UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ
RAPHAEL BASILIO DA SILVA
O NEOESCRAVISMO DA SOCIEDADE MODERNA: TRABALHO
ESCRAVO CONTEMPORÂNEO
CURITIBA/PR
2013
RAPHAEL BASILIO DA SILVA
O NEOESCRAVISMO DA SOCIEDADE MODERNA: TRABALHO
ESCRAVO CONTEMPORÂNEO
Monografia apresentada ao Curso de
Direito da Faculdade de Ciências
Humanas da Universidade Tuiuti do
Paraná, como requisito parcial para
obtenção do grau de bacharel em
Direito.
Orientadora: Prof.ª Mariana Gusso
Krieger.
CURITIBA/PR
2013
TERMO DE APROVAÇÃO
RAPHAEL BASILIO DA SILVA
O NEOESCRAVISMO DA SOCIEDADE MODERNA: TRABALHO
ESCRAVO CONTEMPORÂNEO
Esta monografia foi julgada e aprovada para a obtenção de título de Bacharel no Curso de Direito da
Universidade Tuiuti do Paraná.
Curitiba, ___de____________de 2013
___________________________________________________
Prof. Dr. Eduardo de Oliveira Leite
Coordenador do Núcleo de Monografias do Curso de Direito
Universidade Tuiuti do Paraná
Orientador: __________________________________________
Prof.ª Mariana Gusso Krieger
Universidade Tuiuti do Paraná
Curso de Direito
Supervisor: __________________________________________
Prof.
Universidade Tuiuti do Paraná
Curso de Direito
Supervisor:___________________________________________
Prof.
Universidade Tuiuti do Paraná
Curso de Direito
AGRADECIMENTOS
Em primeiro lugar gostaria de agradecer os meus familiares, em especial
minha querida mãe, Drª Rosimeiri Gomes Basilio, quem ao longo desses cinco anos
de curso bancou os meus estudos e me apoiou nas minhas escolhas, e é a pessoa
em quem eu me inspiro, tanto na vida profissional quanto na pessoal.
Agradeço também a minha orientadora Prof.ª Mariana Gusso Krieger pelo
suporte na orientação deste trabalho, sem o qual não seria tão bem elaborado.
Por fim agradeço a Deus, pois sem ele não estaria aqui para apresentar este
trabalho de conclusão de curso. É ele quem ilumina o meu caminho em busca deste
objetivo que está prestes a se concretizar, para que assim possa buscar vôos
maiores.
RESUMO
O trabalho trata do Neoescravismo, que é a forma de trabalho na condição análoga
à de escravo no meio urbano. O estudo surgiu da necessidade de demonstrar que o
trabalho em condição análoga à de escravo, o chamado trabalho escravo
contemporâneo, pode ocorrer também no meio urbano, deixando para trás aquele
pensamento de que esse problema somente ocorre nas zonas rurais remotas. A Lei
10.803/2003 que alterou a redação do Art. 149 do Código Penal brasileiro, fez a
divisão em quatro elementos que constituem a redução à condição análoga à de
escravo. Busca-se neste estudo trabalhar com o conceito moderno de trabalho em
condições análogas à de escravo e suas diferentes formas de manifestação em
nossa sociedade, bem como ressaltar a necessidade de se conferir maior atenção
ao tema. O trabalho na condição análoga à de escravo fica caracterizado quando
presente algum dos elementos do tipo penal do artigo 149 do CP. Da evolução da
sociedade derivou o termo inserido por Wilson Ramos Filho, Neoescravismo. Ele se
caracteriza por ser o trabalho em condição análoga à de escravo dos tempos
modernos, pois pode ser encontrado tanto no meio rural quanto no urbano. As
condições degradantes de trabalho e a jornada exaustiva se aplicam melhor para o
trabalhador urbano na condição de neoescravo. O trabalho forçado e a restrição da
liberdade de locomoção se aplicam mais comumente ao trabalhador rural
neoescravo. Quando se trata do Neoescravismo ou do trabalho escravo moderno o
bem maior a ser tutelado é a dignidade da pessoa humana. Desprende-se deste
trabalho que o Neoescravismo é um problema social do mundo moderno. Mesmo
com legislação e políticas de prevenção, ainda falta muito para que possamos
chegar perto da erradicação do trabalho na condição análoga à de escravo.
Palavras
chaves:
Neoescravismo.
Trabalho
escravo
contemporâneo.
Lei
10.803/2003. Jornada exaustiva. Condições degradantes. Dignidade da pessoa
humana.
SÚMARIO
INTRODUÇÃO ............................................................................................................6
1
BREVE HISTÓRICO ........................................................................................7
2
DIREITOS E GARANTIAS DOS TRABALHADORES...................................10
2.1
NA CONSOLIDAÇÃO DAS LEIS DO TRABALHO – CLT................................12
2.2
NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 .......................................................13
3
CARACTERIZAÇÃO DO TRABALHO ESCRAVO ........................................17
4
CONCEITO DE NEOESCRAVISMO ..............................................................21
4.1.
TRABALHO ESCRAVO RURAL CONTEMPORÂNEO ...................................22
4.2
TRABALHO ESCRAVO URBANO SEM
SUPORTE CONTRATUAL VÁLIDO ...............................................................25
4.2.1 Caracterização de trabalho forçado................................................................28
4.2.2 Caracterização de trabalho com restrição à liberdade de locomoção ............29
4.2.3 Tráfico de pessoas .........................................................................................31
4.3
TRABALHO ESCRAVO URBANO COM
SUPORTE CONTRATUAL VÁLIDO ...............................................................34
4.3.1 Caracterização do trabalho em condições degradantes.................................37
4.3.2 Caracterização de jornada exaustiva..............................................................38
5
FORMAS DE PROTEÇÃO CONTRA O TRABALHO ESCRAVO .................42
5.1
PEC 438/2011 – PEC DO TRABALHO ESCRAVO .........................................42
5.2
LISTA SUJA....................................................................................................45
5.3
FISCALIZAÇÃO..............................................................................................48
5.3.1 Órgãos federais ..............................................................................................48
5.3.2 Órgãos estaduais............................................................................................50
6
OMISSÃO GOVERNAMENTAL.....................................................................52
CONCLUSÃO ...........................................................................................................54
REFERÊNCIAS.........................................................................................................57
ANEXOS ...................................................................................................................60
ANEXO – A - PORTARIA INTERMINISTERIAL
N.º 2, DE 12 DE MAIO DE 2011 ...............................................................................60
ANEXOS – B - PROJETO DE LEI DO SENADO Nº540, DE 2011...........................62
ANEXOS – C - LEI Nº 10.803, DE 11 DE DEZEMBRO DE 2003.............................64
6
INTRODUÇÃO
O presente trabalho de conclusão de curso pretende tratar acerca do tema
Neoescravismo da Sociedade Moderna, e tem por objetivo demonstrar, através do
estudo de conceitos constitucionais e trabalhistas, e pela forma como se organiza a
sociedade atual, o motivo pelo qual ainda hoje o trabalho escravo é uma realidade,
mesmo tendo sido abolida a escravidão em nosso país em 13 de maio de 1888, com
a Lei Áurea.
De acordo com estimativas feitas pela Organização Internacional do Trabalho,
27 milhões de pessoas sujeitem-se ao trabalho escravo em todo o mundo, sendo
que no Brasil existem no mínimo 25 mil pessoas sob tal condição.
O estudo irá abordar o trabalho escravo em suas diferentes formas atuais nas
zonas rurais e nas grandes cidades brasileiras, tendo maior enfoque neste último
citado, a partir da perspectiva de Wilson Ramos Filho, fundamento em que se apoia.
O Neoescravismo é uma forma degradante de trabalho, é tido como o
trabalho escravo nos tempos modernos. Caracterizado no tipo penal do Art. 149 do
Código Penal, o mesmo possui a peculiaridade de poder ocorrer também quando o
trabalhador possuir um suporte contratual válido.
Será feita análise das diferentes formas de se configurar o trabalho em
condição análoga à de escravo na atualidade, os direitos e garantias dos
trabalhadores previstos no ordenamento jurídico brasileiro, para que se possa
verificar quais os meios e órgãos capazes de coibir o neoescravismo moderno.
Por fim veremos
que o Neoescravismo
é um reflexo do
mundo
contemporâneo capitalista. Assim, almeja-se neste trabalho reconhecer e visibilizar
este tipo nefasto de trabalho. Com o intuito de auxiliar em uma possível
transformação da realidade.
7
1
BREVE HISTÓRICO
A partir do momento em que as pessoas começaram a ser organizar em
sociedade surgiu a figura do escravo, nem sempre com essa denominação, porém
sempre com as mesmas condições, ou falta de condições quais sejam: trabalho
árduo, explorador e quase sem direitos, como expressado por Lilia Leonor Abreu:
Infelizmente a escravidão é uma chaga que assombra a humanidade desde
tempos remotos. Ela assumiu ao longo da história dos grupos sociais
diversas formas, mas sempre marcada pela dominação de uns pelos outros.
(ABREU, 2003, p. 142)
Começando pelo Egito, já poderia se verificar que desde aquele tempo havia
pessoas que se subordinavam a um rei, sendo obrigado a construir pirâmides, servir
comida, fazer a guarda dele, podendo até não se configurar tecnicamente como um
trabalho escravo, mas já ocorria a dominação daquele que possuía poder e riquezas
sobre aqueles que nada tinham.
Essa relação de subordinação daquele que era possuidor de riquezas e poder
sobre os demais que nada possuíam tornou-se mais evidente na Idade Média, onde
as pessoas se subordinavam aos reis ou donos de propriedades, os feudos, para
assim pudessem ter moradia e comida. Ou seja, passaram a fazer os trabalhos para
o rei e os senhores feudais, o trabalho árduo, que requeria força, tempo, e
dedicação. De tal forma que já começava a se verificar a condição de escravismo.
Condição esta que ficou evidente nos tempos das grandes navegações, como
relata o autor Waldeloir Rego:
E por demais sabido que durante a Idade Média os Portugueses, assim
como outros povos, traficaram escravos, sobretudo negros. Há mesmo
vagas notícias de uma parada aqui, outra acolá, porém a informação mais
precisa principalmente no que diz respeito ao tráfico de escravos africanos
para o território português, é a fornecida por Azurara. (REGO, 1968, p. 01)
8
Tanto que começaram até a serem traficados nos famosos “navios negreiros”,
onde se escolhia o escravo pelo seu porte físico, os mais avantajados eram
escolhidos, pois aguentariam o trabalho braçal forçado.
A Igreja também teve grande influência nesse tráfico, porém para não parecer
evidente ela usava de subterfúgios para tornar legal tal prática, como podemos
verificar no trecho abaixo, da mesma obra de Waldeloir Rego:
Com o passar do tempo essa atividade, longe de se extinguir, tomou um
impulso espantoso. Por incrível que pareça, esse comércio terrível e
desumano teve a mais forte cobertura da Santa Madre Eclésia, alegando
para tanto o argumento idiota de que os portugueses tornariam os povos
ditos bárbaros, adeptos da fé de Cristo [...] Esse casamento estranho da
coroa portuguesa com a Mitra, permitiu que os portugueses agissem
livremente, em nome de Cristo (REGO, 1968, p. 08)
No Brasil, após séculos de utilização de mão de obra escrava, tanto pelo
tráfico negreiro de africanos como pela escravização de índios nativos, em 13 de
maio de 1888, foi sancionada a Lei Áurea pela então Princesa Isabel, a qual
extinguiu formalmente o trabalho escravo e “libertou” as pessoas que se
encontravam nestas condições.
Porém, tal fato deu fim apenas ao trabalho escravo legal, que era autorizado
pelo Imperador. Desde então o trabalho escravo não deixou de existir, apenas
tornou-se cada vez mais camuflado.
Nos tempos das revoluções industriais, a primeira de 1780 a 1830, a segunda
de 1860 a 1945 e a terceira em 1970, vieram as modernizações dos meios de
produção, onde se passou a produzir através das máquinas, que para tanto
precisavam ser operadas por operários das grandes fábricas. Tais revoluções
culminaram em uma enorme exploração dos trabalhadores, que chegavam a
trabalhar de 16 a 20 horas por dia, tanto adultos como adolescentes e crianças, sem
menores condições de segurança.
Por conta de tamanha exploração, começaram a surgir conflitos e
reivindicações pleiteando leis que tornassem o trabalho menos degradante,
reduzindo as horas de trabalho e aumentando a idade mínima para que se pudesse
trabalhar.
9
No Brasil o grande marco para os trabalhadores foi à criação da
Consolidação das Leis de Trabalho, em 1º de maio de 1943 pelo então Presidente
da República, Getulio Vargas, agrupando todas as leis trabalhistas existentes no
país. Assim os trabalhadores no país passaram a ter direitos formalmente
garantidos, como melhores salários, menores jornadas de trabalho e direito aos
benefícios.
Após, o Código Penal traz expresso no artigo 149 a tipificação do crime de
redução à condição análoga à de escravo sendo ela:
Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a
trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições
degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua
locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto.
(BRASIL, 1940)
Contudo mesmo com os direitos e garantias previstos na Constituição
Federal e na CLT, e com a tipificação penal da redução a condição análoga a de
escravo no art. 149 do Código Penal, nos dias atuais ainda vemos pessoas
trabalhando em condição análoga à de escravo, inclusive nos meios urbanos,
constituindo o Neoescravismo, o qual se pretende abordar na sequência do trabalho.
10
2
DIREITOS E GARANTIAS DOS TRABALHADORES
Pode-se localizar os direitos e garantias fundamentais dos trabalhadores em
duas grandes fontes legais na CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) e na
Constituição Federal de 1988.
Ambas visam garantir o equilíbrio na relação de trabalho, dando proteção ao
trabalhador, que é hipossuficiente1, para que não haja exploração do mesmo no
desempenho de suas funções.
Há também outras fontes, que fogem a esfera do Direito do Trabalho e que
são de suma importância para o presente estudo, em especial o art. 149 do Código
Penal, com redação dada pela Lei 10.803/2003, conforme acima mencionado.
Frise- que, conforme ensinamento de Wilson Ramos Filho, o legislador
quando da nova redação do artigo 149 do CP “preocupou-se em adotar um tipo
penal fechado em substituição à opção anterior, tipo penal aberto” (RAMOS FILHO,
2008, p. 279).
O Brasil também é signatário de tratados internacionais, tendo como maior
deles as convenções n.º 29 e 105 da OIT, nas quais o país se comprovante a cessar
a utilização de trabalho forçado ou obrigatório:
CONVENÇÃO (29) SOBRE O TRABALHO FORÇADO OU OBRIGATÓRIO
Artigo 1º
1. Todo País-membro da Organização Internacional do Trabalho que
ratificar esta Convenção compromete-se a abolir a utilização do trabalho
forçado ou obrigatório, em todas as suas formas, no mais breve espaço de
tempo possível.
2. Com vista a essa abolição total, só se admite o recurso a trabalho forçado
ou obrigatório, no período de transição, unicamente para fins públicos e
como medida excepcional, nas condições e garantias providas nesta
Convenção.
(OIT, 1930)
CONVENÇÃO (105) CONVENÇÃO RELATIVA A ABOLIÇÃO DO
TRABALHO FORÇADO
Artigo 1º
Todo País-membro da Organização Internacional do Trabalho que ratificar
esta Convenção compromete-se a abolir toda forma de trabalho forçado ou
obrigatório e dele não fazer uso:
1
Hipossuficiente: Diz-se de pessoa que é economicamente muito humilde; que não é
autossuficiente.
Disponível
em:
http://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues/index.php?lingua=portuguesportugues&palavra=hipossuficiente%20&CP=979201&typeToSearchRadio=exactly&pagRadio=50).
11
a) como medida de coerção ou de educação política ou como punição por
ter ou expressar opiniões políticas ou pontos de vista ideologicamente
opostos ao sistema político, social e econômico vigente;
b) como método de mobilização e de utilização da mão-de-obra para fins de
desenvolvimento econômico;
c) como meio de disciplinar a mão-de-obra;
d) como punição por participação em greves;
e) como medida de discriminação racial, social, nacional ou religiosa.
(OIT, 1957)
Ratificou também o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos das
Nações Unidas de 1966, que em seu artigo 8º trata da não sujeição ao trabalho
escravo, como se pode verificar na transcrição abaixo:
ARTIGO 8
1. Ninguém poderá ser submetido á escravidão; a escravidão e o tráfico de
escravos, em todas as suas formas, ficam proibidos.
2. Ninguém poderá ser submetido à servidão.
3. a) Ninguém poderá ser obrigado a executar trabalhos forçados ou
obrigatórios
(BRASIL, 1992)
Outro pacto ratificado, em 1992, pelo Brasil é o Pacto Internacional de
Direitos Econômicos, Sociais e Culturais das Nações Unidas de 1966, que em seu
artigo 7ª versa:
Artigo 7º
Os Estados Membros no presente Pacto reconhecem o direito de toda
pessoa de gozar de condições de trabalho justas e favoráveis, que
assegurem especialmente:
1. Uma remuneração que proporcione no mínimo, a todos os trabalhadores:
2. Um salário eqüitativo e uma remuneração igual por um trabalho de igual
valor, sem qualquer distinção; em particular, as mulheres deverão Ter a
garantia de condições de trabalho não inferiores às dos homens e perceber
a mesma remuneração que eles, por trabalho igual;
3. Uma existência decente para eles e suas famílias, em conformidade com
as 4disposições do presente Pacto;
4. Condições de trabalho seguras e higiênicas;
5. Igual oportunidade para todos de serem promovidos, em seu trabalho, à
categoria superior que lhes corresponda, sem outras considerações que as
de tempo, de trabalho e de capacidade;
6. O descanso, o lazer, a limitação razoável das horas de trabalho e férias
periódicas remuneradas, assim como a remuneração dos feriados.
(BRASIL, 1992).
12
Outro importante pacto assinado pelo país é o famoso Pacto de São José da
Costa Rica de 1992, através da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, que
versa em seu texto sobre o compromisso dos países signatário de “repressão a
servidão e à escravidão em todas as suas formas” (OIT, 2010, p.19)
Essas são as formas mais expressas dos direitos e garantias do trabalhador,
de forma que sua real aplicação é o que se pretende abordar nos capítulos que
seguem será a sua real aplicação por parte do Estado brasileiro.
2.1
NA CONSOLIDAÇÃO DAS LEIS DO TRABALHO – CLT
No inicio de 1930, quando se deu origem ao intervencionismo do Estado nas
relações de trabalho, a classe empresarial não se mostrava a favor das ações
estatais para intervir nessas relações, como explica Wilson Ramos Filho:
...ao longo do processo histórico no qual foi engendrado o intervencionismo
estatal no Brasil o empresariado resistiu fortemente às primeiras leis
intervencionistas, ou seja, à lei que instituiu o direito de férias e à lei que
impunha limite de seis horas para o trabalho de menores de 18 anos.
(RAMOS FILHO, 2012, p. 142 e 143)
Entre 1932 a 1934 foram publicados diversos decretos regulamentando a
duração das jornadas de trabalho de no máximo oito horas diárias, para as mais
variadas classes2, o que gerou ainda mais revolta dos patronos ao novo
intervencionismo estatal.
Razão pela qual a classe patronal lutou de todas as formas contra esta nova
ordem que estava se formando – ordem do intervencionismo estatal nas relações de
trabalho -, pressionando tanto o Poder Legislativo quanto o Judiciário contra tais
idéias. Podemos verificar a verbalização disso no trecho que segue:
2
No comércio (Decreto n.º 21.186, de 1932), na indústria (Decreto n.º 21.364, de 1932), nas
farmácias (Decreto n.º 32.084, de 1933), nas casas de diversão (Decreto n.º 23.152, de 1933), nas
casas de penhores (Decreto n.º 23.316, de 1933), nos transportes terrestres (Decreto n.º23.766, de
1934) e nos hotéis (Decreto n.º 24.969, de 1934). NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de Direito
do Trabalho. São Paulo: Saraiva, 2008.
13
O desconforto dos industriais paulistas à época foi assim verbalizado: ‘achamos um
erro a imposição do horário de oito horas para todos os ramos industriais, pois
alguns exigem horário menor e outros maiores, uma vez que as indústrias divergem
profundamente uma das outras’ (PEREIRA DA SILVA, 1996. p. 175)
E
assim perdurou-se
por
muito
tempo
a
briga entre
o
Estado
intervencionista, o qual previa garantir direitos e garantias aos trabalhadores, e a
classe patronal que só se interessava pelo lucro.
Porém com a criação da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) em 1943,
as leis mais esparsas que tinham referência às relações de trabalho tornassem-se
um conjunto de leis organizadas, prevendo o funcionamento das relações de
trabalho, dos direitos e deveres do empregado e do empregador, das funções da
Justiça do Trabalho e do processamento de demandas trabalhistas.
Parecia ser a vitória dos Direitos da classe trabalhadora sobre a classe
patronal, que passou a ter que respeitá-los, sob a pena de se responsabilizar pelo
não cumprimento do texto legal, porém nos capítulos que seguem se verá que não
seria tão fácil assim.
2.2
NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988
A Constituição Federal de 1988, por trazer em seu texto garantias e direitos
aos cidadãos de forma ampla, ficou conhecida como Constituição Cidadã, assim
batizada pelo deputado Ulysses Guimarães, conforme se verifica na matéria publica
no sitio eletrônico da revista Istoé, em setembro de 2011:
O então presidente da Câmara dos Deputados, Ulysses Guimarães,
declarou em 27 de julho de 1988 (foto) a entrada em vigor da nova
Constituição Federal – apropriadamente batizada de Constituição Cidadã
porque era o Brasil, nessa época, um país recém-saído da ditadura militar
na qual os princípios constitucionais foram trocados por porões de tortura
dos oponentes políticos do militarismo.
(Istoé, 2011).
14
Para Edilton Meireles, a Constituição Federal elegeu o Direito do Trabalho
como “instrumento de realização do Estado Social” (MEIRELES, 2012), pois é
através dele que o homem, no sentido lato senso, pode alcançar “a dignidade
humana” com os direitos e garantias expostos no Capítulo II da referida
Constituição.
Os direitos e garantias dos trabalhadores estão dispostos no Capítulo II – Dos
Direitos Sociais – da Constituição Federal, primeiramente no Art. 6º que caracteriza
o direito ao trabalho como um direito social da pessoa:
“Art. 6º - São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o
trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à
maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta
Constituição.”
Em seguida, de forma mais especifica, no art. 7º da mesma Constituição
estão dispostos os direitos e garantias dos trabalhadores urbanos e rurais,
relacionados em trinta e sete incisos que servem de base para as relações de
trabalho.
Artigo esse que se faz questão de citar, pois se trata de artigo de grande
valia ao conhecimento de todas as pessoas:
Art. 7o São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que
visem à melhoria de sua condição social: (EC no 20/98, EC no 28/2000 e
EC no 53/2006)
I – relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa
causa, nos termos de lei complementar, que preverá indenização
compensatória, dentre outros direitos;
II – seguro-desemprego, em caso de desemprego involuntário;
III – fundo de garantia do tempo de serviço;
IV – salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de
atender às suas necessidades vitais básicas e às de sua família com
moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte
e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder
aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim;
V – piso salarial proporcional à extensão e à complexidade do trabalho;
VI – irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção ou acordo
coletivo;
VII – garantia de salário, nunca inferior ao mínimo, para os que percebem
Remuneração variável;
VIII – décimo terceiro salário com base na remuneração integral ou no valor
da aposentadoria;
IX – remuneração do trabalho noturno superior à do diurno;
X – proteção do salário na forma da lei, constituindo crime sua retenção
dolosa;
15
XI – participação nos lucros, ou resultados, desvinculada da remuneração,
e, excepcionalmente, participação na gestão da empresa, conforme definido
em lei;
XII – salário-família pago em razão do dependente do trabalhador de baixa
renda nos termos da lei;
XIII – duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e
quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a
redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho;
XIV – jornada de seis horas para o trabalho realizado em turnos
ininterruptos de revezamento, salvo negociação coletiva;
XV – repouso semanal remunerado, preferencialmente aos domingos;
XVI – remuneração do serviço extraordinário superior, no mínimo, em
cinqüenta por cento à do normal;
XVII – gozo de férias anuais remuneradas com, pelo menos, um terço a
mais do que o salário normal;
XVIII – licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com a
duração de cento e vinte dias;
XIX – licença-paternidade, nos termos fixados em lei;
XX – proteção do mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos
específicos, nos termos da lei;
XXI – aviso prévio proporcional ao tempo de serviço, sendo no mínimo de
trinta dias, nos termos da lei;
XXII – redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de
saúde, higiene e segurança;
XXIII – adicional de remuneração para as atividades penosas, insalubres
ou perigosas, na forma da lei;
XXIV – aposentadoria;
XXV – assistência gratuita aos filhos e dependentes desde o nascimento até
5 (cinco) anos de idade em creches e pré-escolas;
XXVI – reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho;
XXVII – proteção em face da automação, na forma da lei;
XXVIII – seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem
excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou
culpa;
XXIX – ação, quanto aos créditos resultantes das relações de trabalho, com
prazo prescricional de cinco anos para os trabalhadores urbanos e rurais,
até o limite de dois anos após a extinção do contrato de trabalho;
a) (Revogada);
b) (Revogada);
XXX – proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de
critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil;
XXXI – proibição de qualquer discriminação no tocante a salário e critérios
de admissão do trabalhador portador de deficiência;
XXXII – proibição de distinção entre trabalho manual, técnico e intelectual
ou entre os profissionais respectivos;
XXXIII – proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores
De dezoito e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na
condição de aprendiz, a partir de quatorze anos;
XXXIV – igualdade de direitos entre o trabalhador com vínculo empregatício
permanente e o trabalhador avulso.
Parágrafo único. São assegurados à categoria dos trabalhadores
domésticos os direitos previstos nos incisos IV, VI, VIII, XV, XVII, XVIII, XIX,
XXI e XXIV, bem como a sua integração à previdência social.
Os direitos e garantias previstos no art. 7º, acima exposto, mostram que o
direito ao trabalho tem papel fundamental na vida do homem, pois através dele é
possível garantir ao mínimo a dignidade da pessoa humana, como podemos verificar
16
nos dizeres de Edilton Meireles que corroboram com o exposto nos parágrafos
acima:
Elegeu o direito do trabalho como instrumento de realização do Estado
Social, em seu caráter material, ao ponto de, além de assegurar o direito ao
trabalho (caput art. 6º), estabelecer uma série de direitos fundamentais para
que a dignidade da pessoa humana seja alcançada (art. 7º). (MEIRELES,
2012, p. 115).
Realizada a necessária digressão histórica, a fim de melhor se compreender
o tema, passa-se a seguir a analisar o tema central deste trabalho, o
Neoescravismos da Sociedade Capitalista: Trabalho escravo urbano,o qual ainda se
mostra como uma realidade.
Isso fere o princípio da dignidade da pessoa humana, previsto na
Constituição Federal de 1988, assim pensa também André Luiz Proner, quando diz
que “essa foi a opção da Constituição Federal de 1988: proteção da dignidade
humana e dos valores sociais do trabalho.” (PRONER, 2010, p. 55),
mostrando que a CF/88 preza pelo trabalho de forma a valorizar o homem,
garantido lhe a dignidade e as condições na prestação do mesmo.
Ainda de acordo com Lilia Leonor Abreu:
Dentre os direitos e deveres individuais e coletivos (art. 5º) consta que
ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou
degradante (inc. III), que são invioláveis a intimidade, a vida privada, a
honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo
dano material ou moral decorrente de sua violação (inc. X), que é livre o
exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão (inc. XIII), que é livre a
locomoção (inc. XV), que ninguém será privado da liberdade ou de bens
sem o devido processo legal, sem mencionar a proibição de prisão por
dívida (inc. LXVII). (ABREU, 2003, p.143).
É possível perceber deste ensinamento que a Constituição veda de forma
explícita qualquer prática por parte do empregador ou de outra pessoa que venha
restringir os direitos e garantias individuais e coletivos de cada trabalhador.
17
3
CARACTERIZAÇÃO DO TRABALHO ESCRAVO
Para que se possa caracterizar o trabalho como trabalho escravo não há
como deixar de falar e citar o Artigo 149 do Código Penal Brasileiro em sua íntegra,
que ganhou nova redação através da Lei nº. 10.803/20033:
Redução a condição análoga à de escravo
Art. 149 – Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer
submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitandoo a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer
meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou
preposto:
Pena – reclusão, de dois a oito anos, e multa, além da pena correspondente
à violência.
§ 1º - Nas mesmas penas incorre quem:
I – cerceia o uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador,
com o fim de retê-lo no local de trabalho;
II – mantém vigilância ostensiva no local de trabalho ou se apodera de
documentos ou objetos pessoais do trabalhador, com o fim de retê-lo no
local de trabalho.
§ 2º - A pena é aumentada de metade, se o crime é cometido:
I – contra criança ou adolescente;
II – por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem.
A partir deste artigo podemos encontrar as principais características para
configuração do trabalho na condição análoga à de escravo, porém há uma
divergência na jurisprudência e doutrina nacional sobre a necessidade de estarem
presentes somente um ou todos os elementos deste tipo penal.
Para Wilson Ramos Filho a partir da Lei nº. 10.803/2003 para se considerar
crime a pessoa deve ter:
a - Sujeição alheia a trabalhos forçados;
b - Sujeição alheia a jornadas exaustivas;
c - Sujeição alheia a condições degradantes de trabalho; ou
d - Restrição, por qualquer meio, da locomoção alheia em razão de dívida
contraída com o empregador ou preposto.
(RAMOS FILHO, 2008, p. 281).
3
A integra da Lei 10.803/2003 encontra-se na seção “ANEXOS” deste trabalho.
18
E o mesmo autor ainda esclarece que é possível se constatar a existência
de neoescravismo sempre que pelo menos uma das circunstâncias acima citadas,
estiver presente (RAMOS FILHO. 2012, p. 396).
Completa também dizendo que “para não confundir tais condutas criminosas
com a escravidão histórica, utiliza-se a expressão ‘condição análoga á de escravo’
que, mais freqüente nas áreas rurais, remanescente nas cidades” (RAMOS FILHO,
2008, p. 281).
Oportuno citar os ensinamentos do procurador do trabalho da 12º Região,
Marcelo José Ferlin D’Ambroso, que convive dia a dia com as questões de trabalho
escravo, para definir o tema:
No final da década de 90 e início do milênio foram cruciais os debates
estabelecidos em torno da questão para a nova definição do tipo penal
constante do texto atual do art. 149 do Código Penal (advinda com a Lei
n. 10.803, de 11.12.2003), que permitiu a evolução do entendimento inicial
de escravidão contemporânea, vinculado à segregação privada do indivíduo
mediante limitações físicas de sua liberdade (mediante ameaças, violências
físicas, cárcere privado, etc.) - práticas de difícil ocorrência, para um
conceito humanizado e holístico, adaptado à realidade, que corresponde às
práticas sutis de limitação de vontade e liberdade do trabalhador, ou simples
aproveitamento de sua condição de hipossuficiente, aliadas às ações de
violação da dignidade humana por imposição de condições até cruéis de
trabalho e alojamento.
(FERLIN D’AMBROSO, 2012)
A partir de tal leitura, pode-se depreender que a lição de que não precisam
estar presentes todos os elementos do tipo penal do art. 149, mas sim o
enquadramento de uma situação fática a um ou mais para que se configure o crime
disposto em referido dispositivo legal.
O próprio Ministério do Trabalho possui uma normativa de nº. 1
4
de 1994,
que define o trabalho escravo como “condição análoga à de escravo que se dá
através de fraude, dívida e retenção de salários e documentos, ameaça e violência.”
Na jurisprudência podemos encontrar também a caracterização do trabalho
escravo, tomando como exemplo os julgados que seguem:
22578966 - RECURSO ORDINÁRIO DA TERCEIRA RECLAMADA, ALL.
AMÉRICA LATINA LOGÍSTICA DO BRASIL S. A. RESPONSABILIDADE
4
Texto retirado da Cartilha sobre Trabalho Escravo no Maranhão disponível no site: www.mte.gov.br.
19
SOLIDÁRIA. Comprovado que os empregados eram submetidos à
condições degradantes de trabalho, jornadas exaustivas, endividamento dos
trabalhadores face ao empregador (truck system), e restrições ao direito de
ir e vir, o que caracteriza o trabalho análogo ao de escravo, conforme
relatório de fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego e, aliada ao
dever contratual de fiscalização da terceira reclamada, verifica-se a
coautoria da ilicitude na exploração dos trabalhadores, devendo a
reclamada responder solidariamente pelos créditos trabalhistas. Inteligência
do art. 942 do Código Civil. Recurso não provido. (TRT 04ª R.; RO 000001512.2011.5.04.0821; Nona Turma; Relª Juíza Fed. Conv. Maria Madalena
Telesca; Julg. 29/03/2012; DEJTRS 11/04/2012; Pág. 35)
22578511 - INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. TRABALHO EM
CONDIÇÕES ANÁLOGAS ÀS DE ESCRAVO. Gera dano moral indenizável
submeter o trabalhador a condições degradantes, sem acomodação,
alimentação e higiene adequados, bem como ao cumprimento de jornadas
de trabalho exaustivas e ao truck system. Recurso adesivo do reclamante
provido para majorar o valor da indenização deferida na sentença. (TRT 04ª
R.; RO 0000311-68.2010.5.04.0821; Décima Turma; Rel. Juiz Conv. Wilson
Carvalho Dias; Julg. 29/03/2012; DEJTRS 10/04/2012; Pág. 40)
O Ministério Público do Trabalho e o Ministério Público Federal também
trazem alguns dos elementos que caracterizam o trabalho escravo na conhecida
denúncia apresentada perante a 3ª Vara Federal de Porto Velho, autuada sob nº.
2003.41.00.003385-5, Justiça Pública x José Carlos de Souza Barbeiro (fazendeiro)
e Lídio dos Santos Braga (agricultor):
em denúncia crime feita em conjunto, apontaram na peça inicial quinze
elementos característicos do trabalho escravo:
1. Falta de pagamento de salários (contumaz);
2. Alojamento em condições subumanas (e.g., barracos de lona, casas de
taipa ou pau a pique, infestadas pelo inseto barbeiro, transmissor da doença
de Chagas);
3. Inexistência de acomodações indevassadas para homens, mulheres e
crianças (convivência promíscua);
4. Inexistência de instalações sanitárias adequadas e precárias condições
de saúde e higiene (e.g., falta de material de primeiros socorros);
5. Falta de água potável e alimentação parca;
6. Aliciamento de uma para outra localidade do território nacional;
7. Truck-system (correspondente, ao popular “barracão”, no qual o
trabalhador se endivida para além dos limites de seus supostos
rendimentos);
8. Inexistência de refeitório adequado para os trabalhadores e de cozinha
adequada para o preparo de alimentos;
9. Ausência de equipamentos de proteção individual (EPI) ou coletiva
(EPC)
10. Meio do trabalho nocivo ou inóspito (e.g., região de selva, chão batido,
exposição de animais peçonhentos etc.);
11. Coação moral;
12. Cerceamento à liberdade ambulatória (direito de ir e vir limitado pela
distância e pela precariedade do acesso);
13. Falta de assistência médica;
20
14. Vigilância armada e/ou presença de armas na fazenda;
15. Ausência de registro na CTPS. (MARQUES, 2007, p. 32 e 33)
Assim temos que o trabalho escravo fica caracterizado por ser a condição
precária do ambiente de trabalho, onde o trabalhador não possui as mínimas
condições de segurança, saúde, higiene, jornadas exorbitantes ou quando o
empregado contrai dividas com o empregador que veda a sua locomoção, acesso a
documentos e benefícios que lhe são de direito (ex: FGTS, INSS, Seguro
Desemprego), ou seja, qualquer tipo de exploração exercida pelo empregador sobre
o empregado suprimindo os direitos do trabalhador.
21
4
CONCEITO DE NEOESCRAVISMO
Podemos entender que o Neoescravismo, termo utilizado pela doutrina
brasileira, como sendo a redução a condição análoga à de escravo nos tempos
modernos, caracterizado pelo Art. 149 do Código Penal, alterado pela Lei
10.803/2003, que descreve objetivamente o que é considerado trabalho escravo.
No entendimento de Wilson Ramos Filho há dois tipos de trabalho escravo
urbano contemporâneo. O primeiro é aquele em que o indivíduo encontra-se
prestando o trabalho na condição análoga à de escravo nas cidades sem suporte de
contrato de trabalho válido. E o outro tipo é aquele em que o indivíduo presta o
trabalho na condição análoga à de escravo nas cidades, porém com suporte de
contrato de trabalho válido, assim:
À essa segunda espécie, prestado nas cidades, com suporte contratual
válido, por trabalhadores em situação análoga à de escravos, se propõe a
denominação neoescravidão urbana ou a denominação de trabalho urbano
prestado em condições de neoescravidão
(RAMOS FILHO, 2010, p. 133).
O autor estabelece também como forma de caracterizar o trabalho na
condição de neoescravidão as condutas tipificadas no caput do Art. 149 do CP,
sendo a jornada exaustiva e as condições degradantes de trabalho, já que as
demais são comuns nas demais espécies de trabalho escravo contemporânea.
(RAMOS FILHO. 2008, p. 281).
Pode-se desprender dos ensinamentos de Wilson Ramos Filho, que a
pessoa que se encontra em trabalho de jornada exaustiva ou em condições
degradante, enquadra-se como em condição análoga à de escravo.
Portanto o Neoescravismo é um fenômeno recente, inclusive em nossa
legislação. Mostra que o trabalhador urbano da sociedade moderna também pode se
encontrar, mesmo que de forma inconsciente, ou omissa, na condição análoga à de
escravo, sem que haja necessariamente aquela imagem de algemas, correntes, e
açoitamento.
Nas palavras de Wilson Ramos Filho,
22
A neoescravidão contemporânea pode ser classificada em (i) trabalho
rural escravo contemporâneo e (ii) trabalho urbano escravo
contemporâneo. O primeiro é aquele que ocorre nas atividades rurais,
agrícolas ou pecuárias, e nas atividades agroindustriais nas quais
trabalhadores são submetidos a condições análogas à de escravos e
que vem merecendo especial atenção por parte do Estado Brasileiro.
O segundo tipo ocorre em atividades urbanas, nas quais direitos
elementares dos trabalhadores são desrespeitados, mas sem idêntica
intervenção estatal, seja por parte do Executivo, seja por parte do
Judiciário, no sentido de sua eliminação nas relações sociais
concretas. (RAMOS FILHO. 2012, p. 392)
Pretende-se nos próximos tópicos, explorar todas as possíveis formas de
trabalho em condição análoga à de escravo, quais sejam: trabalho escravo rural,
urbano sem contrato de trabalho valido e urbano com contrato de trabalho valido.
4.1
TRABALHO ESCRAVO RURAL CONTEMPORÂNEO
Esse é tipo mais comum de trabalho escravo encontrado no Brasil, pois é
facilitado pela dificuldade de acesso da fiscalização, devido às regiões afastadas em
que ele ocorre, e por envolver empregadores com grande poder aquisitivo, sendo,
muitas vezes, proprietários de grandes propriedades rurais que podem também
serem políticos.
Nessa linha de pensamento Lilia Leonor Abreu versa que aos trabalhadores
na condição análoga à de escravo “são sonegados completamente os direitos
trabalhistas” e que “a forma mais comum encontrada no meio rural é a dívida” que
como veremos na sequência. (ABREU, 2003, p. 2)
Em matéria publicada no site do Senado Federal que aborda o tema
“Trabalho escravo se concentra na zona rural”, fica evidente a maior ocorrência do
trabalho escravo nas regiões rurais das cidades:
“O agronegócio é o setor da economia que mais recruta pessoas para
trabalhar em regime semelhante ao da escravidão. E entre as atividades
rurais com maior número de trabalhadores resgatados, o desmatamento
para expansão da fronteira agrícola, especialmente na Amazônia, figura em
primeiro lugar no ranking.”
(BRASIL. 2012)
23
Esse modo de trabalho escravo foi conceituado por Christiani Marques da
seguinte forma:
O trabalho escravo ou forçado moderno é a exploração violenta da pessoa
humana, cativada por dívidas contraídas pela necessidade de sobrevivência
e forçada a trabalhar, pelo aliciamento feito por pessoas que lucram com o
fornecimento e a utilização de sua força de trabalho em propriedades rurais
(na maioria das vezes, além de muito afastadas, estão localizadas na
região norte do Brasil, onde a fuga é difícil, perigosa e arriscada)
(MARQUES, 2007, p.32, grifo nosso).
Jairo Lins de Albuquerque Sento-Sé é mais um autor que corrobora para o
entendimento do conceito do trabalho escravo rural:
O trabalho escravo contemporâneo, na zona rural, é aquele em que o
empregador sujeita o empregado a condições de trabalho degradantes,
inclusive quanto ao meio ambiente em que irá realizar a sua atividade
laboral, submetendo-o, em geral, a constrangimento físico e moral, que vai
desde a deformação do seu consentimento ao celebrar o vínculo
empregatício, passando pela proibição imposta ao obreiro de resilir o
vínculo quando bem entender, tudo motivado pelo interesse mesquinho de
ampliar os lucros às custas da exploração do trabalhador. (SENTO-SÉ,
2001)
O que mostra a evidência de que há certa facilidade para os donos de
propriedades rurais praticarem este crime contra o trabalhador, seja pela difícil
localização, seja pelas dívidas contraídas (dívidas que nunca serão pagas com o
trabalho) ou pela incomunicabilidade imposta a eles.
Para Carlos Henrique Bezerra Leite são três tipos de coação que sofrem
estes trabalhadores:
O trabalhador fica sem condições de sair do local onde está sendo
explorado, sofrendo, a rigor, três tipos de coação: a) coação econômica –
dívida contraída com o transporte para fazenda e compra de alimento. O
empregado tenta saldar a dívida, mas não consegue devido aos elevados
valores cobrados; b) coação moral/psicológica – ameaças físicas, e até de
morte, por parte do responsável pela fazenda e constante presença de
capataz, armado, em meio aos trabalhadores; c) coação física – agressão
aos trabalhadores como forma de intimidação. (BEZERRA LEITE, 2005,
p.146-173)
24
Segundo dados da Comissão da Pastoral da Terra, entre 2003 e 2009,
dividindo por atividade econômica, as pessoas que se encontravam na condição
análoga à de escravo estavam nas seguintes proporções:
Reflorestamento
2%
Carvão
10%
Desmatamento e
Pecuária
66%
Outras Lavouras
11%
Cana-de-açúcar
3%
Outra atividade
8%
Fonte: Comissão da Pastoral da Terra, Xavier Plassat, 2010.
Podemos então verificar que a maior incidência do trabalho escravo rural se
dá nas atividades relacionadas às atividades de agropecuária, passando pela canade-açúcar para a produção do etanol e pelas carvoarias.
O trabalho escravo rural normalmente acontece por intermédio de pessoas
conhecidas como “gatos”, que aliciam os trabalhadores através de promessas de
bons empregos e salários. Eles têm a preferência por recrutar trabalhadores que
residam distante do local onde será prestado o “serviço”, para que possa restringir a
sua liberdade de locomoção e comunicação.
Segundo pesquisa feita pela Organização Não Governamental Repórter
Brasil com os trabalhadores encontrados na situação análoga à de escravo, “do total
25
de entrevistados, 40% foram recrutados por meio de amigo ou conhecido e 27%, por
meio de agente de recrutamento, o chamado gato”, ou seja, um número bastante
elevado.
Conforme dados5 do MTE, no ano de 2011 foram realizadas 171 operações,
sendo inspecionados 342 estabelecimentos, tendo formalizado 2.013 contratos de
trabalhos e resgatado da condição análoga à de escravo o número de 2.491
trabalhadores.
Assim temos que o trabalho escravo rural caracteriza-se por se aquele
exercido nas propriedades rurais, e que geralmente apresenta todos os elementos
contidos no tipo penal do art. 149 do CP.
4.2
TRABALHO ESCRAVO URBANO SEM SUPORTE CONTRATUAL VÁLIDO
Historicamente o trabalho escravo sempre foi caracterizado por ser aquele
trabalho exercido em propriedades rurais, o que ocorre até hoje, porém com o
passar do tempo e o crescimento das metrópoles, as pessoas do campo começaram
a migrar para as cidades, deixando para trás tudo o que possuíam no campo, para
tentar uma vida melhor nas capitais dos Estados brasileiros.
Porém a grande concorrência, exigência de experiência, de qualificação,
conhecimento, fez com que essas pessoas começassem a se subordinar a trabalhos
degradantes para que pudessem sobreviver na “cidade grande”, ou seja, para os
empregadores uniu-se a mão de obra barata com a alta carga horária que se
poderia aplicar sem que houvesse reclamação, formal, por parte dos empregados.
Há também os estrangeiros, em sua maioria latino-americanos, que cada
vez mais atravessam as fronteiras em busca de condições melhores de vida, e
acabam em confecções clandestinas, assumindo dívidas muitas vezes inventadas
pelos empregadores, as quais os prendem sem a possibilidade de que as quitem.
Como ensina Wilson Ramos Filho,
5
Dados
disponíveis
em:
<http://portal.mte.gov.br/data/files/8A7C816A39E4F614013AD5968E702C3A/Quadro%202011%20pa
ra%20a%20internet.pdf >
26
Entretanto, para além deste trabalho rural prestado em condições
análogas à de escravo também em diversas atividades laborais
urbanas são encontradas condições de trabalho tais que, por sua
precariedade, se assimilam às práticas aqui descritas como
neoescravistas, as quais podem ser agrupadas em dois tipos-ideais:
(i) trabalho em condições análogas à de escravo prestado nas
cidades sem suporte contratual válido e (ii) trabalho prestado nas
cidades com suporte contratual em situação análoga à de escravos
6
cuja descrição e tipificação encontram-se no Código Penal em sua
redação atual. (...)A primeira espécie de trabalho em condições
análogas à de escravo nos meios urbanos, prestado nas cidades sem
suporte contratual válido pode ser subdivida em (i) trabalho prestado
por imigrantes (geralmente oriundos de países latino-americanos ou
asiáticos); (ii) trabalho de natureza sexual prestado por homens ou
mulheres, nacionais ou estrangeiros, sem seu consentimento válido;
e, (iii) trabalho prestado por qualquer outro tipo de pessoa que, em
face de sua situação de trabalhador em atividades ilegais submeta-se
a condições de trabalho aviltantemente precárias, sem suporte
contratual válido, como nas hipóteses dos chamados “soldados do
tráfico de drogas”, ou ainda os empregados em algumas atividades
proibidas comandadas por criminosos. A segunda espécie de
trabalho urbano prestado em condições análogas à de escravo
prestado com suporte contratual válido se refere a situações
associadas à precarização das tutelas estatais como conseqüência
dos novos métodos de gestão e da imposição hegemônica do terceiro
espírito do capitalismo e a situações em que o Estado tenha
permanecido inerte no oferecimento de contrapartidas pela aceitação
da submissão. (RAMOS FILHO. 2012, p. 392)
Um caso exemplificativo referente ao trabalho em condições análogas à de
escravo sem contrato de trabalho válido feito por imigrantes, foi o mostrado nos
programas “A Liga” da TV Bandeirantes e “Profissão Repórter” da TV Globo, nas
confecções que eram terceirizadas da marca espanhola ZARA, em que foram
encontrados trabalhadores em condição análoga à de escravo, produzindo peças
que para eles eram pagos somente um valor ínfimo entre R$ 0,50 (cinqüenta
centavos de real) a R$ 1,00 (um real) por peça produzida7.
6
BRASIL. Código Penal. Art. 149: “Redução a condição análoga à de escravo. Art. 149. Reduzir alguém a
condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer
sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em
razão de dívida contraída com o empregador ou preposto: Pena - reclusão, de dois a oito anos, e multa, além da
pena correspondente à violência. § 1º Nas mesmas penas incorre quem: I - cerceia o uso de qualquer meio de
transporte por parte do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho; II - mantém vigilância ostensiva no
local de trabalho ou se apodera de documentos ou objetos pessoais do trabalhador, com o fim de retê-lo no local
de trabalho. § 2º A pena é aumentada de metade, se o crime é cometido: I - contra criança ou adolescente; II por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem” (alterado pela lei 10.803/2003).
7
Reportagens recentes de periódicos paulistas revelam que, no Município de São Paulo, bolivianos
costumam ser arregimentados para trabalhar em pequenas confecções das 06h00 às 23h00 ou das
07h00 às 24h00, com remuneração entre R$ 200,00 e R$ 400,00 por mês (o último valor dificilmente
é alcançado), correspondente a algo entre R$ 0,50 e R$ 1,00 por peça.
Texto retirado do site: http://jus.com.br/revista/texto/6728/sobre-os-caminhos-institucionais-para-ocombate-ao-trabalho-escravo-contemporaneo-no-ambito-dos-municipios#ixzz2PJRND3mj
27
De acordo com a auditora fiscal da SRTE/SP, Giuliana Cassiano Orlandi,
que participou de toda a operação “por se tratar de uma grande marca, que está no
mundo todo, à ação se torna exemplar e educativa para todo o setor” (BRASIL,
Repórter, 2012).
Nas reportagens mostradas na televisão não era raro o depoimento de
alguns destes estrangeiros dizendo aceitar viver naquelas condições por ser melhor
do que as condições em que vivia em seu país de origem, e por não estarem de
forma regular no Brasil.
Pode-se utilizar também como exemplo o tráfico de drogas, que cada dia
mais passa a se utilizar de mão de obra de menores, os aliciando para que
trabalhem como “aviõeszinhos”, ou seja, além de ser uma atividade ilícita que
impossibilita que realmente houvesse um contrato formal de trabalho, há exploração
do menor, que trabalho em condições degradantes.
Nesse sentido a Justiça do Trabalho de Campo Grande/MS condenou três
pessoas por aliciamento de adolescentes como “aviõeszinhos” para o tráfico de
drogas, conforme matéria publicada no sitio eletrônico do da Procuradoria Regional
do Trabalho da 24ª Região/MS, “os exploradores foram condenados ao pagamento
de danos morais coletivos, no valor de R$ 30 mil, cada um, pelos danos causados à
sociedade” e ainda:
Os exploradores de mão de obra de adolescentes foram condenados a não
mais aliciar ou explorar, "sob qualquer pretexto, crianças ou adolescentes
menores de 18 anos para fins de exploração para o tráfico de substâncias
entorpecentes ou para qualquer outro trabalho não permitido por lei", sob
pena de multa de R$ 10 mil, para cada situação irregular. (PRT 24ª Região,
2013).
Na mesma matéria a Procuradora do Trabalho Simone Rezende diz que:
(essa exploração) gera efeitos morais negativos em face de toda a
coletividade, pois contribui para diversos outros delitos e para o aumento da
violência e, desta forma, é necessário, além da condenação criminal,
também responsabilizar civilmente os autores dessa prática. (PRT 24ª
Região, 2013)
Mostrando mais uma vez que a exploração do trabalho possui não somente
efeitos trabalhistas, mas também ensejam demandas criminais e civis.
28
Saliente-se ainda que o trabalhador em tal situação, além de ter reparação
criminal, quando da condenação do empregador pelo crime previsto no artigo 149 do
CP, também poderá pleitear a indenização por danos morais, diretamente na Justiça
do Trabalho, através do ajuizamento de uma Reclamatória Trabalhista.
Acerca deste tipo de trabalhador em condição análoga à de escravo sem um
contrato de trabalho válido, oportuno mencionar os ensinamentos de Guilherme
Guimarães Feliciano:
A problemática reside no fato de que mencionados trabalhadores não se
vêem na condição de escravos, já que atêm à preocupação com sua própria
subsistência e os respectivos e os respectivos processos orgânicos.
(FELICIANO, 2004, p. 88)
Ou seja, não é somente um problema de falta de fiscalização, ou de
exploração por parte dos donos das propriedades escravistas, mas também um
problema de cunho social, no qual a realidade das pessoas faz com que esse
trabalho degradante para elas seja a única forma de subsistir no mundo.
Assim a principal característica deste trabalho na condição análoga à de
escravo sem contrato válido é o trabalho forçado ou o trabalho com restrição à
liberdade de locomoção, enquadrando-se no tipo penal do art. 149 do Código Penal
caput e do parágrafo 1º, incisos I e II8.
4.2.1
Caracterização de trabalho forçado
Qualificado no item 4.2, como uma das principais características do trabalho
na condição análoga à de escravo sem contrato válido, cabe a este item caracterizálo para melhor entendimento.
8
Art. 149 – restringir, por qualquer meio, a locomoção do trabalhador em razão de dívida contraída
com o empregador ou preposto;
§ 1º, inciso I – cercear o uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador, com o fim de
retê-lo no local de trabalho;
§ 1º, inciso II – manter vigilância ostensiva no local de trabalho ou apoderar-se de documentos ou
objetos pessoais do trabalhador com o fim de retê-lo no local de trabalho.
29
O trabalho forçado caracteriza-se por ser o “trabalho ou serviço exigido de
um indivíduo sob ameaça de qualquer penalidade e para o qual ele não se ofereceu
de espontânea vontade”, conforme previsão do artigo 2º da Convenção nº. 29 da
OIT (Organização Internacional do Trabalho).
Ainda
segundo
doutrina
de
Christiani
Marques,
alguns
elementos
evidenciam o trabalho forçado (MARQUES, 2007, p. 30):
 Aliciamento de mão de obra por “gatos”9;
 Servidão por dívida;
 Impossibilidade dos trabalhadores deixarem as fazendas;
 Alojamento precário;
 Inexistência de água potável.
Portanto pode-se dizer que o trabalho forçado é aquele em que a pessoa
apresenta um ou alguns dos elementos acima expostos, que a torna vinculada de tal
forma ao trabalho que o trabalhador, para fins de subsistência, acaba se sujeitando
a essa condição de trabalho forçado.
4.2.2
Caracterização de trabalho com restrição à liberdade de locomoção
A liberdade de locomoção prevista no art. 149 do CP como elemento do tipo
penal que a considera como causa da redução a condição análoga à de escravo, se
caracteriza, conforme entendimento da Organização Internacional do Trabalho, por
alguns elementos, sendo eles a servidão por dívida, retenção de documentos,
isolamento físico, vigilância ostensiva (OIT, 2010, p. 16).
E assim definidas:
a)
Servidão por dívidas: os trabalhadores recebem uma quantia na hora do
aliciamento, com a promessa de ótimos ganhos a serem pagos pelo trabalho
9
Gato – pessoa que atrai o trabalhador para exercer funções em outras localidades, com falsas
promessas de excelentes salários e acomodações. É o intermediador da mão de obra entre o
empregado e o empregador. Disponível em: www.mpt.gov.br/escravo.
30
prestado. Porém a realidade é diversa na hora em que chegam ao local. São
obrigados a pagar preços exorbitantes pelas acomodações, que em muitos casos
estão em condições precárias e desumanas, pagam também pela alimentação e
equipamentos para o trabalho, tudo de forma superfaturada para que a dívida nunca
seja paga e o trabalhador se prenda a ela. “Esta prática é conhecida como ‘política
do barracão’ ou ‘truck system’. Ainda que a imputação da dívida seja fraudulenta,
muitos trabalhadores são moralmente coagidos a saudá-la”. (OIT, 2010, p. 16)
b)
Retenção
de
documentos:
“os
documentos
dos
trabalhadores
freqüentemente são retidos durante o período da prestação do serviço;” (OIT, 2010,
p. 16)
c)
Isolamento físico: “em grande parte dos casos, o local de trabalho é de difícil
acesso e distante de núcleos urbanos, o que dificulta a fuga do trabalhador”. (OIT,
2010, p. 16)
d)
Vigilância ostensiva: “em alguns casos há presença de guardas armados
que ameaçam os trabalhadores e aplicam punições físicas” (OIT, 2010, p. 16).
De tal forma que a restrição da liberdade de locomoção do trabalhador pode
ser entendida como os meios, físico ou moral, pelos quais o empregador exerce o
domínio sobre o empregado, de forma ilícita, de modo que o mesmo não consiga
sair do local onde ocorre a prática do trabalho na condição análoga à de escravo.
Como ensina Wilson Ramos Filho,
Sendo assim, tanto o trabalho forçado como o trabalho com restrição à
liberdade de locomoção configuram-se como condutas criminosas pelo
artigo 149 do CPB, nas quais obviamente se infringe o direito de ir e vir (e,
conseqüentemente, o direito a se opor à exigência de trabalho forçado
quando o empregado tenta se evadir). (RAMOS FILHO. 2012, p. 397)
Esse fato dificulta ainda mais a fiscalização dos órgãos competentes, já que
somente por meio de denúncia será possível chegar a estes locais distantes para
comprovar a ocorrência deste crime.
31
4.2.3
Tráfico de pessoas
Como se ressalta desde o inicio deste trabalho, no contexto da sociedade
atual há diversas formas modernas de trabalho escravo. O tráfico de pessoas é um
gênero delas, tendo como forma mais comum a exploração sexual.
No texto de Cícero Rufino Pereira, Procurador do Trabalho do Estado do
Mato Grosso do Sul, podemos verificar melhor a exploração sexual como sendo uma
forma de redução a condição análoga à de escravo:
Como guardião da ordem jurídica trabalhista, o Ministério Público do
Trabalho elegeu, entre suas atividades principais, o combate às chamadas
“formas modernas de escravidão” (o trabalho escravo), acabando, por
conseqüência, por combater o chamado Tráfico de Seres Humanos (TSH),
o qual é gênero, tendo, como espécies, a exploração da prostituição, outras
formas de exploração sexual, a remoção de órgãos para venda, a adoção
ilegal e as “práticas similares à escravatura”, ou, conforme dicção do artigo
149 do Código Penal, com a redação da Lei 10.803/03, crime de “redução à
10
condição análoga à de escravo.
Esse tráfico tem a mesma origem do trabalho escravo rural, o famoso “gato”
que intermedia a contratação mediante a falsa oferta de excelentes ganhos e
condições de trabalhos. Porém, como já se pode verificar nos itens anteriores, a
realidade quando se chega ao local onde será prestado o “trabalho” é totalmente
diferente, os trabalhadores contraem dívidas impagáveis, tem sua locomoção
restringida, e nesse caso em específico, ainda são explorados sexualmente.
Nesse sentido a própria jurisprudência nacional se manifesta:
RECURSO EM SENTIDO ESTRITO: RSE 7107 RS 000233377.2009.404.7107 - PENAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO.
REDUÇÃO A CONDIÇÃO ANÁLOGA À DE ESCRAVO. REDUÇÃO DA
VÍTIMA A UM ESTADO DE SUBMISSÃO FÍSICA E PSÍQUICA. TRÁFICO
INTERNO DE PESSOAS. ARTS. 149, CAPUT E §1º, II, E 231-A, AMBOS
DO CÓDIGO PENAL. INDÍCIOS SUFICIENTES DE MATERIALIDADE E
AUTORIA DELITIVAS. RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. COMPETÊNCIA
DA JUSTIÇA FEDERAL.1. Hipótese em que as vítimas - garotas de
programa trazidas de diversas cidades do País para exercerem a
10
Texto retirado do site do Ministério Público do Trabalho do Estado do Mato Grosso do Sul:
http://www.prt24.mpt.gov.br/site/includes/docs/comunicacao/artigos/mp_trafico_seres_humanos.pdf
acessado em 23 de abril de 2012.
32
prostituição em boate de propriedade dos agentes - eram submetidas a uma
situação de vínculo obrigatório com o local de trabalho, induzidas que eram
a efetuar compras de caráter pessoal na loja de propriedade dos acusados,
sendo mantidas, assim, como eternas devedoras.2. Presentes indícios
suficientes da submissão física e psíquica das vítimas à posse e ao domínio
dos réus, e vigendo, neste momento, o princípio in dubio pro societate, mais
coerente é que sejam apuradas as reais circunstâncias em que se deram os
fatos por meio da devida instrução processual, devendo a denúncia ser
recebida em face da potencial prática dos delitos previstos nos artigos 149 e
231-A, ambos do Código Penal.3. Manutenção da competência da Justiça
Federal para processar e julgar o feito.
(7107 RS 0002333-77.2009.404.7107, Relator: TADAAQUI HIROSE, Data
de Julgamento: 15/02/2011, SÉTIMA TURMA, Data de Publicação: D.E.
03/03/2011)
Para complementar o raciocínio cito os dizeres de Luiz Régis do Prado:
O indivíduo é posto sob o domínio de outrem, que pode dele livremente
dispor. Não se suprime, in casu , uma parcela da liberdade pessoal. Ao
contrário, esse bem jurídico é integralmente comprometido, visto que a
sujeição de alguém ao poder absoluto do agente implica, por sem dúvida,
afronta insanável ao princípio da dignidade da pessoa humana, de índole
constitucional (art. 1º, III,CF). Reduzir alguém à condição análoga a de
escravo importa anulação completa da personalidade. O homem é
transformado em coisa (res ), submetido ao talante do agente. (PRADO,
2007).
Isso reforça que a sujeição de uma pessoa a vontade de outrem na forma
apresentada (redução a condição análoga à de escravo) caracteriza afronta a
Constituição Federal, ao princípio da dignidade da pessoa humana. E no caso do
tráfico de pessoas e ainda pior, pois há uma exploração sexual, ou obtenção de
órgãos, ou ainda a própria venda do trabalhador, como coisa.
Os trechos do julgado acima apresentado Res. Nº. 7107/RS, deixam
evidente como é caracterizado a redução a condição análoga à de escravo:
A fraude montada, a fim de que as vítimas tivessem restringida sua
capacidade de locomoção, consistia no estímulo à compra de produtos
(roupas e acessórios, inclusive para festas temáticas promovidas na Boite,
materiais de higiene e beleza, perfumes etc.), na "loja" mantida no interior
da boate (conforme comprovam as fotografias insertas nas fls. 183-191 do
IPL), ou intermediados pelos denunciados (geladeiras, televisores etc), bem
como pelo custeio (adiantamento) de despesas referentes ao transporte
(passagens) das vítimas (algumas, inclusive, vindas de outros Estados da
Federação), de modo que estas permaneciam, invariavelmente, devedoras
33
dos denunciados, sendo que não poderiam ir embora enquanto não as
quitassem.
A análise dos cadernos e agenda descritos nos itens 02, 03 e 04 do Auto de
Apreensão da fl. 10 do IPL (acostados no anexo I), comprovam a ocorrência
de tal procedimento, registrando altos débitos das vítimas para com a loja
montada no interior da boate.
Exemplificativamente, destaca-se as anotações de débito em nome da
alcunhada "FIFA"(que atinge patamar próximo a R$3.000,00); de "JULIANA
(que atinge patamar próximo de R$ 1.000,00); de" ELIANE "(em patamar
que supera os R$ 10.000,00); da alcunhada" JAQUE "(em patamar que
supera os R$ 2.000,00); e da alcunhada"PATY PORTO"(que atinge patamar
próximo de R$ 1.000,00).
Nas mesmas circunstâncias de tempo e local, os denunciados, sob a
alegação de que iriam contratá-la como empregada da loja pertencente à
denunciada RITA, de nome"LINDA RK FASCHION", localizada na cidade de
Bento Gonçalves/RS, apoderaram-se da Carteira de Trabalho de DIENE
HELLEN CORREA, sendo que somente procederam a devolução de tal
documento por ocasião da oitiva da denunciada RITA em sede policial.
Outrossim, também foi verificado que, na prática, as vítimas residiam nas
dependências da boate, não lhes sendo oferecidas garantias mínimas de
saúde, segurança, moradia, higiene e alimentação, estando alojadas em
péssimas condições, conforme comprovam as fotografias insertas nas fl.
177-182 do IPL.
Por oportuno, ressalta este Órgão Ministerial que o aparente consentimento
manifestado por algumas das vítimas em suas oitivas perante à Autoridade
Policial não tem relevância em casos como o presente, nos quais há ofensa
à ética social e aos bons costumes.
Desprende-se ainda que é entendimento da jurisprudência pátria que o
crime não depende de representação da vítima, ou seja, é uma ação penal
incondicionada, bastando o oferecimento da denúncia pelo Ministério Público, ou
que qualquer outra pessoa denuncie a um órgão competente.
A Lei 12.015/2009 alterou a redação do artigo 23111, passando a denominar
o crime de tráfico de mulheres como sendo tráfico internacional de pessoas para fins
11
Art. 231. Promover ou facilitar a entrada, no território nacional, de alguém que nele venha a exercer a
prostituição ou outra forma de exploração sexual, ou a saída de alguém que vá exercê-la no
estrangeiro. (Redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009)
Pena - reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos. (Redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009)
o
§ 1 Incorre na mesma pena aquele que agenciar, aliciar ou comprar a pessoa traficada, assim como, tendo
conhecimento dessa condição, transportá-la, transferi-la ou alojá-la. (Redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009)
§ 2o A pena é aumentada da metade se: (Redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009)
I - a vítima é menor de 18 (dezoito) anos; (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)
II - a vítima, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do
ato; (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)
III - se o agente é ascendente, padrasto, madrasta, irmão, enteado, cônjuge, companheiro, tutor ou curador,
preceptor ou empregador da vítima, ou se assumiu, por lei ou outra forma, obrigação de cuidado, proteção ou
vigilância; ou (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)
IV - há emprego de violência, grave ameaça ou fraude. (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)
34
de exploração sexual, e incluindo o artigo 231-A12 que tipifica o crime de tráfico
interno de pessoas. Essa alteração e inclusão feitas pela Lei 12.015/2009 foi um
avanço nas formas de combate a este tipo de crime, visando a sua diminuição.
4.3
TRABALHO ESCRAVO URBANO COM SUPORTE CONTRATUAL VÁLIDO
Essa é a espécie de trabalho escravo que melhor define o tema central
deste trabalho, o neoescravismo moderno, uma vez que nos dias atuais as pessoas
que possuem seu emprego, salário, benefícios, dificilmente irão reclamar ou
reconhecer que se encontram em condição análoga à de escravo. A lógica seguida
pelo trabalhador não deixar de estar correta, já que ele possui um contrato formal de
trabalho, no qual há direitos, garantias e deveres.
Como aduz Wilson Ramos Filho,
Registre-se que para a configuração do crime trabalho prestado nas
cidades com suporte contratual em condições análogas à de escravo
não se exige restrição à liberdade de locomoção. Caso o empregador
submeta o empregado a “jornadas exaustivas” ou que sujeite
trabalhadores a “condições degradantes de trabalho” o crime estará
materializado, ainda que ausentes a restrição à liberdade de ir e vir e
a exigência de trabalhos forçados. (RAMOS FILHO. 2012, p. 396)
o
§ 3 Se o crime é cometido com o fim de obter vantagem econômica, aplica-se também multa. (Incluído pela Lei
nº 12.015, de 2009)
12
Art. 231-A. Promover ou facilitar o deslocamento de alguém dentro do território nacional para o exercício da
prostituição ou outra forma de exploração sexual: (Redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009)
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos. (Redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009)
o
§ 1 Incorre na mesma pena aquele que agenciar, aliciar, vender ou comprar a pessoa traficada, assim como,
tendo conhecimento dessa condição, transportá-la, transferi-la ou alojá-la. (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)
o
§ 2 A pena é aumentada da metade se: (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)
I - a vítima é menor de 18 (dezoito) anos; (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)
II - a vítima, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a
prática do ato; (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)
III - se o agente é ascendente, padrasto, madrasta, irmão, enteado, cônjuge, companheiro, tutor ou
curador, preceptor ou empregador da vítima, ou se assumiu, por lei ou outra forma, obrigação de
cuidado, proteção ou vigilância; ou (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)
IV - há emprego de violência, grave ameaça ou fraude. (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)
o
§ 3 Se o crime é cometido com o fim de obter vantagem econômica, aplica-se também
multa.(Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)
35
Assim, embora não se necessite configurar trabalhos forçados ou com
restrição de locomoção, existem situações em que a lógica de mercado que vivemos
impõe trabalhos que dependem de produção, da venda, do transporte, de produtos
em grande quantidade, os quais configuram trabalho em condições análogas a de
escravo, por jornada exaustiva ou condições degradantes.
Por isso se sujeitam a jornadas exaustivas, , a locais de trabalho
degradantes, a pressão exercida pelos patrões para que produzam, vendam,
alcancem metas cada vez maiores.
É uma forma apelativa dos empregadores para que os empregados
produzam mais em menos tempo, ou seja, quanto mais eles produzirem de riqueza
para o patrão maior será o valor da sua comissão, gratificação, porcentagem dos
lucros ou salário.
Assim como o caso dos bolivianos utilizado como exemplo no item 4.1, no
caso do presente item, o exemplo mais significativo talvez seja o dos caminhoneiros.
Eles viajam por dias, horas, meses, fazendo os fretes e dependendo da sua maior
rapidez na entrega para receber uma quantia maior no final do mês, pois eles
recebem por entrega feita.
De acordo com o sitio eletrônico do Senado Federal os profissionais desta
área também são considerados escravos urbanos:
Muitos trabalham em torno de 18 horas diárias, pressionados pela exigência
de produtividade, já que recebem por carga entregue. Mais que isso, eles
geralmente fazem dívidas para comprar seus veículos. O nível de estresse
desses profissionais, que trabalham em meio aos perigos do trânsito das
rodovias brasileiras, leva constantemente a problemas de saúde, como
hipertensão e estafa, agravados por problemas ergométricos por passarem
muito tempo sentados, em constante trepidação. (SENADO, 2012)
Na mesma matéria o Senado inclui os trabalhadores marítimos:
Da mesma forma, os trabalhadores marítimos estão entre os mais
vulneráveis ao trabalho escravo. A fiscalização em embarcações,
principalmente em águas internacionais, praticamente inexiste. Com o
isolamento, os navios podem ser transformados em cativeiros, e a situação
é agravada pela dificuldade na identificação de responsabilidades legais
entre os tripulantes. (SENADO, 2012)
36
Então se verifica que não se tem somente o trabalho na condição análoga à
de escravo nas zonas rurais, mas também nos grandes centros urbanos,
caracterizado ainda pelo fato de se ter um contrato de trabalho válido, mas em
condições de trabalho degradantes ou com jornadas exaustivas.
Em julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) do Inquérito 3412-AL, o
Ministro Relator Marco Aurélio, conseguiu definir de forma clara a caracterização da
redução a condição análoga à de escravo, como se verifica:
INQUÉRITO.EMENTA PENAL. REDUÇÃO A CONDIÇÃO ANÁLOGA A DE
ESCRAVO. ESCRAVIDÃO MODERNA. DESNECESSIDADE DE COAÇÃO
DIRETA CONTRA A LIBERDADE DE IR E VIR. DENÚNCIA
RECEBIDA.Para configuração do crime do art. 149 do Código Penal, não é
necessário que se prove a coação física da liberdade de ir e vir ou mesmo o
cerceamento da liberdade de locomoção, bastando a submissão da vítima
"a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva" ou "a condições degradantes
de trabalho", condutas alternativas previstas no tipo penal. A "escravidão
moderna" é mais sutil do que a do século XIX e o cerceamento da liberdade
pode decorrer de diversos constrangimentos econômicos e não
necessariamente físicos. Priva-se alguém de sua liberdade e de sua
dignidade tratando-o como coisa e não como pessoa humana, o que pode
ser feito não só mediante coação, mas também pela violação intensa e
persistente de seus direitos básicos, inclusive do direito ao trabalho digno. A
violação do direito ao trabalho digno impacta a capacidade da vítima de
realizar escolhas segundo a sua livre determinação. Isso também significa
"reduzir alguém a condição análoga à de escravo". Não é qualquer violação
dos direitos trabalhistas que configura trabalho escravo...
(Inq. 3412 AL , Relator: Min. MARCO AURÉLIO, Data de Julgamento:
29/03/2012, Tribunal Pleno, Data de Publicação: ACÓRDÃO ELETRÔNICO
DJe-222 DIVULG 09-11-2012 PUBLIC 12-11-2012, grifo nosso)
Os trabalhadores que se encontram nessa situação, por possuírem suporte
contratual válido, são praticamente invisíveis aos olhos do Governo e da sociedade,
pois poucos deles aceitam que estão na condição análoga à de escravo.
Isso se deve, como dito pelo Ministro do STF Marco Aurélio, ao vínculo de
dependência do empregado em relação ao empregador pelo prisma econômico. Ou
seja, o trabalhador prefere não denunciar o seu chefe ou empresa, para não ter o
risco de perder a remuneração percebida pelo trabalho.
Assim a principal característica deste trabalho na condição análoga à de
escravo no ambiente urbano com suporte contratual válido é o trabalho em
condições degradantes e/ou as jornadas exaustivas.
Condições e jornadas estas que se pretende tratar nos itens a seguir.
37
4.3.1
Caracterização do trabalho em condições degradantes.
A forma para caracterização do trabalho em condições degradantes, possui
alguns obstáculos a serem superados, uma vez que se trata de uma definição
amplamente subjetiva, pois cada caso exigirá ser analisado de forma especial, de
acordo com normativas, legislação e situação em que se encontra o trabalhador.
Parte da doutrina ao tentar conceituar trabalho degradante utiliza-se do
conceito da Organização Internacional do Trabalho (OIT), acerca do trabalho
decente:
Trabalho produtivo e adequadamente remunerado, exercido em condições
de liberdade, equidade e segurança, sem quaisquer formas de
discriminação, e capaz de garantir uma vida digna a todas as pessoas que
vivem de seu trabalho.
De tal maneira que se pode verificar que o trabalho decente acima definido
pela OIT, garante a dignidade da pessoa humana, e mais a proteção jurídica e social
do trabalhador. É o oposto do trabalho degradante.
Ou seja, entende-se por trabalho degradante aquele que não for decente.
Acontece que diante da grande subjetividade de tal conceito de trabalho decente,
ainda permanece complexa a sua conceituação.
Diante de tal amplitude, Wilson Ramos Filho traz uma outra forma de se
conceituar o tema. Para ele, o trabalho “em condições degradantes” tem que ser
claramente diferenciado do “trabalho degradante”, vez que esse possui certa
tolerância por parte do Ordenamento Jurídico vigente. Já as condições degradantes
seriam aquelas caracterizadas pelas condições oferecidas pelo empregador para
que o trabalho seja prestado, no caso a falta de condições. (RAMOS FILHO, 2012,
p. 400)
Este mesmo autor utilizar uma forma simples para que se possa diferencia o
‘trabalho degradante’ e as ‘condições degradantes’, se o empregador exige do
empregado um trabalho degradante e por esse ele recebe um adicional como forma
de indenização pela execução do mesmo, por haver previsão trabalhista que
possibilita isso, estamos diante de um caso de trabalho degradante, porém na forma
admitida pelo Direito do Trabalho.
38
Se por outro lado o trabalhador é sujeitado a trabalho degradante sem que
haja a compensação econômica adicional, estamos diante de uma condição
degradante de trabalho, que configura o tipo penal do art. 149 do CP. (RAMOS
FILHO, 2012, p. 400-401).
Um exemplo que se pode utilizar para melhor compreender a questão do
trabalho degradante é a seguinte situação hipotética: um determinado indivíduo que
trabalha com coleta de lixo, devido à exposição a agentes biológicos o seu trabalho
é tipo como degradante, ou seja, oferece risco à saúde devendo ser pago o adicional
de insalubridade na forma do Art. 18913 da CLT, assim não configurando o crime
disposto no art. 149 do CP. Mas no caso de o mesmo não receber este adicional
estará configurado o crime de redução a condição análoga à de escravo, deixando
de ser um trabalho degradante, legalmente aceito, para se tornar um trabalho em
condições degradantes.
Assim, percebe-se que há uma relação de subjetividade por trás do conceito
de “condição degradante de trabalho” que é sanada com a comparação ao “trabalho
degradante”, que se diferenciam pelo pagamento ou não do adicional legal previsto
no ordenamento jurídico pátrio.
4.3.2
Caracterização de jornada exaustiva.
É sabido que a jornada diária prevista em nossa legislação é de oito horas
diárias. Sabe-se também que a própria CLT autoriza a realização de horas extras,
até o limite máximo de duas diárias, conforme artigo 59 da CLT14.
13
Art . 189 - Serão consideradas atividades ou operações insalubres aquelas que, por sua natureza, condições
ou métodos de trabalho, exponham os empregados a agentes nocivos à saúde, acima dos limites de tolerância
fixados em razão da natureza e da intensidade do agente e do tempo de exposição aos seus efeitos.
14
Art. 59 - A duração normal do trabalho poderá ser acrescida de horas suplementares, em número não
excedente de 2 (duas), mediante acordo escrito entre empregador e empregado, ou mediante contrato coletivo
de trabalho.
§ 1º - Do acordo ou do contrato coletivo de trabalho deverá constar, obrigatoriamente, a importância da
remuneração da hora suplementar, que será, pelo menos, 20% (vinte por cento) superior à da hora normal.
§ 2o Poderá ser dispensado o acréscimo de salário se, por força de acordo ou convenção coletiva de trabalho, o
excesso de horas em um dia for compensado pela correspondente diminuição em outro dia, de maneira que não
exceda, no período máximo de um ano, à soma das jornadas semanais de trabalho previstas, nem seja
ultrapassado o limite máximo de dez horas diárias.
§ 3º Na hipótese de rescisão do contrato de trabalho sem que tenha havido a compensação integral da jornada
extraordinária, na forma do parágrafo anterior, fará o trabalhador jus ao pagamento das horas extras não
compensadas, calculadas sobre o valor da remuneração na data da rescisão.
§ 4o Os empregados sob o regime de tempo parcial não poderão prestar horas extras.
39
Desta maneira, a doutrina traz como um critério quantitativo acerca da
jornada exaustiva, que seria aquela jornada que ultrapasse de forma habitual 10
horas diárias e, desde que não haja acordo de compensação válido.
Como aduz Wilson Ramos Filho,
Desse modo, considera-se com exaustiva, do ponto de vista quantitativo,
aquelas jornadas laborais nas quais, com habitualidade, for ultrapassado o
elástico limite de dez horas diárias de labor; não de forma esporádica em
face de necessidade imperiosa, mas quando regularmente se exija do
empregado a prestação de jornada superiores a dez horas de trabalho.
(RAMOS FILHO. 2012, p. 397)
Acontece que, além do critério quantitativo acima mencionado, a doutrina
também apresentar um critério qualitativo. Ou seja, existem profissões, que por suas
características específicas, mais estressantes, podem configurar jornada exaustiva
sem que o empregado tenha a necessidade de laborar mais de 10 horas
habitualmente.
Como explica mais um ensinamento de Wilson Ramos Filho:
[...]do ponto de vista qualitativo, serão consideradas exaustivas todas as
jornadas que, mesmo não ultrapassando o limite legal de dez horas diárias,
se revistam de intensidade tal que a própria prorrogação para além da
jornada normal de trabalho já caracterize exaustão. De fato os trabalhos de
maior complexidade intelectual, que exigem maior concentração, por mais
intenso, a exaustão se opera bem antes do que ocorre em trabalhos
meramente contemplativos[...] (RAMOS FILHO. 2012, p. 398)
A grande diferença é que para o critério qualitativo, há a necessidade de que
o empregado comprove que sua jornada foi exaustiva antes de completar 10 horas
habituais, ônus que não possuem aqueles que pretendem a configuração da jornada
exaustiva
pelo critério quantitativo,
os
quais
só precisam demonstrar
o
extrapolamento habitual do limite legal.
Como analisa Wilson Ramos Filho,
No primeiro caso, do ponto de vista quantitativo, o trabalho será
considerado como exaustivo, pelo simples fato de ser ultrapassado o
40
limite máximo de duas horas, com habitualidade, para além da
jornada fixada legalmente como normal, independentemente de prova
da exaustão. No segundo caso, do ponto de vista qualitativo, a
exaustão haverá de ser provada e comprovada. (RAMOS FILHO.
2012, p. 398)
Ou seja, não somente as jornadas de trabalho que extrapolem habitualmente
as dez horas diárias, que configura o critério quantitativo da jornada exaustiva, esta
também pode ser caracterizada pelo critério qualitativo, que é aquela jornada que
mesmo não ultrapassando o limite legal de dez horas diárias, exige do trabalhador,
como diz Wilson Ramos Filho, maior complexidade intelectual, maior concentração,
trabalho sob pressão ou de metas. (RAMOS FILHO, 2012, p. 398).
Assim, Wilson Ramos Filho define a configuração do crime previsto no art.
149 do CP da seguinte forma:
O crime se configura pela exigência de trabalho em jornadas, do ponto de
vista quantitativo, que superem o teto máximo admitido pelo Direito
Capitalista do Trabalho. Desse modo o pagamento das horas prestadas
além do limite máximo de duas extras diárias, de modo habitual, não elide o
crime. Ainda que remunere as horas extras, seguira existindo a prática
delituosa. No mesmo crime incidirá o empregador que exigir jornadas
exaustivas do ponto de vista qualitativo, ainda que cumpra com as
obrigações remuneratórias decorrentes da legislação trabalhista. (RAMOS
FILHO, 2012, p. 398-399)
Portanto, temos que a jornada exaustiva pode se caracterizar tanto pelo
critério quantitativo, quando superar o limite legal de dez horas. E o critério
qualitativo se configura quando houver grande exigência e/ou pressão física e
mental do trabalhador, de forma habitual, mesmo que não ultrapasse o limite legal
de horas.
Assim, diante de todo o exposto, percebe-se que por meio da legislação
penal incidente sobre as relações de trabalho, através dos artigos 14915 e 20316 do
15
Art. 149. Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos
forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer
restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou
preposto: (Redação dada pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003).
16
Art. 203 - Frustrar, mediante fraude ou violência, direito assegurado pela legislação do trabalho:
Pena - detenção de um ano a dois anos, e multa, além da pena correspondente à violência.
§ 1º Na mesma pena incorre quem:
41
Código Penal, é viável na atualidade se enquadrar determinadas posturas
empresariais como criminosas, seja nos casos em que o trabalhador é submetido a
condições análogas a de escravo no meio rural, seja no urbano, com ou sem
contrato de trabalho valido, ou quando exposto a trabalho forçado, ou a restrição de
locomoção ou a condições degradantes de trabalho ou a jornadas exaustivas.
Pretende-se no próximo capítulo abordar as formas de proteção ao trabalho
escravo contemporâneo.
I - obriga ou coage alguém a usar mercadorias de determinado estabelecimento, para impossibilitar o
desligamento do serviço em virtude de dívida;
II - impede alguém de se desligar de serviços de qualquer natureza, mediante coação ou por meio da
retenção de seus documentos pessoais ou contratuais.
§ 2º A pena é aumentada de um sexto a um terço se a vítima é menor de dezoito anos, idosa,
gestante, indígena ou portadora de deficiência física ou mental.
42
5
FORMAS DE PROTEÇÃO CONTRA O TRABALHO ESCRAVO
Como o trabalho escravo está cada vez mais visível através de programas
de TV, jornais, revistas, internet, o Governo Federal juntamente com os órgãos
competentes, políticos, Organizações Não Governamentais, e demais pessoas
engajadas em combater o trabalho escravo, vem desenvolvendo por meio de
políticas de repressão, de fiscalizações do Ministério Público Federal, Ministério
Público do Trabalho, Policia Federal, e também condenações em ações judiciais,
meios que possibilitem a diminuição e o combate ao trabalho escravo no Brasil.
As leis e políticas de combate ao trabalho escravo, sozinhas não possuem
grandes efeitos, para que elas sejam cumpridas há a necessidade de outros meios
sejam aplicados, como veremos nos itens que seguem abaixo.
5.1
PEC 438/2011 – PEC DO TRABALHO ESCRAVO
A Proposta de Emenda Constitucional nº. 438/01, chamada de PEC do
Trabalho Escravo, foi apresentado em 1999, pelo então senador, Ademir Andrade.
Ela tem por finalidade a alteração do Art. 243 da Constituição Federal:
Art. 243 - As glebas de qualquer região do País onde forem localizadas
culturas ilegais de plantas psicotrópicas serão imediatamente expropriadas
e especificamente destinadas ao assentamento de colonos, para o cultivo
de produtos alimentícios e medicamentosos, sem qualquer indenização ao
proprietário e sem prejuízo de outras sanções previstas em lei.
Referida PEC propõe incluir a expropriação dos imóveis rurais e urbanos
onde a fiscalização trabalhista encontre trabalho escravo, sendo eles então
destinados à Reforma Agrária e a programa habitacional popular.
Durante dois anos a proposta tramitou pelo Senado, sendo aprovada em
2001, e encaminhada para aprovação da Câmara dos Deputados, porém somente
em 2004, no mês de agosto, impulsionada pela morte de três auditores fiscais e um
motorista do Ministério do Trabalho, em Uraí, Minas Gerais, durante uma
43
fiscalização em janeiro daquele ano, a matéria foi aprovada em primeiro turno no
Plenário da Câmara dos Deputados.
Sendo somente em 22 de maio de 2012 aprovada em segundo turno, com
expressiva votação de 360 votos a favor, eram necessários 308 para aprovação, 29
contra e 25 abstenções, como podemos verificar no Diário da Câmara dos
Deputados, publicado no dia 23 de maio de 201217:
O SR. PRESIDENTE (Marco Maia) – A votação está encerrada.
VOTARAM
SIM: 360;
NÃO: 29;
ABSTENÇÕES: 25.
TOTAL: 414. APROVADA. (Palmas e vivas prolongados.)
Fica dispensada a redação final da matéria, nos termos do inciso I do § 2º
do art. 195 do Regimento Interno. A matéria retorna ao Senado Federal.
LISTAGEM DE VOTAÇÃO
Proposição: PEC Nº 438/2001 – SEGUNDO TURNO
– Nominal Eletrônica
Início da votação: 22-5-12 18:35
Encerramento da votação: 22-5-12 19:40
Presidiu Votação: Marco Maia
Porém por ser proposta oriunda do Senado e modificada na Câmara, onde
se propôs a inclusão do imóvel urbano no projeto, voltou para exame dos Senadores
para que seja aprovada a modificação, como se apresenta no sitio eletrônico “Rede
Brasil Atual”, na matéria de autoria de Maurício Thuswohl:
Atualmente, a PEC 438/01 está presa na teia burocrática do Senado, mais
exatamente no Protocolo Legislativo, para onde foi enviada pela Mesa
Diretora da casa em 25 de maio com o objetivo de ser apensada à PEC
57A/99, que trata da mesma matéria. Essa, por sua vez, está desde 11 de
setembro na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, onde
aguarda que o presidente, senador Eunício Oliveira (PMDB-CE), designe
seu relator.
A bancada ruralista se opõe a aprovação desta PEC, e sempre causa algum
entrave para que ela não seja votada e aprovada. E não poderia ser diferente uma
17
Disponível em: http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf/DCD23MAI2012.pdf.pdf#page=119
44
vez que essa bancada representa os proprietários de terras, que também são eles,
que em sua maioria se utilizam de trabalhadores em condição análoga à de escravo.
No sitio eletrônico do Senado Federal, na seção “em discussão”, a matéria
“PEC 438 é considerada segunda Lei Áurea”, mostra essa dificuldade de aprovação:
Para dificultar ainda mais, entre os grupos interessados em que a PEC 438
não seja transformada em Emenda Constitucional está um dos mais
poderosos e bem organizados do Congresso: a bancada ruralista, que
congrega mais de 150 deputados. E seus argumentos não são poucos.
A opinião dos proprietários de terra sobre a PEC 438/01 pode ser verificada
no sitio eletrônico “Notícias Agrícolas” através da reportagem “PEC 438/01:
armadilha contra a propriedade” com os seguintes dizeres:
Trata-se,aliás, de uma figura jurídica ambígua, que não está bem definida
na PEC e que abrirá caminho para as maiores arbitrariedades. Ela poderia
se chamar com todo propósito PEC-armadilha contra a propriedade.
Alguém já a apelidou também de PEC da hipocrisia, pois seus autores a
conceberam com alta carga emocional, explorando ao máximo a palavra
escravidão. A quem pode interessar isso? – Àqueles que odeiam o
agricultor e sua propriedade!
Sim. Eles querem a expropriação das terras. Aquilo que não se conseguiu
na Constituinte em nome da Reforma Agrária, pretende-se agora – a
propósito do pretenso trabalho escravo – golpear mortalmente o direito de
propriedade.
Com efeito, a PEC fala em expropriação. O que equivale a penalizar a
propriedade e não o proprietário criminoso. Expropriação é igual à
desapropriação sem nenhuma indenização[...]
Não permitamos esse golpe mortal contra o direito de propriedade sob
pretexto escuso de 'trabalho escravo'.
Fica evidente que o interesse do proprietário rural é somente a propriedade,
a posse, o valor que ela tem, deixando de lado os interesses e direitos do
trabalhador que nela presta seu serviço. Pode-se tirar disso o motivo pelo qual há
tanto entrave para que a bancada ruralista aprove a PEC 438/01.
As entidades governamentais e as não governamentais entendem que a
aprovação desta PEC é um marco para uma nova abolição da escravidão em nosso
país, como apresenta o texto no sitio eletrônico do Senado na matéria “PEC 438 é
considerada a segunda Lei Áurea”:
45
Se, por um lado, a Frente Parlamentar Mista pela Erradicação do Trabalho
Escravo e a Organização Internacional do Trabalho (OIT), entre outros,
consideram a PEC 438 uma “Segunda Lei Áurea”, já que oferece punição
severa para quem patrocina a escravidão, os opositores da proposta temem
que a expropriação de terras seja aplicada de forma arbitrária, prejudicando
não apenas o proprietário, mas toda a sua família.
Portanto é necessário que aconteça o convencimento dos opositores
ruralistas de que a PEC 438 é de suma importância para a redução no número de
trabalhadores que são reduzidos a condição análoga á de escravo.
5.2
LISTA SUJA.
Mais uma forma para coibir o trabalho escravo contemporâneo no Brasil foi
a criação do Cadastro de Empregadores flagrados utilizando mão de obra em
condições análogas à de escravo, que foi denominado de Lista Suja, criado pela
portaria 540 do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE).
Mantida pelo mesmo Ministério, ela visa impedir que empresas que constem
neste cadastro recebam financiamentos públicos.
Como relata Wilson Ramos Filho,
No início do Governo Lula, sob a coordenação da Secretaria Especial
dos Direitos Humanos – SEDH em parceria com a Organização
Internacional do Trabalho – OIT, visando identificar as cadeias
produtivas em que estão inseridas as fazendas do cadastro de
empregadores conhecido como a “lista suja” do trabalho escravo no
Brasil18, o trabalho de repressão passou a disponibilizar informações
à indústria e aos mercados consumidor, varejista, atacadista e
exportador da existência de mão-de-obra escrava na origem da
cadeia de produção daquelas mercadorias. (RAMOS FILHO. 2012, p.
392)
18
BRASIL. Ministério do Trabalho e Emprego. Portaria nº 540, DE 15 DE OUTUBRO DE 2004. O
MINISTRO DE ESTADO DO TRABALHO E EMPREGO, no uso da atribuição que lhe confere o art.
87, parágrafo único, inciso II, e tendo em vista o disposto no art. 186, incisos III e IV, da Constituição,
resolve: Art. 1º Criar, no âmbito do Ministério do Trabalho e Emprego - MTE, o Cadastro de
Empregadores que tenham mantido trabalhadores em condições análogas à de escravo [...];
46
A inclusão é feita de acordo com o Art. 2º da Portaria Interministerial nº. 2,
de 12 de maio de 201119:
“Art. 2º A inclusão do nome do infrator no Cadastro ocorrerá após decisão
administrativa final relativa ao auto de infração, lavrado em decorrência de
ação fiscal, em que tenha havido a identificação de trabalhadores
submetidos a condições análogas à de escravo.”
O cadastro é atualizado semestralmente pelo MTE, conforme o disposto no
art. 3º e incisos de I a XIII da mesma portaria:
“Art. 3º O MTE atualizará, semestralmente, o Cadastro a que se refere o art.
1º e dele dará conhecimento aos
seguintes órgãos:
I - Ministério do Meio Ambiente (Redação dada pela Portaria
496/2005/MTE);
II - Ministério do Desenvolvimento Agrário (Redação dada pela Portaria
496/2005/MTE);
III - Ministério da Integração Nacional (Redação dada pela Portaria
496/2005/MTE);
IV - Ministério da Fazenda (Redação dada pela Portaria 496/2005/MTE);
V - Ministério Público do Trabalho (Redação dada pela Portaria
496/2005/MTE);
VI - Ministério Público Federal (Redação dada pela Portaria 496/2005/MTE);
VII - Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República
(Redação dada pela Portaria
496/2005/MTE);
VIII - Banco Central do Brasil (Redação dada pela Portaria 496/2005/MTE);
IX - Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES
(Acrescentada pela Portaria 496/2005/MTE);
X - Banco do Brasil S/A (Acrescentada pela Portaria 496/2005/MTE);
XI - Caixa Econômica Federal (Acrescentada pela Portaria 496/2005/MTE);
XII - Banco da Amazônia S/A (Acrescentada pela Portaria 496/2005/MTE); e
XIII - Banco do Nordeste do Brasil S/A (Acrescentada pela Portaria
496/2005/MTE).
Assim todos os Órgãos Fiscalizadores e também os órgãos que poderiam
fornecer financiamento a estes empregadores, são avisados da impossibilidade de
fazê-lo.
Uma vez incluso na lista, após processo administrativo passível de recurso,
conforme prevê a portaria n.º2, o nome passa a constar pelo período de dois anos.
19
A íntegra desta portaria encontra-se na seção “ANEXOS” deste trabalho.
47
Se durante este período não houver reincidência, que é verificada através de
monitoramento do MTE, o nome é excluído da lista, como se verifica na publicação
do sitio eletrônico do Ministério do Trabalho e Emprego:
Por sua vez, as exclusões derivam do monitoramento, direto ou indireto,
pelo período de 2 (dois) anos da data da inclusão do nome do infrator no
Cadastro, a fim de verificar a não reincidência na prática do “trabalho
escravo” e do pagamento das multas resultantes da ação fiscal.
Segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), a “Lista Suja” é de
fundamental importância na busca pela erradicação do trabalho escravo no Brasil,
como podemos verificar no texto abaixo:
Desde que instituída em 2004 pela Portaria no. 540 do MTE, a ‘Lista Suja’
se tornou um importante meio de repressão ao trabalho escravo,
principalmente devido às conseqüências econômicas que gera para o
infrator. As empresas e os indivíduos cujos nomes constam na Lista ficam
impossibilitados de receber financiamento público, punição severa para
empreendimentos que dependem de tais financiamentos. (OIT, 2010)
No Senado há um projeto de Lei do Senado sob nº 540/201120, o qual visa
ampliar o alcance da lista suja:
Altera à Lei nº 8.427, de 27 de maio de 1992, que dispõe sobre a concessão
de subvenção econômica nas operações de crédito rural, para estabelecer a
vedação de concessão de subvenções econômicas aos produtores rurais
autuados por promover o trabalho escravo em sua propriedade
rural.(BRASIL, Lei do Senado nº. 540/2011, 2011)
Portanto através destas ferramentas abordadas neste capítulo busca-se, ao
menos, diminuir a incidência do trabalho escravo dentro do Brasil. O que, não é uma
tarefa fácil, pois como já salientado anteriormente requer um esforço em conjunto
20
A íntegra do projeto de Lei do Senado está disponível na seção “ANEXOS” deste trabalho.
48
das autoridades responsáveis, sociedade, organizações não governamentais, e tudo
mais que possa vir a contribuir.
5.3
FISCALIZAÇÃO
O meio comumente utilizado para combater o trabalho escravo, e mais
eficaz, é a fiscalização.
Ela se dá em ações conjuntas por parte dos órgãos responsáveis, visando o
resgate dos trabalhadores que se encontram na condição análoga à de escravo.
A Constituição Federal de 1988 prevê em seu texto, no art. 21, inciso XXIV,
que a competência para organizar, manter e executar a inspeção do trabalho é da
União.
5.3.1
Órgãos federais
Em âmbito federal, o órgão responsável para fiscalizar e verificar as
condições de trabalho em que se encontram os trabalhadores é o Ministério do
Trabalho e Emprego (MTE), Ministério Público do Trabalho e a Polícia Federal, são
os principais órgãos. Ultimamente, o Ministério Público Federal também tem feito
fiscalizações.
A atuação do Ministério do Trabalho e Emprego se dá através da SIT
(Secretária de Inspeção do Trabalho) com políticas regulamentares, que coíbam,
vedem, diminuam (ou ao menos tentem) o trabalho na condição análoga à de
escravo e também com fiscalizações in loco. A mais exemplificativa política é a
elaboração do Plano Nacional Para a Erradicação do Trabalho Escravo, em 2003,
que traz em seu texto:
Consciente de que a eliminação do
básica para o Estado Democrático de
uma das principais prioridades a
contemporâneas de escravidão. (MTE,
trabalho escravo constitui condição
Direito, o novo Governo elege como
erradicação de todas as formas
2003)
49
Os Estados mais afetados pelo trabalho escravo hoje no país são Pará,
Maranhão e Mato Grosso. Tais Estados possuem grandes áreas rurais, afastadas
dos grandes centros urbanos, e por tal motivo, no referido Plano, deveriam possuir
maior efetivo para fiscalização e também agilidade nos processos, onde há maior
dificuldade de acesso as propriedades destas áreas.
No ano de 1995 foi criado pelo MTE, através do Grupo Executivo para a
Repressão do Trabalho Forçado, o Grupo Especial de Fiscalização Móvel, que é o
mais atuante no país.
Este grupo é composto, de acordo com a OIT da seguinte maneira:
O grupo móvel é constituído exclusivamente de AFTs (Auditores Fiscais do
Trabalho). As operações do GEFM contam com o apoio de outras
instituições. Cada equipe possui um(a) coordenador(a) e um(a) subcoordenador(a), ambos(as) AFTs de dedicação exclusiva. As seguintes
instituições têm participação em operações do grupo:
• Ministério Público do Trabalho: 1 procurador(a) do trabalho
(membro da Coordenadoria Nacional de Combate ao Trabalho
Escravo (CONAETE) ou voluntário(a) substituto(a));
• Polícia Federal ou Polícia Rodoviária Federal: em geral 6 policiais da
Polícia Federal ou da Polícia Rodoviária Federal;
• Ministério Público Federal: em situações específicas, a equipe conta
também com um(a) representante da Procuradoria da República (ou
Ministério Público Federal - MPF). (OIT, 2010)
As operações realizadas por esse grupo em conjunto com os órgãos citados,
são as principais responsáveis pelo resgate dos trabalhadores que se encontram em
situação de redução à condição análoga à de escravo.
O Ministério Público do Trabalho possui duas funções. A primeira delas é
como órgão interveniente que atua na fiscalização como versa o texto retirado do
site:
Cumprimento da lei nos processos oriundos dos Tribunais Regionais do
Trabalho e do Tribunal Superior do Trabalho, que são submetidos à
apreciação e conseqüente emissão de pareceres pelos procuradores. Além
disso, participa das sessões de julgamento, podendo ingressar com
recursos quando houver desrespeito a legislação em vigor. (MPT. 2012)
A segunda função, que é a que mais interessa para o tema deste trabalho, é
a função de órgão agente, definida pelo próprio Ministério como sendo:
50
As atividades pertinentes ao Ministério Público do Trabalho, como agente,
envolve o recebimento de denúncias e o uso de medidas administrativas
(instauração de procedimentos investigatórios e inquéritos civis públicos) ou
judiciais (ação civil pública ou coletiva e ação anulatória trabalhista), nos
casos em que for necessário. (MPT, 2011)
Através destas ações, o Ministério Público do Trabalho contribui muito para
o combate ao trabalho escravo.
Como elucida Wilson Ramos Filho:
A repressão ao neoescravismo rural adquiriu maior visibilidade a
partir da criação do Grupo Especial de Fiscalização Móvel – GEFM,
pelo Ministério do Trabalho e Emprego – MTE que vem atuando
ativamente na fiscalização in loco de propriedades rurais nas quais se
identifica a existência de trabalho em condições de precariedade
precapitalista, seja no que respeita às condições de trabalho, de
alojamento e de alimentação, seja em relação à formalização correta
das relações de emprego segundo os parâmetros fixados pelo Direito
Capitalista do Trabalho. Mais recentemente, o excelente trabalho do
GEFM vem contando com a participação ativa do Ministério Público
do Trabalho – MPT propiciando o ajuizamento de ações civis públicas
em face dos empregadores pilhados em práticas neoescravistas. Os
números de trabalhadores que foram encontrados em condições
análogas à de escravos no meio são impressionantes e de
conhecimento comum em face da razoável cobertura jornalística
produzida a respeito principalmente durante a primeira década do
século XXI. (RAMOS FILHO. 2012, p. 392)
Vê-se também que o Ministério da Justiça atua na fiscalização por meio da
Polícia Federal e Rodoviária Federal, nas operações realizadas pelo MTE.
5.3.2
Órgãos estaduais
De acordo com a Cartilha da OIT sobre as práticas de inspeção do trabalho
no Brasil publicada em 2010, “os órgãos do MTE nos estados são: as
Superintendências Regionais do Trabalho e Emprego (SRTEs), as Gerências
Regionais do Trabalho e Emprego (GRTEs) e as Agências Regionais do MTE
(ARTEs)”. (OIT, 2010).
51
Assim verifica-se que essa deveria ser uma questão de mobilização nacional
por parte de todos os órgãos ligados a proteção e garantia dos direitos do
trabalhador, em conjunto com as Policias Federal, Civil e Militar, além é claro da
colaboração da população, através de denúncias. Porém não é o que em tese
ocorre, já que a maioria dos casos investigados pelos órgãos competentes envolve
pessoas influentes na sociedade, como políticos por exemplo.
52
6
OMISSÃO GOVERNAMENTAL
Diante de tantos problemas escancarados em nosso País, como a fome, a
desigualdade social, a saúde pública, a educação, moradia, entre outros mais, o
problema tratado neste trabalho referente ao trabalho escravo urbano parece
invisível aos olhos de nossos governantes.
Somente no ano de 1995, o Governo Brasileiro reconheceu que havia a
prática do trabalho na condição análoga à de escravo no Brasil. Ou seja, todo o
período compreendido entre a Lei Áurea de 1888 e o ano de 1995, mais de um
século, foi considerado pelo Estado brasileiro como se não houvesse existido
trabalhadores em condição análoga à de escravo.
Isso porque houve pressão de todos os envolvidos na defesa do trabalhador
para que não houvesse mais o trabalho escravo no Brasil e no mundo, como se
verifica:
A forte pressão da sociedade civil nacional e internacional, associada à
pressão política de organismos internacionais levou o Brasil a reconhecer,
em 1995, a existência do trabalho análogo ao de escravo. Vale a pena citar
alguns eventos principais desse processo:
• Desde 1987, a Comissão de Peritos na Aplicação de Convenções da OIT
encaminhou inúmeras observações ao Brasil, resultantes de análise da
aplicação da Convenção no. 29 (1930). Em 1992, o Governo Brasileiro foi
chamado à comissão para prestar explicações, e seu representante negou a
existência de trabalho escravo no país, alegando que eram apenas
violações da legislação trabalhista. A Comissão voltou a chamar o Governo
Brasileiro em 1993, 1996 e 1997 (OIT, 2010: 31).
• Em 1993, a Central Latino-americana de Trabalhadores (CLAT)
apresentou uma reclamação contra o Brasil, alegando inobservância das
Convenções no. 29 e no. 105 sobre trabalho forçado (OIT, 2010: 31). No
mesmo ano, a Comissão Pastoral da Terra (CPT) denunciou, perante a
Comissão de Direitos Humanos da ONU e o Parlamento Europeu, a
omissão do governo brasileiro na apuração dos casos de trabalho escravo.
Também em 1993, a OIT reconheceu, em um relatório, o trabalho escravo
no Brasil, registrando 8.886 casos.
• Em 1994, a CPT e as ONGs Centro pela Justiça e Direito Internacional
(CEJIL) e Human Rights Watch apresentaram uma denúncia à Comissão
Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) da Organização dos Estados
Americanos (OEA), acusando o Estado Brasileiro de não cumprir com suas
21
obrigações de proteção dos direitos humanos no caso de José Pereira .
(OIT, 2010)
21
Em setembro de 1989, quando tinha somente 17 anos, José Pereira e um companheiro, com o
apelido de Paraná, tentaram escapar de uma fazenda onde eles e outros 60 trabalhadores eram
forçados a trabalhar sem remuneração e em condições desumanas. Eles foram surpreendidos por
funcionários da fazenda e atacados com tiros de fuzil. Paraná morreu. José Pereira sobreviveu
porque foi julgado morto. Ele e o corpo do companheiro foram enrolados em uma lona e
abandonados na rodovia PA-150. (OIT, 2010).
53
Assim temos que, o Estado brasileiro ficou quase 110 anos sem admitir que
o problema do trabalho escravo ocorresse no país.
Esses quases 110 anos de omissão do Estado gerou grandes dificuldades
para um real enfrentamento e alteração desta realidade.
Uma vez que a ocorrência de trabalho análogo ao de escravo no Brasil foi
reconhecida pelo Governo Brasileiro, o Ministério do Trabalho e Emprego
passou a necessitar desenvolver procedimentos que aumentassem a
eficácia da fiscalização nesta área. (OIT, 2010)
Segundo Lilia Leonor Abreu “A Comissão Pastoral da Terra, árdua
combatente do trabalho escravo, calcula que existem no Brasil 25 mil pessoas
submetidas a essa condição” (ABREU, 2003, p. 2), ou seja, se uma Comissão que
tecnicamente não possui dever nenhum de fiscalizar e fazer levantamento de dados,
conseguiu encontrar 25 mil pessoas na condição análoga à de escravo, como pode
o Estado brasileiro que dispõe de recursos, não conseguir coibir esta situação?.
De nada adianta assinar todos os protocolos e tratados internacionais, se
criar uma CLT, agraciar direitos fundamentais do trabalhador na Constituição
Federal, tornar crime a redução de outrem a condição análoga à de escravo, se não
houver ação por parte do Governo para que faça valer o que está escrito na
legislação pátria.
54
CONCLUSÃO
No mundo moderno em que vivemos a desigualdade social é alarmante e
gera reflexos diretos nas relações de trabalho, fazendo com que pessoas se
sujeitem a trabalhos mais penosos, que ferem o princípio da dignidade humana,
para que possam receber o mínimo para o seu sustento e de sua família.
O Neoescravismo, entendido como a forma moderna de redução do
trabalhador a condição análoga à de escravo, através das jornadas exaustivas e
condições degradantes de trabalho, mostra que não somente na zona rural é
possível a ocorrência da prática deste delito tipificado pelo art. 149 do CP, mas
também nos grandes centros urbanos.
Isso tudo embaixo do nosso próprio nariz, o que torna esta uma situação
totalmente absurda em pleno século XXI.
O que difere o Neoescravismo do trabalho escravo histórico, é que ao invés
de o trabalhador estar preso a correntes com um chicote estalando em suas costas,
está preso as imposições capitalista de seus chefes. O chicote é substituído pelas
metas que devem ser alcançadas, pelo trabalho que deve ser feito, sob o ônus de
não receber ao fim do mês.
A
dominação
do
Neoescravismo
é
mental,
moral,
não
chega
necessariamente à agressão física para se conseguir o trabalho desejado pelo
empregador. Ele utiliza dos subterfúgios da desigualdade social e econômica para
com o empregado. Ou seja, o empregador tem o que o empregado precisa, salário e
emprego, e o trabalhador tem o que ele precisa, a mão de obra, porém quem faz o
preço dessa negociação é quem detém o poderio econômico.
Pose-se concluir que o trabalho escravo moderno, denominado por Wilson
Ramos Filho como Neoescravismo, se apresenta de variadas formas em nossa
sociedade atual, tanto no meio rural quanto no urbano. Podendo ter a variação de
duas formas, tanto sem um contrato de trabalho válido, como com um contrato de
trabalho válido.
A primeira forma se aplica normalmente para aqueles trabalhadores que
estão na condição de neoescravos no meio rural, que tem como elementos
caracterizadores a restrição de locomoção por divida e o trabalho forçado.
55
Para a segunda forma, os trabalhadores na condição de neoescravos
encontram-se em sua maioria nas áreas urbanas, e o que os caracteriza são as
condições degradantes de trabalho e a jornada exaustiva.
Dito isso, conclui-se com são dois os motivos principais que levam a
ocorrência do Neoescravismo nessa sociedade moderna.
O primeiro é a omissão do Estado frente ao problema do trabalho escravo
moderno. Não pode um Estado demorar mais de 100 anos para admitir a ocorrência
do trabalho na situação análoga à de escravo, e somente a partir do ano de 1995
passar a combatê-lo com maior eficiência. A dúvida que resta é se o Estado não se
empenha no combate ao Neoescravismo porque irá bater de frente com a fortíssima
classe patronal, ou porque em meio a esse tipo de trabalho há também o
envolvimento de nossos legisladores? Somente o tempo nos dirá qual a posição que
o Estado tomara.
O que é certo é que um dia a sociedade irá se cansar de ser tão
desrespeitada, e serão os Governantes que arcarão com a revolta popular.
O segundo motivo é de cunho extremamente social. A dependência gerada
entre o empregado e empregador, por conta do mundo capitalista onde se precisa
de dinheiro para fazer qualquer coisa, faz com que mesmo em condições mais
adversas e exploradoras o trabalhador ainda assim precise trabalhar para garantir o
seu sustento e de seus familiares.
Ou seja, pode-se verificar que em muitos casos, como o dos trabalhadores
bolivianos nas confecções em São Paulo, os trabalhadores em condições análogas
à de escravo são imigrantes que vêm seduzidos por propostas de ter uma vida
melhor, ou pessoas do nordeste do país com essa mesma proposta.
Mahtma Gandhi dizia que “um escravo não pode esperar a felicidade nem
mesmo em sonho” (ABREU, 2003, p.01), ou seja, as pessoas vêm tentadas pela
proposta e pelo sonho de melhorar as suas vidas, mas acabam reduzidos a
condição análoga à de escravo, tendo seus direitos e garantias sonegados, e o seu
sonho roubado.
Desta forma, percebe-se que mesmo com todo o aparato legal disponível,
tais como Constituição Federal, CLT, Código Penal, Portarias do MTE, Tratados e
Acordos da OIT e ONU, nenhum deles terá eficácia plena na resolução do problema
se não houver uma melhor estruturação das equipes de fiscalização como o Grupo
56
Especial de Fiscalização Móvel do MTE, que carece de muito mais material humano
para expandir a sua atuação.
Há também que se ter uma conscientização de todos os membros da
sociedade, não somente dos órgãos públicos e ONGs. A sociedade civil é quem tem
que dar uma resposta à altura para as pessoas que praticam o crime do art. 149 do
CP, pessoas essas que violam diariamente os princípios constitucionais e as normas
trabalhistas.
57
REFERÊNCIAS
ABREU, Lilia Leonor. Trabalho escravo contemporâneo praticado no meio rural
brasileiro. Abordagem sociojurídica. Revista TST, Brasília, vol. 69, nº. 2, jul/dez
2003.
Acesso em: 23 Abr. 2013.
AGRICOLAS,
Noticias.
PEC
438/01:
armadilha
contra
a
propriedade.
<http://www.noticiasagricolas.com.br/noticias/politica-economia/106020-pec-438-01armadilha-contra-apropriedade.html#.UXk5WqLU9Rg>. Acesso em: 25 Abr. 2013.
BRASIL. Código Penal Brasileiro. 1940
BRASIL. Consolidação das Leis do Trabalho. 1943
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. 1988
BRASIL. DIÁRIO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS REPÚBLICA FEDERATIVA DO
BRASIL. ANO LXVII - Nº 082 - QUARTA-FEIRA, 23 DE MAIO DE 2012 - BRASÍLIADF.
Disponível
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<http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf/DCD23MAI2012.pdf.pdf#page=119>.
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BRASIL. Jurisprudência. STF, Inq. 3284AL, Min. Rel. Marco Aurélio. p. 96.
BRASIL. Jurisprudência. TRF4, Recurso Criminal em Sentido Estrito n.º 000233377.2009.404.7107/RS, Relator: Des. Federal Tadaaqui Hirose,
BRASIL. Jurisprudência. TRT 04ª Região. RO 0000015-12.2011.5.04.0821; Nona
Turma; Relª Juíza Fed. Conv. Maria Madalena Telesca.
BRASIL. Jurisprudência. TRT 04ª Região. RO 0000311-68.2010.5.04.0821; Décima
Turma; Rel. Juiz Conv. Wilson Carvalho Dias.
BRASIL. Lei 10.803/2003. 2003
BRASIL. Manual de Combate ao Trabalho em Condições análogas às de escravo
Brasília: MTE, 2011.
D’AMBROSO,
Contemporâneo
Marcelo
-
José
1ª
Ferlin.
Parte.
Características
2012.
do
Disponível
Trabalho
em:
Escravo
<http://trt-
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58
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é
pedagógica,
diz
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em:
60
ANEXOS
ANEXO – A - PORTARIA INTERMINISTERIAL N.º 2, DE 12 DE MAIO DE 2011
(DOU de 13/05/2011 Seção I pág. 9)
Enuncia regras sobre o Cadastro de Empregadores que tenham submetido
trabalhadores a condições análogas à de escravo e revoga a Portaria MTE
nº 540, de 19 de outubro de 2004.
O MINISTRO DE ESTADO DO TRABALHO E EMPREGO e a MINISTRA DE
ESTADO CHEFE DA SECRETARIA DE DIREITOS HUMANOS DA PRESIDÊNCIA
REPÚBLICA, no uso da atribuição que lhes confere o art. 87, parágrafo único, inciso
II, e tendo em vista o disposto no art. 186, incisos III e IV, ambos da Constituição
Federal de 1988, resolvem:
Art. 1º Manter, no âmbito do Ministério do Trabalho e Emprego - MTE, o Cadastro de
Empregadores que tenham submetido trabalhadores a condições análogas à de
escravo,
originalmente
instituído
pelas
Portarias
n.ºs
1.234/2003/MTE
e
540/2004/MTE.
Art. 2º A inclusão do nome do infrator no Cadastro ocorrerá após decisão
administrativa final relativa ao auto de infração, lavrado em decorrência de ação
fiscal, em que tenha havido a identificação de trabalhadores submetidos a condições
análogas à de escravo.
Art. 3º O MTE atualizará, semestralmente, o Cadastro a que se refere o art. 1º e dele
dará conhecimento aos seguintes órgãos:
I - Ministério do Meio Ambiente (Redação dada pela Portaria 496/2005/MTE);
II - Ministério do Desenvolvimento Agrário (Redação dada pela Portaria
496/2005/MTE);
61
III - Ministério da Integração Nacional (Redação dada pela Portaria 496/2005/MTE);
IV - Ministério da Fazenda (Redação dada pela Portaria 496/2005/MTE);
V - Ministério Público do Trabalho (Redação dada pela Portaria 496/2005/MTE);
VI - Ministério Público Federal (Redação dada pela Portaria 496/2005/MTE);
VII - Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República
(Redação dada pela Portaria 496/2005/MTE);
VIII - Banco Central do Brasil (Redação dada pela Portaria 496/2005/MTE);
IX - Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES
(Acrescentada pela Portaria 496/2005/MTE);
X - Banco do Brasil S/A (Acrescentada pela Portaria 496/2005/MTE);
XI - Caixa Econômica Federal (Acrescentada pela Portaria 496/2005/MTE);
XII - Banco da Amazônia S/A (Acrescentada pela Portaria 496/2005/MTE); e
XIII - Banco do Nordeste do Brasil S/A (Acrescentada pela Portaria 496/2005/MTE).
§ 1º Os órgãos de que tratam os incisos I a XIII deste artigo poderão solicitar
informações complementares ou cópias de documentos relacionados à ação fiscal
que deu origem à inclusão do infrator no Cadastro (Redação dada pela Portaria
496/2005/MTE).
§ 2º À Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República competirá
acompanhar, por intermédio da CONATRAE, os procedimentos para inclusão e
exclusão de nomes do cadastro de empregadores, bem como fornecer informações
à Advocacia-Geral da União nas ações referentes ao cadastro.
Art. 4º A Fiscalização do Trabalho realizará monitoramento pelo período de 2 (dois)
anos da data da inclusão do nome do infrator no Cadastro, a fim de verificar a
regularidade das condições de trabalho.
§ 1º Uma vez expirado o lapso previsto no caput, e não ocorrendo reincidência, a
Fiscalização do Trabalho procederá à exclusão do nome do infrator do Cadastro.
§ 2º A exclusão ficará condicionada ao pagamento das multas resultantes da ação
fiscal, bem como da comprovação da quitação de eventuais débitos trabalhistas e
previdenciários.
62
§ 3º A exclusão do nome do infrator do Cadastro previsto no art. 1º será comunicada
aos órgãos arrolados nos incisos do art. 3º (Redação dada pela Portaria
496/2005/MTE).
Art. 5º Revoga-se a Portaria MTE nº 540, de 19 de outubro de 2004. Parágrafo
único. A revogação prevista no caput não suspende, interrompe ou extingue os
prazos já em curso para exclusão dos nomes já regularmente incluídos no cadastro
até a data de publicação desta portaria.
Art. 6º Esta Portaria entra em vigor na data de sua publicação.
CARLOS ROBERTO LUPI
Ministro de Estado do Trabalho e Emprego
MARIA DO ROSÁRIO NUNES
Ministra de Estado Chefe da Secretaria de Direitos Humanos
ANEXOS – B - PROJETO DE LEI DO SENADO Nº540, DE 2011.
Altera à Lei nº 8.427, de 27 de maio de 1992,
que dispõe sobre a concessão de subvenção
econômica nas operações de crédito rural, para
estabelecer a vedação de concessão de
subvenções econômicas aos produtores rurais
autuados por promover o trabalho escravo em
sua propriedade rural.
O CONGRESSO NACIONAL decreta:
Art. 1º Acrescente-se o seguinte § 3º, no art. 1º, da Lei nº 8.427, de 27 de
maio de 1992:
63
“Art. 1º ...
...
§ 3º. É vedada a concessão de subvenções econômicas nas operações de crédito
rural aos produtores rurais e suas cooperativas autuados por meio de ações fiscais
coordenadas pela Secretaria de Inspeção do Trabalho nas operações de
fiscalização para erradicação do trabalho escravo.
§ 4º. Aplica-se a vedação do parágrafo anterior aos empregadores que constam do
Cadastro atualizado previsto na Portaria n°. 540/2004.
Art. 2º Esta Lei entrará em vigor em 90 dias após sua publicação.
JUSTIFICAÇÃO
Segundo levantamento divulgado em maio de 2009, pela Organização
Internacional do Trabalho (OIT), 12,3 milhões de pessoas são vítimas do trabalho
escravo no mundo
Estima-se que a escravidão "rouba" US$ 20 bilhões de trabalhadores
no mundo por ano em salários e pagamentos. Na América Latina, o salário
"roubado" é de US$ 3,6 bilhões.
A Ásia é o continente com o maior número de trabalhadores em
situação análoga a escravidão,, com 9,4 milhões de vítimas. A América Latina vem
em segundo lugar, com 1,3 milhão. Destes, 200 mil seriam vítimas de tráfico de
seres humanos.
A OIT afirma que o trabalho escravo no Brasil se encontra,
principalmente, em zonas de desmatamento da Amazônia e áreas rurais com
índices altos de violência e conflitos ligados à terra.
Os dados analisados também demonstram que o trabalho escravo vem
sendo utilizado para aumentar a produção agrícola e para o preparo das áreas
desmatadas que serão transformadas em pasto.
A organização cita um estudo publicado pelo Banco Mundial em 2003
(Causas do desmatamento na Amazônia brasileira) que indicou que a expansão da
pecuária foi responsável por 75% das áreas desmatadas no Brasil.
Para aumentar a produtividade, “os desmatamentos são feitos com
mão de obra barata e, muitas vezes, com recurso a trabalhadores escravos, que
preparam a terra para permitir investimentos mais rentáveis", explica no texto o autor
do capítulo dedicado ao Brasil, Leonardo Sakamoto.
Na maioria das vezes, as vítimas são recrutadas em zonas muitos
pobres, no Nordeste e Norte do País. Os dados analisados pela OIT indicam que a
64
maioria das vítimas são originárias dos Estados de Tocantins, Maranhão, Pará,
Bahia e Piauí, "regiões pobres, com altas taxas de desemprego e baixo índice de
desenvolvimento humano, o que torna essas pessoas extremamente vulneráveis",
comenta o diretor do programa de luta contra o trabalho escravo da organização
(fonte: artigo publicado no site da OIT, intitulado “OIT: trabalho escravo é usado para
desmatamentos
no
Brasil
21 de agosto de 2009).
A situação torna-se ainda mais perversa quando constamos que a
miséria alheia é usada por aqueles empregadores que, geralmente, recorrem às
instituições financeiras atrás de condições facilitadas de crédito rural para expandir
os seus negócios. Em outras palavras, o banco, através da concessão de
subvenção econômica pode estar ajudando o empregador a obter lucro através do
trabalho escravo de outras pessoas.
Por isso, é imperioso combater essa forma degradante de trabalho
como forma de preservar a dignidade humana como elemento estruturador de toda a
ordem jurídica brasileira.
Para tanto, espero merecer o apoio dos ilustres senadores desta
respeitada Casa legislativa.
Sala das Sessões,
Senador EDUARDO AMORIM
ANEXOS – C - LEI Nº 10.803, DE 11 DE DEZEMBRO DE 2003.
Altera
o
art.
149
do
Decreto-Lei
o
n 2.848, de 7 de dezembro de 1940 Código Penal, para estabelecer penas
ao crime nele tipificado e indicar as
hipóteses
em
que
se
configura
condição análoga à de escravo.
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional
decreta e eu sanciono a seguinte Lei:
Art. 1o O art. 149 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940, passa a
vigorar com a seguinte redação:
"Art. 149. Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a
trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições
degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em
razão de dívida contraída com o empregador ou preposto:
Pena - reclusão, de dois a oito anos, e multa, além da pena correspondente à
violência.
65
§ 1o Nas mesmas penas incorre quem:
I – cerceia o uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador, com o fim
de retê-lo no local de trabalho;
II – mantém vigilância ostensiva no local de trabalho ou se apodera de documentos
ou objetos pessoais do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho.
§ 2o A pena é aumentada de metade, se o crime é cometido:
I – contra criança ou adolescente;
II – por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem." (NR)
Art. 2o Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Brasília, 11 de dezembro de 2003; 182o da Independência e 115o da República.
LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA
Márcio Thomaz Bastos
Este texto não substitui o publicado no D.O.U. de 12.12.2003
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