UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ RAPHAEL BASILIO DA SILVA O NEOESCRAVISMO DA SOCIEDADE MODERNA: TRABALHO ESCRAVO CONTEMPORÂNEO CURITIBA/PR 2013 RAPHAEL BASILIO DA SILVA O NEOESCRAVISMO DA SOCIEDADE MODERNA: TRABALHO ESCRAVO CONTEMPORÂNEO Monografia apresentada ao Curso de Direito da Faculdade de Ciências Humanas da Universidade Tuiuti do Paraná, como requisito parcial para obtenção do grau de bacharel em Direito. Orientadora: Prof.ª Mariana Gusso Krieger. CURITIBA/PR 2013 TERMO DE APROVAÇÃO RAPHAEL BASILIO DA SILVA O NEOESCRAVISMO DA SOCIEDADE MODERNA: TRABALHO ESCRAVO CONTEMPORÂNEO Esta monografia foi julgada e aprovada para a obtenção de título de Bacharel no Curso de Direito da Universidade Tuiuti do Paraná. Curitiba, ___de____________de 2013 ___________________________________________________ Prof. Dr. Eduardo de Oliveira Leite Coordenador do Núcleo de Monografias do Curso de Direito Universidade Tuiuti do Paraná Orientador: __________________________________________ Prof.ª Mariana Gusso Krieger Universidade Tuiuti do Paraná Curso de Direito Supervisor: __________________________________________ Prof. Universidade Tuiuti do Paraná Curso de Direito Supervisor:___________________________________________ Prof. Universidade Tuiuti do Paraná Curso de Direito AGRADECIMENTOS Em primeiro lugar gostaria de agradecer os meus familiares, em especial minha querida mãe, Drª Rosimeiri Gomes Basilio, quem ao longo desses cinco anos de curso bancou os meus estudos e me apoiou nas minhas escolhas, e é a pessoa em quem eu me inspiro, tanto na vida profissional quanto na pessoal. Agradeço também a minha orientadora Prof.ª Mariana Gusso Krieger pelo suporte na orientação deste trabalho, sem o qual não seria tão bem elaborado. Por fim agradeço a Deus, pois sem ele não estaria aqui para apresentar este trabalho de conclusão de curso. É ele quem ilumina o meu caminho em busca deste objetivo que está prestes a se concretizar, para que assim possa buscar vôos maiores. RESUMO O trabalho trata do Neoescravismo, que é a forma de trabalho na condição análoga à de escravo no meio urbano. O estudo surgiu da necessidade de demonstrar que o trabalho em condição análoga à de escravo, o chamado trabalho escravo contemporâneo, pode ocorrer também no meio urbano, deixando para trás aquele pensamento de que esse problema somente ocorre nas zonas rurais remotas. A Lei 10.803/2003 que alterou a redação do Art. 149 do Código Penal brasileiro, fez a divisão em quatro elementos que constituem a redução à condição análoga à de escravo. Busca-se neste estudo trabalhar com o conceito moderno de trabalho em condições análogas à de escravo e suas diferentes formas de manifestação em nossa sociedade, bem como ressaltar a necessidade de se conferir maior atenção ao tema. O trabalho na condição análoga à de escravo fica caracterizado quando presente algum dos elementos do tipo penal do artigo 149 do CP. Da evolução da sociedade derivou o termo inserido por Wilson Ramos Filho, Neoescravismo. Ele se caracteriza por ser o trabalho em condição análoga à de escravo dos tempos modernos, pois pode ser encontrado tanto no meio rural quanto no urbano. As condições degradantes de trabalho e a jornada exaustiva se aplicam melhor para o trabalhador urbano na condição de neoescravo. O trabalho forçado e a restrição da liberdade de locomoção se aplicam mais comumente ao trabalhador rural neoescravo. Quando se trata do Neoescravismo ou do trabalho escravo moderno o bem maior a ser tutelado é a dignidade da pessoa humana. Desprende-se deste trabalho que o Neoescravismo é um problema social do mundo moderno. Mesmo com legislação e políticas de prevenção, ainda falta muito para que possamos chegar perto da erradicação do trabalho na condição análoga à de escravo. Palavras chaves: Neoescravismo. Trabalho escravo contemporâneo. Lei 10.803/2003. Jornada exaustiva. Condições degradantes. Dignidade da pessoa humana. SÚMARIO INTRODUÇÃO ............................................................................................................6 1 BREVE HISTÓRICO ........................................................................................7 2 DIREITOS E GARANTIAS DOS TRABALHADORES...................................10 2.1 NA CONSOLIDAÇÃO DAS LEIS DO TRABALHO – CLT................................12 2.2 NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 .......................................................13 3 CARACTERIZAÇÃO DO TRABALHO ESCRAVO ........................................17 4 CONCEITO DE NEOESCRAVISMO ..............................................................21 4.1. TRABALHO ESCRAVO RURAL CONTEMPORÂNEO ...................................22 4.2 TRABALHO ESCRAVO URBANO SEM SUPORTE CONTRATUAL VÁLIDO ...............................................................25 4.2.1 Caracterização de trabalho forçado................................................................28 4.2.2 Caracterização de trabalho com restrição à liberdade de locomoção ............29 4.2.3 Tráfico de pessoas .........................................................................................31 4.3 TRABALHO ESCRAVO URBANO COM SUPORTE CONTRATUAL VÁLIDO ...............................................................34 4.3.1 Caracterização do trabalho em condições degradantes.................................37 4.3.2 Caracterização de jornada exaustiva..............................................................38 5 FORMAS DE PROTEÇÃO CONTRA O TRABALHO ESCRAVO .................42 5.1 PEC 438/2011 – PEC DO TRABALHO ESCRAVO .........................................42 5.2 LISTA SUJA....................................................................................................45 5.3 FISCALIZAÇÃO..............................................................................................48 5.3.1 Órgãos federais ..............................................................................................48 5.3.2 Órgãos estaduais............................................................................................50 6 OMISSÃO GOVERNAMENTAL.....................................................................52 CONCLUSÃO ...........................................................................................................54 REFERÊNCIAS.........................................................................................................57 ANEXOS ...................................................................................................................60 ANEXO – A - PORTARIA INTERMINISTERIAL N.º 2, DE 12 DE MAIO DE 2011 ...............................................................................60 ANEXOS – B - PROJETO DE LEI DO SENADO Nº540, DE 2011...........................62 ANEXOS – C - LEI Nº 10.803, DE 11 DE DEZEMBRO DE 2003.............................64 6 INTRODUÇÃO O presente trabalho de conclusão de curso pretende tratar acerca do tema Neoescravismo da Sociedade Moderna, e tem por objetivo demonstrar, através do estudo de conceitos constitucionais e trabalhistas, e pela forma como se organiza a sociedade atual, o motivo pelo qual ainda hoje o trabalho escravo é uma realidade, mesmo tendo sido abolida a escravidão em nosso país em 13 de maio de 1888, com a Lei Áurea. De acordo com estimativas feitas pela Organização Internacional do Trabalho, 27 milhões de pessoas sujeitem-se ao trabalho escravo em todo o mundo, sendo que no Brasil existem no mínimo 25 mil pessoas sob tal condição. O estudo irá abordar o trabalho escravo em suas diferentes formas atuais nas zonas rurais e nas grandes cidades brasileiras, tendo maior enfoque neste último citado, a partir da perspectiva de Wilson Ramos Filho, fundamento em que se apoia. O Neoescravismo é uma forma degradante de trabalho, é tido como o trabalho escravo nos tempos modernos. Caracterizado no tipo penal do Art. 149 do Código Penal, o mesmo possui a peculiaridade de poder ocorrer também quando o trabalhador possuir um suporte contratual válido. Será feita análise das diferentes formas de se configurar o trabalho em condição análoga à de escravo na atualidade, os direitos e garantias dos trabalhadores previstos no ordenamento jurídico brasileiro, para que se possa verificar quais os meios e órgãos capazes de coibir o neoescravismo moderno. Por fim veremos que o Neoescravismo é um reflexo do mundo contemporâneo capitalista. Assim, almeja-se neste trabalho reconhecer e visibilizar este tipo nefasto de trabalho. Com o intuito de auxiliar em uma possível transformação da realidade. 7 1 BREVE HISTÓRICO A partir do momento em que as pessoas começaram a ser organizar em sociedade surgiu a figura do escravo, nem sempre com essa denominação, porém sempre com as mesmas condições, ou falta de condições quais sejam: trabalho árduo, explorador e quase sem direitos, como expressado por Lilia Leonor Abreu: Infelizmente a escravidão é uma chaga que assombra a humanidade desde tempos remotos. Ela assumiu ao longo da história dos grupos sociais diversas formas, mas sempre marcada pela dominação de uns pelos outros. (ABREU, 2003, p. 142) Começando pelo Egito, já poderia se verificar que desde aquele tempo havia pessoas que se subordinavam a um rei, sendo obrigado a construir pirâmides, servir comida, fazer a guarda dele, podendo até não se configurar tecnicamente como um trabalho escravo, mas já ocorria a dominação daquele que possuía poder e riquezas sobre aqueles que nada tinham. Essa relação de subordinação daquele que era possuidor de riquezas e poder sobre os demais que nada possuíam tornou-se mais evidente na Idade Média, onde as pessoas se subordinavam aos reis ou donos de propriedades, os feudos, para assim pudessem ter moradia e comida. Ou seja, passaram a fazer os trabalhos para o rei e os senhores feudais, o trabalho árduo, que requeria força, tempo, e dedicação. De tal forma que já começava a se verificar a condição de escravismo. Condição esta que ficou evidente nos tempos das grandes navegações, como relata o autor Waldeloir Rego: E por demais sabido que durante a Idade Média os Portugueses, assim como outros povos, traficaram escravos, sobretudo negros. Há mesmo vagas notícias de uma parada aqui, outra acolá, porém a informação mais precisa principalmente no que diz respeito ao tráfico de escravos africanos para o território português, é a fornecida por Azurara. (REGO, 1968, p. 01) 8 Tanto que começaram até a serem traficados nos famosos “navios negreiros”, onde se escolhia o escravo pelo seu porte físico, os mais avantajados eram escolhidos, pois aguentariam o trabalho braçal forçado. A Igreja também teve grande influência nesse tráfico, porém para não parecer evidente ela usava de subterfúgios para tornar legal tal prática, como podemos verificar no trecho abaixo, da mesma obra de Waldeloir Rego: Com o passar do tempo essa atividade, longe de se extinguir, tomou um impulso espantoso. Por incrível que pareça, esse comércio terrível e desumano teve a mais forte cobertura da Santa Madre Eclésia, alegando para tanto o argumento idiota de que os portugueses tornariam os povos ditos bárbaros, adeptos da fé de Cristo [...] Esse casamento estranho da coroa portuguesa com a Mitra, permitiu que os portugueses agissem livremente, em nome de Cristo (REGO, 1968, p. 08) No Brasil, após séculos de utilização de mão de obra escrava, tanto pelo tráfico negreiro de africanos como pela escravização de índios nativos, em 13 de maio de 1888, foi sancionada a Lei Áurea pela então Princesa Isabel, a qual extinguiu formalmente o trabalho escravo e “libertou” as pessoas que se encontravam nestas condições. Porém, tal fato deu fim apenas ao trabalho escravo legal, que era autorizado pelo Imperador. Desde então o trabalho escravo não deixou de existir, apenas tornou-se cada vez mais camuflado. Nos tempos das revoluções industriais, a primeira de 1780 a 1830, a segunda de 1860 a 1945 e a terceira em 1970, vieram as modernizações dos meios de produção, onde se passou a produzir através das máquinas, que para tanto precisavam ser operadas por operários das grandes fábricas. Tais revoluções culminaram em uma enorme exploração dos trabalhadores, que chegavam a trabalhar de 16 a 20 horas por dia, tanto adultos como adolescentes e crianças, sem menores condições de segurança. Por conta de tamanha exploração, começaram a surgir conflitos e reivindicações pleiteando leis que tornassem o trabalho menos degradante, reduzindo as horas de trabalho e aumentando a idade mínima para que se pudesse trabalhar. 9 No Brasil o grande marco para os trabalhadores foi à criação da Consolidação das Leis de Trabalho, em 1º de maio de 1943 pelo então Presidente da República, Getulio Vargas, agrupando todas as leis trabalhistas existentes no país. Assim os trabalhadores no país passaram a ter direitos formalmente garantidos, como melhores salários, menores jornadas de trabalho e direito aos benefícios. Após, o Código Penal traz expresso no artigo 149 a tipificação do crime de redução à condição análoga à de escravo sendo ela: Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto. (BRASIL, 1940) Contudo mesmo com os direitos e garantias previstos na Constituição Federal e na CLT, e com a tipificação penal da redução a condição análoga a de escravo no art. 149 do Código Penal, nos dias atuais ainda vemos pessoas trabalhando em condição análoga à de escravo, inclusive nos meios urbanos, constituindo o Neoescravismo, o qual se pretende abordar na sequência do trabalho. 10 2 DIREITOS E GARANTIAS DOS TRABALHADORES Pode-se localizar os direitos e garantias fundamentais dos trabalhadores em duas grandes fontes legais na CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) e na Constituição Federal de 1988. Ambas visam garantir o equilíbrio na relação de trabalho, dando proteção ao trabalhador, que é hipossuficiente1, para que não haja exploração do mesmo no desempenho de suas funções. Há também outras fontes, que fogem a esfera do Direito do Trabalho e que são de suma importância para o presente estudo, em especial o art. 149 do Código Penal, com redação dada pela Lei 10.803/2003, conforme acima mencionado. Frise- que, conforme ensinamento de Wilson Ramos Filho, o legislador quando da nova redação do artigo 149 do CP “preocupou-se em adotar um tipo penal fechado em substituição à opção anterior, tipo penal aberto” (RAMOS FILHO, 2008, p. 279). O Brasil também é signatário de tratados internacionais, tendo como maior deles as convenções n.º 29 e 105 da OIT, nas quais o país se comprovante a cessar a utilização de trabalho forçado ou obrigatório: CONVENÇÃO (29) SOBRE O TRABALHO FORÇADO OU OBRIGATÓRIO Artigo 1º 1. Todo País-membro da Organização Internacional do Trabalho que ratificar esta Convenção compromete-se a abolir a utilização do trabalho forçado ou obrigatório, em todas as suas formas, no mais breve espaço de tempo possível. 2. Com vista a essa abolição total, só se admite o recurso a trabalho forçado ou obrigatório, no período de transição, unicamente para fins públicos e como medida excepcional, nas condições e garantias providas nesta Convenção. (OIT, 1930) CONVENÇÃO (105) CONVENÇÃO RELATIVA A ABOLIÇÃO DO TRABALHO FORÇADO Artigo 1º Todo País-membro da Organização Internacional do Trabalho que ratificar esta Convenção compromete-se a abolir toda forma de trabalho forçado ou obrigatório e dele não fazer uso: 1 Hipossuficiente: Diz-se de pessoa que é economicamente muito humilde; que não é autossuficiente. Disponível em: http://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues/index.php?lingua=portuguesportugues&palavra=hipossuficiente%20&CP=979201&typeToSearchRadio=exactly&pagRadio=50). 11 a) como medida de coerção ou de educação política ou como punição por ter ou expressar opiniões políticas ou pontos de vista ideologicamente opostos ao sistema político, social e econômico vigente; b) como método de mobilização e de utilização da mão-de-obra para fins de desenvolvimento econômico; c) como meio de disciplinar a mão-de-obra; d) como punição por participação em greves; e) como medida de discriminação racial, social, nacional ou religiosa. (OIT, 1957) Ratificou também o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos das Nações Unidas de 1966, que em seu artigo 8º trata da não sujeição ao trabalho escravo, como se pode verificar na transcrição abaixo: ARTIGO 8 1. Ninguém poderá ser submetido á escravidão; a escravidão e o tráfico de escravos, em todas as suas formas, ficam proibidos. 2. Ninguém poderá ser submetido à servidão. 3. a) Ninguém poderá ser obrigado a executar trabalhos forçados ou obrigatórios (BRASIL, 1992) Outro pacto ratificado, em 1992, pelo Brasil é o Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais das Nações Unidas de 1966, que em seu artigo 7ª versa: Artigo 7º Os Estados Membros no presente Pacto reconhecem o direito de toda pessoa de gozar de condições de trabalho justas e favoráveis, que assegurem especialmente: 1. Uma remuneração que proporcione no mínimo, a todos os trabalhadores: 2. Um salário eqüitativo e uma remuneração igual por um trabalho de igual valor, sem qualquer distinção; em particular, as mulheres deverão Ter a garantia de condições de trabalho não inferiores às dos homens e perceber a mesma remuneração que eles, por trabalho igual; 3. Uma existência decente para eles e suas famílias, em conformidade com as 4disposições do presente Pacto; 4. Condições de trabalho seguras e higiênicas; 5. Igual oportunidade para todos de serem promovidos, em seu trabalho, à categoria superior que lhes corresponda, sem outras considerações que as de tempo, de trabalho e de capacidade; 6. O descanso, o lazer, a limitação razoável das horas de trabalho e férias periódicas remuneradas, assim como a remuneração dos feriados. (BRASIL, 1992). 12 Outro importante pacto assinado pelo país é o famoso Pacto de São José da Costa Rica de 1992, através da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, que versa em seu texto sobre o compromisso dos países signatário de “repressão a servidão e à escravidão em todas as suas formas” (OIT, 2010, p.19) Essas são as formas mais expressas dos direitos e garantias do trabalhador, de forma que sua real aplicação é o que se pretende abordar nos capítulos que seguem será a sua real aplicação por parte do Estado brasileiro. 2.1 NA CONSOLIDAÇÃO DAS LEIS DO TRABALHO – CLT No inicio de 1930, quando se deu origem ao intervencionismo do Estado nas relações de trabalho, a classe empresarial não se mostrava a favor das ações estatais para intervir nessas relações, como explica Wilson Ramos Filho: ...ao longo do processo histórico no qual foi engendrado o intervencionismo estatal no Brasil o empresariado resistiu fortemente às primeiras leis intervencionistas, ou seja, à lei que instituiu o direito de férias e à lei que impunha limite de seis horas para o trabalho de menores de 18 anos. (RAMOS FILHO, 2012, p. 142 e 143) Entre 1932 a 1934 foram publicados diversos decretos regulamentando a duração das jornadas de trabalho de no máximo oito horas diárias, para as mais variadas classes2, o que gerou ainda mais revolta dos patronos ao novo intervencionismo estatal. Razão pela qual a classe patronal lutou de todas as formas contra esta nova ordem que estava se formando – ordem do intervencionismo estatal nas relações de trabalho -, pressionando tanto o Poder Legislativo quanto o Judiciário contra tais idéias. Podemos verificar a verbalização disso no trecho que segue: 2 No comércio (Decreto n.º 21.186, de 1932), na indústria (Decreto n.º 21.364, de 1932), nas farmácias (Decreto n.º 32.084, de 1933), nas casas de diversão (Decreto n.º 23.152, de 1933), nas casas de penhores (Decreto n.º 23.316, de 1933), nos transportes terrestres (Decreto n.º23.766, de 1934) e nos hotéis (Decreto n.º 24.969, de 1934). NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: Saraiva, 2008. 13 O desconforto dos industriais paulistas à época foi assim verbalizado: ‘achamos um erro a imposição do horário de oito horas para todos os ramos industriais, pois alguns exigem horário menor e outros maiores, uma vez que as indústrias divergem profundamente uma das outras’ (PEREIRA DA SILVA, 1996. p. 175) E assim perdurou-se por muito tempo a briga entre o Estado intervencionista, o qual previa garantir direitos e garantias aos trabalhadores, e a classe patronal que só se interessava pelo lucro. Porém com a criação da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) em 1943, as leis mais esparsas que tinham referência às relações de trabalho tornassem-se um conjunto de leis organizadas, prevendo o funcionamento das relações de trabalho, dos direitos e deveres do empregado e do empregador, das funções da Justiça do Trabalho e do processamento de demandas trabalhistas. Parecia ser a vitória dos Direitos da classe trabalhadora sobre a classe patronal, que passou a ter que respeitá-los, sob a pena de se responsabilizar pelo não cumprimento do texto legal, porém nos capítulos que seguem se verá que não seria tão fácil assim. 2.2 NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 A Constituição Federal de 1988, por trazer em seu texto garantias e direitos aos cidadãos de forma ampla, ficou conhecida como Constituição Cidadã, assim batizada pelo deputado Ulysses Guimarães, conforme se verifica na matéria publica no sitio eletrônico da revista Istoé, em setembro de 2011: O então presidente da Câmara dos Deputados, Ulysses Guimarães, declarou em 27 de julho de 1988 (foto) a entrada em vigor da nova Constituição Federal – apropriadamente batizada de Constituição Cidadã porque era o Brasil, nessa época, um país recém-saído da ditadura militar na qual os princípios constitucionais foram trocados por porões de tortura dos oponentes políticos do militarismo. (Istoé, 2011). 14 Para Edilton Meireles, a Constituição Federal elegeu o Direito do Trabalho como “instrumento de realização do Estado Social” (MEIRELES, 2012), pois é através dele que o homem, no sentido lato senso, pode alcançar “a dignidade humana” com os direitos e garantias expostos no Capítulo II da referida Constituição. Os direitos e garantias dos trabalhadores estão dispostos no Capítulo II – Dos Direitos Sociais – da Constituição Federal, primeiramente no Art. 6º que caracteriza o direito ao trabalho como um direito social da pessoa: “Art. 6º - São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.” Em seguida, de forma mais especifica, no art. 7º da mesma Constituição estão dispostos os direitos e garantias dos trabalhadores urbanos e rurais, relacionados em trinta e sete incisos que servem de base para as relações de trabalho. Artigo esse que se faz questão de citar, pois se trata de artigo de grande valia ao conhecimento de todas as pessoas: Art. 7o São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: (EC no 20/98, EC no 28/2000 e EC no 53/2006) I – relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa, nos termos de lei complementar, que preverá indenização compensatória, dentre outros direitos; II – seguro-desemprego, em caso de desemprego involuntário; III – fundo de garantia do tempo de serviço; IV – salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender às suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim; V – piso salarial proporcional à extensão e à complexidade do trabalho; VI – irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo; VII – garantia de salário, nunca inferior ao mínimo, para os que percebem Remuneração variável; VIII – décimo terceiro salário com base na remuneração integral ou no valor da aposentadoria; IX – remuneração do trabalho noturno superior à do diurno; X – proteção do salário na forma da lei, constituindo crime sua retenção dolosa; 15 XI – participação nos lucros, ou resultados, desvinculada da remuneração, e, excepcionalmente, participação na gestão da empresa, conforme definido em lei; XII – salário-família pago em razão do dependente do trabalhador de baixa renda nos termos da lei; XIII – duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho; XIV – jornada de seis horas para o trabalho realizado em turnos ininterruptos de revezamento, salvo negociação coletiva; XV – repouso semanal remunerado, preferencialmente aos domingos; XVI – remuneração do serviço extraordinário superior, no mínimo, em cinqüenta por cento à do normal; XVII – gozo de férias anuais remuneradas com, pelo menos, um terço a mais do que o salário normal; XVIII – licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com a duração de cento e vinte dias; XIX – licença-paternidade, nos termos fixados em lei; XX – proteção do mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos específicos, nos termos da lei; XXI – aviso prévio proporcional ao tempo de serviço, sendo no mínimo de trinta dias, nos termos da lei; XXII – redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança; XXIII – adicional de remuneração para as atividades penosas, insalubres ou perigosas, na forma da lei; XXIV – aposentadoria; XXV – assistência gratuita aos filhos e dependentes desde o nascimento até 5 (cinco) anos de idade em creches e pré-escolas; XXVI – reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho; XXVII – proteção em face da automação, na forma da lei; XXVIII – seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa; XXIX – ação, quanto aos créditos resultantes das relações de trabalho, com prazo prescricional de cinco anos para os trabalhadores urbanos e rurais, até o limite de dois anos após a extinção do contrato de trabalho; a) (Revogada); b) (Revogada); XXX – proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil; XXXI – proibição de qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador portador de deficiência; XXXII – proibição de distinção entre trabalho manual, técnico e intelectual ou entre os profissionais respectivos; XXXIII – proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores De dezoito e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos; XXXIV – igualdade de direitos entre o trabalhador com vínculo empregatício permanente e o trabalhador avulso. Parágrafo único. São assegurados à categoria dos trabalhadores domésticos os direitos previstos nos incisos IV, VI, VIII, XV, XVII, XVIII, XIX, XXI e XXIV, bem como a sua integração à previdência social. Os direitos e garantias previstos no art. 7º, acima exposto, mostram que o direito ao trabalho tem papel fundamental na vida do homem, pois através dele é possível garantir ao mínimo a dignidade da pessoa humana, como podemos verificar 16 nos dizeres de Edilton Meireles que corroboram com o exposto nos parágrafos acima: Elegeu o direito do trabalho como instrumento de realização do Estado Social, em seu caráter material, ao ponto de, além de assegurar o direito ao trabalho (caput art. 6º), estabelecer uma série de direitos fundamentais para que a dignidade da pessoa humana seja alcançada (art. 7º). (MEIRELES, 2012, p. 115). Realizada a necessária digressão histórica, a fim de melhor se compreender o tema, passa-se a seguir a analisar o tema central deste trabalho, o Neoescravismos da Sociedade Capitalista: Trabalho escravo urbano,o qual ainda se mostra como uma realidade. Isso fere o princípio da dignidade da pessoa humana, previsto na Constituição Federal de 1988, assim pensa também André Luiz Proner, quando diz que “essa foi a opção da Constituição Federal de 1988: proteção da dignidade humana e dos valores sociais do trabalho.” (PRONER, 2010, p. 55), mostrando que a CF/88 preza pelo trabalho de forma a valorizar o homem, garantido lhe a dignidade e as condições na prestação do mesmo. Ainda de acordo com Lilia Leonor Abreu: Dentre os direitos e deveres individuais e coletivos (art. 5º) consta que ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante (inc. III), que são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação (inc. X), que é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão (inc. XIII), que é livre a locomoção (inc. XV), que ninguém será privado da liberdade ou de bens sem o devido processo legal, sem mencionar a proibição de prisão por dívida (inc. LXVII). (ABREU, 2003, p.143). É possível perceber deste ensinamento que a Constituição veda de forma explícita qualquer prática por parte do empregador ou de outra pessoa que venha restringir os direitos e garantias individuais e coletivos de cada trabalhador. 17 3 CARACTERIZAÇÃO DO TRABALHO ESCRAVO Para que se possa caracterizar o trabalho como trabalho escravo não há como deixar de falar e citar o Artigo 149 do Código Penal Brasileiro em sua íntegra, que ganhou nova redação através da Lei nº. 10.803/20033: Redução a condição análoga à de escravo Art. 149 – Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitandoo a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto: Pena – reclusão, de dois a oito anos, e multa, além da pena correspondente à violência. § 1º - Nas mesmas penas incorre quem: I – cerceia o uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho; II – mantém vigilância ostensiva no local de trabalho ou se apodera de documentos ou objetos pessoais do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho. § 2º - A pena é aumentada de metade, se o crime é cometido: I – contra criança ou adolescente; II – por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem. A partir deste artigo podemos encontrar as principais características para configuração do trabalho na condição análoga à de escravo, porém há uma divergência na jurisprudência e doutrina nacional sobre a necessidade de estarem presentes somente um ou todos os elementos deste tipo penal. Para Wilson Ramos Filho a partir da Lei nº. 10.803/2003 para se considerar crime a pessoa deve ter: a - Sujeição alheia a trabalhos forçados; b - Sujeição alheia a jornadas exaustivas; c - Sujeição alheia a condições degradantes de trabalho; ou d - Restrição, por qualquer meio, da locomoção alheia em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto. (RAMOS FILHO, 2008, p. 281). 3 A integra da Lei 10.803/2003 encontra-se na seção “ANEXOS” deste trabalho. 18 E o mesmo autor ainda esclarece que é possível se constatar a existência de neoescravismo sempre que pelo menos uma das circunstâncias acima citadas, estiver presente (RAMOS FILHO. 2012, p. 396). Completa também dizendo que “para não confundir tais condutas criminosas com a escravidão histórica, utiliza-se a expressão ‘condição análoga á de escravo’ que, mais freqüente nas áreas rurais, remanescente nas cidades” (RAMOS FILHO, 2008, p. 281). Oportuno citar os ensinamentos do procurador do trabalho da 12º Região, Marcelo José Ferlin D’Ambroso, que convive dia a dia com as questões de trabalho escravo, para definir o tema: No final da década de 90 e início do milênio foram cruciais os debates estabelecidos em torno da questão para a nova definição do tipo penal constante do texto atual do art. 149 do Código Penal (advinda com a Lei n. 10.803, de 11.12.2003), que permitiu a evolução do entendimento inicial de escravidão contemporânea, vinculado à segregação privada do indivíduo mediante limitações físicas de sua liberdade (mediante ameaças, violências físicas, cárcere privado, etc.) - práticas de difícil ocorrência, para um conceito humanizado e holístico, adaptado à realidade, que corresponde às práticas sutis de limitação de vontade e liberdade do trabalhador, ou simples aproveitamento de sua condição de hipossuficiente, aliadas às ações de violação da dignidade humana por imposição de condições até cruéis de trabalho e alojamento. (FERLIN D’AMBROSO, 2012) A partir de tal leitura, pode-se depreender que a lição de que não precisam estar presentes todos os elementos do tipo penal do art. 149, mas sim o enquadramento de uma situação fática a um ou mais para que se configure o crime disposto em referido dispositivo legal. O próprio Ministério do Trabalho possui uma normativa de nº. 1 4 de 1994, que define o trabalho escravo como “condição análoga à de escravo que se dá através de fraude, dívida e retenção de salários e documentos, ameaça e violência.” Na jurisprudência podemos encontrar também a caracterização do trabalho escravo, tomando como exemplo os julgados que seguem: 22578966 - RECURSO ORDINÁRIO DA TERCEIRA RECLAMADA, ALL. AMÉRICA LATINA LOGÍSTICA DO BRASIL S. A. RESPONSABILIDADE 4 Texto retirado da Cartilha sobre Trabalho Escravo no Maranhão disponível no site: www.mte.gov.br. 19 SOLIDÁRIA. Comprovado que os empregados eram submetidos à condições degradantes de trabalho, jornadas exaustivas, endividamento dos trabalhadores face ao empregador (truck system), e restrições ao direito de ir e vir, o que caracteriza o trabalho análogo ao de escravo, conforme relatório de fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego e, aliada ao dever contratual de fiscalização da terceira reclamada, verifica-se a coautoria da ilicitude na exploração dos trabalhadores, devendo a reclamada responder solidariamente pelos créditos trabalhistas. Inteligência do art. 942 do Código Civil. Recurso não provido. (TRT 04ª R.; RO 000001512.2011.5.04.0821; Nona Turma; Relª Juíza Fed. Conv. Maria Madalena Telesca; Julg. 29/03/2012; DEJTRS 11/04/2012; Pág. 35) 22578511 - INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. TRABALHO EM CONDIÇÕES ANÁLOGAS ÀS DE ESCRAVO. Gera dano moral indenizável submeter o trabalhador a condições degradantes, sem acomodação, alimentação e higiene adequados, bem como ao cumprimento de jornadas de trabalho exaustivas e ao truck system. Recurso adesivo do reclamante provido para majorar o valor da indenização deferida na sentença. (TRT 04ª R.; RO 0000311-68.2010.5.04.0821; Décima Turma; Rel. Juiz Conv. Wilson Carvalho Dias; Julg. 29/03/2012; DEJTRS 10/04/2012; Pág. 40) O Ministério Público do Trabalho e o Ministério Público Federal também trazem alguns dos elementos que caracterizam o trabalho escravo na conhecida denúncia apresentada perante a 3ª Vara Federal de Porto Velho, autuada sob nº. 2003.41.00.003385-5, Justiça Pública x José Carlos de Souza Barbeiro (fazendeiro) e Lídio dos Santos Braga (agricultor): em denúncia crime feita em conjunto, apontaram na peça inicial quinze elementos característicos do trabalho escravo: 1. Falta de pagamento de salários (contumaz); 2. Alojamento em condições subumanas (e.g., barracos de lona, casas de taipa ou pau a pique, infestadas pelo inseto barbeiro, transmissor da doença de Chagas); 3. Inexistência de acomodações indevassadas para homens, mulheres e crianças (convivência promíscua); 4. Inexistência de instalações sanitárias adequadas e precárias condições de saúde e higiene (e.g., falta de material de primeiros socorros); 5. Falta de água potável e alimentação parca; 6. Aliciamento de uma para outra localidade do território nacional; 7. Truck-system (correspondente, ao popular “barracão”, no qual o trabalhador se endivida para além dos limites de seus supostos rendimentos); 8. Inexistência de refeitório adequado para os trabalhadores e de cozinha adequada para o preparo de alimentos; 9. Ausência de equipamentos de proteção individual (EPI) ou coletiva (EPC) 10. Meio do trabalho nocivo ou inóspito (e.g., região de selva, chão batido, exposição de animais peçonhentos etc.); 11. Coação moral; 12. Cerceamento à liberdade ambulatória (direito de ir e vir limitado pela distância e pela precariedade do acesso); 13. Falta de assistência médica; 20 14. Vigilância armada e/ou presença de armas na fazenda; 15. Ausência de registro na CTPS. (MARQUES, 2007, p. 32 e 33) Assim temos que o trabalho escravo fica caracterizado por ser a condição precária do ambiente de trabalho, onde o trabalhador não possui as mínimas condições de segurança, saúde, higiene, jornadas exorbitantes ou quando o empregado contrai dividas com o empregador que veda a sua locomoção, acesso a documentos e benefícios que lhe são de direito (ex: FGTS, INSS, Seguro Desemprego), ou seja, qualquer tipo de exploração exercida pelo empregador sobre o empregado suprimindo os direitos do trabalhador. 21 4 CONCEITO DE NEOESCRAVISMO Podemos entender que o Neoescravismo, termo utilizado pela doutrina brasileira, como sendo a redução a condição análoga à de escravo nos tempos modernos, caracterizado pelo Art. 149 do Código Penal, alterado pela Lei 10.803/2003, que descreve objetivamente o que é considerado trabalho escravo. No entendimento de Wilson Ramos Filho há dois tipos de trabalho escravo urbano contemporâneo. O primeiro é aquele em que o indivíduo encontra-se prestando o trabalho na condição análoga à de escravo nas cidades sem suporte de contrato de trabalho válido. E o outro tipo é aquele em que o indivíduo presta o trabalho na condição análoga à de escravo nas cidades, porém com suporte de contrato de trabalho válido, assim: À essa segunda espécie, prestado nas cidades, com suporte contratual válido, por trabalhadores em situação análoga à de escravos, se propõe a denominação neoescravidão urbana ou a denominação de trabalho urbano prestado em condições de neoescravidão (RAMOS FILHO, 2010, p. 133). O autor estabelece também como forma de caracterizar o trabalho na condição de neoescravidão as condutas tipificadas no caput do Art. 149 do CP, sendo a jornada exaustiva e as condições degradantes de trabalho, já que as demais são comuns nas demais espécies de trabalho escravo contemporânea. (RAMOS FILHO. 2008, p. 281). Pode-se desprender dos ensinamentos de Wilson Ramos Filho, que a pessoa que se encontra em trabalho de jornada exaustiva ou em condições degradante, enquadra-se como em condição análoga à de escravo. Portanto o Neoescravismo é um fenômeno recente, inclusive em nossa legislação. Mostra que o trabalhador urbano da sociedade moderna também pode se encontrar, mesmo que de forma inconsciente, ou omissa, na condição análoga à de escravo, sem que haja necessariamente aquela imagem de algemas, correntes, e açoitamento. Nas palavras de Wilson Ramos Filho, 22 A neoescravidão contemporânea pode ser classificada em (i) trabalho rural escravo contemporâneo e (ii) trabalho urbano escravo contemporâneo. O primeiro é aquele que ocorre nas atividades rurais, agrícolas ou pecuárias, e nas atividades agroindustriais nas quais trabalhadores são submetidos a condições análogas à de escravos e que vem merecendo especial atenção por parte do Estado Brasileiro. O segundo tipo ocorre em atividades urbanas, nas quais direitos elementares dos trabalhadores são desrespeitados, mas sem idêntica intervenção estatal, seja por parte do Executivo, seja por parte do Judiciário, no sentido de sua eliminação nas relações sociais concretas. (RAMOS FILHO. 2012, p. 392) Pretende-se nos próximos tópicos, explorar todas as possíveis formas de trabalho em condição análoga à de escravo, quais sejam: trabalho escravo rural, urbano sem contrato de trabalho valido e urbano com contrato de trabalho valido. 4.1 TRABALHO ESCRAVO RURAL CONTEMPORÂNEO Esse é tipo mais comum de trabalho escravo encontrado no Brasil, pois é facilitado pela dificuldade de acesso da fiscalização, devido às regiões afastadas em que ele ocorre, e por envolver empregadores com grande poder aquisitivo, sendo, muitas vezes, proprietários de grandes propriedades rurais que podem também serem políticos. Nessa linha de pensamento Lilia Leonor Abreu versa que aos trabalhadores na condição análoga à de escravo “são sonegados completamente os direitos trabalhistas” e que “a forma mais comum encontrada no meio rural é a dívida” que como veremos na sequência. (ABREU, 2003, p. 2) Em matéria publicada no site do Senado Federal que aborda o tema “Trabalho escravo se concentra na zona rural”, fica evidente a maior ocorrência do trabalho escravo nas regiões rurais das cidades: “O agronegócio é o setor da economia que mais recruta pessoas para trabalhar em regime semelhante ao da escravidão. E entre as atividades rurais com maior número de trabalhadores resgatados, o desmatamento para expansão da fronteira agrícola, especialmente na Amazônia, figura em primeiro lugar no ranking.” (BRASIL. 2012) 23 Esse modo de trabalho escravo foi conceituado por Christiani Marques da seguinte forma: O trabalho escravo ou forçado moderno é a exploração violenta da pessoa humana, cativada por dívidas contraídas pela necessidade de sobrevivência e forçada a trabalhar, pelo aliciamento feito por pessoas que lucram com o fornecimento e a utilização de sua força de trabalho em propriedades rurais (na maioria das vezes, além de muito afastadas, estão localizadas na região norte do Brasil, onde a fuga é difícil, perigosa e arriscada) (MARQUES, 2007, p.32, grifo nosso). Jairo Lins de Albuquerque Sento-Sé é mais um autor que corrobora para o entendimento do conceito do trabalho escravo rural: O trabalho escravo contemporâneo, na zona rural, é aquele em que o empregador sujeita o empregado a condições de trabalho degradantes, inclusive quanto ao meio ambiente em que irá realizar a sua atividade laboral, submetendo-o, em geral, a constrangimento físico e moral, que vai desde a deformação do seu consentimento ao celebrar o vínculo empregatício, passando pela proibição imposta ao obreiro de resilir o vínculo quando bem entender, tudo motivado pelo interesse mesquinho de ampliar os lucros às custas da exploração do trabalhador. (SENTO-SÉ, 2001) O que mostra a evidência de que há certa facilidade para os donos de propriedades rurais praticarem este crime contra o trabalhador, seja pela difícil localização, seja pelas dívidas contraídas (dívidas que nunca serão pagas com o trabalho) ou pela incomunicabilidade imposta a eles. Para Carlos Henrique Bezerra Leite são três tipos de coação que sofrem estes trabalhadores: O trabalhador fica sem condições de sair do local onde está sendo explorado, sofrendo, a rigor, três tipos de coação: a) coação econômica – dívida contraída com o transporte para fazenda e compra de alimento. O empregado tenta saldar a dívida, mas não consegue devido aos elevados valores cobrados; b) coação moral/psicológica – ameaças físicas, e até de morte, por parte do responsável pela fazenda e constante presença de capataz, armado, em meio aos trabalhadores; c) coação física – agressão aos trabalhadores como forma de intimidação. (BEZERRA LEITE, 2005, p.146-173) 24 Segundo dados da Comissão da Pastoral da Terra, entre 2003 e 2009, dividindo por atividade econômica, as pessoas que se encontravam na condição análoga à de escravo estavam nas seguintes proporções: Reflorestamento 2% Carvão 10% Desmatamento e Pecuária 66% Outras Lavouras 11% Cana-de-açúcar 3% Outra atividade 8% Fonte: Comissão da Pastoral da Terra, Xavier Plassat, 2010. Podemos então verificar que a maior incidência do trabalho escravo rural se dá nas atividades relacionadas às atividades de agropecuária, passando pela canade-açúcar para a produção do etanol e pelas carvoarias. O trabalho escravo rural normalmente acontece por intermédio de pessoas conhecidas como “gatos”, que aliciam os trabalhadores através de promessas de bons empregos e salários. Eles têm a preferência por recrutar trabalhadores que residam distante do local onde será prestado o “serviço”, para que possa restringir a sua liberdade de locomoção e comunicação. Segundo pesquisa feita pela Organização Não Governamental Repórter Brasil com os trabalhadores encontrados na situação análoga à de escravo, “do total 25 de entrevistados, 40% foram recrutados por meio de amigo ou conhecido e 27%, por meio de agente de recrutamento, o chamado gato”, ou seja, um número bastante elevado. Conforme dados5 do MTE, no ano de 2011 foram realizadas 171 operações, sendo inspecionados 342 estabelecimentos, tendo formalizado 2.013 contratos de trabalhos e resgatado da condição análoga à de escravo o número de 2.491 trabalhadores. Assim temos que o trabalho escravo rural caracteriza-se por se aquele exercido nas propriedades rurais, e que geralmente apresenta todos os elementos contidos no tipo penal do art. 149 do CP. 4.2 TRABALHO ESCRAVO URBANO SEM SUPORTE CONTRATUAL VÁLIDO Historicamente o trabalho escravo sempre foi caracterizado por ser aquele trabalho exercido em propriedades rurais, o que ocorre até hoje, porém com o passar do tempo e o crescimento das metrópoles, as pessoas do campo começaram a migrar para as cidades, deixando para trás tudo o que possuíam no campo, para tentar uma vida melhor nas capitais dos Estados brasileiros. Porém a grande concorrência, exigência de experiência, de qualificação, conhecimento, fez com que essas pessoas começassem a se subordinar a trabalhos degradantes para que pudessem sobreviver na “cidade grande”, ou seja, para os empregadores uniu-se a mão de obra barata com a alta carga horária que se poderia aplicar sem que houvesse reclamação, formal, por parte dos empregados. Há também os estrangeiros, em sua maioria latino-americanos, que cada vez mais atravessam as fronteiras em busca de condições melhores de vida, e acabam em confecções clandestinas, assumindo dívidas muitas vezes inventadas pelos empregadores, as quais os prendem sem a possibilidade de que as quitem. Como ensina Wilson Ramos Filho, 5 Dados disponíveis em: <http://portal.mte.gov.br/data/files/8A7C816A39E4F614013AD5968E702C3A/Quadro%202011%20pa ra%20a%20internet.pdf > 26 Entretanto, para além deste trabalho rural prestado em condições análogas à de escravo também em diversas atividades laborais urbanas são encontradas condições de trabalho tais que, por sua precariedade, se assimilam às práticas aqui descritas como neoescravistas, as quais podem ser agrupadas em dois tipos-ideais: (i) trabalho em condições análogas à de escravo prestado nas cidades sem suporte contratual válido e (ii) trabalho prestado nas cidades com suporte contratual em situação análoga à de escravos 6 cuja descrição e tipificação encontram-se no Código Penal em sua redação atual. (...)A primeira espécie de trabalho em condições análogas à de escravo nos meios urbanos, prestado nas cidades sem suporte contratual válido pode ser subdivida em (i) trabalho prestado por imigrantes (geralmente oriundos de países latino-americanos ou asiáticos); (ii) trabalho de natureza sexual prestado por homens ou mulheres, nacionais ou estrangeiros, sem seu consentimento válido; e, (iii) trabalho prestado por qualquer outro tipo de pessoa que, em face de sua situação de trabalhador em atividades ilegais submeta-se a condições de trabalho aviltantemente precárias, sem suporte contratual válido, como nas hipóteses dos chamados “soldados do tráfico de drogas”, ou ainda os empregados em algumas atividades proibidas comandadas por criminosos. A segunda espécie de trabalho urbano prestado em condições análogas à de escravo prestado com suporte contratual válido se refere a situações associadas à precarização das tutelas estatais como conseqüência dos novos métodos de gestão e da imposição hegemônica do terceiro espírito do capitalismo e a situações em que o Estado tenha permanecido inerte no oferecimento de contrapartidas pela aceitação da submissão. (RAMOS FILHO. 2012, p. 392) Um caso exemplificativo referente ao trabalho em condições análogas à de escravo sem contrato de trabalho válido feito por imigrantes, foi o mostrado nos programas “A Liga” da TV Bandeirantes e “Profissão Repórter” da TV Globo, nas confecções que eram terceirizadas da marca espanhola ZARA, em que foram encontrados trabalhadores em condição análoga à de escravo, produzindo peças que para eles eram pagos somente um valor ínfimo entre R$ 0,50 (cinqüenta centavos de real) a R$ 1,00 (um real) por peça produzida7. 6 BRASIL. Código Penal. Art. 149: “Redução a condição análoga à de escravo. Art. 149. Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto: Pena - reclusão, de dois a oito anos, e multa, além da pena correspondente à violência. § 1º Nas mesmas penas incorre quem: I - cerceia o uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho; II - mantém vigilância ostensiva no local de trabalho ou se apodera de documentos ou objetos pessoais do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho. § 2º A pena é aumentada de metade, se o crime é cometido: I - contra criança ou adolescente; II por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem” (alterado pela lei 10.803/2003). 7 Reportagens recentes de periódicos paulistas revelam que, no Município de São Paulo, bolivianos costumam ser arregimentados para trabalhar em pequenas confecções das 06h00 às 23h00 ou das 07h00 às 24h00, com remuneração entre R$ 200,00 e R$ 400,00 por mês (o último valor dificilmente é alcançado), correspondente a algo entre R$ 0,50 e R$ 1,00 por peça. Texto retirado do site: http://jus.com.br/revista/texto/6728/sobre-os-caminhos-institucionais-para-ocombate-ao-trabalho-escravo-contemporaneo-no-ambito-dos-municipios#ixzz2PJRND3mj 27 De acordo com a auditora fiscal da SRTE/SP, Giuliana Cassiano Orlandi, que participou de toda a operação “por se tratar de uma grande marca, que está no mundo todo, à ação se torna exemplar e educativa para todo o setor” (BRASIL, Repórter, 2012). Nas reportagens mostradas na televisão não era raro o depoimento de alguns destes estrangeiros dizendo aceitar viver naquelas condições por ser melhor do que as condições em que vivia em seu país de origem, e por não estarem de forma regular no Brasil. Pode-se utilizar também como exemplo o tráfico de drogas, que cada dia mais passa a se utilizar de mão de obra de menores, os aliciando para que trabalhem como “aviõeszinhos”, ou seja, além de ser uma atividade ilícita que impossibilita que realmente houvesse um contrato formal de trabalho, há exploração do menor, que trabalho em condições degradantes. Nesse sentido a Justiça do Trabalho de Campo Grande/MS condenou três pessoas por aliciamento de adolescentes como “aviõeszinhos” para o tráfico de drogas, conforme matéria publicada no sitio eletrônico do da Procuradoria Regional do Trabalho da 24ª Região/MS, “os exploradores foram condenados ao pagamento de danos morais coletivos, no valor de R$ 30 mil, cada um, pelos danos causados à sociedade” e ainda: Os exploradores de mão de obra de adolescentes foram condenados a não mais aliciar ou explorar, "sob qualquer pretexto, crianças ou adolescentes menores de 18 anos para fins de exploração para o tráfico de substâncias entorpecentes ou para qualquer outro trabalho não permitido por lei", sob pena de multa de R$ 10 mil, para cada situação irregular. (PRT 24ª Região, 2013). Na mesma matéria a Procuradora do Trabalho Simone Rezende diz que: (essa exploração) gera efeitos morais negativos em face de toda a coletividade, pois contribui para diversos outros delitos e para o aumento da violência e, desta forma, é necessário, além da condenação criminal, também responsabilizar civilmente os autores dessa prática. (PRT 24ª Região, 2013) Mostrando mais uma vez que a exploração do trabalho possui não somente efeitos trabalhistas, mas também ensejam demandas criminais e civis. 28 Saliente-se ainda que o trabalhador em tal situação, além de ter reparação criminal, quando da condenação do empregador pelo crime previsto no artigo 149 do CP, também poderá pleitear a indenização por danos morais, diretamente na Justiça do Trabalho, através do ajuizamento de uma Reclamatória Trabalhista. Acerca deste tipo de trabalhador em condição análoga à de escravo sem um contrato de trabalho válido, oportuno mencionar os ensinamentos de Guilherme Guimarães Feliciano: A problemática reside no fato de que mencionados trabalhadores não se vêem na condição de escravos, já que atêm à preocupação com sua própria subsistência e os respectivos e os respectivos processos orgânicos. (FELICIANO, 2004, p. 88) Ou seja, não é somente um problema de falta de fiscalização, ou de exploração por parte dos donos das propriedades escravistas, mas também um problema de cunho social, no qual a realidade das pessoas faz com que esse trabalho degradante para elas seja a única forma de subsistir no mundo. Assim a principal característica deste trabalho na condição análoga à de escravo sem contrato válido é o trabalho forçado ou o trabalho com restrição à liberdade de locomoção, enquadrando-se no tipo penal do art. 149 do Código Penal caput e do parágrafo 1º, incisos I e II8. 4.2.1 Caracterização de trabalho forçado Qualificado no item 4.2, como uma das principais características do trabalho na condição análoga à de escravo sem contrato válido, cabe a este item caracterizálo para melhor entendimento. 8 Art. 149 – restringir, por qualquer meio, a locomoção do trabalhador em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto; § 1º, inciso I – cercear o uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho; § 1º, inciso II – manter vigilância ostensiva no local de trabalho ou apoderar-se de documentos ou objetos pessoais do trabalhador com o fim de retê-lo no local de trabalho. 29 O trabalho forçado caracteriza-se por ser o “trabalho ou serviço exigido de um indivíduo sob ameaça de qualquer penalidade e para o qual ele não se ofereceu de espontânea vontade”, conforme previsão do artigo 2º da Convenção nº. 29 da OIT (Organização Internacional do Trabalho). Ainda segundo doutrina de Christiani Marques, alguns elementos evidenciam o trabalho forçado (MARQUES, 2007, p. 30): Aliciamento de mão de obra por “gatos”9; Servidão por dívida; Impossibilidade dos trabalhadores deixarem as fazendas; Alojamento precário; Inexistência de água potável. Portanto pode-se dizer que o trabalho forçado é aquele em que a pessoa apresenta um ou alguns dos elementos acima expostos, que a torna vinculada de tal forma ao trabalho que o trabalhador, para fins de subsistência, acaba se sujeitando a essa condição de trabalho forçado. 4.2.2 Caracterização de trabalho com restrição à liberdade de locomoção A liberdade de locomoção prevista no art. 149 do CP como elemento do tipo penal que a considera como causa da redução a condição análoga à de escravo, se caracteriza, conforme entendimento da Organização Internacional do Trabalho, por alguns elementos, sendo eles a servidão por dívida, retenção de documentos, isolamento físico, vigilância ostensiva (OIT, 2010, p. 16). E assim definidas: a) Servidão por dívidas: os trabalhadores recebem uma quantia na hora do aliciamento, com a promessa de ótimos ganhos a serem pagos pelo trabalho 9 Gato – pessoa que atrai o trabalhador para exercer funções em outras localidades, com falsas promessas de excelentes salários e acomodações. É o intermediador da mão de obra entre o empregado e o empregador. Disponível em: www.mpt.gov.br/escravo. 30 prestado. Porém a realidade é diversa na hora em que chegam ao local. São obrigados a pagar preços exorbitantes pelas acomodações, que em muitos casos estão em condições precárias e desumanas, pagam também pela alimentação e equipamentos para o trabalho, tudo de forma superfaturada para que a dívida nunca seja paga e o trabalhador se prenda a ela. “Esta prática é conhecida como ‘política do barracão’ ou ‘truck system’. Ainda que a imputação da dívida seja fraudulenta, muitos trabalhadores são moralmente coagidos a saudá-la”. (OIT, 2010, p. 16) b) Retenção de documentos: “os documentos dos trabalhadores freqüentemente são retidos durante o período da prestação do serviço;” (OIT, 2010, p. 16) c) Isolamento físico: “em grande parte dos casos, o local de trabalho é de difícil acesso e distante de núcleos urbanos, o que dificulta a fuga do trabalhador”. (OIT, 2010, p. 16) d) Vigilância ostensiva: “em alguns casos há presença de guardas armados que ameaçam os trabalhadores e aplicam punições físicas” (OIT, 2010, p. 16). De tal forma que a restrição da liberdade de locomoção do trabalhador pode ser entendida como os meios, físico ou moral, pelos quais o empregador exerce o domínio sobre o empregado, de forma ilícita, de modo que o mesmo não consiga sair do local onde ocorre a prática do trabalho na condição análoga à de escravo. Como ensina Wilson Ramos Filho, Sendo assim, tanto o trabalho forçado como o trabalho com restrição à liberdade de locomoção configuram-se como condutas criminosas pelo artigo 149 do CPB, nas quais obviamente se infringe o direito de ir e vir (e, conseqüentemente, o direito a se opor à exigência de trabalho forçado quando o empregado tenta se evadir). (RAMOS FILHO. 2012, p. 397) Esse fato dificulta ainda mais a fiscalização dos órgãos competentes, já que somente por meio de denúncia será possível chegar a estes locais distantes para comprovar a ocorrência deste crime. 31 4.2.3 Tráfico de pessoas Como se ressalta desde o inicio deste trabalho, no contexto da sociedade atual há diversas formas modernas de trabalho escravo. O tráfico de pessoas é um gênero delas, tendo como forma mais comum a exploração sexual. No texto de Cícero Rufino Pereira, Procurador do Trabalho do Estado do Mato Grosso do Sul, podemos verificar melhor a exploração sexual como sendo uma forma de redução a condição análoga à de escravo: Como guardião da ordem jurídica trabalhista, o Ministério Público do Trabalho elegeu, entre suas atividades principais, o combate às chamadas “formas modernas de escravidão” (o trabalho escravo), acabando, por conseqüência, por combater o chamado Tráfico de Seres Humanos (TSH), o qual é gênero, tendo, como espécies, a exploração da prostituição, outras formas de exploração sexual, a remoção de órgãos para venda, a adoção ilegal e as “práticas similares à escravatura”, ou, conforme dicção do artigo 149 do Código Penal, com a redação da Lei 10.803/03, crime de “redução à 10 condição análoga à de escravo. Esse tráfico tem a mesma origem do trabalho escravo rural, o famoso “gato” que intermedia a contratação mediante a falsa oferta de excelentes ganhos e condições de trabalhos. Porém, como já se pode verificar nos itens anteriores, a realidade quando se chega ao local onde será prestado o “trabalho” é totalmente diferente, os trabalhadores contraem dívidas impagáveis, tem sua locomoção restringida, e nesse caso em específico, ainda são explorados sexualmente. Nesse sentido a própria jurisprudência nacional se manifesta: RECURSO EM SENTIDO ESTRITO: RSE 7107 RS 000233377.2009.404.7107 - PENAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. REDUÇÃO A CONDIÇÃO ANÁLOGA À DE ESCRAVO. REDUÇÃO DA VÍTIMA A UM ESTADO DE SUBMISSÃO FÍSICA E PSÍQUICA. TRÁFICO INTERNO DE PESSOAS. ARTS. 149, CAPUT E §1º, II, E 231-A, AMBOS DO CÓDIGO PENAL. INDÍCIOS SUFICIENTES DE MATERIALIDADE E AUTORIA DELITIVAS. RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL.1. Hipótese em que as vítimas - garotas de programa trazidas de diversas cidades do País para exercerem a 10 Texto retirado do site do Ministério Público do Trabalho do Estado do Mato Grosso do Sul: http://www.prt24.mpt.gov.br/site/includes/docs/comunicacao/artigos/mp_trafico_seres_humanos.pdf acessado em 23 de abril de 2012. 32 prostituição em boate de propriedade dos agentes - eram submetidas a uma situação de vínculo obrigatório com o local de trabalho, induzidas que eram a efetuar compras de caráter pessoal na loja de propriedade dos acusados, sendo mantidas, assim, como eternas devedoras.2. Presentes indícios suficientes da submissão física e psíquica das vítimas à posse e ao domínio dos réus, e vigendo, neste momento, o princípio in dubio pro societate, mais coerente é que sejam apuradas as reais circunstâncias em que se deram os fatos por meio da devida instrução processual, devendo a denúncia ser recebida em face da potencial prática dos delitos previstos nos artigos 149 e 231-A, ambos do Código Penal.3. Manutenção da competência da Justiça Federal para processar e julgar o feito. (7107 RS 0002333-77.2009.404.7107, Relator: TADAAQUI HIROSE, Data de Julgamento: 15/02/2011, SÉTIMA TURMA, Data de Publicação: D.E. 03/03/2011) Para complementar o raciocínio cito os dizeres de Luiz Régis do Prado: O indivíduo é posto sob o domínio de outrem, que pode dele livremente dispor. Não se suprime, in casu , uma parcela da liberdade pessoal. Ao contrário, esse bem jurídico é integralmente comprometido, visto que a sujeição de alguém ao poder absoluto do agente implica, por sem dúvida, afronta insanável ao princípio da dignidade da pessoa humana, de índole constitucional (art. 1º, III,CF). Reduzir alguém à condição análoga a de escravo importa anulação completa da personalidade. O homem é transformado em coisa (res ), submetido ao talante do agente. (PRADO, 2007). Isso reforça que a sujeição de uma pessoa a vontade de outrem na forma apresentada (redução a condição análoga à de escravo) caracteriza afronta a Constituição Federal, ao princípio da dignidade da pessoa humana. E no caso do tráfico de pessoas e ainda pior, pois há uma exploração sexual, ou obtenção de órgãos, ou ainda a própria venda do trabalhador, como coisa. Os trechos do julgado acima apresentado Res. Nº. 7107/RS, deixam evidente como é caracterizado a redução a condição análoga à de escravo: A fraude montada, a fim de que as vítimas tivessem restringida sua capacidade de locomoção, consistia no estímulo à compra de produtos (roupas e acessórios, inclusive para festas temáticas promovidas na Boite, materiais de higiene e beleza, perfumes etc.), na "loja" mantida no interior da boate (conforme comprovam as fotografias insertas nas fls. 183-191 do IPL), ou intermediados pelos denunciados (geladeiras, televisores etc), bem como pelo custeio (adiantamento) de despesas referentes ao transporte (passagens) das vítimas (algumas, inclusive, vindas de outros Estados da Federação), de modo que estas permaneciam, invariavelmente, devedoras 33 dos denunciados, sendo que não poderiam ir embora enquanto não as quitassem. A análise dos cadernos e agenda descritos nos itens 02, 03 e 04 do Auto de Apreensão da fl. 10 do IPL (acostados no anexo I), comprovam a ocorrência de tal procedimento, registrando altos débitos das vítimas para com a loja montada no interior da boate. Exemplificativamente, destaca-se as anotações de débito em nome da alcunhada "FIFA"(que atinge patamar próximo a R$3.000,00); de "JULIANA (que atinge patamar próximo de R$ 1.000,00); de" ELIANE "(em patamar que supera os R$ 10.000,00); da alcunhada" JAQUE "(em patamar que supera os R$ 2.000,00); e da alcunhada"PATY PORTO"(que atinge patamar próximo de R$ 1.000,00). Nas mesmas circunstâncias de tempo e local, os denunciados, sob a alegação de que iriam contratá-la como empregada da loja pertencente à denunciada RITA, de nome"LINDA RK FASCHION", localizada na cidade de Bento Gonçalves/RS, apoderaram-se da Carteira de Trabalho de DIENE HELLEN CORREA, sendo que somente procederam a devolução de tal documento por ocasião da oitiva da denunciada RITA em sede policial. Outrossim, também foi verificado que, na prática, as vítimas residiam nas dependências da boate, não lhes sendo oferecidas garantias mínimas de saúde, segurança, moradia, higiene e alimentação, estando alojadas em péssimas condições, conforme comprovam as fotografias insertas nas fl. 177-182 do IPL. Por oportuno, ressalta este Órgão Ministerial que o aparente consentimento manifestado por algumas das vítimas em suas oitivas perante à Autoridade Policial não tem relevância em casos como o presente, nos quais há ofensa à ética social e aos bons costumes. Desprende-se ainda que é entendimento da jurisprudência pátria que o crime não depende de representação da vítima, ou seja, é uma ação penal incondicionada, bastando o oferecimento da denúncia pelo Ministério Público, ou que qualquer outra pessoa denuncie a um órgão competente. A Lei 12.015/2009 alterou a redação do artigo 23111, passando a denominar o crime de tráfico de mulheres como sendo tráfico internacional de pessoas para fins 11 Art. 231. Promover ou facilitar a entrada, no território nacional, de alguém que nele venha a exercer a prostituição ou outra forma de exploração sexual, ou a saída de alguém que vá exercê-la no estrangeiro. (Redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009) Pena - reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos. (Redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009) o § 1 Incorre na mesma pena aquele que agenciar, aliciar ou comprar a pessoa traficada, assim como, tendo conhecimento dessa condição, transportá-la, transferi-la ou alojá-la. (Redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009) § 2o A pena é aumentada da metade se: (Redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009) I - a vítima é menor de 18 (dezoito) anos; (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009) II - a vítima, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato; (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009) III - se o agente é ascendente, padrasto, madrasta, irmão, enteado, cônjuge, companheiro, tutor ou curador, preceptor ou empregador da vítima, ou se assumiu, por lei ou outra forma, obrigação de cuidado, proteção ou vigilância; ou (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009) IV - há emprego de violência, grave ameaça ou fraude. (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009) 34 de exploração sexual, e incluindo o artigo 231-A12 que tipifica o crime de tráfico interno de pessoas. Essa alteração e inclusão feitas pela Lei 12.015/2009 foi um avanço nas formas de combate a este tipo de crime, visando a sua diminuição. 4.3 TRABALHO ESCRAVO URBANO COM SUPORTE CONTRATUAL VÁLIDO Essa é a espécie de trabalho escravo que melhor define o tema central deste trabalho, o neoescravismo moderno, uma vez que nos dias atuais as pessoas que possuem seu emprego, salário, benefícios, dificilmente irão reclamar ou reconhecer que se encontram em condição análoga à de escravo. A lógica seguida pelo trabalhador não deixar de estar correta, já que ele possui um contrato formal de trabalho, no qual há direitos, garantias e deveres. Como aduz Wilson Ramos Filho, Registre-se que para a configuração do crime trabalho prestado nas cidades com suporte contratual em condições análogas à de escravo não se exige restrição à liberdade de locomoção. Caso o empregador submeta o empregado a “jornadas exaustivas” ou que sujeite trabalhadores a “condições degradantes de trabalho” o crime estará materializado, ainda que ausentes a restrição à liberdade de ir e vir e a exigência de trabalhos forçados. (RAMOS FILHO. 2012, p. 396) o § 3 Se o crime é cometido com o fim de obter vantagem econômica, aplica-se também multa. (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009) 12 Art. 231-A. Promover ou facilitar o deslocamento de alguém dentro do território nacional para o exercício da prostituição ou outra forma de exploração sexual: (Redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009) Pena - reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos. (Redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009) o § 1 Incorre na mesma pena aquele que agenciar, aliciar, vender ou comprar a pessoa traficada, assim como, tendo conhecimento dessa condição, transportá-la, transferi-la ou alojá-la. (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009) o § 2 A pena é aumentada da metade se: (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009) I - a vítima é menor de 18 (dezoito) anos; (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009) II - a vítima, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato; (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009) III - se o agente é ascendente, padrasto, madrasta, irmão, enteado, cônjuge, companheiro, tutor ou curador, preceptor ou empregador da vítima, ou se assumiu, por lei ou outra forma, obrigação de cuidado, proteção ou vigilância; ou (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009) IV - há emprego de violência, grave ameaça ou fraude. (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009) o § 3 Se o crime é cometido com o fim de obter vantagem econômica, aplica-se também multa.(Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009) 35 Assim, embora não se necessite configurar trabalhos forçados ou com restrição de locomoção, existem situações em que a lógica de mercado que vivemos impõe trabalhos que dependem de produção, da venda, do transporte, de produtos em grande quantidade, os quais configuram trabalho em condições análogas a de escravo, por jornada exaustiva ou condições degradantes. Por isso se sujeitam a jornadas exaustivas, , a locais de trabalho degradantes, a pressão exercida pelos patrões para que produzam, vendam, alcancem metas cada vez maiores. É uma forma apelativa dos empregadores para que os empregados produzam mais em menos tempo, ou seja, quanto mais eles produzirem de riqueza para o patrão maior será o valor da sua comissão, gratificação, porcentagem dos lucros ou salário. Assim como o caso dos bolivianos utilizado como exemplo no item 4.1, no caso do presente item, o exemplo mais significativo talvez seja o dos caminhoneiros. Eles viajam por dias, horas, meses, fazendo os fretes e dependendo da sua maior rapidez na entrega para receber uma quantia maior no final do mês, pois eles recebem por entrega feita. De acordo com o sitio eletrônico do Senado Federal os profissionais desta área também são considerados escravos urbanos: Muitos trabalham em torno de 18 horas diárias, pressionados pela exigência de produtividade, já que recebem por carga entregue. Mais que isso, eles geralmente fazem dívidas para comprar seus veículos. O nível de estresse desses profissionais, que trabalham em meio aos perigos do trânsito das rodovias brasileiras, leva constantemente a problemas de saúde, como hipertensão e estafa, agravados por problemas ergométricos por passarem muito tempo sentados, em constante trepidação. (SENADO, 2012) Na mesma matéria o Senado inclui os trabalhadores marítimos: Da mesma forma, os trabalhadores marítimos estão entre os mais vulneráveis ao trabalho escravo. A fiscalização em embarcações, principalmente em águas internacionais, praticamente inexiste. Com o isolamento, os navios podem ser transformados em cativeiros, e a situação é agravada pela dificuldade na identificação de responsabilidades legais entre os tripulantes. (SENADO, 2012) 36 Então se verifica que não se tem somente o trabalho na condição análoga à de escravo nas zonas rurais, mas também nos grandes centros urbanos, caracterizado ainda pelo fato de se ter um contrato de trabalho válido, mas em condições de trabalho degradantes ou com jornadas exaustivas. Em julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) do Inquérito 3412-AL, o Ministro Relator Marco Aurélio, conseguiu definir de forma clara a caracterização da redução a condição análoga à de escravo, como se verifica: INQUÉRITO.EMENTA PENAL. REDUÇÃO A CONDIÇÃO ANÁLOGA A DE ESCRAVO. ESCRAVIDÃO MODERNA. DESNECESSIDADE DE COAÇÃO DIRETA CONTRA A LIBERDADE DE IR E VIR. DENÚNCIA RECEBIDA.Para configuração do crime do art. 149 do Código Penal, não é necessário que se prove a coação física da liberdade de ir e vir ou mesmo o cerceamento da liberdade de locomoção, bastando a submissão da vítima "a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva" ou "a condições degradantes de trabalho", condutas alternativas previstas no tipo penal. A "escravidão moderna" é mais sutil do que a do século XIX e o cerceamento da liberdade pode decorrer de diversos constrangimentos econômicos e não necessariamente físicos. Priva-se alguém de sua liberdade e de sua dignidade tratando-o como coisa e não como pessoa humana, o que pode ser feito não só mediante coação, mas também pela violação intensa e persistente de seus direitos básicos, inclusive do direito ao trabalho digno. A violação do direito ao trabalho digno impacta a capacidade da vítima de realizar escolhas segundo a sua livre determinação. Isso também significa "reduzir alguém a condição análoga à de escravo". Não é qualquer violação dos direitos trabalhistas que configura trabalho escravo... (Inq. 3412 AL , Relator: Min. MARCO AURÉLIO, Data de Julgamento: 29/03/2012, Tribunal Pleno, Data de Publicação: ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-222 DIVULG 09-11-2012 PUBLIC 12-11-2012, grifo nosso) Os trabalhadores que se encontram nessa situação, por possuírem suporte contratual válido, são praticamente invisíveis aos olhos do Governo e da sociedade, pois poucos deles aceitam que estão na condição análoga à de escravo. Isso se deve, como dito pelo Ministro do STF Marco Aurélio, ao vínculo de dependência do empregado em relação ao empregador pelo prisma econômico. Ou seja, o trabalhador prefere não denunciar o seu chefe ou empresa, para não ter o risco de perder a remuneração percebida pelo trabalho. Assim a principal característica deste trabalho na condição análoga à de escravo no ambiente urbano com suporte contratual válido é o trabalho em condições degradantes e/ou as jornadas exaustivas. Condições e jornadas estas que se pretende tratar nos itens a seguir. 37 4.3.1 Caracterização do trabalho em condições degradantes. A forma para caracterização do trabalho em condições degradantes, possui alguns obstáculos a serem superados, uma vez que se trata de uma definição amplamente subjetiva, pois cada caso exigirá ser analisado de forma especial, de acordo com normativas, legislação e situação em que se encontra o trabalhador. Parte da doutrina ao tentar conceituar trabalho degradante utiliza-se do conceito da Organização Internacional do Trabalho (OIT), acerca do trabalho decente: Trabalho produtivo e adequadamente remunerado, exercido em condições de liberdade, equidade e segurança, sem quaisquer formas de discriminação, e capaz de garantir uma vida digna a todas as pessoas que vivem de seu trabalho. De tal maneira que se pode verificar que o trabalho decente acima definido pela OIT, garante a dignidade da pessoa humana, e mais a proteção jurídica e social do trabalhador. É o oposto do trabalho degradante. Ou seja, entende-se por trabalho degradante aquele que não for decente. Acontece que diante da grande subjetividade de tal conceito de trabalho decente, ainda permanece complexa a sua conceituação. Diante de tal amplitude, Wilson Ramos Filho traz uma outra forma de se conceituar o tema. Para ele, o trabalho “em condições degradantes” tem que ser claramente diferenciado do “trabalho degradante”, vez que esse possui certa tolerância por parte do Ordenamento Jurídico vigente. Já as condições degradantes seriam aquelas caracterizadas pelas condições oferecidas pelo empregador para que o trabalho seja prestado, no caso a falta de condições. (RAMOS FILHO, 2012, p. 400) Este mesmo autor utilizar uma forma simples para que se possa diferencia o ‘trabalho degradante’ e as ‘condições degradantes’, se o empregador exige do empregado um trabalho degradante e por esse ele recebe um adicional como forma de indenização pela execução do mesmo, por haver previsão trabalhista que possibilita isso, estamos diante de um caso de trabalho degradante, porém na forma admitida pelo Direito do Trabalho. 38 Se por outro lado o trabalhador é sujeitado a trabalho degradante sem que haja a compensação econômica adicional, estamos diante de uma condição degradante de trabalho, que configura o tipo penal do art. 149 do CP. (RAMOS FILHO, 2012, p. 400-401). Um exemplo que se pode utilizar para melhor compreender a questão do trabalho degradante é a seguinte situação hipotética: um determinado indivíduo que trabalha com coleta de lixo, devido à exposição a agentes biológicos o seu trabalho é tipo como degradante, ou seja, oferece risco à saúde devendo ser pago o adicional de insalubridade na forma do Art. 18913 da CLT, assim não configurando o crime disposto no art. 149 do CP. Mas no caso de o mesmo não receber este adicional estará configurado o crime de redução a condição análoga à de escravo, deixando de ser um trabalho degradante, legalmente aceito, para se tornar um trabalho em condições degradantes. Assim, percebe-se que há uma relação de subjetividade por trás do conceito de “condição degradante de trabalho” que é sanada com a comparação ao “trabalho degradante”, que se diferenciam pelo pagamento ou não do adicional legal previsto no ordenamento jurídico pátrio. 4.3.2 Caracterização de jornada exaustiva. É sabido que a jornada diária prevista em nossa legislação é de oito horas diárias. Sabe-se também que a própria CLT autoriza a realização de horas extras, até o limite máximo de duas diárias, conforme artigo 59 da CLT14. 13 Art . 189 - Serão consideradas atividades ou operações insalubres aquelas que, por sua natureza, condições ou métodos de trabalho, exponham os empregados a agentes nocivos à saúde, acima dos limites de tolerância fixados em razão da natureza e da intensidade do agente e do tempo de exposição aos seus efeitos. 14 Art. 59 - A duração normal do trabalho poderá ser acrescida de horas suplementares, em número não excedente de 2 (duas), mediante acordo escrito entre empregador e empregado, ou mediante contrato coletivo de trabalho. § 1º - Do acordo ou do contrato coletivo de trabalho deverá constar, obrigatoriamente, a importância da remuneração da hora suplementar, que será, pelo menos, 20% (vinte por cento) superior à da hora normal. § 2o Poderá ser dispensado o acréscimo de salário se, por força de acordo ou convenção coletiva de trabalho, o excesso de horas em um dia for compensado pela correspondente diminuição em outro dia, de maneira que não exceda, no período máximo de um ano, à soma das jornadas semanais de trabalho previstas, nem seja ultrapassado o limite máximo de dez horas diárias. § 3º Na hipótese de rescisão do contrato de trabalho sem que tenha havido a compensação integral da jornada extraordinária, na forma do parágrafo anterior, fará o trabalhador jus ao pagamento das horas extras não compensadas, calculadas sobre o valor da remuneração na data da rescisão. § 4o Os empregados sob o regime de tempo parcial não poderão prestar horas extras. 39 Desta maneira, a doutrina traz como um critério quantitativo acerca da jornada exaustiva, que seria aquela jornada que ultrapasse de forma habitual 10 horas diárias e, desde que não haja acordo de compensação válido. Como aduz Wilson Ramos Filho, Desse modo, considera-se com exaustiva, do ponto de vista quantitativo, aquelas jornadas laborais nas quais, com habitualidade, for ultrapassado o elástico limite de dez horas diárias de labor; não de forma esporádica em face de necessidade imperiosa, mas quando regularmente se exija do empregado a prestação de jornada superiores a dez horas de trabalho. (RAMOS FILHO. 2012, p. 397) Acontece que, além do critério quantitativo acima mencionado, a doutrina também apresentar um critério qualitativo. Ou seja, existem profissões, que por suas características específicas, mais estressantes, podem configurar jornada exaustiva sem que o empregado tenha a necessidade de laborar mais de 10 horas habitualmente. Como explica mais um ensinamento de Wilson Ramos Filho: [...]do ponto de vista qualitativo, serão consideradas exaustivas todas as jornadas que, mesmo não ultrapassando o limite legal de dez horas diárias, se revistam de intensidade tal que a própria prorrogação para além da jornada normal de trabalho já caracterize exaustão. De fato os trabalhos de maior complexidade intelectual, que exigem maior concentração, por mais intenso, a exaustão se opera bem antes do que ocorre em trabalhos meramente contemplativos[...] (RAMOS FILHO. 2012, p. 398) A grande diferença é que para o critério qualitativo, há a necessidade de que o empregado comprove que sua jornada foi exaustiva antes de completar 10 horas habituais, ônus que não possuem aqueles que pretendem a configuração da jornada exaustiva pelo critério quantitativo, os quais só precisam demonstrar o extrapolamento habitual do limite legal. Como analisa Wilson Ramos Filho, No primeiro caso, do ponto de vista quantitativo, o trabalho será considerado como exaustivo, pelo simples fato de ser ultrapassado o 40 limite máximo de duas horas, com habitualidade, para além da jornada fixada legalmente como normal, independentemente de prova da exaustão. No segundo caso, do ponto de vista qualitativo, a exaustão haverá de ser provada e comprovada. (RAMOS FILHO. 2012, p. 398) Ou seja, não somente as jornadas de trabalho que extrapolem habitualmente as dez horas diárias, que configura o critério quantitativo da jornada exaustiva, esta também pode ser caracterizada pelo critério qualitativo, que é aquela jornada que mesmo não ultrapassando o limite legal de dez horas diárias, exige do trabalhador, como diz Wilson Ramos Filho, maior complexidade intelectual, maior concentração, trabalho sob pressão ou de metas. (RAMOS FILHO, 2012, p. 398). Assim, Wilson Ramos Filho define a configuração do crime previsto no art. 149 do CP da seguinte forma: O crime se configura pela exigência de trabalho em jornadas, do ponto de vista quantitativo, que superem o teto máximo admitido pelo Direito Capitalista do Trabalho. Desse modo o pagamento das horas prestadas além do limite máximo de duas extras diárias, de modo habitual, não elide o crime. Ainda que remunere as horas extras, seguira existindo a prática delituosa. No mesmo crime incidirá o empregador que exigir jornadas exaustivas do ponto de vista qualitativo, ainda que cumpra com as obrigações remuneratórias decorrentes da legislação trabalhista. (RAMOS FILHO, 2012, p. 398-399) Portanto, temos que a jornada exaustiva pode se caracterizar tanto pelo critério quantitativo, quando superar o limite legal de dez horas. E o critério qualitativo se configura quando houver grande exigência e/ou pressão física e mental do trabalhador, de forma habitual, mesmo que não ultrapasse o limite legal de horas. Assim, diante de todo o exposto, percebe-se que por meio da legislação penal incidente sobre as relações de trabalho, através dos artigos 14915 e 20316 do 15 Art. 149. Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto: (Redação dada pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003). 16 Art. 203 - Frustrar, mediante fraude ou violência, direito assegurado pela legislação do trabalho: Pena - detenção de um ano a dois anos, e multa, além da pena correspondente à violência. § 1º Na mesma pena incorre quem: 41 Código Penal, é viável na atualidade se enquadrar determinadas posturas empresariais como criminosas, seja nos casos em que o trabalhador é submetido a condições análogas a de escravo no meio rural, seja no urbano, com ou sem contrato de trabalho valido, ou quando exposto a trabalho forçado, ou a restrição de locomoção ou a condições degradantes de trabalho ou a jornadas exaustivas. Pretende-se no próximo capítulo abordar as formas de proteção ao trabalho escravo contemporâneo. I - obriga ou coage alguém a usar mercadorias de determinado estabelecimento, para impossibilitar o desligamento do serviço em virtude de dívida; II - impede alguém de se desligar de serviços de qualquer natureza, mediante coação ou por meio da retenção de seus documentos pessoais ou contratuais. § 2º A pena é aumentada de um sexto a um terço se a vítima é menor de dezoito anos, idosa, gestante, indígena ou portadora de deficiência física ou mental. 42 5 FORMAS DE PROTEÇÃO CONTRA O TRABALHO ESCRAVO Como o trabalho escravo está cada vez mais visível através de programas de TV, jornais, revistas, internet, o Governo Federal juntamente com os órgãos competentes, políticos, Organizações Não Governamentais, e demais pessoas engajadas em combater o trabalho escravo, vem desenvolvendo por meio de políticas de repressão, de fiscalizações do Ministério Público Federal, Ministério Público do Trabalho, Policia Federal, e também condenações em ações judiciais, meios que possibilitem a diminuição e o combate ao trabalho escravo no Brasil. As leis e políticas de combate ao trabalho escravo, sozinhas não possuem grandes efeitos, para que elas sejam cumpridas há a necessidade de outros meios sejam aplicados, como veremos nos itens que seguem abaixo. 5.1 PEC 438/2011 – PEC DO TRABALHO ESCRAVO A Proposta de Emenda Constitucional nº. 438/01, chamada de PEC do Trabalho Escravo, foi apresentado em 1999, pelo então senador, Ademir Andrade. Ela tem por finalidade a alteração do Art. 243 da Constituição Federal: Art. 243 - As glebas de qualquer região do País onde forem localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas serão imediatamente expropriadas e especificamente destinadas ao assentamento de colonos, para o cultivo de produtos alimentícios e medicamentosos, sem qualquer indenização ao proprietário e sem prejuízo de outras sanções previstas em lei. Referida PEC propõe incluir a expropriação dos imóveis rurais e urbanos onde a fiscalização trabalhista encontre trabalho escravo, sendo eles então destinados à Reforma Agrária e a programa habitacional popular. Durante dois anos a proposta tramitou pelo Senado, sendo aprovada em 2001, e encaminhada para aprovação da Câmara dos Deputados, porém somente em 2004, no mês de agosto, impulsionada pela morte de três auditores fiscais e um motorista do Ministério do Trabalho, em Uraí, Minas Gerais, durante uma 43 fiscalização em janeiro daquele ano, a matéria foi aprovada em primeiro turno no Plenário da Câmara dos Deputados. Sendo somente em 22 de maio de 2012 aprovada em segundo turno, com expressiva votação de 360 votos a favor, eram necessários 308 para aprovação, 29 contra e 25 abstenções, como podemos verificar no Diário da Câmara dos Deputados, publicado no dia 23 de maio de 201217: O SR. PRESIDENTE (Marco Maia) – A votação está encerrada. VOTARAM SIM: 360; NÃO: 29; ABSTENÇÕES: 25. TOTAL: 414. APROVADA. (Palmas e vivas prolongados.) Fica dispensada a redação final da matéria, nos termos do inciso I do § 2º do art. 195 do Regimento Interno. A matéria retorna ao Senado Federal. LISTAGEM DE VOTAÇÃO Proposição: PEC Nº 438/2001 – SEGUNDO TURNO – Nominal Eletrônica Início da votação: 22-5-12 18:35 Encerramento da votação: 22-5-12 19:40 Presidiu Votação: Marco Maia Porém por ser proposta oriunda do Senado e modificada na Câmara, onde se propôs a inclusão do imóvel urbano no projeto, voltou para exame dos Senadores para que seja aprovada a modificação, como se apresenta no sitio eletrônico “Rede Brasil Atual”, na matéria de autoria de Maurício Thuswohl: Atualmente, a PEC 438/01 está presa na teia burocrática do Senado, mais exatamente no Protocolo Legislativo, para onde foi enviada pela Mesa Diretora da casa em 25 de maio com o objetivo de ser apensada à PEC 57A/99, que trata da mesma matéria. Essa, por sua vez, está desde 11 de setembro na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, onde aguarda que o presidente, senador Eunício Oliveira (PMDB-CE), designe seu relator. A bancada ruralista se opõe a aprovação desta PEC, e sempre causa algum entrave para que ela não seja votada e aprovada. E não poderia ser diferente uma 17 Disponível em: http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf/DCD23MAI2012.pdf.pdf#page=119 44 vez que essa bancada representa os proprietários de terras, que também são eles, que em sua maioria se utilizam de trabalhadores em condição análoga à de escravo. No sitio eletrônico do Senado Federal, na seção “em discussão”, a matéria “PEC 438 é considerada segunda Lei Áurea”, mostra essa dificuldade de aprovação: Para dificultar ainda mais, entre os grupos interessados em que a PEC 438 não seja transformada em Emenda Constitucional está um dos mais poderosos e bem organizados do Congresso: a bancada ruralista, que congrega mais de 150 deputados. E seus argumentos não são poucos. A opinião dos proprietários de terra sobre a PEC 438/01 pode ser verificada no sitio eletrônico “Notícias Agrícolas” através da reportagem “PEC 438/01: armadilha contra a propriedade” com os seguintes dizeres: Trata-se,aliás, de uma figura jurídica ambígua, que não está bem definida na PEC e que abrirá caminho para as maiores arbitrariedades. Ela poderia se chamar com todo propósito PEC-armadilha contra a propriedade. Alguém já a apelidou também de PEC da hipocrisia, pois seus autores a conceberam com alta carga emocional, explorando ao máximo a palavra escravidão. A quem pode interessar isso? – Àqueles que odeiam o agricultor e sua propriedade! Sim. Eles querem a expropriação das terras. Aquilo que não se conseguiu na Constituinte em nome da Reforma Agrária, pretende-se agora – a propósito do pretenso trabalho escravo – golpear mortalmente o direito de propriedade. Com efeito, a PEC fala em expropriação. O que equivale a penalizar a propriedade e não o proprietário criminoso. Expropriação é igual à desapropriação sem nenhuma indenização[...] Não permitamos esse golpe mortal contra o direito de propriedade sob pretexto escuso de 'trabalho escravo'. Fica evidente que o interesse do proprietário rural é somente a propriedade, a posse, o valor que ela tem, deixando de lado os interesses e direitos do trabalhador que nela presta seu serviço. Pode-se tirar disso o motivo pelo qual há tanto entrave para que a bancada ruralista aprove a PEC 438/01. As entidades governamentais e as não governamentais entendem que a aprovação desta PEC é um marco para uma nova abolição da escravidão em nosso país, como apresenta o texto no sitio eletrônico do Senado na matéria “PEC 438 é considerada a segunda Lei Áurea”: 45 Se, por um lado, a Frente Parlamentar Mista pela Erradicação do Trabalho Escravo e a Organização Internacional do Trabalho (OIT), entre outros, consideram a PEC 438 uma “Segunda Lei Áurea”, já que oferece punição severa para quem patrocina a escravidão, os opositores da proposta temem que a expropriação de terras seja aplicada de forma arbitrária, prejudicando não apenas o proprietário, mas toda a sua família. Portanto é necessário que aconteça o convencimento dos opositores ruralistas de que a PEC 438 é de suma importância para a redução no número de trabalhadores que são reduzidos a condição análoga á de escravo. 5.2 LISTA SUJA. Mais uma forma para coibir o trabalho escravo contemporâneo no Brasil foi a criação do Cadastro de Empregadores flagrados utilizando mão de obra em condições análogas à de escravo, que foi denominado de Lista Suja, criado pela portaria 540 do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). Mantida pelo mesmo Ministério, ela visa impedir que empresas que constem neste cadastro recebam financiamentos públicos. Como relata Wilson Ramos Filho, No início do Governo Lula, sob a coordenação da Secretaria Especial dos Direitos Humanos – SEDH em parceria com a Organização Internacional do Trabalho – OIT, visando identificar as cadeias produtivas em que estão inseridas as fazendas do cadastro de empregadores conhecido como a “lista suja” do trabalho escravo no Brasil18, o trabalho de repressão passou a disponibilizar informações à indústria e aos mercados consumidor, varejista, atacadista e exportador da existência de mão-de-obra escrava na origem da cadeia de produção daquelas mercadorias. (RAMOS FILHO. 2012, p. 392) 18 BRASIL. Ministério do Trabalho e Emprego. Portaria nº 540, DE 15 DE OUTUBRO DE 2004. O MINISTRO DE ESTADO DO TRABALHO E EMPREGO, no uso da atribuição que lhe confere o art. 87, parágrafo único, inciso II, e tendo em vista o disposto no art. 186, incisos III e IV, da Constituição, resolve: Art. 1º Criar, no âmbito do Ministério do Trabalho e Emprego - MTE, o Cadastro de Empregadores que tenham mantido trabalhadores em condições análogas à de escravo [...]; 46 A inclusão é feita de acordo com o Art. 2º da Portaria Interministerial nº. 2, de 12 de maio de 201119: “Art. 2º A inclusão do nome do infrator no Cadastro ocorrerá após decisão administrativa final relativa ao auto de infração, lavrado em decorrência de ação fiscal, em que tenha havido a identificação de trabalhadores submetidos a condições análogas à de escravo.” O cadastro é atualizado semestralmente pelo MTE, conforme o disposto no art. 3º e incisos de I a XIII da mesma portaria: “Art. 3º O MTE atualizará, semestralmente, o Cadastro a que se refere o art. 1º e dele dará conhecimento aos seguintes órgãos: I - Ministério do Meio Ambiente (Redação dada pela Portaria 496/2005/MTE); II - Ministério do Desenvolvimento Agrário (Redação dada pela Portaria 496/2005/MTE); III - Ministério da Integração Nacional (Redação dada pela Portaria 496/2005/MTE); IV - Ministério da Fazenda (Redação dada pela Portaria 496/2005/MTE); V - Ministério Público do Trabalho (Redação dada pela Portaria 496/2005/MTE); VI - Ministério Público Federal (Redação dada pela Portaria 496/2005/MTE); VII - Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República (Redação dada pela Portaria 496/2005/MTE); VIII - Banco Central do Brasil (Redação dada pela Portaria 496/2005/MTE); IX - Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES (Acrescentada pela Portaria 496/2005/MTE); X - Banco do Brasil S/A (Acrescentada pela Portaria 496/2005/MTE); XI - Caixa Econômica Federal (Acrescentada pela Portaria 496/2005/MTE); XII - Banco da Amazônia S/A (Acrescentada pela Portaria 496/2005/MTE); e XIII - Banco do Nordeste do Brasil S/A (Acrescentada pela Portaria 496/2005/MTE). Assim todos os Órgãos Fiscalizadores e também os órgãos que poderiam fornecer financiamento a estes empregadores, são avisados da impossibilidade de fazê-lo. Uma vez incluso na lista, após processo administrativo passível de recurso, conforme prevê a portaria n.º2, o nome passa a constar pelo período de dois anos. 19 A íntegra desta portaria encontra-se na seção “ANEXOS” deste trabalho. 47 Se durante este período não houver reincidência, que é verificada através de monitoramento do MTE, o nome é excluído da lista, como se verifica na publicação do sitio eletrônico do Ministério do Trabalho e Emprego: Por sua vez, as exclusões derivam do monitoramento, direto ou indireto, pelo período de 2 (dois) anos da data da inclusão do nome do infrator no Cadastro, a fim de verificar a não reincidência na prática do “trabalho escravo” e do pagamento das multas resultantes da ação fiscal. Segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), a “Lista Suja” é de fundamental importância na busca pela erradicação do trabalho escravo no Brasil, como podemos verificar no texto abaixo: Desde que instituída em 2004 pela Portaria no. 540 do MTE, a ‘Lista Suja’ se tornou um importante meio de repressão ao trabalho escravo, principalmente devido às conseqüências econômicas que gera para o infrator. As empresas e os indivíduos cujos nomes constam na Lista ficam impossibilitados de receber financiamento público, punição severa para empreendimentos que dependem de tais financiamentos. (OIT, 2010) No Senado há um projeto de Lei do Senado sob nº 540/201120, o qual visa ampliar o alcance da lista suja: Altera à Lei nº 8.427, de 27 de maio de 1992, que dispõe sobre a concessão de subvenção econômica nas operações de crédito rural, para estabelecer a vedação de concessão de subvenções econômicas aos produtores rurais autuados por promover o trabalho escravo em sua propriedade rural.(BRASIL, Lei do Senado nº. 540/2011, 2011) Portanto através destas ferramentas abordadas neste capítulo busca-se, ao menos, diminuir a incidência do trabalho escravo dentro do Brasil. O que, não é uma tarefa fácil, pois como já salientado anteriormente requer um esforço em conjunto 20 A íntegra do projeto de Lei do Senado está disponível na seção “ANEXOS” deste trabalho. 48 das autoridades responsáveis, sociedade, organizações não governamentais, e tudo mais que possa vir a contribuir. 5.3 FISCALIZAÇÃO O meio comumente utilizado para combater o trabalho escravo, e mais eficaz, é a fiscalização. Ela se dá em ações conjuntas por parte dos órgãos responsáveis, visando o resgate dos trabalhadores que se encontram na condição análoga à de escravo. A Constituição Federal de 1988 prevê em seu texto, no art. 21, inciso XXIV, que a competência para organizar, manter e executar a inspeção do trabalho é da União. 5.3.1 Órgãos federais Em âmbito federal, o órgão responsável para fiscalizar e verificar as condições de trabalho em que se encontram os trabalhadores é o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), Ministério Público do Trabalho e a Polícia Federal, são os principais órgãos. Ultimamente, o Ministério Público Federal também tem feito fiscalizações. A atuação do Ministério do Trabalho e Emprego se dá através da SIT (Secretária de Inspeção do Trabalho) com políticas regulamentares, que coíbam, vedem, diminuam (ou ao menos tentem) o trabalho na condição análoga à de escravo e também com fiscalizações in loco. A mais exemplificativa política é a elaboração do Plano Nacional Para a Erradicação do Trabalho Escravo, em 2003, que traz em seu texto: Consciente de que a eliminação do básica para o Estado Democrático de uma das principais prioridades a contemporâneas de escravidão. (MTE, trabalho escravo constitui condição Direito, o novo Governo elege como erradicação de todas as formas 2003) 49 Os Estados mais afetados pelo trabalho escravo hoje no país são Pará, Maranhão e Mato Grosso. Tais Estados possuem grandes áreas rurais, afastadas dos grandes centros urbanos, e por tal motivo, no referido Plano, deveriam possuir maior efetivo para fiscalização e também agilidade nos processos, onde há maior dificuldade de acesso as propriedades destas áreas. No ano de 1995 foi criado pelo MTE, através do Grupo Executivo para a Repressão do Trabalho Forçado, o Grupo Especial de Fiscalização Móvel, que é o mais atuante no país. Este grupo é composto, de acordo com a OIT da seguinte maneira: O grupo móvel é constituído exclusivamente de AFTs (Auditores Fiscais do Trabalho). As operações do GEFM contam com o apoio de outras instituições. Cada equipe possui um(a) coordenador(a) e um(a) subcoordenador(a), ambos(as) AFTs de dedicação exclusiva. As seguintes instituições têm participação em operações do grupo: • Ministério Público do Trabalho: 1 procurador(a) do trabalho (membro da Coordenadoria Nacional de Combate ao Trabalho Escravo (CONAETE) ou voluntário(a) substituto(a)); • Polícia Federal ou Polícia Rodoviária Federal: em geral 6 policiais da Polícia Federal ou da Polícia Rodoviária Federal; • Ministério Público Federal: em situações específicas, a equipe conta também com um(a) representante da Procuradoria da República (ou Ministério Público Federal - MPF). (OIT, 2010) As operações realizadas por esse grupo em conjunto com os órgãos citados, são as principais responsáveis pelo resgate dos trabalhadores que se encontram em situação de redução à condição análoga à de escravo. O Ministério Público do Trabalho possui duas funções. A primeira delas é como órgão interveniente que atua na fiscalização como versa o texto retirado do site: Cumprimento da lei nos processos oriundos dos Tribunais Regionais do Trabalho e do Tribunal Superior do Trabalho, que são submetidos à apreciação e conseqüente emissão de pareceres pelos procuradores. Além disso, participa das sessões de julgamento, podendo ingressar com recursos quando houver desrespeito a legislação em vigor. (MPT. 2012) A segunda função, que é a que mais interessa para o tema deste trabalho, é a função de órgão agente, definida pelo próprio Ministério como sendo: 50 As atividades pertinentes ao Ministério Público do Trabalho, como agente, envolve o recebimento de denúncias e o uso de medidas administrativas (instauração de procedimentos investigatórios e inquéritos civis públicos) ou judiciais (ação civil pública ou coletiva e ação anulatória trabalhista), nos casos em que for necessário. (MPT, 2011) Através destas ações, o Ministério Público do Trabalho contribui muito para o combate ao trabalho escravo. Como elucida Wilson Ramos Filho: A repressão ao neoescravismo rural adquiriu maior visibilidade a partir da criação do Grupo Especial de Fiscalização Móvel – GEFM, pelo Ministério do Trabalho e Emprego – MTE que vem atuando ativamente na fiscalização in loco de propriedades rurais nas quais se identifica a existência de trabalho em condições de precariedade precapitalista, seja no que respeita às condições de trabalho, de alojamento e de alimentação, seja em relação à formalização correta das relações de emprego segundo os parâmetros fixados pelo Direito Capitalista do Trabalho. Mais recentemente, o excelente trabalho do GEFM vem contando com a participação ativa do Ministério Público do Trabalho – MPT propiciando o ajuizamento de ações civis públicas em face dos empregadores pilhados em práticas neoescravistas. Os números de trabalhadores que foram encontrados em condições análogas à de escravos no meio são impressionantes e de conhecimento comum em face da razoável cobertura jornalística produzida a respeito principalmente durante a primeira década do século XXI. (RAMOS FILHO. 2012, p. 392) Vê-se também que o Ministério da Justiça atua na fiscalização por meio da Polícia Federal e Rodoviária Federal, nas operações realizadas pelo MTE. 5.3.2 Órgãos estaduais De acordo com a Cartilha da OIT sobre as práticas de inspeção do trabalho no Brasil publicada em 2010, “os órgãos do MTE nos estados são: as Superintendências Regionais do Trabalho e Emprego (SRTEs), as Gerências Regionais do Trabalho e Emprego (GRTEs) e as Agências Regionais do MTE (ARTEs)”. (OIT, 2010). 51 Assim verifica-se que essa deveria ser uma questão de mobilização nacional por parte de todos os órgãos ligados a proteção e garantia dos direitos do trabalhador, em conjunto com as Policias Federal, Civil e Militar, além é claro da colaboração da população, através de denúncias. Porém não é o que em tese ocorre, já que a maioria dos casos investigados pelos órgãos competentes envolve pessoas influentes na sociedade, como políticos por exemplo. 52 6 OMISSÃO GOVERNAMENTAL Diante de tantos problemas escancarados em nosso País, como a fome, a desigualdade social, a saúde pública, a educação, moradia, entre outros mais, o problema tratado neste trabalho referente ao trabalho escravo urbano parece invisível aos olhos de nossos governantes. Somente no ano de 1995, o Governo Brasileiro reconheceu que havia a prática do trabalho na condição análoga à de escravo no Brasil. Ou seja, todo o período compreendido entre a Lei Áurea de 1888 e o ano de 1995, mais de um século, foi considerado pelo Estado brasileiro como se não houvesse existido trabalhadores em condição análoga à de escravo. Isso porque houve pressão de todos os envolvidos na defesa do trabalhador para que não houvesse mais o trabalho escravo no Brasil e no mundo, como se verifica: A forte pressão da sociedade civil nacional e internacional, associada à pressão política de organismos internacionais levou o Brasil a reconhecer, em 1995, a existência do trabalho análogo ao de escravo. Vale a pena citar alguns eventos principais desse processo: • Desde 1987, a Comissão de Peritos na Aplicação de Convenções da OIT encaminhou inúmeras observações ao Brasil, resultantes de análise da aplicação da Convenção no. 29 (1930). Em 1992, o Governo Brasileiro foi chamado à comissão para prestar explicações, e seu representante negou a existência de trabalho escravo no país, alegando que eram apenas violações da legislação trabalhista. A Comissão voltou a chamar o Governo Brasileiro em 1993, 1996 e 1997 (OIT, 2010: 31). • Em 1993, a Central Latino-americana de Trabalhadores (CLAT) apresentou uma reclamação contra o Brasil, alegando inobservância das Convenções no. 29 e no. 105 sobre trabalho forçado (OIT, 2010: 31). No mesmo ano, a Comissão Pastoral da Terra (CPT) denunciou, perante a Comissão de Direitos Humanos da ONU e o Parlamento Europeu, a omissão do governo brasileiro na apuração dos casos de trabalho escravo. Também em 1993, a OIT reconheceu, em um relatório, o trabalho escravo no Brasil, registrando 8.886 casos. • Em 1994, a CPT e as ONGs Centro pela Justiça e Direito Internacional (CEJIL) e Human Rights Watch apresentaram uma denúncia à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) da Organização dos Estados Americanos (OEA), acusando o Estado Brasileiro de não cumprir com suas 21 obrigações de proteção dos direitos humanos no caso de José Pereira . (OIT, 2010) 21 Em setembro de 1989, quando tinha somente 17 anos, José Pereira e um companheiro, com o apelido de Paraná, tentaram escapar de uma fazenda onde eles e outros 60 trabalhadores eram forçados a trabalhar sem remuneração e em condições desumanas. Eles foram surpreendidos por funcionários da fazenda e atacados com tiros de fuzil. Paraná morreu. José Pereira sobreviveu porque foi julgado morto. Ele e o corpo do companheiro foram enrolados em uma lona e abandonados na rodovia PA-150. (OIT, 2010). 53 Assim temos que, o Estado brasileiro ficou quase 110 anos sem admitir que o problema do trabalho escravo ocorresse no país. Esses quases 110 anos de omissão do Estado gerou grandes dificuldades para um real enfrentamento e alteração desta realidade. Uma vez que a ocorrência de trabalho análogo ao de escravo no Brasil foi reconhecida pelo Governo Brasileiro, o Ministério do Trabalho e Emprego passou a necessitar desenvolver procedimentos que aumentassem a eficácia da fiscalização nesta área. (OIT, 2010) Segundo Lilia Leonor Abreu “A Comissão Pastoral da Terra, árdua combatente do trabalho escravo, calcula que existem no Brasil 25 mil pessoas submetidas a essa condição” (ABREU, 2003, p. 2), ou seja, se uma Comissão que tecnicamente não possui dever nenhum de fiscalizar e fazer levantamento de dados, conseguiu encontrar 25 mil pessoas na condição análoga à de escravo, como pode o Estado brasileiro que dispõe de recursos, não conseguir coibir esta situação?. De nada adianta assinar todos os protocolos e tratados internacionais, se criar uma CLT, agraciar direitos fundamentais do trabalhador na Constituição Federal, tornar crime a redução de outrem a condição análoga à de escravo, se não houver ação por parte do Governo para que faça valer o que está escrito na legislação pátria. 54 CONCLUSÃO No mundo moderno em que vivemos a desigualdade social é alarmante e gera reflexos diretos nas relações de trabalho, fazendo com que pessoas se sujeitem a trabalhos mais penosos, que ferem o princípio da dignidade humana, para que possam receber o mínimo para o seu sustento e de sua família. O Neoescravismo, entendido como a forma moderna de redução do trabalhador a condição análoga à de escravo, através das jornadas exaustivas e condições degradantes de trabalho, mostra que não somente na zona rural é possível a ocorrência da prática deste delito tipificado pelo art. 149 do CP, mas também nos grandes centros urbanos. Isso tudo embaixo do nosso próprio nariz, o que torna esta uma situação totalmente absurda em pleno século XXI. O que difere o Neoescravismo do trabalho escravo histórico, é que ao invés de o trabalhador estar preso a correntes com um chicote estalando em suas costas, está preso as imposições capitalista de seus chefes. O chicote é substituído pelas metas que devem ser alcançadas, pelo trabalho que deve ser feito, sob o ônus de não receber ao fim do mês. A dominação do Neoescravismo é mental, moral, não chega necessariamente à agressão física para se conseguir o trabalho desejado pelo empregador. Ele utiliza dos subterfúgios da desigualdade social e econômica para com o empregado. Ou seja, o empregador tem o que o empregado precisa, salário e emprego, e o trabalhador tem o que ele precisa, a mão de obra, porém quem faz o preço dessa negociação é quem detém o poderio econômico. Pose-se concluir que o trabalho escravo moderno, denominado por Wilson Ramos Filho como Neoescravismo, se apresenta de variadas formas em nossa sociedade atual, tanto no meio rural quanto no urbano. Podendo ter a variação de duas formas, tanto sem um contrato de trabalho válido, como com um contrato de trabalho válido. A primeira forma se aplica normalmente para aqueles trabalhadores que estão na condição de neoescravos no meio rural, que tem como elementos caracterizadores a restrição de locomoção por divida e o trabalho forçado. 55 Para a segunda forma, os trabalhadores na condição de neoescravos encontram-se em sua maioria nas áreas urbanas, e o que os caracteriza são as condições degradantes de trabalho e a jornada exaustiva. Dito isso, conclui-se com são dois os motivos principais que levam a ocorrência do Neoescravismo nessa sociedade moderna. O primeiro é a omissão do Estado frente ao problema do trabalho escravo moderno. Não pode um Estado demorar mais de 100 anos para admitir a ocorrência do trabalho na situação análoga à de escravo, e somente a partir do ano de 1995 passar a combatê-lo com maior eficiência. A dúvida que resta é se o Estado não se empenha no combate ao Neoescravismo porque irá bater de frente com a fortíssima classe patronal, ou porque em meio a esse tipo de trabalho há também o envolvimento de nossos legisladores? Somente o tempo nos dirá qual a posição que o Estado tomara. O que é certo é que um dia a sociedade irá se cansar de ser tão desrespeitada, e serão os Governantes que arcarão com a revolta popular. O segundo motivo é de cunho extremamente social. A dependência gerada entre o empregado e empregador, por conta do mundo capitalista onde se precisa de dinheiro para fazer qualquer coisa, faz com que mesmo em condições mais adversas e exploradoras o trabalhador ainda assim precise trabalhar para garantir o seu sustento e de seus familiares. Ou seja, pode-se verificar que em muitos casos, como o dos trabalhadores bolivianos nas confecções em São Paulo, os trabalhadores em condições análogas à de escravo são imigrantes que vêm seduzidos por propostas de ter uma vida melhor, ou pessoas do nordeste do país com essa mesma proposta. Mahtma Gandhi dizia que “um escravo não pode esperar a felicidade nem mesmo em sonho” (ABREU, 2003, p.01), ou seja, as pessoas vêm tentadas pela proposta e pelo sonho de melhorar as suas vidas, mas acabam reduzidos a condição análoga à de escravo, tendo seus direitos e garantias sonegados, e o seu sonho roubado. Desta forma, percebe-se que mesmo com todo o aparato legal disponível, tais como Constituição Federal, CLT, Código Penal, Portarias do MTE, Tratados e Acordos da OIT e ONU, nenhum deles terá eficácia plena na resolução do problema se não houver uma melhor estruturação das equipes de fiscalização como o Grupo 56 Especial de Fiscalização Móvel do MTE, que carece de muito mais material humano para expandir a sua atuação. Há também que se ter uma conscientização de todos os membros da sociedade, não somente dos órgãos públicos e ONGs. A sociedade civil é quem tem que dar uma resposta à altura para as pessoas que praticam o crime do art. 149 do CP, pessoas essas que violam diariamente os princípios constitucionais e as normas trabalhistas. 57 REFERÊNCIAS ABREU, Lilia Leonor. Trabalho escravo contemporâneo praticado no meio rural brasileiro. Abordagem sociojurídica. Revista TST, Brasília, vol. 69, nº. 2, jul/dez 2003. Acesso em: 23 Abr. 2013. AGRICOLAS, Noticias. 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RO 0000311-68.2010.5.04.0821; Décima Turma; Rel. Juiz Conv. Wilson Carvalho Dias. BRASIL. Lei 10.803/2003. 2003 BRASIL. Manual de Combate ao Trabalho em Condições análogas às de escravo Brasília: MTE, 2011. D’AMBROSO, Contemporâneo Marcelo - José 1ª Ferlin. Parte. Características 2012. do Disponível Trabalho em: Escravo <http://trt- 04.jusbrasil.com.br/noticias/100049579/artigo-caracteristicas-do-trabalho-escravocontemporaneo-1-parte-por-marcelo-jose-ferlin-dambroso-procurador-do-trabalhoda-12-regiao>. Acesso em: 23 Mar. 2013. 58 DO TRABALHO, Ministério. Combate ao Trabalho Escravo. Disponível em: Disponível em: <http://portal.mte.gov.br/trab_escravo/>. Acesso em: 23 Mar. 2013. DO TRABALHO, Organização Internacional. Convenção nº. 29. Sobre o trabalho forçado ou obrigatório. 1930. Disponível <http://www.oit.org.br/sites/all/forced_labour/oit/convencoes/conv_29.pdf>. em: Acesso em: 17 Fev. 2013. DO TRABALHO. 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O MINISTRO DE ESTADO DO TRABALHO E EMPREGO e a MINISTRA DE ESTADO CHEFE DA SECRETARIA DE DIREITOS HUMANOS DA PRESIDÊNCIA REPÚBLICA, no uso da atribuição que lhes confere o art. 87, parágrafo único, inciso II, e tendo em vista o disposto no art. 186, incisos III e IV, ambos da Constituição Federal de 1988, resolvem: Art. 1º Manter, no âmbito do Ministério do Trabalho e Emprego - MTE, o Cadastro de Empregadores que tenham submetido trabalhadores a condições análogas à de escravo, originalmente instituído pelas Portarias n.ºs 1.234/2003/MTE e 540/2004/MTE. Art. 2º A inclusão do nome do infrator no Cadastro ocorrerá após decisão administrativa final relativa ao auto de infração, lavrado em decorrência de ação fiscal, em que tenha havido a identificação de trabalhadores submetidos a condições análogas à de escravo. Art. 3º O MTE atualizará, semestralmente, o Cadastro a que se refere o art. 1º e dele dará conhecimento aos seguintes órgãos: I - Ministério do Meio Ambiente (Redação dada pela Portaria 496/2005/MTE); II - Ministério do Desenvolvimento Agrário (Redação dada pela Portaria 496/2005/MTE); 61 III - Ministério da Integração Nacional (Redação dada pela Portaria 496/2005/MTE); IV - Ministério da Fazenda (Redação dada pela Portaria 496/2005/MTE); V - Ministério Público do Trabalho (Redação dada pela Portaria 496/2005/MTE); VI - Ministério Público Federal (Redação dada pela Portaria 496/2005/MTE); VII - Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República (Redação dada pela Portaria 496/2005/MTE); VIII - Banco Central do Brasil (Redação dada pela Portaria 496/2005/MTE); IX - Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES (Acrescentada pela Portaria 496/2005/MTE); X - Banco do Brasil S/A (Acrescentada pela Portaria 496/2005/MTE); XI - Caixa Econômica Federal (Acrescentada pela Portaria 496/2005/MTE); XII - Banco da Amazônia S/A (Acrescentada pela Portaria 496/2005/MTE); e XIII - Banco do Nordeste do Brasil S/A (Acrescentada pela Portaria 496/2005/MTE). § 1º Os órgãos de que tratam os incisos I a XIII deste artigo poderão solicitar informações complementares ou cópias de documentos relacionados à ação fiscal que deu origem à inclusão do infrator no Cadastro (Redação dada pela Portaria 496/2005/MTE). § 2º À Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República competirá acompanhar, por intermédio da CONATRAE, os procedimentos para inclusão e exclusão de nomes do cadastro de empregadores, bem como fornecer informações à Advocacia-Geral da União nas ações referentes ao cadastro. Art. 4º A Fiscalização do Trabalho realizará monitoramento pelo período de 2 (dois) anos da data da inclusão do nome do infrator no Cadastro, a fim de verificar a regularidade das condições de trabalho. § 1º Uma vez expirado o lapso previsto no caput, e não ocorrendo reincidência, a Fiscalização do Trabalho procederá à exclusão do nome do infrator do Cadastro. § 2º A exclusão ficará condicionada ao pagamento das multas resultantes da ação fiscal, bem como da comprovação da quitação de eventuais débitos trabalhistas e previdenciários. 62 § 3º A exclusão do nome do infrator do Cadastro previsto no art. 1º será comunicada aos órgãos arrolados nos incisos do art. 3º (Redação dada pela Portaria 496/2005/MTE). Art. 5º Revoga-se a Portaria MTE nº 540, de 19 de outubro de 2004. Parágrafo único. A revogação prevista no caput não suspende, interrompe ou extingue os prazos já em curso para exclusão dos nomes já regularmente incluídos no cadastro até a data de publicação desta portaria. Art. 6º Esta Portaria entra em vigor na data de sua publicação. CARLOS ROBERTO LUPI Ministro de Estado do Trabalho e Emprego MARIA DO ROSÁRIO NUNES Ministra de Estado Chefe da Secretaria de Direitos Humanos ANEXOS – B - PROJETO DE LEI DO SENADO Nº540, DE 2011. Altera à Lei nº 8.427, de 27 de maio de 1992, que dispõe sobre a concessão de subvenção econômica nas operações de crédito rural, para estabelecer a vedação de concessão de subvenções econômicas aos produtores rurais autuados por promover o trabalho escravo em sua propriedade rural. O CONGRESSO NACIONAL decreta: Art. 1º Acrescente-se o seguinte § 3º, no art. 1º, da Lei nº 8.427, de 27 de maio de 1992: 63 “Art. 1º ... ... § 3º. É vedada a concessão de subvenções econômicas nas operações de crédito rural aos produtores rurais e suas cooperativas autuados por meio de ações fiscais coordenadas pela Secretaria de Inspeção do Trabalho nas operações de fiscalização para erradicação do trabalho escravo. § 4º. Aplica-se a vedação do parágrafo anterior aos empregadores que constam do Cadastro atualizado previsto na Portaria n°. 540/2004. Art. 2º Esta Lei entrará em vigor em 90 dias após sua publicação. JUSTIFICAÇÃO Segundo levantamento divulgado em maio de 2009, pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), 12,3 milhões de pessoas são vítimas do trabalho escravo no mundo Estima-se que a escravidão "rouba" US$ 20 bilhões de trabalhadores no mundo por ano em salários e pagamentos. Na América Latina, o salário "roubado" é de US$ 3,6 bilhões. A Ásia é o continente com o maior número de trabalhadores em situação análoga a escravidão,, com 9,4 milhões de vítimas. A América Latina vem em segundo lugar, com 1,3 milhão. Destes, 200 mil seriam vítimas de tráfico de seres humanos. A OIT afirma que o trabalho escravo no Brasil se encontra, principalmente, em zonas de desmatamento da Amazônia e áreas rurais com índices altos de violência e conflitos ligados à terra. Os dados analisados também demonstram que o trabalho escravo vem sendo utilizado para aumentar a produção agrícola e para o preparo das áreas desmatadas que serão transformadas em pasto. A organização cita um estudo publicado pelo Banco Mundial em 2003 (Causas do desmatamento na Amazônia brasileira) que indicou que a expansão da pecuária foi responsável por 75% das áreas desmatadas no Brasil. Para aumentar a produtividade, “os desmatamentos são feitos com mão de obra barata e, muitas vezes, com recurso a trabalhadores escravos, que preparam a terra para permitir investimentos mais rentáveis", explica no texto o autor do capítulo dedicado ao Brasil, Leonardo Sakamoto. Na maioria das vezes, as vítimas são recrutadas em zonas muitos pobres, no Nordeste e Norte do País. Os dados analisados pela OIT indicam que a 64 maioria das vítimas são originárias dos Estados de Tocantins, Maranhão, Pará, Bahia e Piauí, "regiões pobres, com altas taxas de desemprego e baixo índice de desenvolvimento humano, o que torna essas pessoas extremamente vulneráveis", comenta o diretor do programa de luta contra o trabalho escravo da organização (fonte: artigo publicado no site da OIT, intitulado “OIT: trabalho escravo é usado para desmatamentos no Brasil 21 de agosto de 2009). A situação torna-se ainda mais perversa quando constamos que a miséria alheia é usada por aqueles empregadores que, geralmente, recorrem às instituições financeiras atrás de condições facilitadas de crédito rural para expandir os seus negócios. Em outras palavras, o banco, através da concessão de subvenção econômica pode estar ajudando o empregador a obter lucro através do trabalho escravo de outras pessoas. Por isso, é imperioso combater essa forma degradante de trabalho como forma de preservar a dignidade humana como elemento estruturador de toda a ordem jurídica brasileira. Para tanto, espero merecer o apoio dos ilustres senadores desta respeitada Casa legislativa. Sala das Sessões, Senador EDUARDO AMORIM ANEXOS – C - LEI Nº 10.803, DE 11 DE DEZEMBRO DE 2003. Altera o art. 149 do Decreto-Lei o n 2.848, de 7 de dezembro de 1940 Código Penal, para estabelecer penas ao crime nele tipificado e indicar as hipóteses em que se configura condição análoga à de escravo. O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei: Art. 1o O art. 149 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940, passa a vigorar com a seguinte redação: "Art. 149. Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto: Pena - reclusão, de dois a oito anos, e multa, além da pena correspondente à violência. 65 § 1o Nas mesmas penas incorre quem: I – cerceia o uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho; II – mantém vigilância ostensiva no local de trabalho ou se apodera de documentos ou objetos pessoais do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho. § 2o A pena é aumentada de metade, se o crime é cometido: I – contra criança ou adolescente; II – por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem." (NR) Art. 2o Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação. Brasília, 11 de dezembro de 2003; 182o da Independência e 115o da República. LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA Márcio Thomaz Bastos Este texto não substitui o publicado no D.O.U. de 12.12.2003