A EMERGÊNCIA DA SUBJETIVIDADE NO DRAMA DE JEAN-DOMINIQUE BAUBY Maria Eduarda Fett Tabajara1 A língua fornece o instrumento de um discurso no qual a personalidade do sujeito se liberta e se cria, atinge o outro e se faz reconhecer por ele. Émile Benveniste Introdução Antes de mais nada, preciso dizer que este trabalho é apenas o início de uma investigação bastante complexa que pretendo dar continuidade e expor numa outra oportunidade. O presente artigo pretende examinar, pela ótica enunciativa, as marcas de intersubjetividade presentes no livro O escafandro e a Borboleta, no intuito de mostrar como Jean-Dominique Bauby, autor do livro, constitui-se como sujeito de linguagem. O estudo ancora-se na teoria de Émile Benveniste, e parte dos textos Categorias de pensamento e categorias de língua, Observações sobre a função da linguagem na descoberta freudiana, Da subjetividade na linguagem2 e O aparelho formal da enunciação3. O interesse por um estudo enunciativo da obra de Bauby partiu de uma inquietação frente às condições únicas de produção desta obra: seu autor, após um acidente vascular cerebral, encontrava-se, de início, completamente paralisado − devido à locked-in syndrome resultante deste acidente − exceto pelo movimento voluntário de sua pálpebra esquerda. Este resquício de livre-arbítrio possibilitou à fonoaudióloga de Bauby implementar um sistema de “transmissão” de palavras; “transmissão” apresentase como o termo mais adequado, pois, como atestado no decorrer do estudo, a falta da 1 Universidade Federal do Rio Grande do Sul – Rio Grande do Sul – Brasil. Presentes no livro Problemas de Linguística Geral I. 3 Presente no livro Problemas de Linguística Geral II. 2 realização oral do discurso não compartilha da mesma eficácia da enunciação imediata, aqui e agora. Mesmo frente a tal dificuldade, o escritor conseguiu planejar e editar um livro inteiro dentro de sua consciência, que permanecia intacta. O processo de escrita, ancorado na condição única deste sujeito, imprime em seu discurso uma grande singularidade em termos de subjetividade, que, segundo Benveniste, é a capacidade do locutor de se propor como sujeito, assegurando a permanência da consciência (1966, p. 286). De acordo com o teórico, a intersubjetividade é característica intrínseca da enunciação, pois [...] o sujeito se serve da palavra e do discurso para “representar-se” a si mesmo, tal como quer ver-se, tal como chama o “outro” a comprovar. O seu discurso é apelo e recurso, solicitação às vezes veemente ao outro, através do discurso, onde se coloca desesperadamente, recurso com freqüência mentiroso ao outro para individualizar-se aos próprios olhos. (BENVENISTE, 1966, p. 84). A ausência da capacidade de enunciar-se e de, consequentemente, interagir com o seu alocutário, acaba causando uma instabilidade na identidade de Jean-Dominique, pois, segundo Benveniste, “Pela simples alocução, aquele que fala de si mesmo instala o outro nele e dessa forma capta a si mesmo, se confronta, se instaura tal como aspira a ser, e finalmente se historiza nessa história incompleta ou falsificada. A linguagem, assim, é utilizada aqui como palavra, convertida nessa expressão da subjetividade iminente e evasiva que constitui a condição do diálogo.” (BENVENISTE, 1966, p. 84). Antes de retomar a possibilidade de comunicar-se com o outro, Jean passou por um período de enclausuramento ao qual ele referiu-se como uma espécie de escafandro (1997, p. 7). A retomada da comunicabilidade, e a consequente capacidade de manipular novamente o mundo a sua volta, trouxe ao escritor uma sensação que ele comparou à liberdade de uma borboleta (1997, p. 9). Esta transição caracteriza a singularidade das marcas subjetivas no texto do autor, e é a partir desta transição que buscarei emoldurar este estudo. 1 O escafandro 1. 1 A condição Prisioneiro dentro de seu próprio corpo, Jean-Dominique Bauby, na época com quarenta e três anos, conseguia pensar e racionalizar, ouvir e sentir odores (embora não muito bem). Com a única parte do corpo que ele podia mover – sua pálpebra esquerda – lhe era possibilitado enxergar e, mais tarde, com o método de comunicação que lhe fora disponibilizado, externalizar o que passava dentro de seu espírito. Bauby, então editor da revista ELLE francesa, encontrava-se, logo após retornar de um coma de vinte dias, impossibilitado de enunciar-se, incapaz de apropriar-se da língua e de, consequentemente, instaurar, no seu dizer, o seu alocutário. Esta limitação causava no escritor uma grande angústia e uma sensação de enclausuramento: “Meus calcanhares doem, minha cabeça é uma bigorna, e meu corpo está encerrado numa espécie de escafandro.” (BAUBY, 1997, p. 7). Segundo Benveniste, o fundamento da subjetividade está no exercício da língua, e somente a partir do diálogo com o outro é possível constituir-se como sujeito de linguagem (1966, p. 286). A limitação de Bauby, então, alimentava a grande angústia de não poder intervir na sua realidade através da linguagem, pois, mesmo tendo a condição de realização do pensamento através da linguagem, ele não tinha a condição da transmissibilidade (cf. BENVENISTE, 1966, p. 69). 1.2 Análise Para evidenciar o estado descrito, foram selecionados trechos que demonstrem este estado único do sujeito. Nesses trechos foi analisada a relação do locutor com o seu dizer, observadas pelos índices de TEMPO, ESPAÇO e PESSOA, e pelos elementos modalizadores (tempos verbais), de acordo com Benveniste em O aparelho formal da enunciação. Esses índices trazem a representação do sujeito que se enuncia, mostrando seu modo de ação sobre a língua, sobre o outro e sobre o mundo, e são renovados a cada enunciação. Segundo o teórico, “A instalação da “subjetividade” na linguagem cria na linguagem e, acreditamos, igualmente fora da linguagem, a categoria da pessoa.” (1966, pág. 290). Juntamente com os índices de tempo e espaço, o índice de pessoa constitui os caracteres formais atualizados a cada enunciação. Devido ao estado saudoso do espírito de Bauby, é recorrente em seu texto uma modalização verbal em que abundam os pretéritos perfeito e imperfeito, evidenciando os momentos descritivos do livro, em que o autor relata a experiência de seu acidente e remonta para o leitor um painel de seu passado: Até então, nunca tinha ouvido falar em tronco encefálico. Naquele dia descobri de chapa essa peça mestra do nosso computador de bordo, passagem obrigatória entre o encéfalo e as terminações nervosas, quando um acidente vascular cerebral pôs o tal tronco fora do circuito. Antes, davam a isso o nome de “congestão cerebral”, e a gente morria, pura e simplesmente. O progresso das técnicas de reanimação sofisticou a punição. Escapamos, mas “brindados” por aquilo que a medicina anglo-saxônica batizou com justiça de locked-in syndrome: paralisado dos pés à cabeça, o paciente fica trancado no interior de si mesmo com o espírito intato, tendo os batimentos de sua pálpebra esquerda como único meio de comunicação. (BAUBY, 1997, p. 8). Além dos verbos, destacamos ainda os índices de ostensão então, naquele, quando e antes, que mostram o locutor situando-se diante dos acontecimentos passados, enunciando-se hic et nunc. De acordo com Benveniste, “[...] aqui e agora delimitam a instância espacial e temporal coextensiva da instância do discurso que ontem eu.” (1966, p. 279). Outros exemplos importantes da relação entre o sujeito (EU) e o espaço estão nas sequências “Nada faltava, só eu. Eu estava em outro lugar.” (1997, p. 85), em que o sujeito localiza-se à parte da cena parisiense descrita no capítulo, o que evidencia o distanciamento entre sua vida atual e a sua vida passada; e “Haverá neste cosmo alguma chave para destrancar meu escafandro? Alguma linha de metrô sem ponto final? Alguma moeda suficientemente forte para resgatar minha liberdade? É preciso procurar em outro lugar. É pra lá que eu vou.” (1997, p. 139), que representa o enfrentamento do locutor frente às impossibilidades de sua vida e a esperança em um outro lugar no qual ele possa ser livre novamente. O texto apresenta, também, uma modalização calcada na possibilidade: Por ora, eu seria o mais feliz dos homens se conseguisse engolir convenientemente o excesso de saliva que me invade a boca sem parar. O dia ainda não raiou, e eu já estou exercitando a língua, fazendo-a deslizar pela parte detrás do céu da boca para provocar o reflexo da deglutição. (BAUBY, 1997, p. 16). Reparamos a ocorrência de uma modalização amparada por tempos verbais do pretérito imperfeito do subjuntivo e do futuro do pretérito do indicativo. Estas ocorrências, juntamente com os índices de pessoa, atestam a favor do sentimento de incapacidade vivenciado pelo escritor, constituindo-o como sujeito do seu discurso e implantando o outro (alocutário) diante de si. O escritor recorre frequentemente a essas expressões, o que nos mostra o desconforto dele perante sua condição e a angústia que suas limitações implicam na sua vida: Num reflexo da vitrina apareceu um rosto de homem que parecia ter pernoitado em barril de dioxina. A boca era torta, o nariz amarrotado, o cabelo desgrenhado, o olhar apavorado. Um olho estava costurado, e o outro arregalado como o olho de Caim. Por um minuto fixei aquela pupila dilatada sem entender que simplesmente era eu mesmo. (BAUBY, 1997, p. 29). Através da não-pessoa (ele) destacada acima, o sujeito afasta-se da imagem de si mesmo, num processo de recusa da realidade. A referência de terceira pessoa na sequência “Reencontramo-nos no meu quarto para as últimas efusões. ‘Tudo bem aí, meu chapa?’, pergunta Theóphile. O chapa tem um nó na garganta, queimadura de sol nas mãos e o cóccix esbodegado de tanto ficar na cadeira, mas teve um dia maravilhoso.” (1997, p. 81) aparece, novamente, como um recurso de afastamento do sujeito de si mesmo. Este recurso demonstra o deslocamento da identidade do sujeito, que se acentua através da impossibilidade de dialogar com o outro: Muitas vezes me pergunto que efeito esses diálogos de mão única exercem sobre meus interlocutores. A mim, transformam. A esses telefonemas carinhosos eu gostaria tanto de não responder só com o silêncio. Que para algumas pessoas, aliás, é insuportável. A doce Florence não fala enquanto eu não respirar ruidosamente junto ao fone [...]. (BAUBY, 1997, p. 45). A utilização da primeira pessoa mostra a apropriação da língua pelo sujeito, que dizendo EU diz TU, e identifica-se, assim, pela alteridade. Segundo Benveniste, a consciência de si mesmo só é possível se experimentada por contraste (1966, p. 286), mas mesmo após a implementação do método que permitiu a retomada do diálogo com o seu alocutário e a consequente escrita deste livro, Bauby sente que a perda da enunciação imediata implica a perda de um elemento essencial para a construção dos efeitos de sentido entre os interlocutores: Vamos brincar de forca? Você é o enforcado”, diz Théophile, e eu gostaria de responder que já basta ser paralítico, se meu sistema de comunicação não impedisse as réplicas na lata. A piadinha mais fina embota-se e gora quando perdemos vários minutos para acertá-la. Quando chega, nem nós mesmos entendemos muito bem o que parecia ter tanta graça antes do ditado laborioso, letra por letra. A regra, portanto, é evitar essas agudezas intempestivas. Com isso, perdem-se as faíscas da conversação, aquelas palavrinhas certeiras que vão e voltam como bola em jogo de pelota basca; e incluo essa falta de humor forçada entre os inconvenientes do meu estado. (BAUBY, 1997, p. 77). A perda do caráter mediato e instrumental do discurso (BENVENISTE, 1966, p. 284) acaba por tornar a enunciação menos eficaz em termos de instrumento de ação. A impossibilidade da realização vocal da língua, que de acordo com Benveniste é um processo que atribui o caráter de irrepetibilidade à enunciação (1974, p. 82), mostra-se como a grande limitação para a construção do sujeito. 2 A borboleta 1.1 A condição Para que Jean-Dominique possa novamente interagir com o mundo a sua volta, lhe é disponibilizado um método de comunicação em que o interlocutor recita, vagarosamente, as letras do alfabeto francês em ordem de ocorrência, permitindo ao paciente piscar quando a letra escolhida é dita. Abstraindo as dificuldades inerentes ao método, Jean reconhece a importância desta retomada do diálogo e a define como a sensação de liberdade vivenciada por uma borboleta (1997, p. 9). É através do discurso que a personalidade do sujeito se cria e se liberta (BENVENISTE, 1966, p. 84), e é à capacidade de enunciar-se, de dialogar com o outro que Dominique atribui sua sensação de aparente independência. 1.2 Análise Para comprovar o sentimento de liberdade experimentado pelo autor, foram selecionados trechos que mostram os efeitos da retomada do diálogo e da resultante possibilidade de manipular o mundo a sua volta. Nesses trechos foi analisada, novamente, a relação do locutor com o seu dizer, observadas pelos índices de TEMPO, ESPAÇO e PESSOA, de acordo com Benveniste em O aparelho formal da enunciação. Como foi dito antes, estes índices trazem a representação do sujeito que se enuncia, mostrando seu modo de ação sobre a língua, sobre o outro e sobre o mundo, e são renovados a cada instância de enunciação, revelando seu caráter de irrepetibilidade. Nas sequências que expressam o seu sentimento de liberdade, Bauby frequentemente utiliza verbos no tempo presente, tanto do modo indicativo quando do subjuntivo, pois descreve sua condição perante sua nova possibilidade: Gosto muito das letras do meu alfabeto. À noite, quando a escuridão é demais, e o único vestígio de vida é o pontinho vermelho da luzinha do televisor, vogais e consoantes dançam para mim uma farândola de Charles Trenet: “De Venise, ville exquise, j’ai gardé lê doux souvenir...” De mãos dadas, elas atravessam o quarto, giram em torno da cama, percorrem a janela, serpeiam sobre a parede, vão até a porta e saem para dar uma volta. (BAUBY, 1997, p. 23). Segundo Benveniste, o tempo presente é a origem de todos os outros tempos, sendo então axial para a enunciação. Nas palavras do autor O presente formal não faz senão explicitar o presente inerente à enunciação, que se renova a cada produção de discurso, e a partir deste presente contínuo, coextensivo à nossa própria presença, imprime na consciência o sentimento de uma continuidade que denominamos “tempo”; continuidade e temporalidade que se engendram no presente incessante da enunciação, que é o presente do próprio ser e que se elimita, por referência interna, entre o que vai se tornar presente e o que já não o é mais. (BENVENISTE, 1974, p. 85). Ainda na descrição do método que lhe proporcionou a retomada do diálogo, Jean descreve o sistema de comunicação: O sistema é bem rudimentar. Meu interlocutor desafia diante de mim o alfabeto versão ESA... até que, com uma piscada, eu o detenha na letra que é preciso anotar. Aí recomeça a mesma manobra para as letras seguintes e, não havendo erro, depressinha conseguimos uma palavra inteira, depois segmentos de frases mais ou menos inteligíveis. Esse sistema, obviamente, distingue-se profundamente da interlocução entre dois indivíduos capazes de realizar oralmente seus discursos: estes são mais eficazes, por conseguinte, já que o discurso é ao mesmo tempo portador de uma mensagem e instrumento de ação (BENVENISTE, 1966, p. 84). Dessa forma, acreditamos que a melhor definição seria método de “transmissão”, já que o interlocutor de Bauby foca-se em traduzir seus pensamentos através de uma comunicação que perde muito ao não ter o meio linguístico como seu objeto. De acordo com Benveniste, os homens não encontraram uma maneira tão eficaz de se comunicar como o discurso (1966, p. 284), e isso atesta o que se quer comprovar. No entanto, mesmo perdendo as vantagens da enunciação imediata, Bauby consegue exercer sua subjetividade, e isso é essencial para a manutenção da sua identidade. Como podemos inferir, a implementação do método descrito por Jean, que mesmo sendo bastante trabalhoso e pecando por falta de agilidade, representa para ele um marco dentro de suas atuais possibilidades: Além dos aspectos práticos, essa incomunicabilidade pesa um pouco. Ninguém imagina o reconforto que sinto duas vezes por dia, quando Sandrine bate à porta, põe para dentro uma carinha de esquilo arteiro e expulsa de uma vez todos os maus espíritos. O escafandro invisível que me encerra o tempo todo parece menos oprimente.” (BAUBY, 1997, p. 44). A retomada, então, do diálogo com o outro, no caso Sandrine, representa, para Jean, a libertação de seu angustiante escafandro. O escritor considera a ortofonista o principal veículo de sua liberdade, chegando a reconhecê-la como anjo da guarda no trecho que segue: No crachá acolchetado ao avental branco de Sandrine, está escrito “ortofonista”, mas deveria estar “anjo da guarda”. Foi ela que instaurou o código de comunicação sem o qual eu estaria isolado do mundo. Mas que pena! Se a maioria dos meus amigos aprendeu e adotou o sistema, aqui no hospital só Sandrine e uma psicóloga o praticam. Por isso, no mais das vezes só conto com um magro arsenal de mímicas, piscadas e maneios da cabeça para pedir que fechem a porta, liberem algum dreno, abaixem o som da TV ou levantem um travesseiro. (BAUBY, 1997, p. 43). Notamos, no trecho acima, as referências (não-pessoa) que Bauby faz àquela que lhe devolveu a capacidade de se constituir como sujeito perante o outro e perante o mundo; Sandrine representa para escritor o símbolo maior de sua mais recente conquista, e mesmo sendo uma referência, uma não-pessoa por estar fora da alocução, podemos considerar que, para Jean, não existe maior figura de alteridade através da qual ele encontre seu verdadeiro EU. Considerações finais Algumas considerações, embora parciais e ainda provisórias, podem ser feitas em torno do estudo realizado. A impossibilidade da realização vocal da língua, ou de algum outro sistema com semelhante eficácia, como LIBRAS, mostra-se uma barreira transponível desde que, como no caso de Jean-Dominique Bauby, seja implementado um método no qual se leve em conta as possibilidades físicas de realização de movimentos voluntários do indivíduo. Mesmo apresentando-se essencial para a manutenção da consciência do indivíduo perante si mesmo e diante da sua própria realidade, o sistema utilizado por Jean e seus interlocutores é incompleto por não ter, segundo o que explicitamos anteriormente, a linguagem oral como objeto de sua interlocução. Obviamente, como única opção viável para o estabelecimento de um diálogo entre Bauby e o outro, este método sustenta o resgate do indivíduo de dentro do seu escafandro, pois, ao ter sua consciência intacta, o sujeito pode formalizar seu pensamento em categorias de linguagem e fazer-se entender pelo mundo que o rodeia. Notamos, ainda, que Jean-Dominique reconhece a importância de dizer EU, e o quanto é necessário enunciar-se perante os outros (TU). Este reconhecimento é transparente na sequência “O orgulhoso J se espanta por estar tão longe, ele que começa tantas frases.” (1997, p. 24), em que o escritor, fazendo referência ao pronome JE4, estranha o fato de a letra J estar listada tão ao fim da sequência de letras que lhe é recitada a cada interlocução. Através dos trechos analisados, percebemos que as limitações após o seu AVC e a inicial impossibilidade de interagir com o mundo a sua volta permitiu a Jean uma experiência bastante singular em termos de intersubjetividade. Compreendemos, ainda, que as suas limitações físicas, apesar de terem apagado as “faíscas” dos seus diálogos, não apagaram a persistente chama de esperança com a qual seu valente espírito ilumina 4 EU na língua francesa. o seu discurso. Nas suas palavras: “O escafandro já não oprime tanto, e o espírito pode vaguear como borboleta”. (1997, p. 9). Referências BAUBY, Jean-Dominique. O escafandro e a borboleta. São Paulo: Martins Fontes, 1997. BENVENISTE, Émile. Categorias de pensamento e categorias de língua. In. BENVENISTE, Émile. Problemas de Linguística Geral I. Campinas: SP, Pontes, 2005. BENVENISTE, Émile. Observações sobre a função da linguagem na descoberta freudiana. In. BENVENISTE, Émile. Problemas de Linguística Geral I. Campinas: SP, Pontes, 2005. BENVENISTE, Émile. Da subjetividade na linguagem. In. BENVENISTE, Émile. Problemas de Linguística Geral I. Campinas: SP, Pontes, 2005. BENVENISTE, Émile. O aparelho formal da enunciação. In. BENVENISTE, Émile. Problemas de Linguística Geral II. Campinas: SP, Pontes, 2006.