LEITURA, ORALIDADE E VARIAÇÃO LINGUÍSTICA:
UMA PROPOSTA A PARTIR DO GÊNERO PEÇA PUBLICITÁRIA
Silvana Soares da Silva Matuchaki*
Andréia Cristina se Souza**
RESUMO: Com base na percepção de que o ensino de língua portuguesa pode recorrer a perspectivas
teóricas diversas, complementando a prática em sala de aula, o objetivo deste artigo é apresentar uma
proposta didática referente à leitura, à oralidade e à variação linguística, centrada no gênero peça
publicitária. Para tanto, selecionamos a peça publicitária do Banco Itaú, veiculada em 2010. A prática
de ensino-aprendizagem que se objetiva baseia-se na apresentação da peça publicitária aos alunos do
Ensino Médio, sinalizando os aspectos ideológicos e discursivos presentes em torno da identificação e da
persuasão do público alvo, por meio de estratégias que ressaltam o uso da variação linguística. Nesse
sentido, para fundamentar a prática centrada na análise da peça publicitária selecionada, retomamos
brevemente os pressupostos teóricos da sociolinguística educacional, discutidos por Bortoni-Ricardo
(2005), aliada à definição de gênero textual, abordados por Marcuschi (2008), assim como questões
referentes à oralidade presentes em Marchuschi (1993, 2005) e Geraldi (1993), como forma de trabalhar
com o texto em sala de aula. Além disso, somamos a essa discussão algumas questões relacionadas à
leitura apresentadas por Kleiman (1996) e Orlandi (2008) à luz das reflexões teóricas da análise do
discurso. Com esta proposta, destaca-se, portanto, o trabalho com a língua portuguesa em uma situação
real de interação, o que possibilita ao aluno uma melhor compreensão da língua em uso, assim como a
necessidade de uma leitura mais atenta aos aspectos discursivos presentes na variação linguística
abordada por gêneros textuais que circulam na sociedade.
PALAVRAS-CHAVE: Variação linguística; Gênero peça publicitária; Ensino.
ABSTRACT: Starting from the perception that the teaching of Portuguese language can fall back upon
several theoretical perspectives, complementing the practice in classroom, the aim of this essay is
to present a didactic proposal regarding the reading, the orality and the linguistic variation, centered in
the genre advertising. For that purpose, we selected Itaú Bank advertising piece, transmitted in 2010. The
aimed teaching-learning practice relies on the presentation of the advertising piece to the students of the
High School, emphasizing the ideological and discursive aspects present around the target audiences
identification and persuasion, through strategies that emphasize the use of the linguistic variation. In
order to base the practice centered in the analysis of the selected advertising piece, we briefly retook the
theoretical presuppositions of the sociolinguistics education, discussed by Bortoni-Ricardo (2005); allied
to the definition of textual genre, approached by Marcuschi (2008); as well as subjects regarding the
orality presents in Marchuschi (1993, 2005) and Geraldi (1993), and the ways of working with the text in
classroom. Besides, we added to that discussion some subjects related to reading presented by Kleiman
(1996) and Orlandi (2008) to the light of the theoretical reflections of the discourse analysis. With this
proposal, it stands out, therefore, the work with the Portuguese language in a real situation of interaction,
which enables the student to a better understanding of the language in use, as well as the need of a more
attentive reading to the present discursive aspects in the linguistic variation approached by textual genres
that circulates in the society.
KEYWORDS: Linguistic Variation; Advertising genre; Teaching.
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INTRODUÇÃO
Desde a década de 80, o ensino de Língua Portuguesa tem sido objeto de pesquisa e
discussão, no intuito de melhorar sua eficiência. Gregolin (2007) traça um interessante
percurso histórico das contribuições da linguística para esse ensino no Brasil. A
Linguística, em especial a Linguística Aplicada, tem dedicado parte dos seus estudos
para a mudança desse ensino/aprendizagem, principalmente no domínio da escrita e da
leitura. Uma das mais conhecidas propostas é a do linguista João Wanderlei Geraldi
(1984), na obra por ele organizada “O texto na sala de aula”, que se assentava numa
concepção que tomava a língua como uma atividade social e histórica e se estruturava a
partir de três grandes eixos: a leitura de textos, a produção de textos e a análise
linguística.
O que propiciou esta busca por uma mudança foi a constatação de que o trabalho com a
Língua Portuguesa nas escolas daria ênfase ao conhecimento de regras gramaticais e
consistiria em uma série de tarefas que reduzem o leitor à condição de um simples
decodificador de palavras e frases e o escritor a um reprodutor de estruturas textuais.
A partir dos estudos de Bakhtin, passou-se a uma nova concepção da linguagem, agora
vista como forma de interação, em que é vista como lugar de interação humana, como
interação comunicativa pela produção de efeitos de sentido entre os interlocutores, em
uma dada situação de comunicação e em um dado contexto sócio-histórico e ideológico.
Essa concepção de linguagem recebeu inúmeras contribuições de variadas áreas da
Linguística como a Teoria da Enunciação, a Pragmática, a Análise do Discurso, a
Linguística Textual e a Sociolinguística. Também traz inúmeras transformações quando
voltada ao ensino de língua portuguesa. A função do indivíduo deixa de ser a de
transmitir informações e de traduzir um pensamento, e passa a ser a de interagir como
sujeito que ocupa lugares sociais.
O objeto de ensino deixa de ser a gramática normativa e passa a ser organizado via
gêneros textuais. Desse modo, passam a ser considerados discurso, gênero e texto e não
mais a explicação dos fenômenos básicos da frase. Essa substituição permite ao aluno
conhecer a língua em sua totalidade, propiciando uma visão ampla em relação aos
aspectos sociais, culturais e históricos.
Esses estudos resultaram, inclusive, em uma mudança da proposta dos documentos
oficiais de ensino, como pode ser visto nos Parâmetros Curriculares Nacionais (1998).
Os PCN referentes ao ensino de língua tiveram a grande vantagem de evidenciar as
conquistas da Linguística Moderna, propondo um ensino que se atenha a uma visão
mais apropriada da língua como meio de comunicação e de que o importante é
desenvolver a competência comunicativa do aluno tanto na modalidade oral como na
modalidade escrita da língua.
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No entanto, essas mudanças nem sempre alcançam a sala de aula. Os processos de
leitura e de análise de textos desenvolvidos na escola, na maioria das vezes, são
construídos a partir das sugestões dos livros didáticos adotados pelos professores como
material de apoio, porém, a realidade denuncia o caráter normativo assumido por esses
materiais, deixando de lado a prática social presente no cotidiano dos alunos, por
exemplo, quando são abordadas as questões que envolvem a variação linguística
(BAGNO, 2013). Nota-se, que o estudo da variação fica restrito à apresentação de
aspectos relacionados ao contexto regional brasileiro, sem maiores discussões sobre a
adequação do vocabulário ao processo comunicativo e a compreensão da variação
presente na fala do aluno.
A partir dessas colocações, destacamos o objetivo deste artigo, o qual consiste em
apresentar uma proposta didática para o ensino de língua portuguesa, referente à leitura,
à oralidade e à variação linguística, centrada no gênero peça publicitária. Para tanto,
selecionamos a peça publicitária do Banco Itaú, veiculada em 2010, a qual utiliza a
variação linguística como um mecanismo de identificação e persuasão do público alvo.
Acreditamos que para o ensino de língua portuguesa, podemos recorrer a perspectivas
teóricas diversas, de modo a complementar à prática em sala de aula. Nesse sentido,
para fundamentar a prática centrada na análise da peça publicitária selecionada,
retomamos brevemente os pressupostos teóricos da sociolinguística educacional,
discutidos por Bortoni-Ricardo (2005), aliada à definição de gênero textual, abordados
por Marcuschi (2008), assim como questões referentes à oralidade presentes em
Marchuschi (1993, 2005) e Geraldi (1993), como forma de trabalhar com o texto em
sala de aula. Além disso, somamos a essa discussão algumas questões relacionadas à
leitura apresentadas por Kleiman (1996) e Orlandi (2008) à luz das reflexões teóricas da
análise do discurso.
As atividades descritas nesse artigo foram desenvolvidas para alunos da segunda série
do Ensino Médio, analisando o gênero de acordo com o reconhecimento da sua função
social, do seu conteúdo temático, da sua estrutura composicional e do seu estilo
(BAUMGÄRTNER; COSTA-HÜBES, 2008), que serviram como base para uma leitura
reflexiva dos aspectos explorados pela peça selecionada.
1 A VARIAÇÃO LINGUÍSTICA E O ENSINO
Ao discutir questões referentes à variação linguística, não se pode deixar de citar Labov
(2008) que apresenta a sociolinguística variacionista, ou seja, a variação linguística
motivada pelo contexto social, enfatizando assim a importância de fatores
extralinguísticos para a compreensão da variação da língua.
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Assim, parte-se do pressuposto de que a língua não pode ser estudada separadamente do
estudo da sociedade na qual a mesma se insere, apresentando-se a afirmação de Calvet
(2002, p. 12), quando esse expõe que “as línguas não existem sem as pessoas que as
falam, e a história de uma língua é a história de seus falantes”. Por essa razão, as línguas
mudam, visto que estes falantes vivem em contextos socioculturais distintos, sujeitos a
modificações em sua trajetória de vida e, portanto, é impossível estudar os fatores
linguísticos desvinculados do estudo dos fatores sociais, ou seja, extralinguísticos.
Pode-se verificar, então, que a língua apresenta variações internas, como nos planos
fonético/fonológico, morfológico, sintático, semântico e, a variação de interesse neste
trabalho, referente ao plano lexical.
Ao analisar essas variações internas, devem ser consideradas também as variações
externas à língua, ou seja, as variações extralinguísticas. Sendo assim, essas variações
extralinguísticas estão relacionadas ao uso da língua pelos indivíduos, ou seja, as
variantes linguísticas relacionam-se com as variantes socioculturais, como gênero,
idade, escolaridade, região geográfica, etnia, como proposto por Labov (BORSTEL,
2003, p. 165) e abordado por Alkmim (2003) sobre a relação entre língua e sociedade
nos estudos sociolinguísticos.
Todas essas questões devem ser consideradas no ensino de língua portuguesa, visto que
a variação é inerente à língua. No entanto, as práticas de ensino, na maioria das vezes,
centram-se apenas na norma culta, desconsiderando a variação linguística e, quando o
faz, limita-se ao estudo das variações geográficas, e de forma simplista,
desconsiderando a amplitude destas variações. Esta abordagem deixa de levar em conta
a variação linguística presente em sala de aula, a diversidade de falares que poderiam
enriquecer as aulas de língua portuguesa.
Com base nessa prática, os professores comumente acreditam, de acordo com BortoniRicardo (2005), que é seu dever “coibir” os usos que desviam da norma padrão,
corrigindo os “erros de português”. Sobre a noção de “erro”, Frosi (2004, p. 194) expõe
que “tradicionalmente, a ação pedagógica aliada à gramática normativa (ou prescritiva)
viu o erro como algo prejudicial que deveria ser evitado, eliminado”.
No entanto, para Bortoni-Ricardo (2005), essa prática ocorre, muitas vezes, pela falta de
reconhecimento das variedades linguísticas. Assim, concordamos com a autora no que
se refere à inadequação da expressão “erros de português”, considerando que estes “são
simplesmente diferenças entre variedades da língua” (BORTONI-RICARDO, 2005, p.
37, grifo da autora).
De acordo com a mesma autora, não se trata de se desconsiderar o ensino da variante
culta da língua portuguesa, mas sim apresentar ao aluno a diversidade linguística
existente, sem que o ensino assimile a cultura que esse aluno traz de casa. Apesar de já
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haver uma reformulação dos currículos e das diretrizes do ensino, esses fundamentos
ainda não estão presentes em sala de aula.
Para Mollica (2012), os estudos sociolinguísticos vêm ao encontro do interesse em
legitimar a variação livre de preconceito, deixando de lado a pedagogia do “erro”,
contribuindo para a descrição do padrão linguístico real, utilizado no contexto escolar.
Para isso, sugere-se o trabalho com a educação linguística na escola, voltada para o
reconhecimento de todas as variáveis da língua presentes nesse contexto, sem priorizar
as variantes de maior prestígio (BAGNO, 2002). A ideia é mostrar aos alunos que todas
as variedades possuem função comunicativa e que o erro linguístico não existe, mas
existe a adequação ou a inadequação de uma forma linguística à determinada situação
de interação.
Portanto, não basta conhecer os pressupostos teóricos que embasam o ensino de língua
portuguesa no Brasil, é preciso investigar formas para que esse conhecimento seja capaz
de contribuir para a formação do aluno enquanto leitor crítico e conhecedor de sua
própria diversidade linguística.
A análise da peça publicitária selecionada será realizada tendo em vista a exploração
dos aspectos sociolinguísticos enquanto mecanismos de identificação e persuasão do
público alvo. Procuramos, então, discutir algumas das possibilidades de trabalho com a
variação linguística em sala de aula, em uma perspectiva mais ampla do que muitas
vezes é apresentada pelo livro didático, visando trabalhar, além da variação geográfica,
também as variações socioeconômicas e de faixa etária relacionadas ao contexto de
interlocução.
Além disso, pretendemos a partir desta prática pedagógica destacar a necessidade de
valorização e de respeito às diversas variedades linguísticas e à diversidade cultural
presentes no território brasileiro. Dessa maneira, o trabalho com a variação linguística
vai além da simples identificação de falares regionais, levando o aluno a refletir sobre o
processo de construção da identidade por meio da fala e, consequentemente, como sua
adequação, nos mais diversos contextos de comunicação, podem contribuir para a
aproximação dos interlocutores.
2 A PEÇA PUBLICITÁRIA E O TRABALHO COM A ORALIDADE
A cultura midiática, veiculada por meio da televisão, da internet, dos jornais e das
revistas, tem proporcionado o surgimento de um grande número de gêneros textuais,
que se modificam, assim como as sociedades, dando ênfase a uma nova esfera de
comunicação – a publicitária –, trazendo novos mecanismos de persuasão.
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Dessa forma, encontramos o gênero peça publicitária cada vez mais presente no
cotidiano da sociedade devido à oferta cada vez maior de produtos e, por isso, abrem-se
as portas para o estudo desse gênero textual em sala de aula, buscando direcionar o
trabalho de língua portuguesa para a análise da prática social, ressaltando aspectos que
ajudem a desenvolver o olhar crítico do aluno para o mundo ao seu entorno.
Salientamos, então, as características próprias de uma peça publicitária, tendo em vista a
definição dada por Marcuschi (2008) sobre os gêneros textuais que circulam em
sociedade. Para o autor, todo discurso se materializa em um texto e este assume
determinada estrutura, segundo os padrões preestabelecidos pela sociedade a fim de
cumprir sua função comunicativa. Assim, podemos dizer que gêneros textuais são
“modos de dizer” relativamente estáveis, convencionados socialmente.
Ao analisarmos o gênero em questão, notamos que esse não se resume ao texto escrito
ou oral, lançando mão de outros recursos de interação, principalmente da linguagem não
verbal, para atingir seu público alvo. O gênero assume, também, as especificidades de
seu suporte, já que as peças publicitárias circulam por espaços que vão desde a imprensa
escrita nos jornais e revistas, até a televisiva e a internet, onde as imagens ganham
forma para persuadir o consumidor, com a predominância de recursos argumentativos
para realçar as qualidades do produto.
Concordamos, então, com Carvalho (1995, p.13), ao descrever o discurso publicitário
como “um conjunto de características linguísticas que contribuem para construir este
texto, dependendo, é claro, da situação em que ele é produzido”.
A publicidade televisiva, além de explorar os recursos verbais, tem a seu favor os
recursos não verbais para além de imagens, simulando situações que provoquem uma
conversa com o consumidor de forma mais direta do que a escrita. As expressões, os
gestos, a forma de se vestir e falar das personagens estão intimamente relacionadas à
identidade do público a quem se quer atingir.
Segundo Orlandi (2008, p. 18), “compõe também a estratégia discursiva prever, situarse no lugar do ouvinte a partir do seu próprio lugar de locutor”, o que faz do
planejamento linguístico da produção de uma peça publicitária, um aspecto totalmente
monitorado pelas escolhas linguísticas e extralinguísticas, tendo como princípio básico a
persuasão.
Esses aspectos contribuem para entender o gênero como multimodal, explorando os
mais diversos aspectos semióticos para provocar no público alvo uma mudança de
comportamento, incitando-o à compra.
Para Costa Júnior e Pedrosa (2009, p. 2858):
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O discurso publicitário mobiliza a cognição para fazer o outro saber; a
interação para fazer o outro fazer; e a emoção para fazer o outro querer/dever.
Neste sentido, a publicidade instaura um jogo de vozes que ecoam e
sobrepõem em um contínuo movimento de credibilidade, aceitação, de
adesão, produzindo sentido que gera conhecimento e que atua na mudança
social do comportamento dos consumidores. Portanto, a mídia da publicidade
é responsável pela construção, circulação e reconhecimento dos
sentidos/significados subjacentes à prática textual, discursiva e social
materializadas no discurso publicitário.
Apesar de ter um planejamento escrito anterior, a produção da peça publicitária emprega
de forma literal a conversação, explorando os recursos de persuasão por meio do não
dito, daquilo que se encontra nas entrelinhas, forçando o telespectador à uma análise
mais rigorosa para perceber o que está implícito. Diante disso, ganha destaque o
trabalho com a oralidade associada à peça publicitária televisiva.
Com relação à importância da oralidade, Marcuschi (1993, p. 4) expõe que “o texto
escrito não é mais o soberano” e que, tanto quanto a escrita, a fala tem “sua própria
maneira de se organizar, desenvolver e transmitir informações, o que permite que a
tomemos como fenômeno específico”.
Ainda de acordo com Marcuschi (2005, p. 35);
Assim como a fala não apresenta propriedades intrínsecas negativas, também
a escrita não tem propriedades intrínsecas privilegiadas. São modos de
representação cognitiva e social que se revelam em práticas específicas.
Postular algum tipo de supremacia ou superioridade de alguma das
modalidades seria uma visão equivocada, pois não se pode afirmar que a fala
é superior à escrita ou vice-versa. Em primeiro lugar, deve-se considerar o
aspecto que se está comparando e, em segundo, deve-se considerar que esta
relação não é homogênea nem constante.
Geraldi (1993), partindo do princípio de que são os usos que instituem a língua,
explicita que falar ou escrever bem não é apenas ser capaz de adequar-se às regras da
norma padrão, mas usar adequadamente a língua para produzir o efeito de sentido
pretendido em uma determinada situação. E é nesse sentido que o trabalho com a peça
selecionada pode contribuir com o ensino de língua portuguesa, já que utiliza
justamente diferentes formas de falar, com o objetivo de criar diferentes efeitos de
sentido junto ao potencial consumidor.
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3 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE A LEITURA
A análise crítica de qualquer gênero textual passa necessariamente por processos de
leitura e compreensão do texto a ser estudado. Não podemos, então, trabalhar com a
língua portuguesa, entendida como prática social, sem antes delinearmos quais as
perspectivas do leitor que queremos formar diante da diversidade de opiniões que lhes
são propostas pelo meio social, tanto pela escrita, quanto pela oralidade.
Resgatando o que dissemos anteriormente sobre o gênero peça publicitária, destacamos
entre suas principais características a sua tipologia predominantemente argumentativa e
a sua multimodalidade, que não devem passar despercebidas. Aspectos como esses
exigem do leitor a capacidade de interpretar e compreender o contexto, a partir do seu
conhecimento de mundo, já que a produção de sentidos por meio da publicidade
abrange diversos tipos de linguagem.
Para Marcuschi (2008), compreender um texto depende dos processos cognitivos
internalizados durante nossas experiências, que nos permite realizar inferências para a
construção de sentidos do texto a ser lido. Para Orlandi (2008, p.101), “não é só quem
escreve que significa; quem lê também produz sentidos”.
O texto, sendo ele oral ou escrito, produz sentidos para além da mera representação da
linguagem, possibilitando uma gama de interpretações que encontram-se relacionadas
diretamente com os aspectos cognitivos internalizados pelo seu interlocutor. É a partir
dessa premissa que o trabalho com a leitura deve ser desenvolvido.
Dessa maneira, concordamos com Kleiman (1996) ao conceituar o ensino da leitura
como um processo que não se restringe à interpretação dada pelo professor, mas aos
conhecimentos prévios ativados durante a leitura, permitindo ao leitor a retomada dos
significados diante dos efeitos de sentido propostos pelo texto.
Para isso, é necessário situar o leitor como constituído historicamente, pois é a partir de
suas relações sociais que este se apropria do conhecimento necessário para levá-lo a
compreender a mensagem a ser transmitida. Dessa maneira, Marcuschi (2008, p. 242)
lembra que “o sentido não está no leitor, nem no texto, nem no autor, mas se dá como
um efeito das relações entre eles e das atividades desenvolvidas”.
Orlandi (2008) destaca o caráter pedagógico da leitura no contexto escolar, impedindo
sua vinculação ao contexto histórico que o texto assume nas mais variadas situações de
interlocução. Essa perspectiva determina o ensino da leitura voltada para a
decodificação, da leitura linear somente para a busca de informações explícitas em um
texto. Para a autora, o ato de ler deve “observar o processo de sua produção e, logo, da
sua significação” (ORLANDI, 2008, p. 38).
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A partir das reflexões acima, podemos delinear uma definição de leitura para além da
decodificação, ressaltando aspectos que envolvem a compreensão do texto, seja oral ou
escrito, por meio da análise do contexto de produção, não se restringindo aos aspectos
verbais, mas sim ampliando a capacidade discursiva do leitor por meio da análise das
diversas linguagens presentes para a produção de sentidos.
Portanto, destacamos a importância do professor conhecer qual conceito de leitura
permeia sua prática em sala de aula, pois quando conhecemos as estratégias de leitura,
somos capazes de direcionar o olhar do aluno para um texto, fazendo-o inferir e
possibilitando a compreensão da mensagem em suas entrelinhas.
4 VARIAÇÃO LINGUÍSTICA, ORALIDADE E LEITURA: UMA PRÁTICA
Para se atingir aos objetivos propostos por este artigo, tomamos como ponto de partida
uma peça publicitária do Banco Itaú, veiculada pelas redes de televisão, no ano de 2010.
A peça publicitária divulga uma linha de crédito ofertada a “todas as pessoas” que
necessitam de um empréstimo para realizar algum sonho, seja ele profissional ou
pessoal.
As atividades desenvolvidas, para alunos da 2ª série do Ensino Médio, foram precedidas
por outras, que contribuíram para o reconhecimento do conteúdo temático, da estrutura
composicional e do estilo próprios do gênero peça publicitária. Priorizou-se,
primeiramente, a publicidade escrita, para então, analisar a publicidade veiculada pela
televisão, comparando, então, os diversos recursos utilizados pelos dois suportes
distintos.
Dessa maneira, ao analisar o modelo de gênero selecionado, os alunos já tinham em
mente as formas de constituição de uma peça publicitária, bem como as possíveis
linguagens apropriadas pelo discurso, a fim de persuadir o consumidor para adquirir
determinado produto.
Optou-se, então, por transcrever o gênero oral, levando a linguagem verbal, fora do seu
contexto de produção, já que o objetivo principal é explorar o uso do léxico enquanto
variação linguística, dando um novo tratamento às questões que envolvem o estudo da
variação em sala de aula. A transcrição da peça publicitária permitiu a ativação dos
conhecimentos prévios dos alunos com relação à variação socioeconômica,
identificando os possíveis sujeitos-autores do texto transcrito.
O texto abaixo apresenta a transcrição da fala das personagens da publicidade
trabalhada em sala de aula:
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(1) Eu vim pedi uma ajudinha pra comprá o carro do nosso calouro
aqui, óh!
(2) Eu queria uma força pra reformá minha casa!
(3) Preciso de um help pra comprá um computador novo!
(4) Nós já escolhemos um AP maior, só precisava de um apoio!
(AGÊNCIA DM9, 2013)
Após a leitura do texto, os aluno identificaram as expressões com o mesmo sentido,
apresentando novas formas conhecidas por eles, que poderiam substituí-las, sem
prejuízo para o sentido das sentenças. Surgiram expressões como “dar uma mãozinha”,
“mão na roda”, “dar uma colher de chá”, sendo que todas elas foram analisadas dentro
do contexto das frases, refletindo sobre quais alterações deveriam ser realizadas para
adequá-las e quais novos sentidos seriam acrescentados, observando as que se
adequavam à situação e quais não garantiriam a continuidade do sentido no contexto.
Outras marcas, típicas da linguagem oral, também foram identificadas como a perda do
/r/ final nos verbos infinitivos, nas palavras comprá e reformá. Conforme BortoniRicardo (2005), esse traço da fala indica estilos não monitorados, ocorrendo
frequentemente, quando existe intimidade entre os falantes. É importante frisar que os
alunos não identificaram a contração da preposição “para” em (1), (2) e (3), já que essa
forma linguística encontra-se presente na fala dos próprios alunos e, consequentemente,
se materializam em textos produzidos por eles.
Logo após a identificação das expressões com o mesmo sentido, foi proposto aos alunos
que identificassem os possíveis locutores do discurso. Que pessoas poderia ser
identificadas pelas escolhas lexicais realizadas no momento da interlocução? Para (1) os
alunos elegeram um homem por volta dos 40 anos; em (2) um rapaz de uns 25 anos; em
(3) uma jovem estudante e para (4) um casal que quer ter filhos.
A existência de uma terceira pessoa durante a conversação, foi percebida a partir do uso
do advérbio aqui e da interjeição oh na frase número (1) e pela marca do plural em (4),
por meio do uso do pronome nós e, consequentemente, pela conjugação verbal em
escolhemos.
Essas análises somente foram possíveis graças ao conhecimento extralinguístico e
lexical do aluno que, segundo Carvalho (2009, 114), faz parte da “carga cultural
partilhada”, o que permite ao aluno reconhecer ou ao menos predizer os possíveis
locutores, já que as marcas linguísticas presentes na fala são capazes de identificar o
coletivo. Ainda segundo a mesma autora, “o léxico, nomeando realidades
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extralinguísticas vai permitir compreender conceitos abstratos e nomear diferentes
ocorrências da vida cotidiana” (CARVALHO, 2009, p.112).
Para Brito (2003, p. 39),
Em situação escolar, para capacitar o aluno a se tornar um leitor proficiente, é
necessário, entre outras coisas, orientá-lo no sentido que ele utilize
adequadamente as estratégias de leitura, bem como capacitá-lo a deslinearizar
a leitura, construindo hipóteses sobre o sentido do texto a partir de uma
abordagem global, que pode ocorrer pela identificação dos índices formais,
temáticos e enunciativos a serem interpretados.
As atividades propostas acima tiveram esse objetivo, da análise de uma abordagem
global e do que poderia ser identificado por meio da fala das personagens sem conhecer
o contexto da peça publicitária. Os alunos sentiram-se instigados a descobrir qual era o
produto ofertado e qual seria, então, a empresa capaz de resolver os problemas
apresentados pelos locutores. Devido ao contexto em que vivemos e a facilidade em se
conseguir empréstimos, não foi difícil aos alunos identificarem o produto como uma
linha de crédito ofertada por um banco.
Somente após todas essas constatações é que a peça publicitária foi apresentada aos
alunos, permitido a afirmação ou a refutação das conclusões realizadas anteriormente.
Unimos às constatações os elementos extralinguísticos, identificados pelo sexo das
personagens, pela idade e pela intenção de realização de um projeto de vida,
características próprias do estilo da peça publicitária.
Nesse momento, as escolhas lexicais, antes apontadas somente como variação
socioeconômica, assumem novos sentidos: o da persuasão e da identificação com seu
público-alvo. É possível perceber que as escolhas não foram aleatórias, já que
direcionam o olhar para a necessidade de consumo que, na maioria das vezes, não está
ao seu alcance financeiro.
A publicidade, produzida pelo meio televisivo, procura a proximidade com o real,
resgatando o cotidiano do seu público-alvo, simulando situações que certamente seriam
vivenciadas no ato da aquisição do produto. Dessa forma, temos a reprodução de um
discurso considerado como informal, que reforça as características identitárias do
consumidor, recursos expressivos para a persuasão.
É importante que os alunos compreendam que, apesar de a peça publicitária explorar a
variação linguística, esta variação não foge aos padrões preestabelecidos e aceitos pela
cultura dominante. Não se percebe nenhum regionalismo e a variação lexical se apoia na
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variação socioeconômica abrindo espaço para a compreensão das escolhas também
como uma variação ao contexto de interlocução, já que se supõe que o gerente do banco
busca adequar a sua fala ao perfil do consumidor que busca o serviço ofertado.
Diante disso, o slogan, que compõe a cena final da peça publicitária reforça a ideia de
realização dos sonhos: “Não importa se você chama de força, de help, ajudinha ou
apoio. O Itaú tem sempre um crédito feito sob medida para os seus sonhos” (AGÊNCIA
DM9, 2013).
Retomamos, então, os efeitos ideológicos defendidos por Orlandi (2008, p.56)
produzidos por meio da “aparência da unidade do sujeito e da transparência do sentido”,
que só podem ser analisados criticamente a partir da reflexão sobre o “processo de
constituição do sujeito e da materialidade do sentido”. Portanto, a análise reflexiva do
slogan do banco só se tornará compreensível dentro do contexto de produção, que se
materializa por meio da união das linguagens verbais e não verbais, sendo constituída
por uma intencionalidade, marcada pela expressão “sob medida”, por meio de algo
palpável ao consumidor, aliadas ao sentimento de felicidade e de realização.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com esta proposta, procurou-se destacar o trabalho com a língua portuguesa em uma
situação real de interação, o que possibilita ao aluno uma melhor compreensão da língua
em uso, assim como a necessidade de uma leitura mais atenta aos aspectos discursivos
presentes na variação linguística abordada por gêneros textuais que circulam na
sociedade.
Pudemos verificar, com a exposição, as diversas contribuições da linguística para o
ensino de língua materna, mas evidencia-se que a grande contribuição da Linguística
moderna para o professor foi trazer um conhecimento mais estruturado, científico e
profundo sobre como a língua é constituída e sobre como ela funciona enquanto
instrumento de comunicação com uma dimensão social e histórica que é mesmo
constitutiva da língua. O professor que domina esse conhecimento tem melhores
condições de decidir o que é pertinente trabalhar com os seus alunos e como estruturar
as atividades que os ajudem a atingir um maior domínio da língua e a ter uma maior e
melhor competência comunicativa.
Ilari (1985) em “A linguística e o ensino de língua portuguesa”, justifica a necessidade
do ensino de linguística nos cursos de graduação em Letras por dois motivos:
desautomatizar a visão corrente dos fatos de língua e proporcionar ao futuro professor
de Letras a oportunidade de praticar o método de investigação próprio das ciências
naturais. Nesse sentido, a Linguística nos cursos de Letras auxiliaria os futuros
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professores a refletirem sobre a língua enquanto fato social, desprendendo-se da visão
tradicional por tanto tempo em voga.
A partir destas mudanças, verifica-se a relevância do trabalho com disciplinas
linguísticas nos Cursos de Letras, como a Fonética e a Fonologia, a Morfologia, a
Sintaxe, a Sociolinguística, a Pragmática, a Análise do Discurso, como tantas outras,
que propiciam o conhecimento científico e profundo da língua portuguesa. Assim como
mostra-se interessante o estudo das disciplinas de introdução ao estudo linguístico que
evidenciam os métodos científicos e as teorias utilizadas para o estudo da língua, de
forma a evidenciar que tais teorias não podem ser vistas como completas ou únicas no
estudo da língua e sim como complementares.
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e Sociedade, da Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE.
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