2005) faz saber: “o tombamento
também impõe restrições aos proprietários de imóveis vizinhos ao bem tombado”. Ou seja,
não apenas o proprietário, mas também outras pessoas ligadas ao local tombado terão
obrigações para com ele. Tudo isso feita na busca de, nas palavras de Cunha (2007),
“preservar, por intermédio da legislação específica, esses bens, de valor histórico, cultural,
arquitetônico, ambiental e também de valor afetivo pela população, impedindo assim que
determinados bens não sejam destruídos ou descaracterizados”. Porém, não se podem
esquecer alguns problemas que podem surgir em alguns tombamentos poucos explicativos ou
questionáveis, assim como Cunha ainda trabalha.
Entre outros problemas decorrentes do tombamento, há o caso problemático em que o
Estado apresenta pouco interesse em distribuir recursos financeiros para a preservação de um
bem. Nesta situação Barreto (2006) já informou que “O tombamento de um monumento ou de
uma cidade não traz no seu bojo a solução econômica para a manutenção desse bem, porque,
63
a partir do momento da declaração, há um prazo de cinco anos para que o lugar passe a
receber ajuda financeira, dada a tramitação burocrática”. Para que sejam amenizados os
problemas decorrentes do tombamento e ajudar na sua eficácia, surge o SPHAN para tratar a
preservação com aspiração para o desenvolvimento da atividade turística. O SPHAN surge,
como Cunha (2007) diz, para tentar solucionar os problemas do tombamento que visa
proteger monumentos da destruição rápida e os condena à destruição lenta.
Andrade (2008) já trabalhou a ideia de que o Estado “pode e deve ser um agente de
ações e propostas políticas em relação à preservação consciente e sistemática do acervo
cultural de uma determinada localidade”. Nesse sentido, Adams (2002) completa o raciocínio
por tratar do assunto da preservação e entende-lo como resgate da identidade do indivíduo e
de sua condição de ente social, inserido em um espaço cultural nacional, internacional e
globalizado.
De acordo com o IPHAN, a Constituição institui que é de obrigação do poder público,
com o apoio da comunidade, a proteção, preservação e gestão do patrimônio histórico e
artístico do país. O próprio IPHAN vem realizando um trabalho permanente de identificação,
documentação, proteção e promoção do patrimônio cultural brasileiro. Pelegrini (2008) já diz
que “a contestação de toda e qualquer forma de autoridade, as utopias por uma sociedade mais
humana, a revisão de arquétipos de comportamento e a emergência de novas sensibilidades
levou a percepção dos bens culturais”, e, Pelegrini e Funari (2008) já afirmaram também que
“os fundamentos que norteavam a seleção dos bens e o sentido da preservação propugnada
pela UNESCO ampliaram-se”. Logo, desenvolve-se a ideia de se descentralizar a preservação
do patrimônio.
Ainda no artigo sobre o descaso da parte pública, há depoimento de um membro da
família que brinca que a decisão de tombamento foi literal. Este membro da família informa
que a família já havia buscado fazer uma restauração na casa, porém, com as imposições da
prefeitura e do próprio CONDEPHAAT não puderam fazer nada. Chegou o momento em que
o órgão público admitiu não possuir recursos para fazer qualquer tipo de alteração na casa, e,
infelizmente muito menos tinha a família em decorrência do espaço de tempo que se tomou
até a permissão chegar.
Agora, algo que acaba por se tornar um desafio, é quanto ao uso destes patrimônios
para o turismo. Beni (2001) escreveu que “a conceituação do turismo não pode ficar limitada
a uma simples definição, pois este fenômeno ocorre em destinos, campos de estudo, em que é
explicado conforme diferentes correntes de pensamento, e verificado em vários contextos da
realidade social”, desta forma, temos de atentar as pluralidades que compõem este significado.
64
Para Barreto (2000) turismo cultural é “todo turismo em que o principal atrativo não seja a
natureza, mas algum aspecto da cultura humana. Esse aspecto pode ser a história, o cotidiano,
o artesanato ou qualquer outro dos inúmeros aspectos que o conceito de cultura abrange”.
Para o Ministério do Turismo (2006), “o turismo cultural compreende as atividades
turísticas relacionadas à vivência do conjunto de elementos significativos do patrimônio
histórico e cultural e dos eventos culturais”, por outro lado, Andrade (2002) afirma que este
“abrange exclusivamente as atividades que se efetuam através de deslocamentos para a
satisfação de objetivos de encontros com emoções”. Enquanto para Goeldner et al (2000) o
turismo cultural é aquele no qual os turistas conhecem e aprendem sobre os modos de vida e
de pensar da comunidade local. É importante neste ponto, ter em mente que não se deve
esperar que o turismo seja o único elemento responsável pela preservação de certo patrimônio
cultural. A questão de se explorar além do próprio patrimônio para obter meios de mantê-lo
preservado pode ser observada também em Portuguez (2004), quando diz que “deve-se
considerar que não são todos os tipos de heranças que despertam o interesse do fluxo
turístico”.
O interesse público voltou a ser manchete nos jornais, quando em 1994, o jornal
Terceira Visão informou que através de verba da Secretaria Estadual da Cultura seria dado o
inicio ao processo de restauração da casa. No jornal do próprio município de Valinhos foi
informado ainda que a prefeitura estaria ajudando através de apoio técnico da Secretaria de
Obras da cidade. No entanto, a restauração não aconteceu por falta de recursos.
No ano de 1998 é divulgado pelo Secretario de Cultura do município outra iniciativa:
um contrato de empréstimo, sob-regime de comodato, com a família do artista, onde a casa
seria aberta para visitação através de agendamento prévio com a Secretaria de Cultura, o que
duraria até o ano de 2000. Também neste contrato, a prefeitura iria se encarregar de fazer
reformas autorizadas pelo CONDEPHAAT.
Por fim, no ano de 2000, após ser feito um balanço sobre as condições da casa,
chegou-se a conclusão de que esta estaria da mesma maneira em que a prefeitura a encontrou
quando iniciou o contrato, senão pior. Neste ponto a prefeitura alega não possuir recursos
suficientes para a restauração e resolve deixar nas mãos dos governos Estadual e Federal.
No ano de 2004 foi divulgado um projeto que buscaria a recuperação da casa, que
também passaria a abrigar a então recém-criada Fundação Flávio de Carvalho, a partir do
trabalho realizado pela Associação Cultural Educacional Social e Assistencial – A.C.E.S.A. –
para o tratamento de crianças portadoras de necessidades especiais. Assim, a casa deveria ser
restaurada para poder atender às necessidades do propósito do projeto.
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Entretanto, Barreto (2006) avalia pontos que necessitam muito reflexo por tratar da
“espécie de oposição entre o sagrado (o patrimônio) e o profano (os negócios turísticos)” que
existe. Dessa forma, a autora ainda levanta o questionamento de se “uma loja de souvenirs
(profana) em um monumento não é melhor que sua destruição por falta de uso ou de verba
para sua manutenção”. Nesta linha, Bachleitner e Zins (1999 apud BURNETT, 2004) já
disseram que o “patrimônio – como parte do crescimento da cultura com indústria – deve ser
visto como oportunidade para os visitantes de construir, aumentar ou reorientar seus (e dos
outros) próprios sensos de identidade”.
É também importante refletir sobre usos e contra-usos, assim como Leite (2002)
trabalha o assunto nos patrimônios e que estes “se estruturam, concorrem, inversamente, para
sua reativação como espaços públicos”. Leite explica um termo utilizado para caracterizar
uma política empregue para a revitalização de áreas tidas como patrimônio – gentrification.
Aqui o autor conforme outros autores, designa intervenções urbanas como empreendimentos
de interesse de investimentos públicos e também privados, “cujas mudanças nos significados
de uma localidade histórica faz do patrimônio um segmento do mercado”.
Leite ainda faz com que fique claro que o processo de gentrification nos dias de hoje
pode referir-se não mais apenas à reabilitação de casarios antigos como também pode
englobar construções totalmente novas. Entretanto, deve-se tomar muito cuidado, pois como
este exemplo de gentrification, pode decorrer o expurgo de população residente de baixa
renda por causa da valorização imobiliária – fenômeno altamente negativo.
Falar dos usos e contra-usos propriamente é um ponto importante de se pensar, pois
“esses usos podem alterar a paisagem e imprimir outros sentidos às re-localizações da tradição
e aos lugares nos espaços da cidade” (LEITE, 2002). De acordo com o autor, dependendo do
tipo de uso que atribuirmos ao espaço público, este pode às vezes servir para criar tipos de
situações que amplie as possibilidades de interação com o povo, mas que também, por outro
lado, possa vir a gerar certos tipos de conflitos que antes inexistiam. Dessa forma, quando
houver a intenção de intervenção, que esta seja muito bem planejada para influenciar de
maneiras positivas, pois caso não seja refletido sobre efeitos futuros no local, consequências
muito ruins podem aparecer e serem impossíveis de se conseguir voltar atrás.
Ainda em se tratando do turismo cultural, Barreto (2006) diz que dado o processo pelo
qual o tombamento é realizado, surge a dúvida se em pouco tempo o interesse turístico de um
bem não vai prevalecer sobre seu valor histórico ou cultural, e, consequentemente “as razões
econômicas teriam predominância e seria feita a vontade dos grupos de poder, que obteriam
benefício com os negócios turísticos a partir da criação de atrativos avalizados por órgãos
66
nacionais e internacionais”. A conclusão apresentada por Meneses (2004) é que “O turismo
passa por um momento histórico em que [...] ou se apresenta como uma proposta econômica
de inclusão social e, assim contribui para novas perspectivas de valorização da vida, do
consumo de produtos culturais e de distribuição de renda, ou, por outro lado alia-se a uma
economia que exclui parcelas imensas da população da participação na produção”.
Agora, dado todo o conteúdo visto e os trabalhos produzidos acerca do tema
reproduzido neste trabalho, cabe um questionamento que aborde uma melhor maneira de se
resolver a questão proposta de como lidar com a revitalização de monumentos/patrimônios e
responsabilização adequada para que estes não fiquem à sorte do destino.
Enfim, como pode ser visto neste exemplo da casa do artista Flávio de Carvalho,
muitos são os fatores que contribuem para seu esquecimento. Por parte da população, um
pouco. Por parte da própria família também podemos atribuir um pequeno percentual e, muito
deve ser considerado pelo descaso por parte do poder publico. Conforme visto, muitos frutos
positivos podem advir do trabalho com o turismo cultural, porém, se nada for feito em tempo
hábil, não terá mais possibilidade de restaurar e deixará de uma vez por todas de ser um ponto
turístico.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
A casa do artista Flávio de Carvalho teve de esperar muito até que uma decisão fosse
tomada e, infelizmente parece não ter sido o suficiente. O CONDEPHAAT, orgão
responsável pelo tombamento, teve inúmeros problemas para poder avaliar o valor do artista e
também para poder avaliar a própria propriedade, sendo necessárias várias visitas até concluir
o julgamento. O próprio prefeito de Valinhos, em 1975, interveio no processo e pediu o
tombamento alegando ser um remanescente do artista que ainda está em seu estado original.
Conforme vários teóricos do assunto, a casa tecnicamente é considerada um
patrimônio cultural e artístico. Este vestígio que representa segmentos que compôs a
sociedade (BARRETO 2003), é valorizada e busca-se preservar (CRUZ 2002), possui valor
histórico e artístico não somente municipal, mas a nível estadual e quem sabe nacional, possui
seus usos contra-usos (Leite 2007) e é constituído por algo mais que ele mesmo, recentemente
pelas atividades desenvolvidas ali também (Meneses 2004). Enfim, é caracterizada conforme
diversos pontos classificatórios já a considerariam como patrimônio.
Depois de decidido o tombamento da casa de acordo com os valores do
CONDEPHAAT, com motivos como a morte do artista, deixar uma obra daquele tamanho –
visto que outras do artista foram demasiadamente alteradas, enquanto esta ainda estava em
seu estado original – o diretor de divisão da secretaria executiva deste órgão, Aldo Nilo
Losso, enviou uma carta ao prefeito de Valinhos, Luiz Bissoto, informando o tombamento da
casa na data de 12 de novembro de 1981. Nesta carta informou também que a casa não
poderia ser alterada, demolida, destruída sem a autorização do CONDEPHAAT. Essa
informação também foi repassada ao Delegado Civil e ao familiar Dr. Custódio de Carvalho.
Afinal, no ponto que concerne esforços para tombamento da casa, o que podia ser feito
inicialmente para viabilização deste, e, consequente preservação da memória e identidade do
povo (ALBERTI 2005), foi feito. Essa questão da identidade também sendo muito trabalhada
por muitos autores, tida como presente na construção de sociedade, retenção de informações e
experiências (HAIGERT 2005), entre outros, sendo mais pontos para justificar seu
tombamento.
Os jornais da região e, inclusive da capital noticiaram a situação pela qual a casa
passou até chegar ao estado de hoje, de forma que se tornaram documentos muito úteis para
trazer noticias bem explicativas de quem buscou inicialmente o tombamento – J. Toledo – até
a decisão final alguns anos depois. Os jornais informaram que foi um processo muito
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demorado e com certas dificuldades e empecilhos até mesmo por parte da própria família. No
jornal da capital, da década de 1980, já foi trazida à tona a ideia de projetos para a casa,
valorizando-a através de uma transformação para artes plásticas.
Infelizmente, a maioria das noticias apresentadas trouxeram noticias ruins quanto ao
abandono que a casa foi deixada, pois os familiares não tinham dinheiro ou permissão para
mexer na casa. Foi noticiado em 1994 que a casa seria restaurada através de verba pública, o
que acaba por não acontecer. Aparentemente, pouco valor foi atribuído ao último vestígio
artístico deixado pelo artista, pois como se pode ver com o passar do tempo, a condição da
casa só piora. Até que os jornais chamam a atenção para casa novamente, por mostrar os usos
que foram atribuídos à casa, como sede de instituição para auxilio de pessoas portadoras de
necessidades especiais, além de exposições.
Um fator que influencia muito na situação em que a casa se encontra atualmente é
quanto a sua gestão. A gestão deste patrimônio que não tem sido feita de maneira adequada e
com grande descaso. Intelectuais no passado buscaram promover uma política de valorização
da produção cultural nacional durante o governo Vargas (BRENNER 2002), no entanto, esse
bem submisso a um regime especial (GASPARINI 2005) acabou por ser esquecido pelos
atuais administradores estaduais, responsáveis por propor ações de preservação (Andrade),
sendo que o próprio IPHAN, afirma que a Constituição – lei suprema vigente no país –
institui que é obrigação do poder público o zelar pelo bem do patrimônio.
A própria família, ao ser entrevistada quanto ao valor que a casa apresenta para eles, já
começavam por reclamar do valor monetário da casa e também sobre as condições terríveis da
manutenção. Decorrente disto, a família sem condições para restaurá-la e sem verba pública,
une-se a uma instituição que passa a funcionar ali para juntos arrecadar fundos. O atual
proprietário afirma que a casa sempre foi mantida pela família e que eles pouco participaram
no processo de tombamento, sendo na verdade, indiferentes.
Para os familiares a situação é que, apesar de terem mantido o local sempre limpo e
com reparos pequenos e, também a considerarem um patrimônio cultural para o município e
de importância para o Estado, está totalmente fora de suas possibilidades restaurá-la. Dessa
forma, o interesse da família em mantê-la é não é nulo e seu valor outro que não monetário
também lhes desinteressa, portanto, a família já acertou com uma construtora um contrato de
venda da propriedade. Faltando a aprovação da prefeitura para a realização do loteamento do
terreno, só será assinado se a casa e o local de funcionamento da instituição permaneçam
preservados.
69
O grande problema mesmo da família, não é que estes foram falhos no administrar a
casa, é que foram impedidos em alguns momentos pelas leis de proteção ao patrimônio
tombado e, quando possuíam intenção ou verba para buscar uma melhoria nesta algo
acontecia para impedi-los. Mais tarde, quando o poder público resolveu permitir que a família
se encarregasse de realizar determinados consertos na casa – tudo de acordo com o permitido
em lei – a família já não possuía mais as condições e o dinheiro que tinham não seria o
suficiente, pois até a decisão sair, o estado da casa piorou e muito.
Agora, em se tratando de entrevista com a população, pode-se perceber que a maioria
desta habita o município há pouco tempo, por se tratar de migrantes, que compõem o que é
chamado atualmente de cidade-dormitório (MIGLIORANZA 2005). Por esse motivo, o
conhecimento sobre o município é fortemente afetado, sem contar que esses moradores
recentes reclamam que o turismo local é pouquíssimo incentivado e trabalhado. No entanto,
ainda foi possível notar que parte dos entrevistados foi capaz de citar a casa de Flávio de
Carvalho ou ao menos já ter ouvido falar do artista, porém, crê-se que isto se dá pela rodovia
nomeada em homenagem ao artista, portanto, não sendo capazes de ligá-lo à suas obras ou sua
história.
Através da entrevista foi possível também notar que apesar de conhecerem a fazenda
onde se encontra a casa, poucos foram os que a visitaram. Quanto à instituição que funciona
lá, grande parte dos entrevistados afirmou conhecer. Ou seja, com as entrevistas, foi possível
chegar à conclusão que o valor da casa entre os entrevistados, e consequentemente, os
habitantes é baixo e com tendência a diminuir cada vez mais. O problema crescente na
sociedade do município de Valinhos é que cada vez mais a relação de identificação da
comunidade com o patrimônio ali situado é exposta em sua fragilidade e falta de conexão.
Enfim, dado o tempo e trabalho levado para reconhecimento e tombamento da casa do
artista Flávio de Carvalho, com todos seus empecilhos e agravamento da situação de
abandono e descaso dos órgãos públicos, fica difícil ver tal monumento como um atrativo. A
situação se complica ainda mais pelo fato de a família buscar a venda do imóvel, pela
população ter pouco conhecimento ou relação de identificação com a história do patrimônio,
além de quase nenhum incentivo turístico. No final de contas, infelizmente chega-se a
conclusão de que a casa do artista plástico Flávio de Carvalho, apesar de ser considerada
tecnicamente um patrimônio cultural e artístico, sua ausência de identificação com a
comunidade, bem como a gestão de má qualidade ou até mesmo inexistente, nem tanto por
parte dos proprietários, mas pelo descaso do poder público, não a permitem considerar como
um atrativo turístico.
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http://www.arcoweb.com.br/memoria/um-fim-alternativo-para-a-casa-modernista-de-flaviode-carvalho-14-07-2003.html
http://maps.google.com.br/maps?hl=pt-BR&gbv=2&q=planta%20casa%20do%20flavio
%20de%20carvalho&bav=on.2,or.r_gc.r_pw.r_qf.,cf.osb&biw=1366&bih=624&ie=UTF8&sa=N&tab=il
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APÊNDICES
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APÊNDICE A –
A – Questionário utilizado para entrevista com a população local
1. Qual sua idade?
( ) 15 a 25 ano ( ) 25 a 35 anos ( ) 35 a 45 anos ( ) 45 a 55 anos ( ) acima de 55 anos
2. Há quanto tempo mora em Valinhos?
( ) menos de 5 ano ( ) 5 a 15 anos ( ) 15 a 25 anos ( ) 25 a 35 anos ( ) mais de 35 anos
3. Qual o seu grau de escolaridade?
( ) fundamental incompleto
( ) fundamental completo
( ) médio incompleto
( ) médio completo
( ) técnico incompleto
( ) técnico completo
( ) superior incompleto
( ) superior completo
( ) pós-graduação incompleta
( ) pós graduação completa
4. Conhece alguma atividade ou atrativo turístico do município de Valinhos?
( ) Sim ( ) Não
Qual?____________________________________________
Se sim, como avalia essa atividade ou atrativo?
( ) Ótimo
( ) Bom
( ) Regular
( ) Ruim
( ) Péssimo
5. Acredita que há em Valinhos algum local com potencial turístico?
( ) Sim ( ) Não
Qual?____________________________________________
6. Acredita que Valinhos tenha algum local com importância cultural ou artística?
( ) Sim ( ) Não
Qual?____________________________________________
7. Conhece o artista Flavio de Carvalho?
( ) Sim ( ) Não
8. Conhece a Fazenda Capuava?
( ) Sim ( ) Não
Obs: ( ) visitou ( ) conhece por nome
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9. Conhece a Associação A.C.E.S.A.?
( ) Sim ( ) Não
10. Você tem interesse em visitar locais que contem a história e cultura de uma pessoa ou
lugar?
( ) muito
( ) razoável
( ) pouco
( ) nenhum
11. Na sua opinião, há incentivo da prefeitura de Valinhos para o turismo no município?
( ) muito
( ) razoável
( ) pouco
( ) nenhum
12. Você acredita que o turismo traz benefícios ao município (economia, infra-estrutura)?
( ) muito
( ) razoável
( ) pouco
( ) nenhum
13. Você gostaria que houvesse mais atividades turísticas em Valinhos?
( ) muito
( ) razoável
( ) pouco
( ) nenhum
14. Possui, alguma critica ou sugestão sobre o assunto dessa entrevista?
B – Questionário destinado ao responsável da fazenda Capuava, onde se encontra a casa do
artista Flávio de Carvalho:
1- Nome completo e formação.
Ricardo de Carvalho Crissiuma Pisciotta. Graduação em medicina veterinária.
2- Qual o parentesco com o artista Flavio de Carvalho?
Primo de terceiro grau.
3- Fale um pouco sobre o que conhece da casa – desde a construção, como foi utilizada
ao decorrer dos anos e a utilização atual.
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A casa começou a ser construída em 1928 e finalizada em 1938. Flávio utilizou a casa
como sede da fazenda e como casa de campo, pois morava em São Paulo. Alguns anos depois
ele passou a morar na casa, até 1973 (ano de sua morte). Em 1974 minha avó, Lúcia Vieira
Braga de Carvalho Crissiuma, mudou-se para a casa e morou até 1986. Em 1986 ela mudou
para uma casa que fica ao lado da casa do Flávio, atual sede da fazenda Capuava.
No período de 1986 até 2003 a casa ficou sem uso e com pouco cuidado. Em 2004, a casa
começou a ser utilizada como espaço alternativo para A.C.E.S.A., o que acontece até hoje.
4- Quem administra a casa e a fazenda?
A família.
5- Quem arca com as despesas de manutenção da casa (água, luz, entre outros)?
A família e a A.C.E.S.A.
6- Como se deu o processo de tombamento da casa pelo CONDEPHATT? Qual a
participação da família no processo?
A família ficou sabendo do tombamento em 1982. Assim a família não foi contra e nem
favor ao tombamento. A família não teve nenhuma participação no tombamento, somente a
aceitação.
7- Como é feita a preservação do local tombado? Receberam orientações de como
conservar o local após o tombamento?
A preservação é feita pela família e pela A.C.E.S.A. no sentido de manutenção, limpeza e
alguns reparos. A família não recebeu orientações de como conservar a casa, somente o que
diz a lei sobre o tombamento.
8- A casa já passou por quantas restaurações? Qual foi a ultima? Há um projeto de
restauração da casa por parte da Prefeitura?
79
A casa nunca passou por restauração, somente recuperações feitas a partir de 2004 com
autorização do CONDEPHAAT. Não há nenhum projeto de restauração pela prefeitura.
9- O edifício recebeu algum tipo de inspeção pós ser tombado?
A casa não passou por inspeção pelo que se sabe da prima de Flavio, Lucia vieira de
Carvalho Crissiuma.
10- Há algum problema ou dificuldade em utilizar um edifício tombado como patrimônio
cultural?
Dificuldade seria de manter o imóvel em condições de utilização, afinal manter um
patrimônio tombado é bastante oneroso e o interesse público e privado é nulo.
11- Você considera a casa um patrimônio cultural do município de Valinhos? Porque?
Sim, por conta de se encontrar no município de Valinhos mesmo tendo valor cultural
nacional.
Como a casa se encontra em Valinhos, a mesma faz parte da historia da cidade, mesmo
tendo importância de nível estadual maior do que municipal.
12- Há interesse por parte da família em investir em infraestrutura turística?
Na atual situação não há interesse, pois seria inviável financeiramente em função do
altíssimo custo de restauração da casa. Isto é, se a casa é passível de restauração completa,
pois há problemas de encanamento e de estrutura.
13- Há contato entre a família e Prefeitura para o desenvolvimento turístico do local?
Como é a relação entre iniciativa privada e pública?
80
Não há contato com a prefeitura para o desenvolvimento turístico e nunca houve. Relação
entre as iniciativas privada e pública também não existe. Somente se houver um projeto no
futuro com intuito de restaurar a casa por ambas as partes, uma possibilidade.
14- Acredita que as pessoas terão interesse em visitar o local?
Sim, acredito que haja interesse, mas teria que verificar uma maneira para o local ser
visitado, na situação atual não há possibilidade, pois a família mora ao lado da casa e perderia
a sua privacidade.
15- Quanto a Fundação A.C.E.S.A. que atualmente funciona no local. Qual a importância
para o município e o que será feito com ele se o local for explorado para turismo?
A Associação presta serviços à população local, em específico, pessoas portadoras de
necessidade especial. O local que a A.C.E.S.A. funciona fica ao lado da casa, assim tem seu
próprio espaço, a A.C.E.S.A. somente utiliza algumas salas da casa. Caso no futuro a casa
seja utilizada para o turismo, não iria afetar a A.C.E.S.A., pois ela já detém de espaço para
suas atividades.
16- Considerações extras relacionadas ao assunto?
Há um contrato com uma construtora Madia, em Valinhos, que comprou a fazenda para
sua exploração. A fazenda somente será vendida quando a prefeitura liberar a criação de um
condomínio na área. Porém, a casa do Flávio e a A.C.E.S.A. continuarão funcionando da
maneira que está hoje. Assim a área em seu entorno seria explorado pela construtora. Em
1994 a casa pode ter passado por uma tentativa de restauração por parte pública, mas como
não aconteceu nada na casa, então não se sabe ao certo se aconteceu mesmo. A pessoa que
criou a A.C.E.S.A. e que começou os reparos da casa para o seu uso através da A.C.E.S.A. foi
a Heloisa de Carvalho Crissiuma, prima de segundo grau. Era a pessoa que estava mais
informada sobre a casa, porém, faleceu em 2006.
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victor hugo marianno de oliveira acasa de flávio de carvalho