0 CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ FACULDADE CEARENSE CURSO DE BACHARELADO EM SERVIÇO SOCIAL ROSANA DE ARAÚJO CARNEIRO A ATUAÇÃO DAS ASSISTENTES SOCIAIS NO CENTRO DE ATENÇÃO PSICOSSOCIAL – CAPS III SER II FORTALEZA 2013 1 ROSANA DE ARAÚJO CARNEIRO A ATUAÇÃO DAS ASSISTENTES SOCIAIS NO CENTRO DE ATENÇÃO PSICOSSOCIAL – CAPS III SER II Monografia submetida à aprovação da Coordenação do Curso apresentado ao Curso de Serviço Social da Faculdade Cearense (FAC), como requisito parcial para obtenção do grau de Graduação. Orientador: Profª Ms. Virzângela Paula Sandy Mendes. FORTALEZA 2013 C289a Carneiro, Rosana de Araújo A atuação das Assistentes Sociais no Centro de Atenção Psicossocial – CAPS III SER II / Rosana de Araújo Carneiro. Fortaleza – 2013. 91f. Orientador: Prof.ª Ms. Virzângela Paula Sandy Mendes. Trabalho de Conclusão de curso (graduação) – Faculdade Cearense, Curso de Serviço Social, 2013. 1. Saúde Mental. 2. Prática profissional. 3. Interdisciplinaridade. I. Mendes, Virzângela Paula Sandy. II. Título CDU 364 Bibliotecário Marksuel Mariz de Lima CRB-3/1274 2 ROSANA DE ARAÚJO CARNEIRO A ATUAÇÃO DAS ASSISTENTES SOCIAIS NO CENTRO DE ATENÇÃO PSICOSSOCIAL – CAPS III SER II Monografia submetida à aprovação da Coordenação do Curso apresentado ao Curso de Serviço Social da Faculdade Cearense (FAC), como requisito parcial para obtenção do grau de Graduação. Orientador: Profª Ms. Virzângela Paula Sandy Mendes. Data de Aprovação:___/___/_____. BANCA EXAMINADORA __________________________________________________ Profª. Ms. Virzângela Paula Sandy Mendes (Orientadora) __________________________________________________ Profª. Ms. Mayra Rachel da Silva (1ª Examinadora) __________________________________________________ Profª. Esp. Richelly Barbosa de Medeiros (2ª Examinadora) 3 DEDICATÓRIA Com muita gratidão, à minha amada e preciosa família; a minha mãe Francisca Maria; ao meu pai Pedro (in memorian); ao meu irmão Ronaldo; às minhas irmãs Rosângela, Fernanda Kelly e Maria José, que estão presentes na minha vida e acompanharam todo o meu tempo vivido na graduação e, entre ausências e presenças, suportaram comigo as dificuldades e as alegrias desse tempo, fazendo-se presença constante de apoio, incentivo e admiração durante toda a minha vida. 4 AGRADECIMENTOS Agradeço primordialmente a Deus, criador da vida, autor da criação, o Pai supremo o qual coloco toda a minha confiança e volto a minha fé, o Alfa e Ômega, o Princípio e o Fim. Ao Deus do impossível, que sabiamente me guiou e tornou possível este sonho e, nesta árdua caminhada, concedeu-me graças e bênçãos, dons e talentos, alegrias e tristezas e, nesse misto de altos e baixos, tempestades e bonanças, permitiu-me vencer e perceber a sua sublime presença em todos os momentos, dessa forma, fazendo-me sentir com mais força a alegria da vitória. Enfim, a Deus os meus infinitos agradecimentos. Ao meu querido pai (in memorian) que, mesmo na glória de Deus, acredito que esteve ao meu lado intercedendo a Deus por mim e na certeza de que se estivesse nesse mundo terreno, permaneceria ao meu lado e muito se alegraria com essa conquista. Agradeço carinhosamente a minha querida e santa mãe a qual amo muito e por ela muito sou amada, que sempre esteve e está ao meu lado em todos os momentos da minha vida, principalmente nessa desafiante caminhada acadêmica e de fim de curso. Por suas orações, palavras, carinho, apoio e confiança que depositou em mim, sempre me incentivando a ser melhor. Agradeço as minhas queridas irmãs Rosângela, Fernanda Kelly e Maria José pelo apoio, a paciência, a colaboração que dedicaram a mim nesse período, contribuindo de forma significativa com a minha formação acadêmica. Agradeço ao meu irmão Ronaldo por sua contribuição nesse processo. Aos meus amigos e irmãos missionários do Grupo de Oração “Missionários de São Miguel Arcanjo”, que pacientemente suportaram a minha ausência no serviço e nas missões e rezaram por mim. Aos meus padrinhos Salete e Edmilson, que acompanharam parcialmente essa fase da minha vida, sempre me incentivando com uma palavra de sabedoria, motivando-me e me dando forças para superar as dificuldades e se alegraram com a minha conquista. Agradeço as minhas colegas da turma de Serviço Social 2013.2, que de forma direta ou indireta tiveram participação na minha vida acadêmica; àquelas que me acompanharam desde o primeiro semestre, que contribuíram para o meu crescimento, serviram de exemplo, fizeram-me pensar diferente, elegeram-me como líder de sala e acreditaram em mim. Agradeço carinhosamente as minhas colegas de equipe Vera Lúcia, Camila Oliveira, Rosieli Almeida, Waldiane Rocha e Yara Viana entre as quais desenvolvemos mais 5 afinidades e assim se fizeram presentes, tornaram-se amigas e companheiras e juntas nesse período aprendemos a vencer as barreiras e superar os desafios através do apoio mútuo. Meu agradecimento particular e especial a minha amiga Vera Lúcia, que esteve mais presente na minha vida acadêmica, que tanto me ajudou, apoiou, incentivou e contribuiu com o meu processo de formação, sendo exemplo de força e vitória. Aos professores da Faculdade Cearense que contribuíram com a minha formação; aos que se dedicaram, aos que se comprometeram e aos que marcaram a minha trajetória acadêmica. Agradeço especialmente a professora Richelly Barbosa, que acompanhou a trajetória desse trabalho no último semestre da faculdade na disciplina de TCC, orientando, incentivando, tranquilizando-me, avaliando o processo e me acompanhando até a defesa do trabalho, dessa forma, contribuindo para o êxito com qualidade. Agradeço ao CAPS III SER II que me acolheu muito bem no período de três semestres como estagiária do Serviço Social, na pessoa da coordenadora Adriana Magalhães e da atual coordenadora Beatriz Rennó, que me recebeu tão bem, que apoiou o meu trabalho viabilizando a pesquisa de campo. Agradeço a assistente social Liduina Alves, minha primeira supervisora de campo, a minha porta de entrada no CAPS III da SER II, que me recebeu tão bem, orientou, apoiou, ensinou, incentivou e se tornou inesquecível para mim. Agradeço também a assistente social Juliana Lima, minha supervisora de campo no segundo semestre de estágio, que me acompanhou, orientou, ensinou e contribuiu de forma construtiva com a minha formação acadêmica. Meu agradecimento especial a assistente social Concebida, minha supervisora de campo do terceiro semestre de estágio, que deu continuidade a esse processo na etapa final, que me conduziu tão bem na prática profissional com o seu exemplo de profissional comprometida, orientou, ensinou, incentivou e, dessa forma, contribuiu significativamente com a minha formação acadêmica. Agradeço carinhosamente a todas as assistentes sociais do CAPS III SER II, que participaram das pesquisas e se dispuseram a contribuir comigo na construção desse trabalho, que me receberam tão bem, participaram com tanta satisfação, motivando-me e me incentivando com atitudes e palavras. Agradeço, de modo especial, as minhas amigas e colegas de trabalho Thais Araújo e Priscila Vitta, do Centro Pediátrico da UNIMED, que pacientemente compreenderam o meu 6 cansaço nas alternadas noites de plantões, facilitando o meu descanso, no período em que precisei conciliar estudo e trabalho. Agradeço a minha orientadora, professora Virzângela Paula, que aceitou me acompanhar nessa fase final e, pacientemente, orientou, tranquilizou, incentivou a chegar ao fim e construiu comigo esse trabalho, dessa forma, contribuindo com o sucesso da minha conclusão. Agradeço a participação da banca, as professoras Mayra Rachel e Richelly Barbosa, que aceitaram fazer parte desse momento ímpar em minha vida e que contribuíram significativamente com suas considerações e proposições. Enfim, a todos e todas, com atenção, satisfação e carinho, o meu muito obrigada. 7 A humildade é o primeiro degrau para a sabedoria. (São Tomás de Aquino) 8 RESUMO A proposta da Reforma Psiquiátrica tem nos CAPS`s – Centro de Atenção Psicossocial - um de seus maiores pilares. A proposta desses espaços abertos é oferecer tratamento aos usuários com transtorno mental na perspectiva de inserção social. Para tanto, conta com uma equipe interdisciplinar, sendo um desses profissionais o assistente social. Nesse sentido, a presente pesquisa analisa como se estabelece a atuação desses profissionais no contexto do CAPS III – situado na Regional II, na Cidade de Fortaleza - Ceará. Como objetivos específicos temos: compreender a importância da atuação das assistentes sociais no CPS III SER II; perceber os desafios da atuação das assistentes sociais no CAPS III SER II; conhecer as motivações das assistentes sociais para atuarem no referido CAPS. A metodologia utilizada para a realização desta pesquisa é de cunho qualitativo cujos instrumentos de base foram a pesquisa bibliográfica e a pesquisa de campo. Para enriquecer a pesquisa de campo utilizamos a técnica da entrevista semiestruturada gravada, aplicada individualmente com cada profissional entrevistada, seguindo roteiro previamente elaborado. As categorias centrais que fundamentaram esta pesquisa foram Saúde Mental, prática profissional e interdisciplinaridade a partir das quais discorremos nosso estudo e embasamos as análises dos dados. Por fim, identificamos que as assistentes sociais do CAPS atuam de forma ética e comprometida, reconhecendo que precisam elaborar estratégias de superação e luta, mesmo diante das limitações e dificuldades postas no cotidiano da instituição. Palavras – Chaves: Saúde Mental. Prática Profissional. Interdisciplinaridade. 9 RÉSUMÉ La proposition de Réforme Psychiatrique a dans le CAP`s - Centre de Attention Psychosociaux - un de ses plus grands piliers. La proposition de ces espaces ouvrerts est de fournir aux utilisateurs avec troubles mentaux du point de vue de l'inclusion sociale. À cette fin, a une équipe interdisciplinaire, l'un étant le assistant social. En ce sens, cette recherche examine comme établit la performance de ces professionnels dans le contexte de CAPS III situé dans la Régional II, en ville de Fortaleza - Ceará. Les objectifs spécifiques sont: Comprendre l'importance de la performance des assistants sociaux dans CAPS III SER II, identifier les défis de la performance des assistants sociaux dans CAPS III SER II et comprendre les motivations des assistants sociaux d'agir à ce CAPS. La méthodologie utilisée pour cette recherche est une étude qualitative dont les instruments utilisées etaient la recherche bibliographique et la recherche de camp. Pour enrichir la recherche de camp a utilisé la technique d'entretiens semi- structurés enregistrés, appliquées individuellement à chaque professionnel interrogé, suivant un script préparé à l'avance. Les catégories centrales qui ont soutenu cette recherche étaient de la Santé Mentale, la pratique professionnelle et l’interdisciplinaire, à partir de leur, nous écrivons notre étude et nous avons analysé les données. Enfin, nous avons constaté que les assistants sociaux dans le CAPS agissent de façon éthique et compromis, en reconnaissant que le besoin d'élaborer des stratégies de surmonter et de lutte, même avec les limites et les difficultés mises en le quotidienne de l’institution. Mots - clés: Santé Mentale. Pratique Professionnelle. Interdisciplinarité. 10 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS CADS – Centro de Atenção Diária CAPS – Centro de Atenção Psicossocial CAPSad – Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Droga CAPSi – Centro de Atenção Psicossocial Infantil CFESS – Conselho Federal de Serviço Social CLT – Consolidação das Leis de Trabalho CNS – Conselho Nacional de Saúde CNSM – Conferência Nacional de Saúde Mental COI – Centro de Orientação Infantil COJ – Centro de Orientação Juvenil HDs – Hospitais Dias ISGH – Instituto de Saúde e Gestão Hospitalar NAPS – Núcleo de Atenção Psicossocial OMS – Organização Mundial da Saúde PMF – Prefeitura Municipal de Fortaleza PT-MG – Partido dos Trabalhadores de Minas Gerais SER – Secretaria Executiva Regional SRT – Serviços Residenciais Terapêuticos SUS – Sistema Único de Saúde 11 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO 12 O CONTEXTO DA LOUCURA E O PROCESSO DE INSTITUCIONALIZAÇÃO 2.1 As várias faces da loucura ao longo da História: da Idade Média ao século XIX 2.2 A loucura a partir do século XX: Os processos de institucionalização e desinstitucionalização do louco 18 3 A REFORMA PSIQUIÁTRICA COMO MARCO NO PROCESSO DE DESINSTITUCIONALIZAÇÃO 3.1 Os CAPS no processo de desinstitucionalização 3.2 A inserção dos saberes na Saúde Mental e a interdisciplinaridade 30 4 UMA ANÁLISE SOBRE OS DESAFIOS E AS MOTIVAÇÕES NA ATUAÇÃO DAS ASSISTENTES SOCIAIS NO CENTRO DE ATENÇÃO PSICOSSOCIAL – CAPS III SER II 4.1 Sobre o Centro de Atenção Psicossocial – CAPS III da SER II 4.2 Perfil básico das assistentes sociais do CAPS III da SER II 4.3 A análise da prática profissional no CAPS III SER II – a partir dos dados coletados em campo 45 CONSIDERAÇÕES FINAIS 73 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 78 APÊNDICES 82 ANEXOS 88 2 18 25 35 39 45 47 50 12 1. INTRODUÇÃO1 O trabalho aqui apresentado é fruto, primordialmente, de decisão. Partindo dessa afirmação, descrevo com emoção, alegria e muitos sonhos que a decisão e ponto de partida para o desenvolvimento deste trabalho surgiu no ano de 2010, quando decidi fazer um curso de graduação e, por motivações pessoais, ingressei no curso de Serviço Social da Faculdade Cearense. Ao longo de minha trajetória acadêmica fui vivenciando experiências de aproximação e distanciamento com as várias áreas que envolvem a atuação do Serviço Social e, por experiências da vida pessoal, a priori, o meu interesse estava direcionado à área sócio jurídica, mais especificamente a área da adoção. É bem verdade que nada como a experiência de campo para lhe fazer mudar de ideia, para lhe assustar ou lhe apaixonar, ou lhe assustar e em seguida lhe apaixonar. Vivi a segunda experiência a partir de 2012, no quinto semestre da vida acadêmica, quando ingressei no campo de estágio para cumprir a disciplina de estágio curricular obrigatório do curso: o Centro de Atenção Psicossocial – CAPS III SER II. A escolha do campo não foi pessoal, mas foi a oportunidade que surgiu naquele momento, em meio a tantas limitações e concorrências pelas vagas de estágio. Foi o primeiro ano que os CAPS abriram vagas para estágio do Serviço Social. Seis vagas foram destinadas a minha turma e o critério de ocupação foram as melhores médias anuais seguidas da escolha pelas instituições. Fiquei na sexta colocação e escolhi o referido CAPS pela aproximação com o hospital o qual exerço um trabalho formal, de nível médio. Providenciei as documentações necessárias e iniciei minhas atividades de estágio em março de 2012. Sabia pouco sobre a saúde mental, desconhecia os equipamentos substitutivos e suas finalidades, não tinha a noção da realidade dos hospitais psiquiátricos, conhecia a Reforma Psiquiátrica somente pelos textos estudados em sala, enfim, “caí de paraquedas” naquela instituição, ou seja, na saúde mental. Fui bem recebida e orientada por minha primeira supervisora de campo, a assistente social Liduina Alves, busquei leituras, aproximei-me dos profissionais, observei a dinâmica do serviço envolvendo profissionais e usuários e, nessa vivência, experimentei inicialmente a fase do “assustar”. 1 Como forma de aproximar os leitores da pesquisadora, o relato inicial da introdução está na primeira pessoa do singular. 13 Logo no primeiro semestre do estágio curricular, em todas as minhas produções, diários de campos, trabalhos exigidos na academia e em minhas falas, fiz questão de deixar claro que não me identifiquei com a saúde mental por perceber uma realidade complexa no trato com os usuários e por uma série de dificuldades encontradas naquele contexto. Lembro que me comovia ao ver o comprometimento e a instabilidade mental dos usuários e me inquietava ao perceber as limitações quanto ao retorno positivo deles, que estavam sujeitos a surto e a uma variedade de comportamentos estranhos e inusitados a qualquer momento. Nas primeiras intervenções senti vontade de chorar, por comoção e imaturidade diante da realidade que os usuários apresentavam. As visitas domiciliares e aos hospitais psiquiátricos me assustaram bastante nessa fase, talvez pela inexperiência, por passar a conhecer uma realidade antes desconhecida por mim, o medo em lidar com a situação, o lado emocional que não estava preparado para aquela realidade, mas as experiências, as idas e vindas, as conversas com os profissionais e com as colegas estagiárias de outros CAPS e instituições me fizeram perceber as limitações dos campos de estágio em geral e adquirir maturidade para atuar nas mais diversas áreas demandadas ao Serviço Social. Nessa fase, as experiências me fizeram crescer e evoluir para a fase do “apaixonar”. Cheguei ao segundo semestre do estágio curricular com mais maturidade, pois a realidade já era conhecida e saí da fase de observação da prática para a intervenção supervisionada, nesse período com outra supervisora de campo, a assistente social Juliana Lima. As atividades já eram percebidas de outra forma, o olhar lançado à intervenção das profissionais já era carregado de maturidade e criticidade, as visitas domiciliares e hospitalares já eram desejadas por mim, mas com o objetivo de aprender sobre a intervenção das assistentes sociais naquela atividade demandada, não nego que lidar com o paciente com transtorno mental é sempre uma incógnita, pois eles agem em um inesperado. Nessa fase vivenciei de perto as dificuldades, limitações, inquietações e desafios postos para a equipe do Serviço Social naquele equipamento da saúde mental. Inseridas num contexto de precarização do trabalho, de limitações de recursos humanos e materiais, das condições físicas do ambiente de trabalho e das exigências postas pela hierarquia, as profissionais buscavam efetivar suas práticas comprometidas com o Projeto Ético Político da profissão, até que chegaram as eleições para a gestão municipal de Fortaleza e, consequentemente, a mudança da gestão. Cheguei ao terceiro semestre do estágio curricular supervisionado agora com a nova gestão. Mudanças e mais mudanças. Percebam que passei pela terceira supervisora de 14 campo em um período de três semestres, isso devido à instabilidade das condições de trabalho postas a todos os profissionais daquele CAPS, dessa vez, com a assistente social Concebida Nunes. As demissões aconteceram, a nova gestão contratou profissionais aprovados na seleção da prefeitura e, nessa dinâmica, entraram sete assistentes sociais no serviço, que antes compunha um quadro de três ou quatro profissionais da área. Foi diante desse contexto e das breves experiências apresentadas, dentre tantas vividas, que me senti instigada a compreender sobre a atuação das assistentes sociais desse CAPS. Nesse período, apesar de ter elaborado e executado um projeto de intervenção sobre ouvidoria e ter muitos subsídios de análises e estudos nessa área, decidi para o meu Trabalho de Conclusão de Curso me apropriar da bagagem de conhecimentos adquiridos no período do estágio supervisionado e defini como objeto de estudo as profissionais do Serviço Social, na perspectiva de contemplar nosso objetivo geral, que é analisar como se estabelece a atuação das assistentes sociais no Centro de Atenção Psicossocial – CAPS III SER II. Desse modo, as motivações para realizar esta pesquisa partem de um processo de construção adquirido em minha trajetória acadêmica, ou seja, das experiências no período do estágio supervisionado, que ocorreram de março de 2012 a junho de 2013. Nesse período, foi possível perceber as limitações e desafios enfrentados pelas profissionais da instituição, fato que nos instigou a realizar este estudo com o grupo de profissionais do Serviço Social. A pesquisa contempla como objetivos específicos: contextualizar a loucura destacando os processos de institucionalização; compreender a inserção dos/as assistentes sociais nos serviços substitutivos de Saúde Mental, destacando o processo de desinstitucionalização; refletir sobre os desafios e possibilidades da atuação das assistentes sociais no CAPS. Quanto à metodologia podemos destacar que a presente pesquisa foi desenvolvida com a abordagem de caráter qualitativa, tendo em vista o estudo realizado com seres humanos. Esse tipo de abordagem, Segundo Godoy (1995, p.53), “[...] ocupa um reconhecido lugar entre as várias possibilidades de se estudar os fenômenos que envolvem os seres humanos e suas intricadas relações sociais, estabelecidas em diversos ambientes.” Para Goldenberg (2009, p. 53), “os dados qualitativos consistem em descrições detalhadas de situações com o objetivo de compreender os indivíduos em seus próprios termos.” Portanto, a 15 referida abordagem foi de grande importância para compreender o objeto estudado, pois permitiu uma percepção ampliada da realidade analisada.2 Realizamos a pesquisa bibliográfica entre agosto e outubro de 2013, com o objetivo de fundamentar as análises a partir das obras de autores que estudaram os aspectos que norteiam a referida temática. Segundo Gil (2002, p.44), “[...] a pesquisa bibliográfica é desenvolvida com base em material já elaborado, constituído principalmente de livros e artigos científicos.” Assim, a partir da pesquisa bibliográfica fundamentamos a compreensão das categorias saúde mental, prática profissional e interdisciplinaridade, que foram analisadas no desenvolvimento da pesquisa. A pesquisa de campo foi realizada nos meses de outubro e novembro de 2013, proporcionando o contato direto com o campo e permitindo aprofundar questões, comprovar a veracidade dos fatos analisados e a partir da observação e percepção, viabilizou as análises e conclusões. Segundo Gil (2002, p.53), “[...] no estudo de campo, o pesquisador realiza a maior parte do trabalho pessoalmente, pois é enfatizada a importância de o pesquisador ter tido ele mesmo uma experiência direta com a situação de estudo.” Realizamos a pesquisa com o grupo de assistentes sociais do CAPS III SER II, que é composto, atualmente, por sete profissionais que atuam em equipe multidisciplinar. A técnica utilizada foi de entrevistas semiestruturadas gravadas, com o consentimento das entrevistadas, com o objetivo de coletar dados através de roteiro previamente elaborado, o qual foi dividido em dois tópicos que contemplaram perguntas sobre o perfil básico do profissional e sobre a prática profissional no referido CAPS. Sobre essa técnica, Bertucci (2012, p.63), esclarece “[...] é desenvolvido um roteiro de entrevista básico. Entretanto o pesquisador tem flexibilidade para introduzir, alterar ou eliminar questões, de acordo com as necessidades da pesquisa.” Portanto, é uma estratégia para o aprofundamento das investigações. Nesse sentido, esclarecemos para as entrevistadas que a pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética e Pesquisa do Hospital Universitário, em outubro de 2013, como forma de cumprir as formalidades exigidas no processo, resguardando o sigilo e cumprindo os protocolos da pesquisa realizada com seres humanos, em conformidade com a Resolução 196/96 (CNS). Ainda nesse contexto, é importante esclarecer que para resguardar o sigilo da pesquisa identificamos as entrevistadas por nomes fictícios, a fim de preservar suas 2 A partir desse parágrafo, o discurso está na 1ª pessoa do plural, pois apresento os aspectos elaborados em conjunto com a orientadora da pesquisa. 16 identidades. Desse modo, apresentamos o termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE), assinado por ambas as partes como ciência dos objetivos da pesquisa e da liberdade que possuem no processo. Quanto às categorias analisadas no decorrer deste estudo, saúde mental, prática profissional e interdisciplinaridade, apropriamo-nos de um rico referencial teórico para fundamentar o percurso. Destacamos: Bisneto (2011); Foucault (1972); Oliveira (2005); Marcolino (2005); Iamamoto (2007; 2008); Raichelis (2008), dentre tantos outros autores e artigos que enriqueceram esta pesquisa. Referente à categoria Saúde Mental, Dr. Lorusso esclarece: Saúde Mental é o equilíbrio emocional entre o patrimônio interno e as exigências ou vivências externas. É a capacidade de administrar a própria vida e as suas emoções dentro de um amplo espectro de variações sem contudo perder o valor do real e do precioso. É ser capaz de ser sujeito de suas próprias ações sem perder a noção de tempo e espaço. É buscar viver a vida na sua plenitude máxima, respeitando o legal e o outro3. (LORUSSO, 2013, p.1). Nesse sentido, é possível compreender que a saúde mental faz parte do complexo psicológico do ser humano, que envolve o poder da mente associado aos fatores do mundo externo, envolvendo os sujeitos e a capacidade dos indivíduos de administrar a vida sem perder a razão e o sentido de viver. Portanto, enfatizamos que - diante do quadro de transtorno mental que compromete os indivíduos e os tornam usuários dos CAPS - há um grande desafio dos profissionais da área que atuam nesse contexto, na perspectiva de saber lidar com a ausência ou comprometimento da saúde mental. Quanto à categoria prática profissional do Serviço Social, Iamamoto (2004, p. 114) expressa que “[...] tem um caráter essencialmente político, travestido, porém de uma aparência de atividades dispersas, descontínuas de caráter filantrópico, marcadas pelo fornecimento de benefícios sociais.” Portanto, é nesse sentido que surge a compreensão da prática que oscila entre o fatalismo e o messianismo. O primeiro está relacionado à prática do comodismo atrelado a uma visão de incapacidade e impossibilidade de superação frente aos desafios do cotidiano. O segundo diz respeito à prática de caráter voluntarista, subjetivista e ingênua na perspectiva de privilegiar os propósitos individuais do profissional. (IAMAMOTO, 2004). No que se refere à interdisciplinaridade, Ribeiro e Farias (2010) compreendem que a busca pela interdisciplinaridade é a construção plural de alternativas no âmbito das 3 Disponível em: <http://www.saude.pr.gov.br>. Acesso em: 10 out.2013. 17 Ciências, portanto, não compreendem a busca de um saber genérico, diversificado. Entretanto, é uma forma de organização da equipe de modo estrutural, havendo reciprocidade, troca de saberes e enriquecimento mútuo, bem como tendência à horizontalização das relações de poder. Nesse contexto, enfatizamos que cada capítulo foi elaborado na perspectiva de elucidar os objetivos específicos, de modo que, após essa Introdução, no segundo capítulo apresentamos o contexto histórico da loucura ao longo dos tempos, até o século XIX. A proposta desse capítulo é contextualizar a loucura, apresentando as diferentes formas de percebê-la no decorrer dos períodos históricos da humanidade, perpassando os acontecimentos que impulsionaram as transformações em relação à forma de compreendê-la e tratá-la enfatizando o processo de institucionalização da loucura. No terceiro capítulo, apresentamos o contexto da Reforma Psiquiátrica como marco no processo de desinstitucionalização, destacando os CAPS como novos equipamentos substitutivos e destacando também a inserção dos saberes na Saúde Mental, com ênfase na inserção do/a assistente social nesse campo de atuação. O quarto capítulo é apontado como o de maior importância, pois é a partir dele que contemplamos o objetivo geral da pesquisa, tendo em vista que apresentamos as falas das entrevistadas e realizamos as análises fundamentadas pelos autores que compreendem as questões abordadas. Inicialmente, apresentamos um breve histórico do CAPS e, posteriormente, a análise da prática profissional a partir dos dados coletados em campo. Nesse contexto, apresentamos também os resultados e as discussões alcançados com a pesquisa. Em suma, a presente pesquisa foi de grande importância para compreender sobre a prática profissional do Serviço Social no CAPS III SER II, uma área do saber que em contexto geral se inquieta com a indagação do que realmente faz o/a assistente social, tendo em vista ser um profissional que exerce grande importância dentro das instituições, pois são capacitados para atenderem as demandas do campo social, intervindo e apresentando respostas por vezes imediatas, profissionais que, através do olhar analítico, crítico e reflexivo, próprio do Serviço Social, percebem o contexto para além da realidade apresentada. 18 2. O CONTEXTO DA LOUCURA E O PROCESSO DE INSTITUCIONALIZAÇÃO 2.1 As várias faces da loucura ao longo da história: da Idade Média ao século XIX A proposta deste capítulo é contextualizar a loucura, apresentando as diferentes formas de percebê-la no decorrer dos períodos históricos da humanidade, perpassando pelos acontecimentos que impulsionaram as transformações em relação à forma de compreendê-la e tratá-la. Ao considerarmos a natureza histórica e transitória da loucura é possível observar que as sociedades elaboram práticas e representações diversificadas. Marcolino (2005) afirma que o louco já foi considerado um ser iluminado, dotado de poderes, já foi visto como um ser possuído pelo demônio, outrora como preguiçoso, desqualificado e improdutivo. Complementando essa análise, Silva (2013) citando Bisneto (2011), destaca que a loucura ora foi apreciada, ora combatida, dependendo de como se manifestava em determinado contexto ou da sociedade a qual estava inserida. Historicamente, em cada época as sociedades apresentam suas concepções sobre a loucura, que vão desde as concepções filosóficas e mitológicas, perpassando pela concepção religiosa da loucura como possessão demoníaca, algo sobrenatural, até a concepção científica da patologia, ou seja, a loucura como doença mental. Contudo, como afirma Marcolino (2005, p.45), “Os séculos passados são preciosos referenciais para entendermos o presente.” Diante disso, a trajetória que vamos percorrer ao longo desse capítulo contribuirá para o entendimento a respeito da concepção da loucura ao longo dos séculos. De acordo com Pereira (1994), a gênese da loucura pode ser esquematizada em três grandes momentos. A princípio, vivenciou um período de liberdade e de verdade, que inclui os últimos séculos medievais - do século XV ao século XVI -; em um segundo momento, o período da “grande internação”, que contempla os séculos XVII e XVIII; e, por fim, a época contemporânea, após a Revolução Francesa, quando a Psiquiatria assume o compromisso de tratar a loucura que superlota os asilos. Na Antiguidade e na Idade Média, até antes do Renascimento, os loucos eram acolhidos e as manifestações da loucura eram percebidas como uma forma de manifestação divina. Os tratamentos médicos eram fenômenos localizados, restritos e opostos às práticas populares e mágico-religiosas. Nesse contexto, os cuidados direcionados aos pobres tinham o caráter caritativo. Cabia a eles vagar pelas ruas e mercados, sobrevivendo da caridade ou de 19 pequenos trabalhos, enquanto aos ricos restava a clausura domiciliar sob os cuidados de um profissional contratado para este fim. (MARTINS; SOARES; OLIVEIRA; SOUZA, 2011). De acordo com Filho (1994), na Idade Média (século XI ao XIII), predominava a concepção religiosa, onde a loucura era associada à possessão diabólica, explicada como o mal desenvolvido no homem pelos demônios. O louco era visto como o ser errante que vagava pelas cidades e mantinha-se esquecido pela sociedade. Não tinha vez, nem voz. Sua voz foi anulada, abafada, desvalorizada e a ela não era atribuída importância. A esse respeito o autor ainda destaca que: A eles eram interditados o testemunho na justiça, a responsabilidade de um ato ou de um contrato, e até mesmo a comunhão na santa missa. Nele se identificavam poderes estranhos, como o de revelar uma verdade escondida, poderes premonitórios, ou, em sua ingenuidade, perceber coisas que a sabedoria dos outros não conseguia perceber. (FILHO apud TUNDIS; COSTA, 1994, p.78). Nesse sentido, percebemos que nesse período histórico os loucos eram excluídos do meio social, de modo a serem tratados como seres diabólicos, isso devido a concepção sobre a loucura que se tinha na época. O louco era vista como um ser assustador, monstruoso, sobrenatural, que vagava pelas ruas e não fazia parte do convívio social, ou seja, eram sujeitos desprovidos de direitos. Segundo Heidrich (2007, p.25), “Até a Idade Média, a loucura é entendida como uma experiência trágica. Não era atribuída a ela uma questão moral, de conduta, de certo ou errado. [...] a loucura recebia uma explicação mística.” Porém, no final desse período histórico, a loucura se insere em um universo moral e passa a ser percebida como um vício do homem. (HEIDRICH, 2007). Entretanto, de acordo com Costa e Tundis (1994, p.20-21), durante toda a Antiguidade e a Idade Média o louco desfrutou de certa liberdade, de modo que a loucura era vivenciada em estado livre, circulava e fazia parte do cenário e linguagens comuns. A doença mental era uma questão de âmbito privado, determinada pelos costumes e o poder público só intervinha em assuntos de direito. “Os tratamentos médicos na Grécia e Roma antigas permaneceram como fenômenos localizados, restritos a uns poucos abastados, contrariamente as práticas populares e mágico-religiosas amplamente difundidas.” Os autores ainda esclarecem que a relativa liberdade desfrutada pelos loucos nas sociedades pré-capitalistas é atribuída ao baixo índice de pessoas com problemas mentais, quando estas “eram reduzidas e a curta duração média da vida não permitia que determinados 20 transtornos, hoje sabidamente mais incidentes na idade madura e na velhice, aparecesse em proporção significativa” (COSTA; TUNDIS, 1994, p. 21-22). No campo artístico a loucura era exaltada. Sobre a loucura nas artes, Filho esclarece que: Ela discorria pela “Nave dos Loucos” e “Jardins das Delícias”, de Bosch; pelos personagens de Hamlet e Macbeth; pelo Elogio da loucura, onde Erasmo assinalava que o homem é tanto mais feliz quanto mais numerosas são suas modalidades de loucura, e que ela está inscrita no coração do ser humano. (FILHO, 1994, p.78-79). Nesse sentido, o autor demonstra que no campo das artes a loucura era ilustrada em obras literárias de modo a ser enaltecida na tentativa de desmistificá-la como algo distante dos seres humanos. Assim, relaciona a loucura ao estado de felicidade que todo ser humano possui em seu coração e, desta forma, aproxima-a da condição necessária do ser humano. Portanto, nesse contexto, do período medieval até o Renascimento, o confinamento dos loucos era uma exceção e os lugares de confinamento existentes tinham a finalidade de retirar do convívio social as pessoas que não se adequavam a realidade social, tendo em vista que a loucura não era compreendida como um fenômeno que exigia um saber específico, científico e não era caracterizada como doença. Essa forma de conceber a loucura ocorre até o Renascimento, mais precisamente, até a fase do Mercantilismo, período marcado por avanços na economia e que em sua essência via a população como o bem maior de que dispunha uma nação. Com esse entendimento, a sociedade daquela época comportava-se de modo que todos aqueles que não podiam contribuir no intenso movimento da produção, comércio e consumo, passavam a ser excluídos da sociedade, ou seja, encarcerados. (FILHO, 1994). De acordo com Marcolino (2005), na lógica mercantilista europeia, a ociosidade era fato presente na sociedade de modo que era considerado o maior vício da época. Essa forma de pensar tinha como consequência à edificação de instituições para o recolhimento de idosos, crianças abandonadas, portadores de deficiência física, mendigos, pessoas acometidas por doenças venéreas e os loucos, os quais eram obrigados a realizar trabalhos, como forma de punição. Na Renascença, a loucura se apresenta em toda parte, envolvida em todas as experiências com suas imagens ou seus perigos. No período Clássico, ela se apresenta por trás das grades e se há manifestação é à distância, vista pelo ângulo do isolamento, tendo em vista 21 não haver identificação com a forma de ser concebida no Renascimento. (FOUCAULT, 1972). No período histórico posterior ao século XVII a loucura se configurava em um contexto de discriminação e de perda do poder simbólico, que usufruía no Renascimento. Nesse contexto a loucura passou a ser progressivamente isolada do espaço social, expulsa para os antigos lugares que abrigavam inicialmente os leprosos e, posteriormente, os portadores de doenças venéreas. A inserção dos loucos nos lugares de confinamento representava a desagregação do corpo indicando com intensidade a experiência da morte. Assim, Durante séculos o doente mental teve seus direitos aviltados em atitudes e legislações que não o conferiam sequer o direito de ser visto como ser humano. Aos que eram acometidos por qualquer transtorno mental oferecia-se um modelo de assistência hospitalocêntrico e asilar, cujo principal objetivo era o confinamento e, por conseguinte, total isolamento do meio familiar e social. (RIBEIRO; FARIAS, 2010, p.131-132). Nesse sentido, compreendemos como a sociedade da época tratava o louco. A discriminação e a exclusão já faziam parte do cotidiano da pessoa com transtorno mental, a garantia dos direitos era uma realidade muito distante desse público. Na verdade, eram privados até mesmo do direito de serem vistos e tratados como seres humanos e é nesse contexto que é oferecido a assistência manicomial, portanto, o isolamento, o confinamento, a clausura. Segundo Silveira (2008), Foucault considera que foi no classicismo que surgiu uma nova percepção da loucura enquanto risco para a sociedade. A partir daí a loucura começa a se configurar como fator de desorganização da família, desordem social, perigo para o Estado. (FOUCAULT, 1997, p. 80). A Idade Moderna foi um período marcado por transformações sociopolíticas e econômicas que mudaram o curso da História. Depois do século XVII, o Iluminismo e o Renascimento influenciam no surgimento das Ciências e desenvolvimento da Medicina, tendo iniciado o campo da formação médica e psicológica que, ao longo da História, classifica a loucura como doença mental. O século XVIII é marcado por uma série de mudanças, que são concretizadas através das Revoluções Francesas e Industriais, revolucionando, além da Europa, o mundo inteiro. Nesse período, com a Revolução Industrial, emergiram alterações nos processos tecnológicos, que aumentaram a produtividade e contribuíram para a implementação de um 22 novo ritmo à produção. Com o advento do modo capitalista de produção a sociedade vivenciou uma série de transformações no âmbito social, econômico e político, sobretudo no modo de produzir. Com a Revolução Francesa foram abertas possibilidades para uma nova forma de organização da sociedade, a qual o povo ganhou mais autonomia passando a ter seus direitos respeitados. Levantando a bandeira da liberdade, igualdade e fraternidade os revolucionários representavam seus anseios naquele momento. Desta forma, os homens passaram a ter o poder de agir e transformar a realidade, enquanto a Ciência passa a explicá-la. Retratando a Psiquiatria nesse contexto, tinha-se o hospital de Bicetrê, em Paris, que era uma instituição de assistência filantrópica e assistencial, local destinado ao internamento dos sujeitos indesejáveis à sociedade, lugar de exclusão social da pobreza e da miséria que constituía parte da sociedade. Diante dessa realidade, Filho enfatiza que: São reclusos os órfãos, os epiléticos, os miseráveis, os libertinos, os velhos e as crianças abandonadas, os venéreos, os aleijados, os religiosos infratores e os loucos. Pra esse fim são criadas ou reformadas instituições como Bicêtre e La Salpêtrière, ou Chrenton e Saint- Lazare, todas para abrigarem os incapazes. No entanto, em tais estabelecimentos, não se tinha como objetivo a reintegração desses indivíduos à sociedade ou qualquer outra finalidade terapêutico-pedagógica. (FILHO, 1994, p.79). Dessa forma, todos aqueles que ofereciam alguma ameaça para a sociedade eram excluídos dela. Nesse sentido, foram criadas as instituições hospitalares com o objetivo de retirar da sociedade os “indesejáveis”, pois não havia a intenção de tratá-los ou de oferecê-los melhores condições de vida, mas de retirá-los do convívio social. Nesse contexto de transformações que emergiram com as revoluções as mudanças foram provocadas em todas as esferas da vida humana e têm influenciado na dinâmica social até os dias de hoje. Na Medicina os avanços tecnológicos contribuíram com várias descobertas; na Psiquiatria, o médico Philippe Pinel se interessa por estudar e tratar os diversos desvios ou alienação mental e passa a direcionar um novo olhar para a realidade dos sujeitos acometidos com tais problemas. De acordo com Marcolino (2005), no final do século XVIII, Philippe Pinel é nomeado para a direção do hospital francês Bicêtre e, a partir de então, difunde uma nova concepção de loucura, a qual fundamenta a alienação mental enquanto distúrbio das funções intelectuais do sistema nervoso. Este define o cérebro como sede da mente, onde se manifesta a loucura. Com a proposta de Pinel, a loucura passa a ter status de doença mental, o que requer conhecimentos médicos e técnicas específicas. O autor ainda esclarece que: 23 O final do século XVIII foi marcado por essa atitude encorajadora de Pinel e seus seguidores. E foi a partir daí que a psicologia médica teve expressão em toda a Europa. A loucura passa a ser enxergada na ótica científica. Tem–se ainda uma nova constituição de instituição asilar para o tratamento de doentes mentais, concepção esta que sofrerá também muitas críticas a posteriori, tanto pelos críticos da sociologia, quanto da própria área da psicologia médica. (MARCOLINO, 2005, p.47). Portanto, é nesse contexto que a loucura começa a ser percebida por outro ângulo, ou seja, passa a ser compreendida como alienação mental, gerando consideráveis transformações na forma de pensar e lidar com ela, embora as estratégias para tratar a loucura nesse período sofram críticas, instigando sempre novas formas de pensar. Nos primórdios do século XIX, Philippe Pinel e Hegel estavam envolvidos num movimento que compreendia a loucura agregada pela razão. O médico francês, através de suas experiências clínicas, influenciou as concepções filosóficas de Hegel, pois estavam motivados sob uma mesma perspectiva. O filósofo compreendia a loucura como contradição na razão, que ainda existe e se dá entre a consciência do sujeito e a organização do pensamento, e não como perda da razão, enquanto Pinel a compreendia como um simples desarranjo no interior da razão. Portanto, Pinel e Hegel concebiam a loucura sob uma mesma perspectiva, ou seja, como fenômeno real existente dentro de uma razão. (OUYAMA, 2005). O autor ainda esclarece sobre o pensamento de Hegel que: A loucura sobrevém exatamente quando esta hierarquia é invertida, quando a consciência perde o controle de colocar as coisas no seu posto racional, quando o sujeito não consegue ordenar sua consciência numa “totalidade ordenada”. A loucura ocorre no momento da sublevação de alguma “determinação particular”. Quando um elemento, que faz parte da “totalidade ordenada” ganha autonomia e torna-se um elemento heterogêneo, estranho, ao sistema. (OUYAMA, 2005, p. 1). No entendimento de Hegel, o louco não é um ser monstruoso ou mitológico, mas um sujeito real em conflito consigo mesmo, um ser humano e racional em confronto com sua própria desordem. Assim, concebe o louco como um sujeito dotado de razão, mas em conflito com essa razão. Nesse sentido, para Hegel, o fato de estar louco não tira do sujeito à condição de ser humano, ser digno de direitos e deveres. Neste sentido, os hospitais psiquiátricos da época eram espaços rigorosamente médicos reservados para os alienados. Com Pinel, os alienados são desacorrentados e sua alienação inscrita na posologia médica. O médico francês acreditava que o isolamento das interferências externas seria necessário para se conhecer um objeto, tendo em vista que uma vez isolado o objeto poderia ser melhor observado. Desse modo, separou e agrupou os 24 diferentes tipos de alienações e delírios, fazendo comparações entre si, a partir da rigorosa e constante observação dos enfermos. (HEIDRICH, 2007). Neste contexto, Pinel desenvolve um conjunto de estratégias voltadas para a reeducação da mente alienada, conhecido como tratamento moral, que funcionaria como um policiamento interior. A tecnologia de Pinel “inaugurava um novo estatuto para a loucura: o de doença mental e consequentemente, para o louco: o de doente mental, necessitando, portanto de cuidado e tratamento, só disponível na estrutura asilar do tratamento moral.” (HEIDRICH, 2007, p. 35-36). De acordo com Pereira (1994), as técnicas utilizadas por Pinel construiu em torno dos loucos um círculo de julgamentos morais, tendo em vista que no asilo o comportamento do louco era constantemente vigiado, buscando diminuir suas pretensões, negar seus delírios, erros e ilusões, enfim, ridicularizar seu modo de ser. O autor ainda esclarece que: Qualquer desvio em relação a uma conduta normal devia ser observado e seguido de punição imediata. E tudo isso sob a direção de um médico cuja tarefa era de um rigoroso controle ético. Em suma, a grande tarefa do asilo era [...] homogeneizar todas as diferenças, isto é reprimir os vícios, extinguir as irregularidades, denunciar tudo aquilo que se opõe às virtudes da sociedade. (PEREIRA, 1994, p.86). Nesse contexto, é possível compreender a forma de tratamento direcionado a pessoa com transtorno mental. A sociedade era composta por padrões de conduta e toda conduta que não fosse considerada normal, ou que ameaçasse a ordem, deveria ser punida. Ou seja, o louco sofria severas punições devido a sua alienação mental e aos seus atos inconscientes. Nesse sentido, o asilo não constitui um espaço neutro de observação, diagnóstico e terapêutico, apesar de se apresentar desta forma ao ser visto do exterior, em sua aparência imediata, mas em seu interior constitui um espaço social onde o doente sofre um processo de acusação, julgamento e condenação, produzindo no louco o sentimento de remorso da sua própria culpa. (PEREIRA, 1994). Vale ressaltar que, a contribuição de Pinel na história da psiquiatria está no âmbito da descoberta da instituição asilar e o reconhecimento do louco como alienado, um ser doente da razão, trazendo a problemática da loucura para a Medicina. A partir daí surgem os hospitais psiquiátricos como instituição de estudo e tratamento da alienação mental. (OUYAMA, 2005). Sobre esse processo de mudanças na forma de conceber e tratar a loucura, Resende (1994) aponta uma problemática: “[...] se as amarras que atavam fisicamente os 25 doentes mentais foram efetivamente rompidas, outras surgiram, tanto mais perigosas porque sutis, consentidas e sofisticadas.” Contudo, se refere as novas formas de tratar a loucura através das instituições asilares que se utilizavam do tratamento moral e se configuravam em espaços de julgamento, policiamento e punição do doente mental. Nesse sentido, estava configurado na sociedade o modelo de assistência psiquiátrica institucionalizada através do modelo asilar, que enclausurava o louco e o retirava do convívio social e familiar, mantendo-o em regime de internação perpétua, de modo que os institucionalizados não tinham direito de escolha, nem havia outra forma de tratamento ou de resposta a doença mental. (SILVA, 2012). Observamos que as formas de compreender a loucura nos diferentes tempos históricos não foram uniformes e passaram por processos de vivências de experiências sociais que vão gradativamente reconfigurando-a e fundamentando a construção do conhecimento científico no trato da loucura, bem como influenciando os espaços e as práticas direcionadas a ela. 2.2 A loucura a partir do século XX: os processos de institucionalização e desinstitucionalização do louco O século XX é marcado por acontecimentos históricos, que impulsionaram mudanças no contexto histórico das sociedades e, dentre eles, a Primeira e Segunda Guerra Mundial (1914 e 1939, respectivamente) representaram marcos que ocasionaram grandes mudanças, de ordem econômica, social e geopolítica no Brasil e no mundo. Neste contexto, em meados do século XX, no âmbito da saúde mental, ainda se configurava o modelo de institucionalização do louco representada pela instituição asilar, lugar em que a loucura era dominada e condenada ao silêncio. “O louco e a loucura ficaram ilhados no manicômio até o século XX, mais especificamente até o pós Segunda Guerra Mundial, quando a questão da loucura passará a se constituir como expressão da questão social” (HEIDRICH, 2007, p. 52). E sobre a realidade vivenciada no contexto da institucionalização e suas consequências, o artigo de Maxwell4 relata que: 4 Disponível em: <www.maxwell.lambda.ele.puc-rio.br>. PUC- Rio Certificação digital nº 0811995/CA. 26 A institucionalização trouxe inúmeras consequências para o portador de transtorno mental como, por exemplo, a fragmentação e/ou extinção do convívio familiar; perda da identidade, liberdade; negação da subjetividade e de todos os direitos; incapacidade de exercer a cidadania. (MAXWELL, 1995, p.20). Neste contexto, é possível perceber que a loucura não era tratada nesses espaços, mas agravada. Porém, ao se conhecer a realidade no interior desses espaços, as formas desumanas aplicadas como tratamento e referir à forma de tratamento é um tanto quanto contraditório. Contudo, essas práticas eram utilizadas para conter a loucura e expressas como tratamento para mascarar a realidade vivenciada pelos doentes mentais, indivíduos forçadamente submetidos nessa realidade e sem direitos, sequer, de ser ouvidos. De acordo Silva, A necessidade de criação de hospitais psiquiátricos no século XVIII evoca a não reflexão de graves problemas do ser humano e da sociedade, esta última que como resposta aos inúmeros “incivilizáveis”, cria instituições de violência que tinham como procedimentos usuais a inflição de sofrimentos físicos e morais àqueles que não se ajustavam ao modelo de modo de produção e sociedade impostas, os mais alterados sofriam torturas e eram imobilizados com lençóis úmidos e choques. (SILVA, 2012, p.57) Portanto, era essa a realidade encontrada no interior das instituições manicomiais. A forma de tratar a loucura tornava o quadro da pessoa com transtorno mental ainda mais agravado, tendo em vista o sofrimento e a repressão sofrida pelos pacientes internos. No Brasil, ainda de acordo com Silva (2012), a atenção ao doente mental iniciou com a chegada da família real, em 1808. O País vivia um contexto de mudanças sociais e econômicas em prol do crescimento das cidades e das populações, de modo que fazia necessário o uso de medidas de controle, criando espaços para acolher os que ameaçavam a paz e a ordem social. Em 1852, em decorrência de protestos médicos contra a forma das Santas Casas administrarem os cuidados com os loucos, é criado o primeiro hospício brasileiro no Rio de Janeiro, Hospício Dom Pedro II, em conformidade com os propósitos da escola alienista francesa. Segundo Marcolino De acordo com o Ministério, a criação do hospício está diretamente relacionada ao crescimento e reordenamento das cidades (urbanização) e à necessidade de recolhimento dos habitantes desviantes que perambulam pelas ruas: os desempregados, imigrantes principalmente, que não aceitam as condições de trabalho existentes, os mendigos, os órfãos, marginais de todo tipo e os loucos – os quais são recolhidos aos Asilos de Mendicância de órfãos, administrados pela Santa Casa de Misericórdia. (MARCOLINO, 2005). 27 Nesse sentido, a institucionalização do louco nos asilos configurava o modelo de assistência psiquiátrica ofertada na época, no Brasil e no mundo, como a principal forma de tratamento, marcada pelos processos de internações que retirava o louco do convívio social. Era uma assistência violenta que enclausurava o paciente, privando-o e isolando-o do contato familiar e social, de modo que não favorecia no tratamento nem na evolução do seu quadro de saúde mental. Ao contrário: gerava o agravo, pois era uma suposta forma de “tratar” através de maus tratos que, por vezes, levava o paciente a óbito. Nesse contexto, surgem inúmeras inquietações por parte de vários segmentos sociais em relação ao modelo de assistência psiquiátrica vigente, tendo em vista o tratamento por meios violentos que não promovia a recuperação e cidadania dos doentes, mas tornava-os pessoas sem vez e sem voz. Desse modo, com a crise do modelo de assistência centrado nos hospitais psiquiátricos e com a luta dos movimentos sociais, surge o movimento da Reforma Psiquiátrica. Esse movimento direcionou um novo olhar sobre o modelo da Saúde Mental na perspectiva de romper com a tradição manicomial e passou a exigir atenção na promoção dos serviços tecnológicos e de cuidados na área, propondo a promoção de um modelo substituto ao modelo vigente e que pudesse contribuir com a inserção social e familiar dos pacientes com transtornos mentais e, sobretudo, para a promoção da cidadania, considerando que se tinha um modelo que não apresentava progresso no quadro psíquico dos pacientes, mas, ao contrário, um visível fenômeno de regresso, definhamento e óbito dos pacientes com transtorno mental. É importante salientar que a Reforma Psiquiátrica no Brasil foi inspirado pela experiência da Reforma Italiana que foi influenciada pelo pensamento crítico do médico Franco Baságlia frente às questões que envolvem o trato com o paciente psiquiátrico. A iniciativa da Reforma Psiquiátrica Italiana surgiu a partir da inquietação de Franco Baságlia que, em 1961, assume a direção do Hospital Psiquiátrico de Gorizia, na Itália. De acordo com Mesquita, Novellino e Cavalcante: O modelo asilar ou hospitalocêntrico continua predominante até o final do primeiro meado do século XX. Até que em 1961, o médico italiano Franco Baságlia assume a direção do Hospital Psiquiátrico de Gorizia, na Itália. No campo das relações entre a coletividade e a isanidade, ele assumia uma atitude crítica para com a psiquiatria clássica e hospitalar, por esta se centrar no princípio do insulamento do alienado. Ele defendia, ao contrário, que o doente mental voltasse a viver com sua família. Sua atitude inicial foi aperfeiçoar a qualidade de hospedaria e o cuidado técnico aos internos no hospital em que dirigia. Essas normas e o pensamento de Franco Baságlia influenciaram, entre outros, o Brasil, fazendo ressurgir diversas discussões que tratavam da desinstitucionalização do portador de sofrimento mental e da 28 humanização do tratamento a essas pessoas, com o objetivo de promover a reinserção social. (MESQUITA; NOVELLINO; CAVALCANTE, 2004, p.4). Baságlia revolucionou a história da saúde mental na Itália e influenciou os demais países na iniciativa de mobilização contra o modelo de assistência psiquiátrica asilar. Foi responsável por melhorar as condições de hospedaria e o cuidado técnico aos internos em Gorizia, percebeu a necessidade de profundas transformações tanto no modelo de assistência psiquiátrica quanto nas relações entre a sociedade e a loucura, assumia uma posição crítica mediante a psiquiatria clássica e hospitalar por favorecer o isolamento do louco, iniciou o fechamento do Hospital de Trieste, promoveu a substituição do tratamento hospitalar e manicomial por uma rede territorial de atendimento e “No ano de 1973, a Organização Mundial de Saúde (OMS)5 credenciou o Serviço Psiquiátrico de Trieste como principal referência mundial para uma reformulação da assistência em saúde mental.” Amarante e Rotelli (1992) corroborando Dell’ Acqua, (1987) afirmam que, em suma, a experiência de Trieste conduziu à destruição do manicômio, ao fim da violência e do equipamento da instituição psiquiátrica tradicional, apresentando possibilidades quanto à constituição de uma rede de atenção que oferece e produz cuidados e, ao mesmo tempo, oferece e produz novas formas de sociabilidade e de subjetividade para os que sofrem com algum problema psiquiátrico e necessitam de assistência. De acordo com Silva (2012), a ciência que compreendia o “louco” como necessitado de tratamento através do aprisionamento, colocando-o dentro dos asilos passa a ser questionada e debatida, ou seja, as formas de hospitalização e institucionalização são repensadas e analisadas, de modo que nega a clausura, a distância, a negação do louco como forma de tratar a doença, concebendo um novo paradigma de tratamento, de forma humana, em comunidade, no seio familiar, deslocando-o da caótica realidade dos hospitais, colônias e diversas formas de prisões para a realidade de um tratamento que o insere no meio social, portanto, com direito a liberdade. E sobre a concretização dessa liberdade o autor ainda esclarece que “foi e ainda se faz necessário um percurso de quebra de estigmas e de barreiras, como o preconceito, a não aceitação do outro e uma estrutura capaz de sustentar a desinstitucionalização que foi iniciada por Franco Baságlia.” (SILVA, 2012, p. 67). A experiência italiana de desinstitucionalização foi um marco em âmbito mundial, extrapolando a ideia de desospitalização. Franco Baságlia e seus companheiros italianos 5 Disponível em: <www.ifb.org.br>. Acesso em: 17 set.2013. 29 inovam esse meio, pois além de questionar os manicômios e suas desumanidades, também entendem e denunciam a situação desumana como sendo reflexo da questão social da exclusão e fruto da opressão da sociedade capitalista. (HEIDRICH, 2007). Portanto, o processo de desinstitucionalização italiana, inspirou e influenciou a experiência brasileira, contribuindo com o processo de quebra de paradigmas e desconstrução dos velhos modelos institucionalizados, sobretudo, no campo teórico, instigando os atores sociais a lançarem um novo olhar para modelo de assistência à saúde mental e tomarem a posição de luta em favor do bem-estar da parcela de indivíduos que sofrem com os descasos, tendo em vista que se tratam de seres humanos, cidadãos de direitos, porém, privados deles. Neste sentido, o processo de desisntitucionalização não se trata de uma teoria vaga, verticalizada, afastada do cotidiano e da vida real das pessoas envolvidas, mas da produção coletiva, viva, inserida e representada na contradição diária dos serviços que foram transformados nesse processo. Sobre a desinstitucionalização,: Voltada basicamente para objetivos administrativos e com significado restrito de “tirar os pacientes do hospital”, a desinstitucionalização, como desospitalização, não questiona a doença mental ou o papel dos médicos/técnicos com relação à doença e o doente. Também não há um questionamento ou crítica sobre o saber que legitima a psiquiatria como “a área” que trata/sabe tratar a loucura e o louco. Nessa concepção, o processo limita a noção de “instituição” ao hospital psiquiátrico/ manicômio. Desinstitucionalizar significa, portanto, tirar os loucos da instituição, no caso, do hospital e oferecer o tratamento em outro local. (HEIDRICH, 2007, p.54). Em contrapartida, o deputado Paulo Delgado afirma que a desinstitucionalização não é desospitalização, como vem sendo entendido e apresentado por profissionais, médicos psiquiátricos, em nosso País. Afirma que a desinstitucionalização é um complexo processo social que envolvem muitos atores e altera as relações de poder entre os pacientes, os profissionais e as instituições, com origens no questionamento do modelo de atendimento autoritário e divisor, tendo o hospital como núcleo. No próximo capítulo, apresentaremos o processo da Reforma Psiquiátrica e os novos equipamentos substitutivos da saúde mental, bem como a exigência e inserção de novos saberes nesse campo, sobretudo do Serviço Social. 30 3. A REFORMA PSIQUIÁTRICA COMO MARCO NO PROCESSO DE DESINSTITUCIONALIZAÇÃO O processo de desinstitucionalização da loucura tem como marco primordial o movimento da Reforma Psiquiátrica, que aconteceu em âmbito mundial. A partir desse movimento foi direcionado um novo olhar sobre o paradigma da loucura, ou seja, a forma de tratá-la e percebê-la no meio social. As pessoas com transtorno mental de moderado à grave saíram de dentro dos muros dos hospitais, que ofereciam uma forma “mascarada” de tratamento e passaram a serem tratados a partir da perspectiva da inserção social e promoção da cidadania. Segundo o deputado Paulo Delgado, “A Reforma Psiquiátrica é de certa forma a abolição da escravidão do doente mental, seu fim como mercadoria de lucro dos hospitais fechados, da exploração do sofrimento humano com objetivos mercadológicos”6. Portanto, um movimento com finalidade revolucionária, que almejava a superação da assistência asilar tradicional em prol da garantia dos direitos humanos das pessoas com transtorno mental, embora os impasses registrados nesse processo. Complementando essa análise, Heidrich (2007) - citando Amarante (1996; 1999; 2003) -, apresenta que o movimento da Reforma Psiquiátrica abrange quatro dimensões: a técnico conceitual, que se refere à desconstrução e a reconstrução do entendimento sobre doença mental, saúde mental, isolamento, normalidade, etc.; a técnico assistencial, que se refere à construção de uma rede de equipamentos substitutivos do modelo hospitalar, a construção de novas possibilidades para os sujeitos; a dimensão jurídico política, que se refere à promoção da cidadania dos sujeitos; e a dimensão sócio cultural, que se refere a um conjunto de práticas que buscam a transformação do imaginário social em relação a loucura, a doença mental, dentre outras terminologias dessa área. Analisando essa percepção do autor é possível perceber que as dimensões apresentadas abrangem a totalidade do que representou e fundamentou o movimento da Reforma Psiquiátrica. Nesse contexto, trazendo para a realidade contemporânea, percebemos também os avanços conquistados a partir dessa luta. Portanto, em meio aos desafios e a 6 Revista Cidadania Outros Olhares - Humanização do tratamento psiquiátrico no Brasil: a importância da lei 10.216, de Paulo Delgado. Realização: Escritório de Juiz de Fora/MG e Gabinete do Deputado Paulo Delgado em Brasília/DF – Disponível em: <http://www.paulodelgado.com.br>. Professor e sociólogo pela UFJF, com mestrado em Ciência Política pela UFMG, Paulo Delgado é deputado federal pelo PT de Minas Gerais há quatro legislaturas. Membro da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional é vice-líder do Partido na Câmara. Autor da Lei 10.216, a lei da Reforma Psiquiátrica, e defensor de políticas de inclusão social. 31 realidade da saúde pública em um contexto ampliado, há uma constante busca pela efetivação dos direitos, a inserção social e a promoção da cidadania das pessoas com transtorno mental. Nesse sentido, Paulo Delgado afirma que: É preciso também criar espaços protegidos, proteger o paciente psiquiátrico em serviços onde ele possa desenvolver toda a sua potencialidade. Mas não podemos manicomializar os Caps e os Naps, que são estruturas antimanicomiais. Não podem ser apropriadas pelo saber manicomial. É preciso educar os deseducados, desconstruir para reconstruir. (REVISTA CIDADANIA OUTROS OLHARES, p.10). Nesse sentido, compreendemos que o autor alerta para o cuidado de não manter as práticas do antigo modelo de assistência psiquiátrica nos novos equipamentos. Os equipamentos substitutivos existem para dar outro lugar à pessoa com transtorno mental. Esses espaços têm uma proposta de promoção da cidadania e inclusão social da pessoa com transtorno mental, portanto, devem resguardar esses indivíduos e efetivar as propostas voltadas a eles, libertando-se dos paradigmas da antiga assistência enraizados no imaginário social. Então, que os novos espaços sejam reconstruídos nessa perspectiva. A Reforma Psiquiátrica no Brasil foi um movimento advindo da mobilização das classes populares, segmento que mais fortaleceu a luta por transformações no campo da Saúde Mental. O movimento foi caracterizado por exigir mudanças no modelo vigente, tendo em vista o despertar dos diversos atores sociais, em um determinado tempo histórico, para a realidade violenta a qual eram submetidos os indivíduos com transtorno mental. Mesquita, Novellino e Cavalcante esclarecem que: Na década de 70 são registradas várias denúncias quanto à política brasileira de saúde mental em relação à política de privatização da assistência psiquiátrica por parte da previdência social, quanto às condições (públicas e privadas) de atendimento psiquiátrico à população. É nesse contexto, que no fim da década citada, que surge a questão da Reforma Psiquiátrica no Brasil. Pequenos núcleos estaduais,7 principalmente nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais constituem o Movimento de Trabalhadores em Saúde Mental (MTSM). No Rio de Janeiro, em 1978, eclode o movimento dos trabalhadores da Divisão Nacional de Saúde Mental (DINSAM) e coloca em xeque a política psiquiátrica exercida no país. (MESQUITA; NOVELLINO; CAVALCANTE, 2004, p.4). Nesse sentido, compreendemos que o movimento da Reforma Psiquiátrica foi instigado pelos diversos segmentos da sociedade a partir das inquietações diante do modelo de assistência psiquiátrica prestado aos doentes. As denúncias surgem nesse contexto na perspectiva de mudar essa realidade, pois com a política de privatização da assistência 32 psiquiátrica a rede hospitalocêntrica tornou-se um rico mercado e os usuários serviam de fontes de lucros. No Brasil, o movimento inicia no final da década de setenta, contemporâneo ao surgimento da Reforma Sanitária, levantando a bandeira de luta em prol dos direitos dos pacientes psiquiátricos no País. Esse processo foi dividido em duas fases: “a primeira de 1978 a 1991 compreende uma crítica ao modelo hospitalocêntrico, enquanto a segunda, de 1992 aos dias atuais destaca-se pela implantação de uma rede de serviços extrahospitalares.” (MESQUITA; NOVELLINO; CAVALCANTI, 2004). Na década de 1980, o movimento pela Reforma Psiquiátrica brasileira vai ganhando força e experiência a partir da realização de encontros, congressos e conferências. De acordo com os estudos de Pitta (2011), é o Congresso de trabalhadores de Bauru, realizado em 1987 que alcança o consenso de ser o marco de articulação de diferentes movimentos sociais em torno da Reforma Psiquiátrica, particularmente de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, onde se pactuou o lema “por uma sociedade sem manicômios”, que teve origem na Itália. A realização desse encontro foi decidida durante a I Conferência Nacional de Saúde Mental, respondendo a uma indicação da 8ª Conferência Nacional de Saúde que aconteceu no Rio de Janeiro, em 1986, e representa um marco histórico na história da psiquiatria brasileira. Ainda segundo Pitta (2011), a decisão para sua realização foi instigada pela constatação de que a perspectiva sanitarista de incorporar as propostas reformistas nas políticas oficiais vinha sendo anulada pela resistência passiva ou ativa da iniciativa privada, da estrutura manicomial, da burocracia estatal e do conservadorismo psiquiátrico. Nesse contexto, é construído o desejo de uma sociedade sem manicômios e partir dele surge a luta antimanicomial, em 18 de maio de 1987, data que passa a ser decretada como o Dia da Luta Antimanicomial, com inúmeras atividades culturais, artísticas e científicas, em muitas cidades do País, com o objetivo de sensibilizar e envolver novos atores sociais para a questão. PITTA (2011). Assim, O movimento da luta antimanicomial compõe o cenário nacional de luta em prol dos direitos dos usuários e familiares a uma atenção digna dos serviços de saúde, através de ações que se multiplicam e pautam pela criatividade dos protagonistas, que buscam mudar o imaginário social sobre a loucura. (BARBOSA; COSTA; MORENO, 2012, p.46). 33 Nesse sentido, identificamos que as mobilizações sociais ocorridas nesse período aconteceram em âmbito nacional e foram instigadas pelo desejo de combater o modelo de assistência violenta e excludente, que se tinha antes da Reforma Psiquiátrica. Segmentos da sociedade lutavam por uma sociedade sem manicômios e propunham um modelo de assistência mais humano e promovedor da cidadania. Ainda de acordo com Barbosa, Costa e Moreno (2012), o Manifesto de Bauru é o documento da fundação do Movimento Antimanicomial, que marca o compromisso da aliança social entre os profissionais e a sociedade para o enfrentamento da questão da loucura e de suas formas de tratamento, buscando a articulação nacional, e pautando-se, enquanto movimento social e sindical, na defesa de uma reforma sanitária democrática e popular. Nesse contexto, compreendemos que essa luta abriu possibilidades para a desinstitucionalização da loucura. Para Paulo Delgado, “a luta antimanicomial desconstruiu a lógica da internação no senso comum brasileiro e preparou a sociedade para receber as pessoas com transtornos mentais como cidadãos com direitos”. Complementando esse contexto, destacamos que foi a partir da Reforma Psiquiátrica que surgiu relevantes serviços de atendimento substitutivos ao modelo hospitalar, como o Núcleo de Atenção Psicossocial (NAPS), os Centros de Atendimentos Psicossocial e seus vários tipos (CAPS I; CAPS II; CAPS III; CAPSi; CAPSad), os Centros de Atenção Diária (CADS), os Hospitais Dias (HDs) e os Centros de Convivência e Cultura. (MESQUITA; NOVELLINO; CAVALCANTI, 2010). Nessa trajetória, durante a década de 1990, de acordo com o Ministério da Saúde (2005), o contexto histórico da Reforma Psiquiátrica é marcado pelo compromisso firmado pelo Brasil na assinatura da Declaração de Caracas e pela realização da II Conferência Nacional de Saúde Mental, que passam a entrar em vigor no país as primeiras normas federais, regulamentando a implantação dos serviços de atenção diária, fundadas nas experiências dos primeiros CAPS, NAPS e Hospitais-dia, e as primeiras normas para fiscalização e classificação dos hospitais psiquiátricos. Nesse período surge o projeto de Lei do deputado Paulo Delgado (PT-MG), que é apresentado ao Congresso Nacional, no ano de 1989, com a proposta de regulamentação dos direitos da pessoa com transtorno mental e a extinção progressiva dos manicômios no País. Após aprovação na Câmara dos Deputados, o Projeto de Lei passou por um processo de tramitação que levou doze anos para ser aprovado como a Lei da Reforma Psiquiátrica no País, a aprovação ocorreu em abril de 2001. 34 Reconhecida nacionalmente como Lei Paulo Delgado (Lei Federal 10.216/2001), consta em seu corpo teórico a proposta que institui um novo modelo de tratamento aos portadores de transtornos mentais no Brasil, redirecionando a assistência em saúde mental; privilegiando o oferecimento de tratamento em serviços de base comunitária; dispondo sobre a proteção e os direitos das pessoas com transtornos mentais, porém, não instituindo mecanismos claros para a progressiva extinção dos manicômios. O modelo proposto conta com uma rede de serviços e equipamentos variados tais como os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), os Serviços Residenciais Terapêuticos (SRT), os Centros de Convivência e Cultura e os leitos de atenção integral (em Hospitais Gerais, nos CAPS III). O Programa de Volta para Casa, que oferece bolsas para egressos de longas internações em hospitais psiquiátricos, também faz parte desta Política8. Conforme ressalta Pitta, Na primeira metade da década de 1990, foram inaugurados quase cem serviços de atenção diária que seguiu crescendo inercialmente. Na ocasião, considerava-se que a substituição asilar vinha acontecendo “de maneira inequívoca e regular no Brasil nos últimos dez anos”, e que se podia esperar uma aceleração do processo. (PITTA, 2011, p.8). Nesse sentido, percebemos que a rede dos novos equipamentos foi crescendo e se espalhando por todo País. Com isso houve um avanço do número de equipamentos substitutivos, embora a esperada substituição tenha ocorrido gradativamente, mas não de forma acelerada. O ano 2000 foi marcado pela aprovação da Lei Paulo Delgado, que apesar de redirecionar a assistência em saúde mental, privilegiando o oferecimento de tratamento em serviços de base comunitária, não institui mecanismos claros para a progressiva extinção dos manicômios. Porém, impõe novo impulso e novo ritmo para o processo de Reforma Psiquiátrica no Brasil. É no contexto da promulgação da lei 10.216/2001 e da realização da III Conferência Nacional de Saúde Mental, que a política de saúde mental do governo federal, alinhada com as diretrizes da Reforma Psiquiátrica, passa a consolidar-se ganhando maior sustentação e visibilidade. (BRASIL, 2005). A Reforma Psiquiátrica é consolidada como política de governo na III Conferência. A partir daí é conferido aos CAPS valor estratégico para a mudança do modelo 8 Disponível em: <conselho.saude.gov.br>. Acesso em: 21 set.2013. 35 de assistência, defendendo a construção de uma política de saúde mental para os usuários de álcool e drogas, e estabelecendo o controle social como a garantia do avanço da Reforma Psiquiátrica Brasileira. É essa Conferência que fornece os substratos políticos e teóricos para a política de saúde mental no Brasil. (BRASIL, 2005). Nesse sentido é possível perceber que, ao longo da História, as conquistas no âmbito da saúde mental foram permeadas por um movimento dinâmico e “revolucionário” em prol da garantia dos direitos da pessoa com transtorno mental, buscando superar os velhos modelos de assistência psiquiatra, além de construir e efetivar novas possibilidades assistenciais, legitimando as transformações conquistadas nesse processo. Desta forma, Ainda mais importante do que os planos nacionais e as leis, que têm a sua importância e a sua eficácia, são os trabalhos práticos de implantação de novas experiências que demostrem e comprovem ser possível prestar atenção psiquiátrica diferenciada, sob novos modelos de cuidado, sem necessidade do asilo, do hospital, da violência, da discriminação da segregação, que demostrem ser possível uma prática psiquiátrica que crie novas dimensões, novas subjetividades, que produza vida e não morte. (AMARANTE; ROTELLI, 1992, p. 50). Dessa forma, todo esse percurso vem reafirmar que o processo histórico da Reforma Psiquiátrica, compreendido como transformação de saberes, práticas, valores sociais e culturais, marcado por tensões, desafios e conflitos. Neste sentido, ele se inscreve nas possibilidades e limites das políticas públicas e, em particular, do Sistema Único de Saúde, da implementação de projetos comprometidos com a afirmação de direitos de cidadania, com a luta contra as desigualdades sociais e os mecanismos de exclusão social.9 No próximo item apresentaremos uma breve contextualização sobre os CAPS no Brasil. 3.1 Os CAPS no processo de desinstitucionalização Conforme salientamos anteriormente, o surgimento dos CAPS no Brasil emerge a partir dos movimentos mobilizadores das transformações ocorridas nas últimas décadas na rede de atenção à saúde mental. Foi com o movimento da Reforma Psiquiátrica no Brasil que muitas conquistas foram aderidas à saúde mental. Esse processo articulou intensas 9 Sistema Único de Saúde. Conselho Nacional de Saúde. Relatório Final - III Conferência Nacional de Saúde Mental “Cuidar sim, excluir não” - Efetivando a Reforma Psiquiátrica com acesso, qualidade, humanização e controle social. Brasília, 11 a 15 de dezembro de 2001. 36 mobilizações, lutas, encontros, conferências, que contribuíram para o surgimento de portarias e leis de âmbito federal, viabilizando a promoção da rede assistencial de saúde mental. Vale acrescentar que os movimentos que emergiram nas últimas décadas tinham caráter social e popular compostos por associação de familiares, sindicalistas, trabalhadores integrantes do movimento sanitário, membros de associações de profissionais e pessoas com longo histórico de internações psiquiátricas, todos conhecedores e inseridos na dura realidade dos pacientes com sofrimento mental. Os CAPS são Centros de Atenção Psicossocial que surgiram nesse contexto de transformações da rede de assistência psiquiátrica no Brasil, na perspectiva de superação do modelo asilar. A proposta desses equipamentos consiste na reinserção da pessoa em sofrimento mental, no mundo social, por meio da reabilitação psicossocial, considerando os fatores biopsicossociais, culturais e espirituais, bem como do individuo como sujeito de sua história, do envolvimento da família, da comunidade e da equipe multiprofissional e interdisciplinar como importante conjunto de apoio dentro das intervenções e com o objetivo de proporcionar atenção integral ao indivíduo. (MARTINS; SOARES; OLIVEIRA; SOUZA, 2011). No Brasil, o primeiro equipamento foi inaugurado em março de 1987, na cidade de São Paulo, denominado CAPS Professor Luiz da Rocha Cerqueira. A criação dos CAPS e de todos os equipamentos por toda parte do País foram frutos de um intenso movimento social, que buscavam a melhoria da assistência psiquiátrica no Brasil, instigando o processo de desinstitucionalização da loucura. Nesse contexto os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) surgem como espaço terapêutico entre o hospital e a comunidade, com a finalidade de auxiliar a integração social dos sujeitos e oferecer assistência psicoterápica, assim como atividades artísticas, culturais e recreativas, proporcionando a atenção psicossocial. (MARTINS, SOARES, OLIVEIRA e SOUSA, 2011). Dessa forma, segundo o Ministério da Saúde (2005), Os CAPS devem ser substitutivos, e não complementares ao hospital psiquiátrico. Cabe a estes equipamentos o acolhimento e a atenção às pessoas com transtornos mentais graves e persistentes, procurando preservar e fortalecer os laços sociais em seu território. Portanto, o CAPS deve ser o núcleo de uma nova clínica, produtora de autonomia, o qual deve convidar o usuário à responsabilização e ao protagonismo em toda trajetória do seu tratamento. Os serviços substitutivos que têm surgido no País são regulamentados pela Portaria nº. 336/GM, de 19 de fevereiro de 2002 e integram a rede do Sistema Único de Saúde 37 – SUS, que está fundamentado na universalização do direito à saúde, que por sua vez fortalece a condição de cidadania e democratiza o acesso aos serviços. (BRASIL, 2004). Com a Constituição da República de 1988, a saúde passou a ser reconhecida como direito social, ou seja, inerente à condição de cidadão, cabendo ao poder público a obrigação de garanti-lo: A saúde é direito de todos e dever do Estado (Art. 196). Essa conquista política e social pode ser atribuída a diversas lutas e esforços empreendidos pelo movimento da Reforma Sanitária, entre 1976 e 1988. Pela primeira vez na história do Brasil, foi promulgada uma Constituição que reconhece a saúde como direito social, dispondo de uma seção específica e contando com cinco artigos destinados à saúde. (Paim, 2009, p.43). Nesse sentido, a Constituição Federal legaliza a saúde como dever do Estado tornando-o responsável pela oferta dos serviços públicos de saúde, como forma de garantir esse direito aos cidadãos. Como esclarece o autor, essa conquista advém das mobilizações sociais surgidas no contexto da Reforma Sanitária. Nesse contexto, podemos afirmar que o SUS fundamenta-se em propostas que visam o bem estar físico, mental e social dos indivíduos, pois é um sistema criado para amparar o cidadão, buscando atender suas necessidades em todos os âmbitos da saúde e garantindo-lhes a condição de direito através do acesso ordenado, do tratamento adequado e humanizado, garantindo acesso integral, universal e gratuito para toda a população brasileira. Embora reconheçamos que, na realidade contemporânea, as propostas, muitas vezes, não são efetivadas conforme deveriam. Portanto, a política de Saúde Mental compõe a política de Saúde Pública, que está permeada por todo esse contexto de garantia dos direitos. Nesse sentido, os CAPS constituem um serviço de saúde aberto e comunitário do Sistema Único de Saúde – SUS. Os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) como instituições destinadas ao acolhimento das pessoas com transtorno mentais oferecem atendimento à população de sua área de abrangência, realizando o acompanhamento clínico e a reinserção social dos usuários pelo acesso ao trabalho, lazer, exercício dos direitos civis e fortalecimento dos laços familiares e comunitários. É um serviço de atendimento de saúde mental criado para ser substitutivo às internações em hospitais psiquiátricos. (BRASIL, 2004). As práticas dos CAPS funcionam como catalizadores da construção de territórios existenciais de modo a inserir ou reinserir os usuários tornando-os cidadãos ou de mundos nos quais os seus usuários possam conquistar ou reconquistar seu cotidiano. Desta maneira os CAPS assumem papel de estrutura complexa que, entre outras coisas, procura ser ponte de relacionamento entre o indivíduo, com suas particularidades, e as demais redes sociais. (MARTINS; SOARES; OLIVEIRA; SOUSA, 2011, p.33). 38 Nesse sentido, os CAPS têm a finalidade de contribuir de forma positiva no tratamento da pessoa com transtorno mental, elaborando estratégias para ampliação de espaços sociais e de convivência, objetivando manter o vínculo dos usuários com o meio social e buscando incluir o cidadão usuário em outros meios que possam estimulá-los a serem protagonistas da sua história, quebrando os paradigmas da visão do louco excluído e aprisionado. São objetivos dos CAPS: oferecer atendimento à população da área de abrangência, realizando a reinserção social e o acompanhamento clínico dos usuários promovendo o acesso ao trabalho, lazer, exercício dos direitos civis e fortalecimento dos laços familiares e comunitários. (BRASIL, 2004) O público alvo desses equipamentos são pessoas com transtornos mentais severos ou persistentes, dependentes de drogas psicoativas e a crianças e adolescentes com transtornos mentais. Para atender esta demanda, existem diferentes modalidades de CAPS de acordo o tamanho da estrutura ofertada (profissionais, atividades terapêuticas, entre outras) e a demanda específica a ser atendida. (MARTINS; SOARES; OLIVEIRA; SOUSA, 2011). Nesse contexto, vale ressaltar que os centros de atendimentos em referência são classificados por ordem decrescente de porte e complexidade populacional. Desse modo, as divisões são feitas da seguinte forma: CAPS I (para municípios com população entre 20.000 e 70.000 habitantes), CAPS II (para municípios com população entre 70.000 e 200.000 habitantes) e CAPS III (para municípios com população acima de 200.000 habitantes). (BRASIL, 2002) De acordo com a especificidade da demanda, os CAPS são divididos da seguinte forma: CAPS I, II e III, destinados ao atendimento a pessoas com transtornos mentais severos e persistentes; CAPS ad, para atendimento à população com transtornos decorrentes do uso de substâncias psicoativas, como álcool e outras drogas; e CAPSi, para atendimento a crianças e adolescentes com transtornos mentais (BRASIL, 2002). De acordo com o artigo de Silva (2012) - citando Sampaio (2010) -, o CAPS não constitui apenas um tratamento específico para doentes mentais: ele tenta prevenir a rotulação, o estigma e a cronificação que esses pacientes sofrem. É um equipamento que previne o isolamento dos portadores de transtornos mentais, busca tratar sem a necessidade de internar, garantindo a eles a atenção, seja através de oficinas, grupos de apoio ou através do acompanhamento psicológico e médico e com o acompanhamento de sua família sem a quebra de nenhum vínculo. 39 Portanto, os Centros de Atenção Psicossocial surgem como equipamentos estratégicos no processo de desinstitucionalização do modelo manicomial, na perspectiva de suprir as necessidades da assistência básica em saúde mental. São dispositivos que possibilitam a substituição do modelo manicomial por um modelo aberto, descentralizado e que promove o cuidado dos usuários de forma livre, considerando a importância do tratamento no seio da família e da sociedade, promovendo a cidadania e a autonomia e visa o bem estar e o equilíbrio emocional dos usuários. Nesse contexto, embora conhecendo a história, as propostas, os objetivos e as finalidades dos CAPS e reconhecendo a sua importância na assistência psiquiátrica hoje, vale ressaltar que existem muitas problemáticas que envolvem os novos equipamentos da saúde mental e dificultam a oferta dos serviços e cumprimento das propostas. Essas dificuldades estão mais ou menos agravadas de acordo com cada território, variando de gestão para gestão, de administração para administração. Há dificuldades na estrutura física, na escassez dos recursos humanos, nas limitações de recursos financeiros, na precária capacitação dos profissionais envolvidos, na forma de contratação do quadro de profissionais, enfim. Ainda se faz necessário lutar para efetivar e garantir as propostas dos novos equipamentos da saúde mental, pois se essas dificuldades fossem sanadas certamente os manicômios já não precisariam mais existir. No próximo capítulo, apresentamos a inserção dos saberes na saúde mental e a interdisciplinaridade como forma de destacar que os novos equipamentos instigaram a presença dos profissionais de áreas específicas para contribuir na efetivação das propostas dos novos serviços de assistência psiquiátrica. 3.2 A inserção dos saberes na Saúde Mental e a interdisciplinaridade O contexto histórico da Saúde Mental passou por uma série de transformações ao longo da história da humanidade, ganhando formas e conquistando espaços mais especificamente a partir do momento em que a loucura passou a ser tratada como doença mental. Nesse sentido, emergiram a necessidade de aprimorar o trato do objeto central da Saúde Mental: a pessoa com transtorno mental. A partir da Reforma Psiquiátrica surgem os equipamentos substitutivos do modelo hospitalocêntrico na perspectiva de promover um tratamento diferenciado à pessoa com transtorno mental. Para isso se faz necessário que os novos equipamentos componham estrutura adequada para dar suporte e desenvolver a proposta de desinstitucionalização do 40 louco promovendo um tratamento humanizado com foco na promoção da cidadania e reinserção social dos usuários dos serviços. Nesse contexto, são criadas as portarias da saúde mental como forma de dar conta das exigências, que emergem frente às transformações ocorridas nesse contexto e para instituir os parâmetros de funcionamento dos equipamentos substitutivos, dentre outros aspectos. Aqui identificaremos que o assistente social também é um profissional exigido pela portaria. Desse modo, enfatizamos o CAPS tipo III, que é campo das análises dessa pesquisa, portanto, de acordo com a Portaria nº. 336/2002, dos recursos humanos. A equipe técnica mínima para atuação no CAPS III, para o atendimento de 40 (quarenta) pacientes por turno, tem como limite máximo 60 (sessenta) pacientes/dia, em regime intensivo, é composta por 02 (dois) médicos psiquiatras, 01 (um) enfermeiro com formação em saúde mental, 05 (cinco) profissionais de nível superior, dentre eles, psicólogo, assistente social, enfermeiro, terapeuta ocupacional, pedagogo ou outro profissional necessário ao projeto terapêutico, além de 08 (oito) profissionais de nível médio, que podem ser técnico e/ou auxiliar de enfermagem, técnico administrativo, técnico educacional e artesão. Ainda de acordo com a Portaria nº. 336/2002, para período noturno de acolhimento, em plantões corridos de 12 horas, a equipe deve ser composta por: a - 03 (três) técnicos/auxiliares de enfermagem, sob supervisão do enfermeiro do serviço; b – 01 (um) profissional de nível médio da área de apoio; 4.3.2.2 - Para as 12 horas diurnas, nos sábados, domingos e feriados, a equipe deve ser composta por: a - 01 (um) profissional de nível superior dentre as seguintes categorias: médico, enfermeiro, psicólogo, assistente social, terapeuta ocupacional, ou outro profissional de nível superior justificado pelo projeto terapêutico; b - 03 (três) técnicos/auxiliares técnicos de enfermagem, sob supervisão do enfermeiro do serviço c - 01 (um) profissional de nível médio da área de apoio. Diante do exposto, percebemos que dentre tantos aspectos que compõem a estrutura dos novos equipamentos, os recursos humanos são recortes presentes no conteúdo da portaria, tendo em vista que os equipamentos não são compostos apenas pela estrutura física, ou financeira, mas também por um complexo que envolve os recursos humanos configurados em equipes interdisciplinares, que desenvolvem suas atividades dialogando com vários saberes. Portanto, os novos modelos de atenção à saúde mental exigem profissionais os quais a sua formação priorize ações inovadoras tirando o foco do indivíduo e da farmacologia 41 como único ponto de apoio e exigem profissionais que não tem na figura do médico sua única possibilidade de referência. (BOARANI, 2011). É oportuno salientar que, de acordo com Oliveira e Alessi (2005), a assistência psiquiátrica, inicialmente restrita à prática médica, respaldava-se na classificação e descrição das doenças mentais, de modo que o conceito de cura era centralizado na figura do médico e o local de realização era a instituição psiquiátrica, desenvolvendo nesses locais práticas complementares de pessoal subalterno, com foco no controle dos internados. Os autores enfatizam que “Essa organização do trabalho, que se pautava pelo exercício da medicina liberal, característica do século XIX, sofreu modificações que se relacionam com as transformações sócio históricas ocorridas, desse período até a atualidade”. (OLIVEIRA; ALESSI, 2005, p. 25). As práticas na saúde passaram por um processo de transformações deslocando-se da prática médica liberal para as práticas coletivas de trabalho. Desse contexto de transformações sociais surgiu a enfermagem moderna/profissional e, posteriormente, a psicologia e o serviço social para incorporar a equipe de assistência à saúde mental. (OLIVEIRA; ALESSI, 2005). Destacamos, nesse contexto, a inserção do Serviço Social na Saúde Mental como forma de compreender como a profissão se inseriu nesse meio e para enfatizar que a categoria desenvolve um papel importante mediante as propostas do novo modelo de Atenção Psicossocial, sobretudo compreender como a profissão se reafirma nesse contexto que tem um olhar centrado nas práticas médicas e do campo da psicologia, tendo em vista o objeto de estudo desta pesquisa. Segundo Bisneto (2007) a origem do Serviço Social na Saúde Mental não se deu no interior da categoria, não partiu de necessidades terapêuticas ou clínicas, mas foi um processo que surgiu em um contexto mais ampliado, o contexto da modernização conservadora do Estado ditatorial brasileiro na perspectiva de uma possível legitimação em áreas críticas, como a atenção à saúde dos trabalhadores do sistema previdenciário brasileiro. O autor esclarece que: O Serviço Social em Saúde Mental iniciou-se nos anos 1940 pela atuação no COI – Centro de Orientação Infantil e no COJ – Centro de Orientação Juvenil. Porém o número de assistentes sociais permaneceu pequeno e seu escopo de atuação era bem distinto do atual, atendendo a jovens e famílias na prevenção higienista. Por isso pode-se dizer que a estrutura atual originou-se só após 1964, com a mudança do atendimento previdenciário na Saúde Mental dos indigentes para os trabalhadores e seus dependentes em internações asilares, com a prestação de serviços sociais necessários ou benéficos para a lógica dos manicômios a fim de legitimá-los na situação de pobreza dos pacientes. (BISNETO, 2007, p. 113). 42 Nesse contexto, é a questão social que demanda a profissão para a área da Saúde Mental no Brasil e cabe aos assistentes sociais compreender que é por esta relação que o Serviço Social se insere na área, tanto historicamente como na atualidade. Portanto, não devem propor uma atuação terapêutica, mas voltada para dar conta das diversas expressões da questão social demandadas aos equipamentos de Saúde Mental. (BISNETO, 2007). Com o movimento da Reforma Psiquiátrica foi proporcionado à categoria uma ampliação da contratação nessa área de atuação, pois na medida em que esse movimento dá importância à reabilitação social dos portadores de sofrimento mental ele proporciona a ampliação do campo de trabalho do assistente social, tendo em vista que demanda programas nas áreas de trabalho, habitação, lazer, tornando relevante a necessidade de se estabelecer uma cidadania efetiva para os usuários da rede de Saúde Mental. (BISNETO, 2007). Ainda segundo Bisneto (2007, p. 116), “o médico psiquiatra não dá conta de todas as demandas colocadas pela problemática de seus pacientes. Para sucesso do empreendimento conta com vários outros profissionais que complementam sua atuação, e o assistente social é um deles”. Portanto, ao Serviço Social compete todas as demandas do campo social que perpassam o plano biológico ou psicológico e que as demais categorias não tem propriedade para atuar. É válido salientar que nos CAPS os profissionais atuam em equipes interdisciplinares, tendo em vista que a interdisciplinaridade é uma prática presente nas equipes profissionais dos equipamentos substitutivos da saúde mental e envolve saberes da Medicina, da Psicologia, do Serviço Social, da Terapia Ocupacional, da enfermagem, dentre outros. As práticas desenvolvidas nos equipamentos da saúde mental têm a proposta de romper com os fundamentos do modelo médico psiquiátrico e desenvolver ações inovadoras, diversificadas, criativas e ligadas a uma rede exigindo a mobilização de todos os envolvidos no contexto, desde os trabalhadores até os usuários (BOARANI, 2005). Ainda segundo A mobilização de todos os atores envolvidos nesse processo, especificamente os trabalhadores, requer também a ruptura modelo médico-centrado e especializado. Esse modelo, caracterizado pela fragmentação do trabalho, divisão entre o trabalho dirigente e executor e hierarquização das relações entre técnicos e usuários, gera muitos problemas e conflitos na equipe, pois impede o intercâmbio necessário das concepções teórico-técnicas e das práticas entre seus membros. (BOARANI, 2005, p. 165). 43 Portanto, tendo em vista o trabalho em equipe interdisciplinar é importante que haja integração da equipe como um todo, com foco no bem-estar das pessoas inseridas no serviço que buscam a recuperação e controle da doença mental. Entretanto, as dificuldades encontradas nos processos de trabalho em equipe não contribuirão para a promoção dos usuários. Desse modo, devem ser administradas de modo a não prejudicar os sujeitos envolvidos nos serviços. Conforme Oliveira e Alessi (2008) há três características estruturantes das equipes dos serviços de saúde mental, que são determinantes para que o processo de trabalho desenvolvido se organizasse com bases no modelo médico, com prejuízo da atenção psicossocial, que são a distribuição numericamente desigual dos profissionais, predomínio de capacitação/especialização médica e contratos temporários de trabalho. Nesse contexto os autores esclarecem que: A ausência ou presença frágil de profissionais, em grande parte despreparados para desenvolver uma assistência tecnicamente fundamentada, favorecia para que o profissional médico, detentor de capacitação técnica, determinasse a hegemonia das práticas organizadas segundo o paradigma médico-biológico que em sua maioria, determina a formação médica. Em relação ao terceiro, os atendimentos de saúde mental vinculados à rede municipal [...] se estruturavam, em grande medida, a partir de trabalhadores sem vínculo efetivo de trabalho, resultava em atendimentos descontinuados, realizados em horários marginais e com pouca acreditação junto à população. (OLIVEIRA; ALESSI, 2008, p.1220). Diante do exposto, é possível perceber a existência de fatores que permeiam as condições para a realização de uma prática comprometida com as propostas da Política de Saúde Mental e que se configuram desde os primórdios do pós década de 70 e, ainda hoje, está inserido no interior dos equipamentos em meio às práticas interdisciplinares. Segundo Moretto (2008), o trabalho em equipe é uma forma de trabalho coletivo que se configura na relação de troca entre as intervenções técnicas e o envolvimento dos diferentes profissionais, de modo que a partir da relação estabelecida entre trabalho e interação, os profissionais podem elaborar consensos que configuram um real projeto assistencial comum, que integrará a equipe de trabalho. De acordo com Raichelis (2006), contrariando o que muitas vezes é considerado sobre o trabalho interdisciplinar, ele demanda a capacidade de apresentar com clareza os aspectos particulares de análise e propostas de ações frente aos objetos comuns a diferentes áreas do saber, de modo que cada profissão busca colaborar a partir dos conhecimentos específicos de suas áreas. 44 Nessa perspectiva, o trabalho interdisciplinar é uma articulação fundamental e estratégica no exercício das atividades demandadas nos equipamentos e que afirma a identidade e competência de cada profissão, exigindo maior clareza das áreas dos saberes em articulação no sentido de convergirem para o êxito de projetos a serem assumidos coletivamente. (IAMAMOTO in RAICHELIS, 2006). 45 4. UMA ANÁLISE SOBRE OS DESAFIOS E AS MOTIVAÇÕES NA ATUAÇÃO DAS ASSISTENTES SOCIAIS NO CENTRO DE ATENÇÃO PSICOSSOCIAL – CAPS III SER II 4.1 Sobre o Centro de Atenção Psicossocial – CAPS III da SER II10 Esse capítulo representa o ponto máximo da nossa pesquisa, o momento em que apresentamos os resultados e discussões a partir da análise dos dados coletados em campo, com o grupo de assistentes sociais do CAPS III SER II. Com a análise pretendemos compreender como se estabelece a atuação das assistentes sociais na referida instituição, tendo em vista o desenvolvimento de uma prática comprometida com o projeto ético político da profissão frente às limitações da política de saúde mental e o atual modelo de assistência psiquiátrica no Brasil. O Centro de Atenção Psicossocial – CAPS Geral da SER II é um CAPS tipo III, que se diferencia dos demais por seu caráter de atendimento integral em 24 horas, atendendo à população de referência com transtornos mentais severos e persistentes. É o primeiro CAPS 24 horas de Fortaleza e está localizado na Rua Coronel Alves Teixeira, 1500, Dionísio Torres, na cidade de Fortaleza – CE. De acordo com Nogueira (2009), no ano de 2005, na cidade de Fortaleza, a Prefeitura iniciou a ampliação do número de CAPS. A princípio foram formadas equipes de saúde mental para atuar na rede de atenção básica à saúde, as quais gradativamente transformaram-se nas atuais equipes dos CAPS. Com essa estratégia, houve um salto considerável de três para quatorze o número de unidades, divididos nos tipos CAPS ad, CAPS Geral e CAPS infantil. Inicialmente, havia três CAPS com sedes próprias nas regionais III, IV e VI, bem como as equipes mínimas de saúde mental que atuavam nos postos de saúde. Foi nesse contexto de ampliação do número de equipamentos substitutivos que surgiu o CAPS Geral da SER II, no ano de 2006, com sede própria. Porém, antes o seu funcionamento iniciou no posto de saúde Frei Tito. Com funcionamento de segunda à sexta, de 08 às 17 horas, o CAPS Geral da SER II atendia a população adulta com adoecimento mental e da abrangência do seu território. Reconhecendo a necessidade de um equipamento do tipo III na cidade de Fortaleza, a prefeitura da cidade - representada pela ex-prefeita Luiziane Lins11 - decide 10 Parte dos dados apresentados nesse tópico são relatos próprios, pois faz parte do conhecimento adquirido ao longo do período do estágio curricular obrigatório e supervisionado vivido na instituição. 46 reconfigurar o CAPS Geral da SER II em tipo III e, a partir desse momento, passa a funcionar 24 horas com a proposta de um atendimento humanizado em todos os turnos e sob a coordenação da terapeuta ocupacional Adriana Magalhães. Neste contexto, a referida instituição passa por uma reforma e ganha dez leitos ampliando seu horário de acolhimento à pacientes adultos com transtornos mentais e em crise. Segundo fonte do Jornal O Povo12, foi em abril de 2012 que o CAPS Geral da SER II foi reinaugurado passando a se chamar Dr. Nilson de Moura Fé 13, em homenagem a esse grande militante da Reforma Psiquiátrica do Brasil, mais especificamente do Ceará. A meta do serviço é realizar atendimento de até 45 pacientes por mês no período noturno, com demandas encaminhadas de outros CAPS e, não somente, podendo permanecer na unidade por até dez dias seguidos ou trinta dias alternados, de acordo com o quadro clínico de cada paciente. Conforme plano terapêutico elaborado pela equipe do Serviço Social da instituição, o fluxo da clientela chega através da Rede de Atenção Básica ou por demanda espontânea. Para o acolhimento 24 horas, o CAPS recebe pacientes que já são atendidos no serviço, em caso de crise, bem como pacientes encaminhados de outras regionais e que se encontrem em crise. (FERREIRA; VACONCELOS; TORRES, 2013). O atendimento é realizado por uma equipe que atua em caráter interdisciplinar composta por: médicos; farmacêuticos; psicólogos; enfermeiros; assistentes sociais; educadores físicos; terapeutas ocupacionais; nutricionistas; massoterapeutas; artistas, bem como profissionais de nível médio. Neste ano de 2013, na gestão do atual prefeito Roberto Claúdio14, o CAPS III da SER II está sob a coordenação da psicóloga Beatriz Araújo Rennó Lima e conta com uma equipe de 85 profissionais divididos nos três turnos que desenvolvem atividades de: acolhimento; avaliação inicial; reavaliação; acolhimento noturno 24 horas; dose supervisionada; farmácia; grupos terapêuticos, dentre outras, que realizam serviço de apoio ao usuário. (FERREIRA; VACONCELOS; TORRES, 2013). 11 Assumiu a prefeitura de Fortaleza em 2004 e permaneceu até 2013. Disponível em: <http://www.opovo.com.br>. Caderno Saúde/dia 05 de abril de 2012. 13 Dr. Nilson de Moura Fé foi médico psiquiatra que fez história na saúde pública pensando a reformulação de conceitos, com políticas de saúde inovadoras, contribuindo para a construção de uma rede de atenção integral em saúde mental. Em sua trajetória, destacam-se a Comissão de Reforma Psiquiátrica no município de Fortaleza, o primeiro programa de Residência Médica em Psiquiátrica do Ceará, na década de 1980, o estímulo à qualificação de médicos clínicos em saúde mental e o apoio às Jornadas de Saúde Mental. Dr. Nilson de Moura Fé faleceu em 16 de dezembro de 2009. 14 Atual prefeito de Fortaleza. Assumiu a prefeitura no ano de 2013. 12 47 Vale ressaltar que a Prefeitura Municipal de Fortaleza, em sua atual gestão, tem realizado um trabalho de reestruturação do espaço físico dos equipamentos de saúde como um todo, bem como dos equipamentos de saúde mental, sobretudo do CAPS III da SER II, fato que confere ao equipamento uma melhoria qualitativa nesse aspecto, tendo em vista a importância também de estar com “a casa arrumada” para acolher os pacientes em um ambiente favorável ao seu tratamento. O CAPS III da SER II é o cenário da pesquisa de campo realizada nesse estudo com o grupo de assistentes sociais ativas no serviço e que compõe a equipe interdisciplinar comprometida com a reabilitação psicossocial das pessoas com transtorno mental do território de abrangência. No próximo tópico, apresentamos o perfil básico das assistentes sociais do CAPS III SER II para apresentá-las e aproximar os leitores da categoria profissional analisada nesse estudo e fundamentar as análises dos dados coletados em campo. 4.2 Perfil básico das assistentes sociais do CAPS III da SER II Realizamos pesquisa de campo no período de outubro/2013 e novembro/2013 no Centro de Atenção Psicossocial – CAPS III da SER II com o grupo de sete assistentes sociais ativas no serviço. Segundo Gil (2002, p. 53), no estudo de campo “o pesquisador realiza maior parte do trabalho pessoalmente [...] e como o pesquisador apresenta nível maior de participação, torna-se maior a probabilidade de os sujeitos oferecerem respostas mais confiáveis.” Portanto, é importante ressaltar que os dados coletados em campo são apresentados de forma fidedigna. Como técnica para coleta de dados, utilizamos entrevista semiestruturada gravada individualmente com o consentimento das profissionais do Serviço Social, sujeitos da pesquisa. Para Gil (2002, p.117), a entrevista semiestruturada “é guiada por relação de pontos de interesse que o entrevistador vai explorando ao longo de seu curso”. Desse modo, o perfil básico das assistentes sociais foi traçado a partir da coleta de dados em campo, com a aplicação de um roteiro de entrevista contendo dois tópicos. O primeiro tópico15 aborda o perfil básico do profissional contemplando informações sobre: a faixa etária; estado civil; naturalidade; local de residência; ano de graduação; tipo de instituição de ensino; nível de titulação; área da primeira experiência como assistente social; áreas que já atuaram; área que mais se identificam; tempo de atuação na 15 Ver roteiro de entrevista aplicado. Disponível em Apêndice A. 48 saúde mental e tempo de atuação no CAPS III da SER II. O segundo tópico16 aborda oito questões relacionadas à prática profissional no CAPS III da SER II. Ressaltamos que todas as profissionais são do sexo feminino, que foi mantido o sigilo e como forma de preservar suas identidades seus nomes não foram divulgados. Por isso, para identificá-las utilizamos nomes de pedras preciosas, pelas características que as diferenciam das outras pedras, pela peculiaridade de sua essência e por serem raras. Assim, é a categoria das assistentes sociais, que se diferenciam das demais categorias pela sua capacidade de análise crítica e reflexiva e do olhar para além da realidade, um olhar para além do olhar das outras categorias; profissionais que têm suas peculiaridades e, se comprometidas com a prática profissional e com o Projeto Ético Político da profissão, tornam-se profissionais raras. Quanto à faixa etária das entrevistadas, identificamos que as assistentes sociais que atuam hoje17 no CAPS III da SER II estão na faixa etária entre 30 (trinta) a 55 (cinquenta e cinco) anos, sendo que das sete entrevistadas três se encaixam no perfil de 31(trinta e um) a 40 (quarenta) anos, três no perfil de 41(quarenta e um) a 50 (cinquenta) anos e uma no perfil acima de 50 (cinquenta) anos. Sobre o estado civil, identificamos que das sete entrevistadas, cinco se dizem casadas, uma solteira e uma divorciada. Quanto à naturalidade, as entrevistadas são todas cearenses, porém, nem todas naturais de Fortaleza. Há uma profissional natural de Aquiraz – Ceará, uma de Nova Russa – Ceará e uma de Tauá – Ceará, as demais nascidas na própria capital. Quanto à instituição a qual foram graduadas, todas as profissionais afirmaram que concluíram a graduação na rede pública, pela Universidade Estadual do Ceará (UECE). E sobre os demais tópicos que contemplam o ponto um do roteiro de entrevista, apresentamos individualmente, o perfil básico de cada assistente social a seguir: ÀGATA – Graduada no ano de 2003, sua primeira experiência profissional como assistente social foi na área da saúde, mas já atuou também em áreas de projetos sociais. Essa profissional aponta que mais se identifica com a área da saúde e que atua na saúde mental há 10 meses e no CAPS III da SER II há 08 meses, pois passou dois meses em um CAPS ad. 16 17 Ver roteiro de entrevista aplicado. Disponível em Apêndice B. Período: 12/2013. 49 CRISTAL – Graduada no ano de 2000, fez especialização, mas não citou a área, teve sua primeira experiência profissional na área da assistência e já atuou na área da habitação; contudo, se identifica mais com a assistência social. Atua há 08 meses na saúde mental, no CAPS III da SER II. ESMERALDA – Graduada no ano de 2001, fez duas especializações, em Serviço Social e Saúde da Família e em Serviço Social Trabalho e Ética Profissional. Teve sua primeira experiência na área da saúde e já ainda atua nessa área, bem como na saúde mental há um ano e dois meses, no CAPS III da SER II. JADE – Graduada em 1999 fez três especializações em Saúde da Família pela Universidade Federal do Ceará – UFC, em Psicopedagogia pela Universidade Vale do Acaraú – UVA, e Previdência Social pela Pótere. Sua primeira experiência profissional como assistente social foi na área da assistência e, além da assistência já atuou na saúde e na área do trabalho – Economia Solidária. Hoje atua na saúde mental há dez meses, no CAPS III da SER II. PÉROLA – Graduada em 1990, nascida e residente na cidade de Fortaleza – Ceará. Fez especialização em Administração Hospitalar e a sua primeira experiência profissional como assistente social foi na área da saúde, a única em que já atuou e, consequentemente, é a que mais se identifica. Atua na saúde mental há um ano, no CAPS III da SER II. SAFIRA – Graduada no ano de 1983, fez especialização na área da família e sua primeira experiência profissional como assistente social foi na assistência social. Já atuou na área dos Direitos Humanos e como assistente social de empresa, com desvio de função, assumindo atividades do setor de Recursos Humanos. A profissional se identifica mais com a área dos Direitos Humanos e atua na saúde mental há doze meses, no CAPS III da SER II. TURQUESA - Graduada no ano de 2007.1, fez especialização, mas não citou a área. Sua primeira experiência profissional como assistente social foi na assistência social e já atuou na saúde, habitação e área sociojurídica, porém tem mais afinidade com a área da saúde e saúde mental, bem como com a área sociojurídica. Atua na saúde mental há sete meses, no CAPS III da SER II. 50 Vale ressaltar que todos os profissionais do Centro de Atenção Psicossocial – CAPS III da SER II são admitidos por seleção pública da Prefeitura, regulamentados pela Consolidação das Leis de Trabalho - CLT, com contrato temporário de seis meses renováveis por até dois anos, inclusive a categoria do Serviço Social. Contudo, não há na instituição nenhum profissional servidor público. Nesse sentido, é importante destacar também que no ano de 2011 18, havia apenas três profissionais do Serviço Social no CAPS III da SER II, em regime terceirizado pelo ISGH – Instituto de Saúde e Gestão Hospitalar. Em 2012, com a seleção da prefeitura Municipal de Fortaleza, os profissionais terceirizados foram substituídos pelos profissionais aprovados e, nesse contexto, foram lotados no referido CAPS sete assistentes sociais19. Portanto, havia uma limitação de recursos humanos que foi suprida com a contratação dos profissionais aprovados pela seleção da prefeitura, embora que todas essas formas de contratação não garantam a estabilidade do profissional. 4.3 A análise da prática profissional no CAPS III SER II – a partir dos dados coletados em campo Esse é o momento da pesquisa em que apresentamos os dados a partir das falas dos sujeitos entrevistados. Momento em que apresentamos os resultados e discussões a partir dos dados coletados com a pesquisa de campo. É a própria fala das assistentes sociais entrevistadas articuladas com os estudos teóricos de autores que contribuíram para atingir o objetivo da pesquisa. A análise dos dados apresentados nesse momento da pesquisa será realizada a partir do tópico 220 (dois) do roteiro de entrevista, com o objetivo de compreender a prática profissional do Serviço Social no CAPS III da SER II a partir das falas dos sujeitos entrevistados. As entrevistas foram agendadas previamente de acordo com a disponibilidade de cada profissional, obedecendo aos protocolos legais exigidos no processo, sendo realizadas na própria instituição. Enfatizamos que as entrevistas foram individuais e aconteceu de forma bem tranquila como uma conversa informal entre duas colegas da mesma categoria. 18 Dados coletados no período de estágio vivenciado na instituição – de 2011.2 a 2012.2. Os sujeitos dessa pesquisa. 20 Ver roteiro de entrevista aplicado. Disponível em Apêndice B. 19 51 O primeiro aspecto abordado na entrevista tem por finalidade conhecer como as assistentes sociais compreendem sua atuação na saúde mental, mais especificamente no equipamento CAPS. As respostas dadas a essa interrogativa foram voltadas a questão da mediação dos direitos sociais e a intervenção do Serviço Social frente às expressões da questão social, como especificidade da categoria e que são demandadas no serviço. Nesse sentido, destacamos a fala de três profissionais, que representam a compreensão de cada uma quanto à importância da atuação do Serviço Social na saúde mental. A assistente social Ágata relata que: O trabalho do assistente social ele é importante dentro da saúde mental porque ele vai fazer a articulação entre família, serviço e paciente. [...] Ele não se limita a questão saúde doença, o processo de adoecimento, ele tem uma abrangência né, um leque que são exatamente as refrações da questão social que a gente tem que estar preparado pra todo dia quando chegar um caso específico, uma situação diferenciada. [...] O assistente social ele é capacitado exatamente pra lidar com essas diferentes questões e não só o foco do processo saúde doença, e no caso específico, doença né, transtorno mental. Nesse sentido, compreendemos que a atuação das assistentes sociais é importante porque a categoria profissional é capacitada com a instrumentalidade da mediação e desenvolve suas atividades a partir de uma visão totalitária do real, transcendendo a realidade da demanda posta, percebendo para além do contexto apresentado no cotidiano e conseguindo articular as partes envolvidas, de modo que não se limita às particularidades, mas a totalidade que envolve o contexto. E essa totalidade é exatamente as expressões da questão social que envolve a história de vida dos seus usuários e que são demandadas no cotidiano do serviço. Segundo Iamamoto (2008), para o Serviço Social a questão social é a base de sua fundação enquanto especialização do trabalho. Por isso, os assistentes sociais, por meio de serviços sócios assistenciais, intervêm nas relações sociais cotidianas, no atendimento as várias expressões da questão social em que os indivíduos sociais estão envolvidos. São as problemáticas no trabalho, na família, na luta por moradia, por terra, questões que envolvem a saúde, a assistência, entre outras dimensões. Portanto, é a questão social que confere um estatuto de elemento central que constitui a relação entre profissão e realidade social. A esse respeito Turquesa esclarece que: A importância é pelo lado social dos usuários que vem aqui, que a psiquiatria não dá conta, a psicologia não dá conta, nem a terapia ocupacional. Então, tem um lado que... Além da gente somar com essas outras especialidades, a gente também tem um lado que só a gente dá conta que é esse lado social mesmo, questões familiares... São essas interfaces que só o Serviço Social se apropria. 52 Nesse contexto, percebemos que a profissional deixa claro que as expressões da questão social são uma especificidade do Serviço Social, que nenhuma outra categoria profissional consegue dar conta porque não tem o conhecimento especifico na área. Portanto, as assistentes sociais somam no trabalho em equipe, tendo em vista que o processo de adoecimento do indivíduo com transtorno mental tem relação intrínseca com as problemáticas que envolvem seu cotidiano, ou seja, com as várias expressões da questão social que permeiam a vida dos sujeitos, usuários do CAPS III da SER II. Assim, o reconhecimento da questão social, como objeto de intervenção da profissão, exige a atuação profissional em uma perspectiva totalizante, fundamentada na identificação das determinações sociais econômicas e culturais das desigualdades sociais. (CFESS, 2009). Ainda em conformidade com a cartilha do CFESS (2009), a intervenção fundamentada no aspecto teórico político pressupõe: Leitura crítica da realidade e capacidade de identificação das condições materiais de vida, identificação das respostas existentes no âmbito do Estado e da sociedade civil, reconhecimento e fortalecimento dos espaços e formas de luta e organização dos trabalhadores em defesa de seus direitos; formulação e construção coletiva, em conjunto com os trabalhadores, de estratégias políticas e técnicas para modificação da realidade e formulação de formas de pressão sobre o Estado, com vistas a garantir os recursos financeiros, materiais, técnicos e humanos necessários à garantia e a ampliação dos direitos. Ou seja, se todas essas ações forem apreendidas pelas assistentes sociais no cotidiano da prática profissional, certamente a categoria fará um trabalho comprometido com o campo social e com as bases que fundamentam a profissão. O profissional do Serviço Social deve se apropriar dessas ações para que a partir da identificação das determinações postas pelas desigualdades sociais, demandadas no cotidiano do serviço, desenvolva seu trabalho com uma maior compreensão do contexto sócio histórico para situar sua intervenção. Podemos elencar em conformidade com o CFESS (2009) que as assistentes sociais na saúde atuam em quatro grandes eixos, que são o atendimento direito aos usuários, a mobilização, a participação e controle social, a investigação, planejamento e gestão, a assessoria, qualificação e formação profissional. Nesse contexto, nas atividades de atendimento direto aos usuários predominam as ações sócio-assistenciais, ações de articulação interdisciplinar e ações socioeducativas, as quais não ocorrem de forma isolada. Porém, integram o trabalho coletivo em saúde, caracterizados por serem complementares e indissociáveis. (CFESS, 2009). 53 Portanto, nas entrelinhas das falas das entrevistadas identificamos que as assistentes sociais do CAPS III SER II, na saúde mental, a partir das atividades realizadas no serviço desenvolvem as ações assistenciais e ações socioeducativas, desde os simples acolhimentos até as mais complexas visitas domiciliares. Também identificamos que desenvolvem ações de articulação com a equipe de saúde, a partir do trabalho interdisciplinar, e ações do eixo de assessoria, qualificação e formação profissional através da supervisão de estágio. Através do grupo de direitos sociais, identificamos que as profissionais realizam atividades relacionadas ao eixo de mobilização, participação e controle social que, em suma, são ações voltadas para a organização da população e usuários na perspectiva de reivindicação de seus direitos e do eixo de investigação, planejamento e gestão, o qual envolve ações de fortalecimento da gestão democrática e participativa em prol dos usuários na garantia de seus direitos. Ainda sobre a importância da atuação das assistentes sociais, Jade expressou da seguinte maneira: O papel do Serviço Social ele é importante a medida que ele dá uma melhor condição de vida ao usuário,[...] ele pode proporcionar essa interface entre o paciente e a família, ele pode proporcionar também uma melhor estadia enquanto ele está internado aqui. Em relação aos pacientes que são atendidos na consulta ambulatorial aí a intervenção do Serviço Social se dá de forma em relação a garantia dos direitos, a gente tem muitos casos que são encaminhados pacientes pro BPC, a questão do passe livre, então o Serviço Social ele faz essa mediação, essa interlocução entre o usuário e o médico. De acordo com Santos (2010), as assistentes sociais atuam nas expressões da questão social e na mediação de direitos para atendimento às necessidades da população usuária. Desse modo, quanto mais a categoria estiver capacitada para interpretar e apreender as determinações sócio-históricas que surgem no cotidiano, mais terá condições para elaborar respostas profissionais qualificadas. Nesse sentido, para Oliveira (1998, p.84), a mediação é “uma categoria [...] histórica no processo de trabalho do assistente social. A mediação acontece em todas as instâncias [...] por meio dos vínculos que estabelece com as diferentes manifestações do seu cotidiano de trabalho.” Portanto, compreendemos que as profissionais têm entendimento sobre a importância do seu fazer profissional e se apropriam da instrumentalidade pertinente à profissão para o desenvolvimento da prática profissional no CAPS III da SER II. Para Lessa (2003, p.88), “o grande desafio consiste em buscar identificar e responder as demandas que estão sendo postas ou pressupostas, tendo a preocupação de 54 estabelecer o nexo com as “necessidades sociais” que estão subjacentes a elas.” E essa é a essência de apreensão do trabalho do assistente social na busca o verdadeiro sentido. Quanto às atribuições das assistentes sociais no CAPS III da SER II, as entrevistadas foram quase unânimes em suas respostas e descreveram as atividades do serviço, enfatizando que atuam em equipe interdisciplinar e que todas as categorias realizam as mesmas atividades, salvo as demandas específicas de cada profissão, com exceção da categoria médica. Tendo em vista que as atribuições e competências dos profissionais de Serviço Social são orientadas e norteadas por direitos e deveres, que constam no Código de Ética profissional e na Lei que regulamenta a profissão, tanto os profissionais como as instituições devem observá-los e respeitá-los. (CFESS, 2009). Enfim, em relação às atividades realizadas, as respostas foram bem semelhantes e repetitivas. Portanto, destacamos a fala de três profissionais para representar as respostas apresentadas pelo grupo das entrevistadas, as quais destacaram as atividades de acolhimento, de avaliação inicial, do acolhimento 24 (vinte e quatro) horas, visita domiciliar, respostas a ofícios e grupos terapêuticos como atribuições desenvolvidas por toda a equipe interdisciplinar. Em seus relatos expressaram: No CAPS especificamente, como a gente atua em equipe interdisciplinar algumas atividades elas são meio que coletivas [...] digamos assim, todos os profissionais de nível superior eles desempenham as atividades, por exemplo: o acolhimento, [...] avaliação inicial, [...] visitas domiciliares, [...] o trabalho de grupo. (ÁGATA). Inúmeras. [...] A gente trabalha aqui com acolhimento que na realidade são feitos por vários profissionais, um rodizio, cada dia um profissional e nesse acolhimento o Serviço Social tem um olhar diferenciado. [...] A gente tem a avaliação inicial que é quando o paciente chega ao CAPS pela primeira vez. [...] a gente faz visita domiciliar. [...] A gente tem os grupos que o Serviço Social também trabalha. [...] A questão da supervisão de estágio [...] A questão de relatórios e as demandas do 24 (vinte e quatro) horas. (JADE). Nós assistentes sociais temos várias atribuições, dentre elas temos a avaliação inicial. [...] Temos também outra atividade que é o acolhimento [...] Temos o serviço do 24 (vinte e quatro) horas [...] Temos também a visita domiciliar. [...] Temos também os grupos terapêuticos que acontecem de segunda à sexta aqui com as assistentes sociais. [...] O assistente social também tem uma atribuição que eu acho importante que é a supervisão de estágio. (CRISTAL) Nesse contexto algumas profissionais também destacaram algumas atribuições específicas do Serviço Social. É importante perceber que duas assistentes sociais, Pérola e Turquesa, relatam com mais especificidade o papel do assistente social dentro das atividades 55 coletivas. É o olhar diferenciado das profissionais frente à demanda posta no serviço. Como evidenciam as falas a seguir: Faz parte das nossas atribuições [...] introduzir a pessoa ao serviço, mostrar pra eles o que o serviço oferece e fazer a ligação das pessoas aos outros serviços. [...] A gente tem essa atribuição de passar esse tipo de orientação, bem como acolher aquela pessoa e mostrar pra ela que ela não é só o paciente, mas que é um cidadão, que ele não é só um doente, ele está naquele momento precisando daquele serviço, mas ele também tem uma vida lá fora. [...] Eu acho que o nosso papel é fazer com que eles se conscientizem cada vez mais de que eles fazem parte da sociedade, sim! Que eles têm papel na vida, que eles podem atuar. (PÉROLA). São nossas atribuições os atendimentos sociais que só a gente pode fazer. [...] As visitas domiciliares também que não só o Serviço Social faz, mas o nosso olhar quando vai pra uma visita domiciliar é diferente do olhar do psiquiatra, do psicólogo, a gente ver coisas...para além dos outros. [...] A avaliação inicial, o acolhimento (TURQUESA). Desse modo, o papel do assistente social não é apenas fazer o acolhimento, o atendimento individual, a avaliação inicial, mas acima de tudo é fazer nesse atendimento o que é privativo da profissão, desenvolver as ações socioassistenciais e socioeducativas e fazer a mediação do indivíduo com o serviço prestado, apresentando o que lhe é de direito promovendo a cidadania e a reinserção social. Nas falas das assistentes sociais entrevistadas identificamos claramente que em sua atuação elas desenvolvem ações fundamentadas, especificamente, nos eixos das ações socioassistenciais e socioeducativas, reconhecendo-as como atribuições próprias do Serviço Social. Tendo em vista que as profissionais desenvolvem sua prática dentro do trabalho coletivo, que é proposto aos equipamentos substitutivos da saúde mental, no pós Reforma Psiquiátrica identificamos que as atribuições demandadas ao Serviço Social, apesar de serem atividades da coletividade, as assistentes sociais conseguem extrair nessas atividades as especificidades do Serviço Social e direcionar seus atendimentos em conformidade com os princípios da profissão, de forma ética e comprometida. Segundo Guerra (2012, p. 41), “o espaço reservado ao Serviço Social, como um ramo de especialização do trabalho coletivo, é o de dar respostas, buscar prontamente soluções à pluralidade de questões que lhes são colocadas.” E é nesse sentido que as assistentes sociais do CAPS III da SER II atuam: através da escuta qualificada, identificando a demanda e buscando respostas adequadas às diversas necessidades histórico-sociais como forma de legitimar a profissão. 56 Sobre as demandas mais recorrentes para o Serviço Social no CAPS III da SER II as assistentes sociais apresentaram: [...] Vem muita demanda de dúvidas em relação a benefício social, BPC, aposentadoria, quem pode e quem não tem direito, é em relação mais a questão sócio econômica mesmo, as demandas familiares, de conflitos familiares que vem, a própria reinserção do paciente que tá no 24 horas. (TURQUESA). [...] A mais recorrente eu diria que são os encaminhamentos as outras instituições e as resposta dos ofícios, uma demanda muito grande assim... ela tá sendo muito recorrente e ele tá demandando da gente também muito tempo. (ÁGATA). Aqui o que eles procuram mais é essa parte de aposentadoria, BPC, principalmente BPC porque a maioria não contribui com a assistência e eles têm muito essa confusão do que é aposentadoria do que é o BPC. A parte também de família, né. (PÉROLA). A questão de relatório e as demandas do 24 horas que todos os encaminhamentos dos pacientes do 24 horas eles passam, não necessariamente, mas eles passam pelo Serviço Social. A gente tem que sempre tá vendo lá o que cada paciente tá precisando e o olhar do Serviço Social pros pacientes internados, acolhidos ele é um olhar de prioridade. (JADE). O que é mais direcionado para o Serviço Social são questões familiares, num contexto geral. [...] Sempre mais é a questão centrada na família. [...] Então assim, é mais quando tem algo intrinsicamente da família, relacionado com a família [...]. O atendimento do Serviço Social ele gira muito em torno dessa família [...] Os relatórios, os ofícios quando chegam eles estão relacionados a uma demanda em que a família está envolvida, então realmente essa é também outra demanda que é bem específica do Serviço Social, ou seja, que ela é realmente uma demanda colocada pra gente porque se ele precisa de uma visita, de um relatório social, então, é claro que é o Serviço Social que tem o profissional capacitado para dar respostas a essas demandas sociais. (ESMERALDA). Nesse sentido, percebemos que as demandas mais recorrentes para o Serviço Social são as relacionadas ao contexto social e, na referida instituição, as questões mais demandadas são as que envolvem a família. As assistentes sociais atuam na perspectiva de mediação dos direitos sociais. Nas falas acima, identificamos também que além das questões familiares, têm as questões de dúvidas quanto aos benefícios previdenciários. De acordo com Santos (2010), o assistente social tem plena liberdade para atuar com indivíduos, grupos, famílias e/ou comunidade, bem como definir formas de acesso e atividades direcionadas ao enfrentamento das expressões da questão social e da luta em prol dos direitos, de acordo com suas atribuições e competências. Portanto, o profissional precisa ter o conhecimento de suas atribuições e competências para estabelecer prioridades de ações e estratégias, a partir das demandas do cotidiano que vão sendo apresentadas pelos usuários do serviço, de dados epidemiológicos, ou seja, fatores determinantes das doenças e da disponibilidade da equipe de saúde para 57 desenvolverem ações conjuntas. (CFESS, 2009). Nesse contexto, segundo Bisneto (2010, p. 112), O assistente social está aí colocado para atender às necessidades da Psiquiatria em minimizar as contradições do sistema e atender à racionalidade médica no que o mundo “psi” não dá conta: a extrema pobreza dos usuários e o estado de exclusão social resultantes das políticas econômicas e sociais do capitalismo monopolista, do neoliberalismo, da globalização e da reestruturação produtiva no Brasil. Nesse sentido, o Serviço Social está posto para dar respostas às demandas da questão social que surgem em consequência da dinâmica capitalista que rege a sociedade e que, nesse contexto, nenhuma outra especialidade dá conta dessas questões de âmbito social e que influem no processo de adoecimento das pessoas. É o Serviço Social que tem o profissional capacitado para lidar com essas demandas e contribuir com o trabalho das outras especialidades, de modo que o usuário é tratado em sua totalidade e não somente no foco saúde doença. “O assistente social é nesse sentido, um intelectual que contribui, junto com inúmeros outros protagonistas, na criação de consensos na sociedade.” (IAMAMOTO, 2012, p.69). Quanto à avaliação das profissionais sobre o trabalho interdisciplinar no CAPS III da SER II identificamos divergências nas falas das assistentes sociais em relação a forma como cada uma percebe esse trabalho interdisciplinar. Há profissionais que avaliam de forma positiva, outras de forma negativa e as motivações para as variadas percepções será o alvo de nossas análises. Para o grupo que avalia as limitações do trabalho em equipe os relatos foram os seguintes: Isso depende muito não é nem das profissões que tem aqui, mas das pessoas. Deveria ter uma abertura maior com a psicologia, mas alguns profissionais são resistentes. Quando a gente vai com alguma demanda, um ou outro a gente consegue resolver alguma questão mais urgente, mas alguns têm uma resistência muito grande [...] Acho que deveria ter uma... apesar de já ter tido algumas reuniões para rever esses casos com a psicologia a gente ainda tá tendo uma “dificuldadezinha” pra trabalhar em conjunto. (TURQUESA). “Eu acho que as assistentes sociais [...] a gente é um grupo bem coeso [...] a gente procura ajudar umas as outras [...] já em relação as outras categorias eu acho muito limitado, eles nem se ajudam entre si e nem ajudam os outros, eles são muitos fechados. [...] não tem essa troca que eu acho que se tivesse essa troca o serviço podia ser bem melhor do que é, muitas cabeças pensantes, muitas ideias, muitas sugestões. A gente podia melhorar muita coisa, mas eu não vejo esse entrosamento, cada um cuida do seu espaço cada um cuida do que tem pra fazer [...]. E o assistente social, eu acho que pela própria dinâmica da profissão, a gente é meio inquieto, a gente não é muito de esperar que as coisas venham, a gente é muito de ir atrás, de ir buscar porque a gente preserva o bem estar do individuo.” (JADE). 58 Eu acho que poderia ser melhor, poderia ser bem melhor... A gente poderia ter mais estudos de casos, existem casos que realmente precisa sentar para conversar sobre aquele paciente. Eu acho que isso ainda deixa muito a desejar. (PÉROLA). Diante das contradições percebidas com as respostas a essa questão, percebemos que no CAPS III da SER II as dificuldades apresentadas pelas profissionais podem estar relacionadas ao âmbito das relações interpessoais. De acordo com Luzio (2006), muitas vezes, as equipes não realizam reuniões para discutir o cotidiano dos serviços e, quando o fazem, as dificuldades e divergências identificadas nos encontros são vivenciadas como conflitos localizados no âmbito das relações pessoais afetivas, dos conflitos com a chefia ou deslocamse para o campo da qualificação profissional. Segundo Boarani (2011), as dificuldades e conflitos da equipe interdisciplinar no contexto do trabalho tem causado muito sofrimento aos profissionais, e não viabiliza qualquer transformação na saúde mental. Desse modo, a equipe, a coordenação e os usuários precisam de apoio para a construção do seu projeto, conhecer e problematizar seus referenciais, criar mediações e reorganizar as formas de trabalho. O trabalho em equipe merece ser refletido e as atribuições do profissional do Serviço Social precisam ser especificadas e divulgadas para os demais profissionais, resguardando-se, assim, a interdisciplinaridade como perspectiva de trabalho a ser defendida na saúde21. De acordo com Oliveira e Silva (2008), para se constituir como equipe interdisciplinar, além da presença de diferentes profissionais, há que se buscar a interlocução com o próprio sujeito-usuário, a família e a sociedade. Enfim, não basta um conjunto de competências diversas. Portanto, o trabalho em equipe interdisciplinar não deve ser compreendido apenas no âmbito da instituição, mas perpassando esse contexto e se estendendo ao complexo da sociedade na perspectiva de promover a cidadania e reinserção dos usuários, tendo em vista ser a real proposta dos equipamentos substitutivos da saúde mental. Segundo Boarani (2011, p.87) Os profissionais de Saúde Mental, diante das dificuldades de se inserirem ou de se manterem no mercado de trabalho, cada vez mais têm procurado trabalhar nos serviços públicos sem terem, no entanto, o preparo e o comprometimento suficientes com suas propostas e finalidades. Sabemos que a construção da Atenção Psicossocial, por constituir-se um processo anti-hegemônico, mais do que um preparo teórico-técnico, requer compromisso político daqueles que nele participam. 21 Portaria CFESS n. 2 de 26 de janeiro de 2009. 59 Nesse contexto, não podemos descartar a possibilidade de profissionais da equipe que trabalham insatisfeitos e que por isso não se comprometem com as propostas do CAPS e passam a desenvolver uma prática pragmática, ou seja, o fazer por fazer, o fazer para cumprir obrigações e normas. Essa insatisfação pode estar relacionada às consequências da consolidação do projeto neoliberal em curso no País, mais precisamente no mundo do trabalho. A exclusão de parcela da população do mercado de trabalho, a precarização das condições de trabalho, a fragilização da organização dos trabalhadores, tudo isso têm produzido consequências negativas nas condições de vida e de saúde da população. (BOARANI, 2011). Para o grupo que considera positivo o trabalho da equipe interdisciplinar os relatos foram bem diferenciados das anteriores, porém, bem semelhantes entre si, conforme apresentamos: [...] Esse trabalho interdisciplinar é muito positivo e os profissionais aqui eu os percebo bem soltos no sentido de se dispor mesmo nesse aspecto de compreender o espaço do outro, a visão do outro profissional, de respeitar, de ouvir né, então eu acho que isso é muito bom aqui dentro. Eu não tenho tido dificuldade em relação a isso [...] (SAFIRA). Eu vejo assim que a equipe... os outros profissionais são muito disponíveis para dar um apoio uns aos outros. Eu vejo isso, porque, por exemplo, as vezes eu estou num atendimento que eu tenho dúvida eu sei que eu posso recorrer a qualquer outro profissional de outra categoria e pedir a opinião dele, pedir a ajuda dele[...]. Então eu acho que aqui no CAPS a gente tem uma parceria bem legal com os outros profissionais. (ESMERALDA). Eu avalio de forma positiva, nunca tive conflitos com profissionais de outras áreas não! Quando eu tenho dificuldade de identificar se o paciente é perfil CAPS ou não eu procuro o psicólogo que já tem mais experiência que eu e percebo que flui muito bem essa comunicação, esse contato, essa troca de experiência quando a dificuldade aparece [...] eu percebo que flui muito bem não tenho nada a acrescentar de forma negativa. (CRISTAL). Eu acho que apesar da gente ter uma demanda muito grande a equipe é boa sabe, a gente tem essa abertura na interdisciplinaridade, a gente sempre tá discutindo os casos né, infelizmente a gente tem um problema em relação a agenda da psicologia que é uma agenda muito cheia pra gente atender, a nossa demanda é muito grande, mas a gente tem conseguido em alguns casos específicos colocar para um psicólogo que tem mais perfil [...]. Eu tenho conseguido essa abertura com os colegas, das outras categorias. É muito bom, eu avalio positivamente. (ÁGATA). Nesse sentido podemos concluir que as percepções são muito relativas de profissional para profissional, devido às afinidades de cada profissional com os membros da equipe interdisciplinar, e que é importante se ter essa abertura apresentadas pelas profissionais e o bom relacionamento com a equipe interdisciplinar, pois as ações desenvolvidas em equipe 60 refletem no bom desempenho das atividades no CAPS e consequentemente nas ações voltadas para a recuperação e promoção dos usuários. Sobre os equipamentos substitutivos da Saúde Mental as assistentes sociais do CAPS III da SER II, em seus relatos, percebem a importância, mas também as limitações existentes nessa área da saúde. E sobre isso expressa: É complicado [...].os equipamentos são bons, mas o olhar das pessoas é que não mudou em relação a isso. [...] A verdade em relação à mudança... eles só saíram de um lugar maior, mais aberto, com mais pacientes para um local menor com menos pacientes e que parece uma casa que muitas vezes é realmente só uma aparência por conta das paredes e dos muros, não muda muita coisa.[...] (TURQUESA). Essa profissional tem uma percepção negativa e pouco ampliada sobre os novos equipamentos, de modo geral, pois deixa claro que houve apenas uma mudança de local. Nesse aspecto, discordamos dessa percepção, tendo em vista que em relação ao modelo manicomial que se tinha antes do movimento da Reforma Psiquiátrica, hoje a assistência oferecida aos pacientes com transtorno mental é consideravelmente melhor, de modo que os usuários saíram do contexto da clausura, do aprisionamento e do tratamento medicamentoso para uma assistência em liberdade que envolve não somente o tratamento com medicamentos, mas também ações de estimulo ao bom convívio social, apesar de concordarmos com as limitações existentes nesse contexto. Segundo Boarani (2011), o processo de desinstitucionalização na Saúde Mental reconstrói o pensamento de uma época que exige mais participação, compromisso e inclusão, na perspectiva de romper com o pensamento que naturaliza o atendimento à pessoa com transtorno mental de forma asilar e manicomial. Portanto, consideramos que os novos equipamentos de Saúde Mental têm feito a diferença nesse contexto, oferecendo um tratamento de forma a promover os usuários do serviço. Nesse sentido, para enfatizar nossa compreensão a esse respeito destacamos fala da assistente social Ágata, que considera a importância dos equipamentos da Saúde Mental mesmo percebendo as inúmeras limitações do serviço, conforme expressa: [...] Foi muito importante pra saúde mental, como um todo essa mudança de paradigma, essa mudança de visão, essa quebra do comodismo [...].Assim, tem muitas dificuldades ainda, ainda precisa ser investido muito na saúde como um todo, desde a atenção básica até os CAPS especificamente, né, hospital mental, CAPS, residências terapêuticas ainda precisam de muito investimento, muitas capacitações para os profissionais para se chegar a um patamar de excelência, mas que pela mudança como tudo aconteceu e está acontecendo e se encaminhando eu acho positivo. Precisa melhorar? Precisa, não é excelência, têm algumas 61 dificuldades a gente sabe né, mas dos moldes que estava antes para hoje eu acho que deu um salto assim qualitativo fantástico. (ÁGATA). A esse respeito, Oliveira e Alessi (2005) acrescentam que a Reforma Psiquiátrica apresenta um novo olhar teórico assistencial na saúde mental à medida que define o sujeito que sofre com transtorno mental como não necessitado de interdição a partir da proposta de substituição dos antigos modelos pelas instituições abertas e inseridas socialmente, não excludentes e não violentas no trato pessoal e social com os usuários, que mantém as relações de poder no sentido horizontal e trabalho coletivo - incluindo os usuários, sua família e a comunidade -, desenvolvendo práticas técnico-assistenciais adequadas e para além da medicalização dos sintomas, com a finalidade promover a autonomia afetiva e material da pessoa para as relações pessoais, familiares e sociais. Na fala da assistente social Pérola e, posteriormente, na fala da assistente social Safira, cada profissional expressa sua percepção nesse aspecto e faz a relação do tratamento oferecido no serviço aderido ao convívio familiar, relatando a importância dessa complementação para os resultados do tratamento e recuperação dos usuários. As profissionais assim se expressam quanto aos novos equipamentos da saúde mental. [...] Deu uma qualidade de vida muito maior pra quem usa pra quem necessita porque ele pode tá em casa né? Pode tá no seu local, no local que é pra se sentir seguro que é em casa, ao invés de tá trancafiado, isolado, longe como se fosse assim um braço cortado né, eu acho que teve a parte da inclusão social dessas pessoas, muito valido, pena que sejam poucos. [...] É muito válido, é muito, muito válido, você já imaginou uma pessoa sair de dentro de um hospital e puder ir pra casa, ficar recebendo a medicação em casa, eu acho que até as crises são mais espaçadas, principalmente aqueles que têm apoio da família. (PÉROLA). [...] É um modelo bem mais humano, não resta dúvida que é bem mais estendido no sentido de contemplar melhor as necessidades dos pacientes, de possibilitar o paciente nessa coisa da interlocução com a família, com os outros serviços, com outros profissionais, com outras instituições. [...] Eu acho que tá tendo um diferencial por isso né, por serem espaços mais abertos e terem essa coisa da permeabilidade entre o espaço e as outras composições da sociedade. (SAFIRA). Desse modo, percebemos pela fala das profissionais que elas compreendem as propostas dos CAPS e reconhecem a sua importância para a melhoria da qualidade de vida dos usuários. De fato, expressam com propriedade a importância desse tratamento em liberdade, o quanto é válido e que traz retornos significativos aos usuários, fazendo a grande diferença em relação aos antigos modelos de assistência asilar. Conforme Ribeiro e Farias (2010, p.136) “a reestruturação da assistência psiquiátrica preconiza alternativas de compreensão sobre a loucura, tendo no serviço social 62 uma das profissões com formação e competência para intervir nessa área”. Nesse sentido, as profissionais expressam o quanto os novos equipamentos têm sanado lacunas dos antigos modelos ao apresentarem que é uma rede ampliada e que contemplam melhor as necessidades dos usuários, fazendo diferença e reforçando o novo paradigma da Saúde Mental. Isso mostra que as assistentes sociais do CAPS têm conhecimento das propostas dos novos equipamentos. Segundo Pitta (2011), o sucesso da Reforma consiste na compreensão da necessidade de construção de uma abrangente rede de cuidados para manter a existência de pessoas/usuários/pacientes em tratamento e que, sem esse novo contexto, estariam destinados a perambular pelas ruas em condição de abandono ou a vegetar em manicômios nos longos períodos de internação. Para enfatizar esse pensamento a assistente social Cristal em seu relato diz: Hoje a gente percebe com grande avanço na saúde mental em geral, porque antes era um sistema fechado, prisioneiro, não tinha uma situação de acolhimento de família, de contato familiar, o paciente era muito isolado e a partir do momento que surgiram os CAPS e as residências terapêuticas com certeza... a gente já ouviu muitos relatos de pacientes colocando que eles estão se sentindo muito mais... que a saúde está muito mais próxima do que antes quando estavam presos naqueles hospitais de saúde mental, era uma situação muito fechada, sem contato com o mundo, sem contato com outros profissionais, sem ouvir, sem participar de grupo, de outras oficinas. Os pacientes antes não tinham visão de futuro e hoje com essas instituições a gente percebe que eles estão conseguindo resgatar muito mais sua saúde mental e sua cidadania. O exercício da cidadania está muito mais próximo pra eles. (CRISTAL). Na fala de Cristal ela retrata as mudanças no contexto da saúde mental após a substituição dos antigos modelos de assistência psiquiátrica para o novo modelo pautado no tratamento oferecido especificamente pelos CAPS. Considera com grande avanço se comparado ao que se tinha antes. Portanto, essa profissional tem conhecimento da proposta essencial dos CAPS e reconhece que as mudanças são consideráveis e que têm feito a diferença na vida dos usuários à medida que os aproximam do exercício da cidadania, que é uma das propostas dos novos equipamentos da saúde mental. Nesse sentido, reconhecemos que as limitações nesses espaços são presentes e relevantes, tendo em vista que as propostas não são de fato efetivadas como deveriam e ninguém melhor para apresentar essa realidade do que os próprios profissionais que atuam nos equipamentos de Saúde Mental. Assim, destacamos a fala de Jade e Esmeralda que em seus discursos relatam que: [...] Os novos equipamentos têm contribuído, mas não dão conta, eles não suprem a demanda, ele não dá conta da demanda posta. [...] A legislação ela é muito clara, o 63 paciente ele tem que ser visto pelo psiquiatra a cada dois meses no máximo e a gente tá marcando consulta pra três meses, três meses e meio, então isso mostra que o equipamento não supri a carência, é importante, é interessante essa questão dos CAPS, das residências só que a quantidade é insuficiente pra demanda. (JADE). Os equipamentos têm que melhorar muito. Muita coisa mudou, muita coisa melhorou, mas ainda precisa mudar, muitas coisas precisam melhorar [...]. Mas eu vejo assim, que gradativamente as coisas estão melhorando, e eu espero que melhore mais ainda porque só quem sai ganhando é o cidadão [...] (ESMERALDA). Na visão das assistentes sociais os objetivos dos equipamentos substitutivos da Saúde Mental ainda não são conhecidos por parcela da sociedade, nem mesmo por alguns usuários e familiares que dele precisam e, se conhecem, não direcionam um olhar aberto, diferenciado do modelo manicomial, o que dificulta a relação usuário-serviço- sociedade na perspectiva da efetivação das propostas dos equipamentos substitutivos. Nesse sentido, a assistente social Ágata reforça que “tá sendo muito difícil colocar na cabeça da família essa nova ordem que foi construída, essa luta, essa nova visão da saúde em que os pacientes têm que realmente ter o convívio social.” Quanto aos desafios enfrentados pelas assistentes sociais na instituição, percebemos que há percepções diferenciadas por parte da cada profissional. A assistente social Pérola quando indagada sobre os desafios, assim se expressa: Agora você me pegou. De um modo geral a coordenação é muito aberta a novas ideias, eu acho que... Eu pelo ao menos estou muito satisfeita. O que poderia ser melhor? Essa parte da socialização das ideias, da equipe interdisciplinar. Acho que poderia melhorar o aspecto físico [...], essa parte física deixa muito a desejar, acho que daqui é o pior. As próprias políticas públicas poderiam ser melhores, mas isso não é do âmbito do CAPS, é geral [...]. Esse CAPS é muito bom de trabalhar, você tem uma liberdade boa, as ideias são bem aceitas.”(PÉROLA). Essa profissional reconhece a abertura dada pela coordenação e expressa sua satisfação no CAPS III da SER II. Considera pontos que precisam melhorar e enfatiza, de modo geral, que há limitações das próprias políticas públicas, deixando subentendido que esse fato pode justificar os desafios postos no cotidiano da instituição e as limitações do sistema de saúde pública. Em nossa análise, percebemos que Pérola se limitou em sua resposta, se compararmos com as respostas das demais profissionais. Com isso compreendemos a subjetividade da profissional que, em determinado momento da entrevista, relata que é a sua primeira experiência no serviço público, pois sempre atuou na rede privada. Por outro lado, percebemos que por conhecer o público e o privado a profissional tem uma compreensão 64 neutra, e responde de forma ética, tendo em vista que poderia apresentar sua resposta tendo como parâmetro o serviço privado, com isso percebendo inúmeras limitações do serviço público. Outro elemento que pode ser analisado a partir dessa fala é o fato da precarização do trabalho, ou seja, a contratação - por meio de seleção - dos profissionais do serviço, que não garante nenhuma estabilidade profissional na instituição, podendo gerar o pensamento de que, por isso, não se pode discordar de muitas coisas, nem, literalmente, bater de frente com a gestão e nem falar demais para não correr o risco de perder o espaço. Por isso, por vezes é mais viável concordar em certos pontos, mas com o cuidado para não infringir os fundamentos e princípios da profissão. No contexto das falas trazidas pelas demais profissionais é possível observarmos que há desafios relevantes que de fato dificultam o trabalho da categoria no CAPS III SER II. Vejamos os relatos: O trabalho com a equipe interdisciplinar é um desafio [...] Tudo que ninguém quer resolver manda para o Serviço Social, o setor da resolução de problemas. [...] A gente as vezes se depara com pessoas que têm uma formação familiar que acaba refletindo na sua vida profissional, com postura de individualidade, autoritarismo e a gente enquanto profissional se depara com essas categorias.” A gente não tem um espaço que seja a sala do Serviço Social, a gente tem o espaço físico, mas ele não acontece efetivamente. [...] a gente vai atendendo aonde dá, aonde tem espaço, aonde não tem a gente atende na cozinha, e aí eu me pergunto: e o sigilo profissional, né? E o nosso código de ética que prevê o sigilo profissional? Aonde é que fica esse sigilo? E a privacidade do paciente? Então, eu acho que é uma outra problemática que a gente enfrenta.” (JADE). São vários, né? Desde a aceitação do local para a gente ficar como sendo o Serviço Social foi complicado, a gente pegou essa sala meio que na marra e foi ficando, foi ficando e colocando o nosso nome e se “apossando” do local pra dizer assim: é nossa sala! Os nossos atendimentos são feitos lá, tem que ser sigilosos, a gente não pode estar aqui correndo pra cima e pra baixo com o paciente como muitas vezes a gente atendeu até na cozinha por falta de espaço. [...] São os ofícios que chegam aqui pra gente e temos que responder e muitas vezes são demandas que outros profissionais tem que responder. Está lá escrito que quer tal profissional e tal profissional e vem para o Serviço Social e a gente tem que se desgastar com o outro profissional [...]. Então assim, acaba gerando um atrito. (TURQUESA). Nesse contexto, Jade apresenta inicialmente que não há o entendimento por parte da equipe interdisciplinar sobre o que é atribuição específica do Serviço Social, de modo que tudo que ninguém resolve manda para o Serviço Social. Já Pérola, em outro momento, enfatiza: “a gente é vista como aquela pessoa que resolve tudo e nem sempre a gente pode fazer isso porque a gente tem que se utilizar das políticas e nem sempre as políticas abrangem aquela solicitação deles.” 65 Assim como Turquesa, ao final de sua fala, apresenta que há demandas que vão para o Serviço Social a partir de outros profissionais. Desse modo, cabe ao profissional se impor e atuar na perspectiva de efetivação de uma prática comprometida com os pilares que fundamentam sua atuação. De fato, é um grande desafio. O assistente social tem tido, muitas vezes, dificuldades de compreensão por parte da equipe de saúde quanto suas atribuições e competências frente à dinâmica de trabalho apresentada nas unidades de saúde determinadas pelas pressões com relação à demanda e à fragmentação do trabalho ainda existente. Porém, essas dificuldades devem impulsionar a realização de reuniões e debates entre as diversas categorias profissionais para o esclarecimento de suas ações e estabelecimento de rotinas e planos de trabalho. (CFESS, 2009). Jade e Turquesa apontam para a problemática do espaço físico e, com isso, a dificuldade de realizar uma prática que garanta o sigilo profissional. O que identificamos nesse contexto é que há a necessidade de uma reorganização e de planejamento na instituição, na perspectiva de formular estratégias para sanar ou amenizar as limitações que dificultam o trabalho das profissionais na instituição, embora seja importante lembrar que houve mudança de gestão a qual tenta reorganizar o serviço a partir das lacunas deixadas pela gestão anterior. Nesse contexto, abrimos um parêntese para esclarecer que hoje o grupo de assistentes sociais do CAPS III da SER II tem feito a diferença nesse espaço, embora ainda de forma tímida. Mas, no período das entrevistas de campo, percebemos que mudanças aconteceram no seio da categoria se comparada com o período da gestão anterior, no sentido de se articularem para definir, registrar e documentar as ações desenvolvidas pelo Serviço Social como forma de efetivar a profissão no contexto geral da instituição e como fruto dessa mobilização e articulação da categoria, surgindo, assim, o primeiro plano terapêutico do Serviço Social no CAPS III da SER II, elaborado pelas próprias assistentes sociais e instigadas pela indefinição do papel do Serviço Social na instituição. Para ilustrar esse parêntese aberto apresentamos esse trecho da fala de Ágata: Às vezes a gente faz um trabalho belíssimo, mas a gente não senta pra registrar, pra oficializar, pra apresentar, pra dar visibilidade, então eu acho que a gente tem que se organizar mais nesse sentido [...] E é a partir disso que as pessoas fazem aquela pergunta: O que é que o Serviço Social faz? E aí pra isso a gente está sempre criando instrumentos de mostrar o trabalho, os planos de trabalho, eu acho que o desafio é esse. Falta a gente ter esse tempo de pensar mais... a gente tá muito assim no agir, na rotina, no motor ligado, no imediato e a gente tem que parar, criar um projeto, vamos pensar em um projeto das atribuições [...]. Então, é isso que falta pra gente, mas a gente tá caminhando, a gente já tá montando devagarzinho mesmo na correria do dia a dia. E eu já consegui montar o plano de trabalho com as 66 meninas, a gente já conseguiu estabelecer algumas atividades privativas, alguns grupos, algumas rotinas [...], a gente já tá construindo também os POPs, Então, tudo isso é o trabalho que vai se somando a nossa rotina diária. (ÁGATA). Partindo para o que diz o Código de ética da profissão, dos direitos e das responsabilidades gerais do assistente social, o artigo 2º apresenta que constituem direitos do assistente social a “Inviolabilidade do local de trabalho e respectivos arquivos e documentação garantindo o sigilo profissional22” e a “ampla autonomia no exercício da profissão, não sendo obrigado a prestar serviços profissionais incompatíveis com as suas atribuições cargos ou funções.23” Assim, o que leva as profissionais a atenderem na cozinha, sabendo que o Código de ética trata da inviolabilidade do local de trabalho, é somente o compromisso com o seu usuário que nada tem a ver com as limitações do equipamento. O Código de Ética também deixa claro que o profissional tem ampla autonomia no exercício da profissão. Portanto, como nem tudo que vai para o Serviço Social é compatível com suas atribuições e as assistentes sociais não são obrigadas a prestar o serviço exigido ou demandado pelo equipamento ou por outra categoria. Observamos que a profissional Jade demonstrou preocupação no cumprimento de suas atribuições privativas diante das limitações apresentadas no contexto da instituição, considerando como desafio relevante a questão da garantia do sigilo profissional. Desse modo, no contexto apresentado nas falas de Jade e Turquesa percebemos que há uma grave falha que fere o Código de ética da profissão no âmbito da inviolabilidade do local de trabalho, já que não há um espaço físico reservado para o trabalho do assistente social e no âmbito da ampla autonomia no exercício da profissão, quando demandam tudo que ninguém resolve para o Serviço Social. Ainda em conformidade com o Código de Ética, das relações com as instituições empregadoras e outras, o artigo 7º apresenta que constituem direitos do assistente social “dispor de condições de trabalho condignas, seja em entidade pública ou privada, de forma a garantir a qualidade do exercício profissional.24” Do sigilo profissional, o artigo 15º apresenta que constitui direito do assistente social manter o sigilo profissional. 22 Item “d” do Art. 2º. Item “h” do Art. 2º. 24 Item “a” do Art. 7º. 23 67 Em contrapartida, Safira e Esmeralda pontuam como desafio as dificuldades de acesso dos usuários nos outros equipamentos de saúde que complementam seu tratamento e as limitações existentes para o acesso das políticas públicas, bem como na busca de seus direitos. Em suas falas relataram: Acho que é um desafio para a gente a aproximação com esses outros espaços, no sentido de, alguns pacientes, por exemplo, que não são perfil nosso que a gente possa encaminhar pra outros espaços e que possa ser desenvolvido trabalho com esse paciente. [...] A demanda é elaborar estratégias para facilitação de acesso dos nossos pacientes nesses outros equipamentos. [...] Acho um grande desafio do Serviço Social. (SAFIRA). São vários né. É um desafio pra gente quando você precisa fazer um encaminhamento desse sujeito pra buscar um direito dele e você saber que ele não vai conseguir, você está encaminhando e tudo porque você não pode tirar as esperanças dessa pessoa. (ESMERALDA). De acordo com Lessa (2003, p. 87), sobre a atuação do assistente social na área da saúde, “o profissional se insere no processo de trabalho como agente de integração ou elo orgânico entre os diversos níveis do SUS e entre este e outras políticas sociais.” Entretanto, as dificuldades são pertinentes às deficiências do sistema de saúde pública vigente no País. Ainda segundo Lessa (2003), nesse contexto, o produto principal do trabalho do assistente social é a recomposição da integralidade das ações do sistema, embora com as dificuldades e limitações no percurso, tendo em vista que o trabalho do assistente social no SUS tem sido permeado de contradições, dificuldades de funcionamento e a falta de resolutividade do sistema de saúde. Diante dos desafios apresentados pelas profissionais entrevistadas, indagamos sobre os desafios mais relevantes na prática profissional no CAPS III SER II e que dificultam a efetivação dos princípios que norteiam a profissão. As profissionais apresentaram desafios quanto ao sigilo profissional, o acesso aos serviços complementares, as limitações logísticas e a indefinição do trabalho do Serviço Social. Tendo em vista que a profissão do Serviço Social está amparada pelo Projeto Ético Político como instrumental que norteia a profissão no seu fazer profissional e está fundamentado pelo Código de Ética da Profissão - pela Lei que Regulamenta a Profissão e pelas Resoluções e Diretrizes Curriculares - é importante enfatizar que as assistentes sociais têm todo um aparato legal que respalda a sua prática profissional. As Resoluções contribuem para favorecer as condições de trabalho à medida que regulamentam temas presentes no cotidiano profissional com o objetivo de garantia das competências e atribuições profissionais e das condições ética e técnicas para o exercício 68 profissional do assistente social. (SANTOS, 2010). Desse modo, é a partir dos elementos que constituem esses aparatos legais que a prática profissional do Serviço Social deve se fundamentar para o desenvolvimento de uma prática comprometida com a efetivação da profissão. Portanto, as profissionais devem estar sempre em observância dos seus princípios éticos políticos para evitar a prática pragmática. Diante desse esclarecimento percebemos que a maioria das profissionais do CAPS III da SER II têm propriedade sobre o conteúdo desses documentos legais e reconhecem na instituição os desafios relevantes para a efetivação de uma prática comprometida. Apontando o sigilo profissional como desafio relevante, a assistente social Jade apresenta a sua inquietação da seguinte forma: O sigilo profissional acho que é um grande desafio. Você atender de forma que você garanta àquele usuário o sigilo das informações porque as salas não têm trancas, tem sempre alguém batendo, sempre alguém utilizando aquele espaço, você não consegue em alguns momentos garantir esse sigilo, não por negligência profissional, mas porque a própria instituição ela não dá condições. [...] (JADE). Percebemos que Jade tem claramente o conhecimento dos direitos e deveres do assistente social que está contido no Código de Ética da profissão no que se refere à garantia do sigilo profissional e se angustia com as condições postas na instituição, as quais não garantem o compromisso do profissional na busca de manter esse direito do usuário. Nesse aspecto destacamos que somente essa assistente social apresentou o sigilo profissional como desafio relevante. Quanto ao desafio do acesso aos serviços complementares de saúde e das limitações logísticas, destacamos as falas de Safira, Esmeralda, Cristal e Ágata que relatam: Eu acho que é essa coisa da disponibilização desses serviços complementares [...].Que eles aconteçam de uma forma bem efetiva [...]. Acho que é o desafio mais relevante... que se institucionalize alguns espaços para consecção dessa complementação do nosso serviço. (SAFIRA). É realmente um desafio estar fazendo esses encaminhamentos, saber se realmente a demanda e a necessidade daquela pessoa foi atendida, então isso é um desafio muito grande para o assistente social porque nós trabalhamos com políticas públicas e as políticas públicas são muito fragmentadas, o que hoje é resolvido em determinado local, amanhã poderá não ser e aí o cuidado que o profissional tem que ter de estar encaminhando esse sujeito para o local que ele poderá ser ouvido e dar andamento ao atendimento de sua demanda, mas pra isso exige que o profissional seja comprometido [...] (ESMERALDA). Esse desafio da dificuldade material e de expediente para fazer acontecer os grupos, se houvesse essa providencia facilitaria muito mais, e sobre o instrumental de resposta dos outros equipamentos, de outras políticas [...] que é tão importante 69 para o serviço esses instrumentais de referência e contra referência. [...]. (CRISTAL). A gente esbarra mais na questão logística da coisa, sabe, pela desestruturação da saúde de uma forma geral, eu diria logisticamente, por exemplo, número de pessoal insuficiente, computadores, motorista, carro disponível, eu acho que há mais um problema logístico agora o fazer profissional na nossa autonomia de fazer encaminhamento ou decidir determinados casos ou dar determinadas respostas [...] Eu acho que o nosso fazer profissional, eu acho tranquilo, assim a gente tem bastante autonomia pra essas questões e esbarra mesmo na logística da problemática da instituição porque ela tem muitos problemas nessa ordem né [...] (ÁGATA). Ao analisarmos a problemática de acesso aos equipamentos de referência e contra referência, ou seja, os equipamentos complementares da saúde, podemos considerar que as limitações nos serviços públicos são consequências da conjuntura neoliberal da sociedade capitalista que, para Iamamoto (2007, p. 160), “amplia-se cada vez mais, a seletividade dos atendimentos, fazendo com que a proclamada universalização dos direitos sociais se torne letra morta.” Portanto, concordamos que esse é de fato um desafio relevante, e que os equipamentos da Saúde Mental devem funcionar na perspectiva da intersetorialidade, ou seja, pautadas nas articulações entre sujeitos e setores sociais diversos. Porém, há as dificuldades de efetivação das políticas intersetoriais devido à precariedade dos serviços públicos. Nesse debate, segundo Iamamoto (2007, p. 161): É essa realidade de precariedade dos serviços públicos que enfrentamos e da qual temos de partir no cotidiano profissional, não podendo deixar que ela nos asfixie. Não temos de ser necessariamente levados ao imobilismo, à descrença, à desilusão profissional. Há que superar essa posição fatalista, como também àquelas visões idealizadas [...] Portanto, a precariedade dos serviços públicos faz parte dos desafios postos pela lógica capitalista em todas as esferas e o profissional deve manter uma postura de superação, fazer a mediação necessária, utilizar as possibilidades oferecidas, fazer articulações devidas, mas não se frustrar, mas compreender o contexto da sociedade que incide para pertinência das limitações nesse campo. E sobre as limitações logísticas, Ágata, em sua fala, reconhece como desafio relevante, cita o que considera como limitação logística e associa à desestruturação da saúde como um todo, ou seja, não considera uma problemática particular do CAPS III da SER II, mas em âmbito geral, o que converge ao ponto da precariedade dos serviços públicos. 70 Nesse aspecto concordamos parcialmente que essa problemática é de ordem geral, no contexto da saúde pública, mas também consideramos uma problemática da instituição relacionada à falta de planejamento, organização e mobilização, por parte da gestão, na perspectiva de suprir as necessidades de recursos que possibilitem o trabalho da equipe. Ainda nesse contexto dos desafios, apenas uma profissional considera que não há desafio relevante que dificulte a prática profissional na instituição. Assim se expressa: Não, não acho que desses que eu citei dificulte o trabalho do Serviço Social não, poderia ser bem melhor, mas dificultar não, não pára, não fica estagnado. O trabalho do Serviço Social vai continuando, mas poderia ser melhor? A gente poderia ter um local de trabalho mais favorável? Poderia. (PÉROLA). Em nossa análise, percebemos uma contradição na fala da entrevistada. Pérola tem a percepção de que poderia ser melhor, mas não considera que os desafios existentes dificultem a sua atuação. Portanto, compreendemos os desafios como algo que, ao dificultar os meios, exige mais esforço para se conseguir determinados objetivos. É difícil considerar que os desafios existentes não dificultem o trabalho do profissional na instituição em alguma intensidade. Para Turquesa, a indefinição do trabalho do Serviço Social é um desafio relevante e, acrescentamos que assim, em sua fala reconhece como desafio: A nossa própria prática profissional [...]. Nós mesmos temos que ter uma visão do que é o nosso trabalho aqui dentro, o que temos que fazer, o que é atribuição nossa. A gente tem que realmente sentar, discutir entre nós, entre os setores e realmente criar... nós temos o Serviço Social do CAPS, o que esse Serviço Social faz? E quantificar isso. [...] Então a gente tem que criar formas que se efetivem porque a gente só discutiu, conversou e até agora ninguém começou. (TURQUESA). Nesse momento, a referida assistente social demonstra sua inquietação sobre a indefinição do papel do Serviço Social, considerando como desafio relevante e, ao mesmo tempo, sabe o que é necessário fazer para efetivar o seu trabalho e reconhece que as ações permanecem estagnadas no âmbito das discussões entre elas. Para Iamamoto (2007, p. 161) “Este quadro tem sido fonte de angústias e questionamentos sobre o nosso papel profissional, diante das dificuldades de criar, recriar e implementar propostas de trabalho.” Sobre as atividades realizadas pelo assistente social, identificamos que há uma diversidade e uma heterogeneidade das ações desenvolvidas no CAPS III da SER II. De acordo com Lessa (2003, p. 86-87), “diante da quantidade e da variedade de ações, uma parcela significativa dos profissionais sente dificuldade em identificar o que é o Serviço 71 Social e o que faz o assistente social.” E é a partir desse contexto e diante da realidade apresentada pelas profissionais que somos instigadas a concordar com a autora, nesse aspecto. Portanto, diante das realidades apresentadas, concluímos que os desafios são constantes e devem ser vistos na perspectiva de crescimento e superação, instigando as profissionais na busca de alternativas criativas e estratégicas para direcionar sua ação profissional fundamentada no Projeto Ético Político da profissão. Sobre as motivações para atuarem no CAPS III da SER II as assistentes sociais fazem relatos sobre a satisfação profissional frente: ao retorno recebido dos usuários; os resultados apresentados por eles; o vínculo construído na convivência com os usuários; a contribuição do Serviço Social nesse processo de recuperação; promoção e reinserção social dos usuários; a relação com as diversas situações que acrescentam o trabalho das profissionais; a felicidade e realização profissional que sentem com o trabalho de mediação dos direitos, quando percebem os resultados obtidos; enfim, o que motiva é o cotidiano, a vivência com os usuários e a contribuição dada à eles a partir do seu trabalho. Nesse contexto, para ilustrar as motivações das profissionais no CAPS apresentamos abaixo as falas de algumas delas: [...] o serviço vai lhe absorvendo de um jeito que você não tem como não gostar, são várias histórias, são várias pessoas cada uma com a sua individualidade e você não tem como não gostar disso, acompanhar a evolução do paciente, então você vê que efetivamente as coisas acontecem e você acaba tendo uma resposta do seu trabalho, então é isso que me motiva a ficar aqui. Querendo ou não você acaba criando um vínculo com os pacientes e vendo que tem algum resultado, não é aquele trabalho de enxugar gelo como em alguns outros locais a gente tem. (TURQUESA). [...] o que mais motiva é você puder perceber que você tá contribuindo de alguma forma pra melhorar a vida daquela pessoa, do paciente ou da família, de um encaminhamento que você faz gerou uma expectativa, a expectativa foi alcançada e ele conseguiu uma melhora do quadro clínico ou conseguiu realmente o auxilio que ele tanto tava precisando pra melhorar a renda da família, então assim, isso gratifica você. (ÁGATA). Ah, o que motiva assim é quando você percebe que um atendimento que você fez a um determinado usuário... [...] quando você percebe que a sua intervenção motivou para o avanço na saúde dele e que ele está superando aquela dificuldade de quando ele entrou para o serviço, e você percebe que ele está tendo grandes avanços e está superando aquela dificuldade e ele dá um depoimento num grupo reconhecendo que o serviço mudou sua vida. [...] (CRISTAL). [...] Hoje eu posso dizer que o que me motiva é esse meu dia a dia, essa minha vivência aqui dentro da instituição junto com os pacientes, junto com as famílias e mesmo diante das dificuldades existentes na rede como um todo, eu saber que posso dar minha contribuição. [...] (ESMERALDA). 72 Todas as profissionais de alguma forma apresentaram suas motivações, mesmo diante das dificuldades, limitações e insatisfações existentes no cotidiano do trabalho profissional. Percebemos que elas encontram motivos para desenvolverem uma prática comprometida com os princípios éticos políticos da profissão. Identificamos pelas falas das assistentes sociais que suas motivações estão relacionadas ao contato com os usuários, ao retorno dado, a efetivação da prática profissional e as contribuições do Serviço Social nesse processo de alcance das propostas de promoção, recuperação e reinserção dos usuários do CAPS. Embora que, nesse contexto, não podemos negar que a realidade da precarização do trabalho e a precariedade dos serviços públicos desgasta e desmotiva a equipe ocasionando, em determinados momentos, influência nas ações do cotidiano, na prática profissional. Diante dessa realidade, a saída inconscientemente encontrada pelos profissionais é naturalizar essa situação. 73 CONSIDERAÇÕES FINAIS Inicialmente é importante salientar que este estudo não tem a pretensão de emitir conclusões definitivas ou fechadas, mas contribuir para a compreensão dos leitores sobre o tema abordado, bem como dos interessados pela temática na perspectiva de ampliar seus conhecimentos e, a partir do material elaborado, instigar novas discussões e debates. Os estudos que realizamos no decorrer deste trabalho nos proporcionou analisar como se estabelece a atuação das assistentes sociais no Centro de Atenção Psicossocial – CAPS III - SER II, o qual verificamos, desde o período de estágio supervisionado, muitas dificuldades, as quais dificultavam a prática profissional das assistentes sociais. A partir de então surgiram as inquietações que nos levou a desenvolver esta pesquisa. Cada capítulo abordou pontos de extrema importância que fundamentam a compreensão do objeto de estudo na perspectiva de contemplar de forma clara os objetivos específicos da pesquisa. Nesse contexto, realizamos, inicialmente, um resgate histórico da loucura, perpassando pelo contexto da Reforma Psiquiátrica até a análise dos dados coletados em campo. Quando fazemos um resgate histórico da loucura, desde a antiguidade até o século XIX, destacando o processo de institucionalização do louco, identificamos as várias concepções da loucura ao longo da história da humanidade e percebemos que há uma evolução nos conceitos e nos paradigmas lançados a esse respeito. A loucura, que antes estava relacionada a fenômenos mitológicos, filosóficos ou religiosos, passa a ser compreendida como doença mental e a partir desse momento é construído todo um aparato de tratamento para contê-la. É nesse contexto que se efetiva a institucionalização da loucura através do modelo de assistência asilar e hospitalocêntrico. Com esse estudo verificamos que, a partir do momento em que a loucura passa a ser compreendida como doença mental, é instituído o modelo de assistência asilar, que consiste na institucionalização do louco através da rede de sistemas fechados em ambiente hospitalar. Nesse cenário, a loucura era tratada por via medicamentosa, punitiva e repressiva, de modo que não contribuía para a evolução do quadro clínico e psicológico dos indivíduos, mas para a regressão desse quadro. É no contexto da loucura que se efetiva os modelos de assistência psiquiátrica no Brasil e é a partir da Reforma Psiquiátrica que emergem os novos equipamentos da saúde mental, os CAPS e as Residências Terapêuticas. As transformações ocorridas, ao longo dos 74 tempos, foi gerando fatos que culminaram no movimento da Reforma Psiquiátrica, o marco do processo de desinstitucionalização. Hoje, sabemos que vivemos em um contexto de transformações aligeiradas, da busca constante de sobrevivência em meio às constantes transformações de âmbito social, político, econômico e cultural, de modo que o sistema capitalista - que rege o complexo mundo globalizado - tem agravado na sociedade os problemas de cunho social e, consequentemente psíquico. É a saúde mental dos indivíduos que está sendo comprometida pelo ritmo acelerado e pelo sistema, sutilmente e gradativamente, destrutivo que envolve os sujeitos sociais. Nesse contexto, não é difícil perceber o crescente número de pessoas com algum tipo de transtorno mental em nossa sociedade, em nossa família, em nosso convívio social. No contexto da Reforma Psiquiátrica, o segundo capítulo traz um resgate desse processo e nos faz compreender a importância desse movimento para as novas construções na área da saúde mental. Foi com o movimento da Reforma Psiquiátrica que emergiram as transformações mais significativas no contexto da saúde mental. A institucionalização do louco já não era a melhor forma de tratar a loucura e segmentos da sociedade passaram a perceber e se inquietar com a assistência ofertada. Surgem os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) com a proposta de promover a cidadania e “reinserir” a pessoa com transtorno mental na sociedade, embora o termo reinserção não seja o mais adequado, tendo em vista que os indivíduos sempre estiveram inseridos na sociedade, porém, excluídos dela. Entretanto, é a expressão utilizada pelas portarias e materiais elaborados na área para sensibilizar que a pessoa com transtorno mental não deve ser excluída, mas incluída no convívio social. Reconhecemos, ainda que insipiente, um novo olhar para a Saúde Mental na perspectiva de superação e de aceitação dos sujeitos comprometidos, cidadãos de direitos que devem estar envolvidos em todas as esferas sociais sem discriminação. Assim, embora saibamos que a Reforma Psiquiátrica não conseguiu materializar de forma integral as suas propostas devido às inúmeras relações de poder que envolvem esse contexto, reconhecemos que ela contribuiu de forma relevante para as transformações ocasionadas na assistência psiquiátrica, mesmo percebendo que ainda há muitos desafios a serem superados para que se efetivem políticas públicas destinadas a saúde mental. Nesse sentido, é na perspectiva da promoção e inclusão dos indivíduos que sofrem com transtorno mental que se inserem os saberes na área da saúde mental e, de maneira específica, no âmbito social, essa área demanda a atuação do/a assistente social, um 75 profissional que tem dentre os princípios que fundamentam o seu projeto ético-político a inclusão social e a promoção da cidadania. Como esclarecemos nesta pesquisa, a profissão do assistente social tem seu trabalho materializado a partir das mais variadas expressões da questão social. Desse modo, compreendemos a importância da atuação desse profissional na saúde mental, área permeada por situações de vulnerabilidade, problemas relacionados a questões familiares, discriminação, exclusão, dentre outros conflitos. Identificamos, também, que são demandados aos CAPS, através dos usuários, as mais variadas expressões da questão social. Portanto, a atuação do assistente social se faz necessária e é a partir dessa realidade que a categoria se insere na saúde mental. Identificamos nesse processo de estudos e análises que os profissionais que atuam na área ainda encontram muitas limitações para efetivar as propostas do novo modelo de assistência psiquiátrica devido à própria instabilidade das condições de trabalho e a forma como são postos nesse mercado. Nessa conjuntura, recentemente, a forma de contratação dos profissionais nos CAPS aconteceu a partir de um processo seletivo promovido pela Prefeitura Municipal de Fortaleza (PMF), regido pela Consolidação das Leis de Trabalho (CLT), com contrato por tempo determinado, de seis meses à dois anos, o prazo máximo de prorrogação. Há muitas limitações referentes ao próprio conhecimento dos profissionais sobre a área, sobre os objetivos, as finalidades, dentre tantos aspectos. Há limitações quanto ao conhecimento das propostas da rede e também quanto ao contexto da Política de Saúde Mental, tendo em vista que os profissionais não recebem capacitação específica para atuar na área. Porém, a prática profissional foi se efetivando, construindo-se e se tornando conhecida, gradativamente, a partir dos conhecimentos adquiridos no cotidiano institucional, através de outros profissionais que já atuavam há mais tempo na área. Percebemos também a necessidade de que as categorias profissionais inseridas nesses CAPS`s se organizem e elaborem os seus projetos de intervenção, delimitando o papel de cada um. Acreditamos que, se não houver esse entendimento as atividades desenvolvidas tendem a se tornarem rotineiras e burocráticas, podendo cair na prática profissional pragmática, messiânica e/ou fatalista. Diante da realidade das condições dos serviços públicos prestados à sociedade sabemos que não é uma tarefa fácil efetivar políticas públicas, ou seja, fazer valer os direitos dos cidadãos, oferecer serviços que dependem do Estado em meio à existência de uma hierarquia que, por vezes, renunciam o poder de efetivar esses direitos. Percebemos a fragilidade e limitação das políticas públicas de saúde mental materializado nas condições de 76 trabalho e de infraestrutura precárias. É nesse contexto que se inclui o assistente social: na dramática incumbência de atuarem na perspectiva de efetivação da politicas públicas, na busca constante dos direitos dos cidadãos e na mediação dos conflitos gerados em todas as dimensões. Quanto aos resultados e discussões, concluímos a partir das experiências e vivências no período desse estudo, bem como das análises dos dados coletados, que as assistentes sociais do referido CAPS compreendem a importância da atuação da categoria na Saúde Mental, especificamente no CAPS, e percebem a importância da sua atuação no âmbito da articulação e mediação entre instituição, família e sociedade na perspectiva de identificar e responder as demandas que estão sendo postas e, assim, as profissionais buscam o verdadeiro sentido do seu trabalho. As assistentes sociais entrevistadas apresentaram as atividades e atribuições demandadas no serviço, de modo que nos permite identificar a relação entre a questão social e a inserção do Serviço Social na instituição. Com as atividades demandadas, as profissionais desenvolvem ações socioassistenciais e socioeducativas, possibilitando a mediação ou o acesso da pessoa com transtorno mental ao que lhe é de direito, no serviço prestado. Nesse aspecto, concluímos que as assistentes sociais - embora as atividades sejam coletivas, ou seja, todas as categorias profissionais desenvolvem as mesmas atividades no CAPS - conseguem extrair dessas atividades o que é especifico do Serviço Social, direcionando seus atendimentos com ética e compromisso visando à promoção e inclusão dos usuários inseridos no serviço. Quanto à avaliação das profissionais sobre o trabalho interdisciplinar identificamos percepções diferenciadas e pontuamos nossas análises e considerações a partir das falas das profissionais. Para as profissionais que expressaram com uma avaliação positiva identificamos que isso se deve às afinidades com os outros profissionais e o bom relacionamento que os profissionais têm entre si, permitindo um bom desempenho das ações desenvolvidas em equipe ou pela equipe. Enquanto que, para as profissionais que avaliaram o trabalho interdisciplinar com uma visão negativa, identificamos que as dificuldades apresentadas podem estar relacionadas às relações interpessoais e as dificuldades de compreensão por parte da equipe quanto às atribuições e competências do Serviço Social. No que se refere à percepção da categoria sobre os novos equipamentos da saúde mental identificamos que as assistentes sociais do CAPS têm conhecimento sobre os equipamentos, as propostas e também as limitações que envolvem as instituições. Isso demonstra que a categoria está comprometida e afinada com o trabalho que desenvolve, pois o 77 conhecimento que elas detêm é fruto das experiências e da busca individual de cada profissional, tendo em vista o pouco tempo de atuação na saúde mental. É importante destacar também que as assistentes sociais do CAPS identificaram os desafios postos à prática profissional e buscam atuar na perspectiva da superação. Embora por vezes efetivem uma prática pragmática elas têm convicção do seu papel e do que é necessário para atuar de forma ética e comprometida com o Projeto Ético Político da profissão. Nessa perspectiva, elaboram, mesmo de forma ainda tímida, estratégias de efetivação da prática comprometida com o sujeito social e conseguem encontrar a partir desses sujeitos, os usuários, motivações para atuar no CAPS III da SER II. Diante do exposto, consideramos que a atuação das assistentes sociais no referido CAPS pode ir para além das fronteiras postas no cotidiano institucional, superando com mais vigor as dificuldades e limitações que impedem o desenvolvimento das atividades e a promoção dos direitos das pessoas com transtorno mental. Embora as entrevistadas não tenham mencionado esse aspecto, consideramos que uma possível saída para a efetivação dos direitos das pessoas com transtorno mental está no envolvimento desses sujeitos e de seus familiares, os quais precisam se apropriar da legislação e dos canais de participação e de luta, ou seja, os conselhos e assembleias de usuários, articulando-se, sobretudo, com os demais usuários dos tantos CAPS`s existentes. 78 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BARBOSA, Guilherme Correa; COSTA, Tatiana Garcia; MORENO, Vânia. Movimento da luta antimanicomial: trajetória, avanços e desafios. In: Cad. Bras. Saúde Mental, Rio de Janeiro, v.4, n.8, p.45 – 50, jan/jun. 2012. BERTUCCI, Janete Lara de Oliveira. Metodologia Básica para elaboração de Trabalhos de Conclusão de Cursos (TCC). Ênfase na Elaboração de TCC de Pós-Graduação Lato sensu. Editora Atlas S.A. São Paulo, 2012. BISNETO, José. Augusto. Serviço Social e saúde mental: uma análise institucional da prática. 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PERFIL BÁSICO DO PROFISSIONAL Considerando que todas as profissionais são do sexo feminino, segue abaixo as questões necessárias para traças o perfil de cada profissional entrevistada. Faixa etária (até dez/2013) ( ) 20 – 30 ( ) 31 – 40 ( ) 41 – 50 ( ) acima de 50 Estado civil ( ) solteira ( ) casada ( ) união estável ( ) viúva ( ) Divorciada Naturalidade _____________________ Reside em: ( ) Fortaleza – Ce ( ) Outro Município ( ) Outro Estado Especifique_____________________ Qual foi o ano de sua graduação__________________ A instituição de ensino foi: ( ) privada ( ) pública ( ) EAD Especifique____________________ Nível de titulação: ( ) graduação ( ) especialização ( ) mestrado 84 ( ) doutorado Algo a acrescentar____________________________________________________ Área da primeira experiência profissional como assistente social ( ) Saúde ( ) Saúde Mental ( ) Assistência ( ) Previdência ( ) Sócio – Jurídica ( ) Habitação ( ) Educação ( ) Outros - Especifique _____________________________ Em quais áreas já atuou: ( ) Saúde ( ) Saúde Mental ( ) Assistência ( ) Previdência ( ) Sócio – Jurídica ( ) Habitação ( ) Educação ( ) Outros - Especifique _____________________________ Com que área mais se identifica ( ) Saúde ( ) Saúde Mental ( ) Assistência ( ) Previdência ( ) Sócio – Jurídica ( ) Habitação ( ) Educação ( ) Outros - Especifique _____________________________ Há quanto tempo atua na saúde mental?_______________ Há quanto tempo atua no CAPS III SER II?____________ 85 APÊNDICE B – PONTO 2 (DOIS) DO ROTEIRO DE ENTREVISTA 1. SOBRE A PRÁTICA PROFISSIONAL NO CAPS III SER II 1. Como você compreende a importância da atuação das assistentes sociais na saúde mental, mais especificamente no equipamento CAPS? 2. Quais as atribuições das assistentes sociais no CAPS III SER II? 3. Quais as demandas mais recorrentes para o Serviço Social no CAPS III SER II? 4. Como avalia o trabalho interdisciplinar no CAPS III SER II? 5. Como você percebe os equipamentos substitutivos da saúde mental hoje? 6. Quais os desafios enfrentados pelas assistentes sociais na instituição? 7. Considera que há algum desafio mais relevante na prática profissional, nessa instituição, que dificulta a efetivação dos princípios que norteiam a profissão? Especifique: 8. Mediante a realidade do serviço, o que lhe motiva a atuar no CAPS III SER II hoje? 86 APÊNDICE C TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO (ENTREVISTA) Convidamos você para participar da Pesquisa “A atuação das assistentes sociais no Centro de Atenção Psicossocial – CAPS III SER II”, sob execução das pesquisadoras Virzângela Paula Sandy Mendes (responsável) e Rosana de Araújo Carneiro (participante), a qual pretende analisar como se estabelece a atuação das assistentes sociais no CAPS III SER II. Sua participação é voluntária e se dará por meio de entrevista, que consiste em respostas a perguntas apresentadas a você pela pesquisadora. A entrevista será realizada no Centro de Atenção Psicossocial – CAPS III SER II, com duração aproximada de 40 minutos, no dia previamente marcado, de acordo com a sua disponibilidade. Os depoimentos desta entrevista serão gravados com seu consentimento. Não há riscos decorrentes da sua participação, mas consideramos que o fato de ser entrevistada pode gerar ou não, fatores antecedentes de ansiedade, preocupação, desconforto, inquietação que são naturais em qualquer processo ou atividade nova que mude ou acrescente a rotina e você possui a liberdade de retirar sua permissão a qualquer momento, seja antes ou depois da coleta dos dados, independente do motivo e sem nenhum prejuízo a sua pessoa e nem ao seu trabalho na Instituição. Se você aceitar participar, estará contribuindo para o esclarecimento sobre a atuação das assistentes sociais no serviço. Ressaltamos que tem o direito de ser mantida atualizada sobre os resultados parciais da pesquisa. Esclarecemos que, ao concluir a pesquisa, será comunicada dos resultados finais. Não há despesas pessoais para a participante em qualquer fase do estudo. Também não há compensação financeira relacionada à sua participação. Se existir qualquer despesa adicional, ela será paga pelo orçamento da pesquisa. As pesquisadoras assumem o compromisso de utilizar os dados somente para esta pesquisa. Os resultados da pesquisa serão analisados e publicados, mas sua identidade não será divulgada, sendo guardada em sigilo. Em qualquer etapa do estudo, poderá contatar as pesquisadoras para o esclarecimento de dúvidas ou para retirar o consentimento de utilização dos dados coletados com a entrevista: 87 Virzângela Paula Sandy Mendes, contato: 99693517 e Rosana de Araújo Carneiro, contato: 87048497, email: [email protected] Caso tenha alguma consideração ou dúvida sobre a ética da pesquisa também pode entrar em contato com o Centro de Atenção Psicossocial - CAPS III SER II, situado à rua Cel. Alves Teixeira, 1500, Dionísio Torres. Contato: 31052638 e o Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Universitário – HU, endereço: rua Cap. Francisco Pedro, 1290, Rodolfo Teófilo, Fortaleza-Ce, contato: 3366-8167. Consentimento Pós–Informação Eu, _________________________________________________________________, fui informada sobre o que a pesquisadora quer fazer e porque precisa da minha colaboração, e entendi a explicação. Por isso, eu concordo em participar do projeto, sabendo que não vou ganhar nada e que posso sair quando quiser. Este documento é emitido em duas vias que serão ambas assinadas por mim e pela pesquisadora, ficando uma via com cada uma de nós. ___________________________________________ Data: ______/ ______/ ______ Assinatura do Participante ____________________________________________ Assinatura do Pesquisador Responsável 88 ANEXOS 89 ANEXO-1 90 ANEXO-2