Perspectiva Enunciativa Émile Benveniste. A natureza dos pronomes. Da subjetividade na linguagem. Benveniste não segue a tradição de colocar todos os pronomes em uma mesma categoria (como classe morfológica). Benveniste apresenta uma nova divisão: - pronomes que pertencem à sintaxe (ele) - pronomes que pertencem às instâncias do discurso: como signos que são atualizados na instância do discurso pelo locutor (eu – tu) Eu – pessoa subjetiva Tu – pessoa não-subjetiva Ele – não pessoa Eu homem => indivíduo => locutor => pessoa ==> “eu” Principalmente em textos falados O enunciado que tem “eu” inclui nele mesmo o locutor Não tem uma única referência. Cada “eu” tem sua referência própria – o ser único que enuncia “Eu” é aquele que enuncia a presente instância de discurso que contém a instância linguística “eu” Isso pode ser explícito ou implícito no enunciado Instância do Discurso Instância da História enunciado subjetivo = pessoa Eu Aqui Agora Hoje Ontem Amanhã na próxima semana há três dias este/isto (correlato: esse/isso) A partir do ponto em que está o “eu” Signos vazios se tornam plenos em cada novo discurso Signos ligados ao exercício da língua, quando o indivíduo se apropria da língua enunciado objetivo = não pessoa Ele Lá então (=naquele momento) no mesmo dia na véspera no dia seguinte na semana seguinte três dias antes aquele/aquilo Referência sintática a outros elementos do texto (anáforas) Dêixis - se define em relação à instância do discurso sob a dependência do “eu” que aí se enuncia. - é contemporânea da instância de discurso que tem o “eu”, é dependente do eu Dêiticos são formas vazias que são preenchidas a cada enunciação. Nela o sujeito refere à sua pessoa. Ex.: aqui, vir, hoje, este... Linguagem não é instrumento de comunicação – Isso significaria o homem separado da linguagem “A linguagem está na natureza do homem, que não a fabricou.” é própria do homem, faz parte dele, não há separação homem-linguagem É na linguagem e pela linguagem que o homem se constitui como sujeito. A linguagem só é possível porque cada locutor se apresenta como sujeito no discurso. Saussure e Benveniste Saussure – língua X fala / língua = repertório de signos e sistema de combinações Benveniste: língua assumida pelo homem na fala sob a condição da intersubjetividade língua = se manifesta nas instâncias de discurso discurso = linguagem posta em ação A linguagem contém as formas linguísticas apropriadas à expressão da subjetividade. Saussure: árvore = entidade lexical = som + conceito Benveniste: eu = não é um conceito, não se refere a um indivíduo particular “eu” – não tem um conteúdo/referente como “árvore”; não designa um único indivíduo Se refere ao ato de discurso individual no qual é pronunciado, e lhe designa o locutor. E o locutor se enuncia como sujeito. Subjetividade: capacidade do locutor para se propor como sujeito (no discurso, pela linguagem) “eu” se refere ao ato de discurso individual no qual é pronunciado e lhe designa o locutor sua referência é sempre atual (agora) e só pode ser identificado na instância de discurso “eu” é do nível pragmático da linguagem: signo + sujeito que emprega o signo Diferenças entre alguns verbos: 1ª. pessoa para falar de si X 1ª. pessoa para falar de um assunto ou para agir noção de presente (tempo verbal): coincidência do acontecimento descrito com a instância de discurso presente = (gramática) o tempo em que se está = (teoria da enunciação) o tempo em que se fala (eu) sofro = descrição de si (eu) estou sentindo que o tempo vai mudar = descrição de si + hipótese (eu) acho que o tempo vai mudar = hipótese – modalizador: nem V, nem F (eu) suponho que o tempo vai mudar = hipótese (eu) garanto que o tempo vai mudar = não é descrição de si, é hipótese ou ato de fala (eu) prometo = não é descrição de si, é ato de fala (eu) juro = não é descrição de uma ação, é a ação de comprometer-se (ele) jura = descrição de uma ação – o “ele” não fica comprometido Ato de fala só existe no enunciado porque foi instaurado pelo eu no instante da enunciação, ou seja, é cumprido no momento da enunciação Aponte possíveis referentes (pessoas do discurso, momento, lugar) para cada um dos dêiticos dos enunciados a seguir a partir de diferentes situações de enunciação: 1) Eu estou aqui. 2) Vim ontem. Imagine o diálogo entre A e B nas duas situações e aponte os referentes das palavras em negrito: A: Preciso falar com a senhora. B: Acabei de chegar. Espera, que eu já falo contigo. Situação 1: O funcionário A chega à diretoria às 9 horas da manhã e fala com a diretora B. Situação 2: A cliente A telefona à cartomante B às 5 horas da tarde. Instância de discurso eu – tu (pessoas do discurso) “tu” Instância linguística ele (não-pessoa) em Port.: você (Vossa Mercê, Vosmecê), o Senhor, o Doutor, vocês... Subjetividade O sujeito se constitui lingüisticamente pela enunciação do eu no enunciado. O eu se constitui como locutor no seu enunciado e institui um tu, seu interlocutor. Intersubjetividade O eu é o centro da enunciação. Só existe o tu em função de um eu. O eu instaura o tu. Só existe um eu porque existe um tu. A consciência de si mesmo só é possível se expermentada por contraste. Intercambialidade O eu e o tu trocam de posição durante um diálogo. o sujeito remete a si mesmo como eu no discurso e propõe o tu como seu eco o tu é exterior ao eu, mas o eu só existe porque instaura o tu. eu – transcende (é superior) ao tu eu e tu: dois polos numa realidade dialética, ou seja, numa relação mútua Eleni Jacques Martins. Enunciação e diálogo. Sobre o ele: conteúdo representativo da enunciação, enunciado. Passa a ser visto como elemento integrante e constituidor da enunciação. Não só o eu e o tu estão na relação semântica, mas também o ele. O eu (quem diz) só se constitui como sujeito de discurso e só institui o tu (para quem diz) como seu interlocutor em função de um ele (o que é dito). A não-pessoa (ele) é elemento constitutivo da relação interpessoal. eu tu ele