Era uma sociedade feliz vivendo na mentira
Hélio Duque
No início de 2012, a presidente Dilma Rousseff tinha aprovação
popular de 92%, sendo 65% de “ótimo e bom” e 27% de “regular”. Retrata o
comportamento de uma sociedade mercurial alienada da realidade. A “festa
de arromba” e os “bailes a fantasia” nos círculos do poder, alimentada por
marqueteiros e farta propaganda inebriava os brasileiros. Os sinais de
inconsistência do modelo econômico eram visíveis. Empresários,
trabalhadores e classe média acreditavam estar vivendo um novo nirvana.
Quem ousasse advertir do irrealismo e da crise que viria, era considerado
pessimista e estigmatizado como inimigo da classe trabalhadora. A elite
econômica, bancos, empreiteiras e grandes grupos se refestelavam na
obtenção de vantagens e privilégios, onde o BNDES foi carro-chefe, mas
não o único. O Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, vinculado
à Presidência da República, era presidido pelo poderoso empresário, Johann
Peter Gerdau e tinha outros ilustres integrantes, a exemplo do notório José
Carlos Bumlai.
Como diria o malandro: “estava tudo dominado”. A sociedade,
ao aprovar o governo com 92%, concedia o “agrément” para a
autossuficiência e o voluntarismo dilmista e lulista. Artificialmente a taxa de
juros foi rebaixada para 7%; a energia foi reduzida e anunciada em cadeia
nacional de televisão; os preços administrados foram congelados, a exemplo
da gasolina e toda a cadeia de petróleo; o corte seletivo de impostos por
setores eleitos e elevação dos gastos públicos sem critério, detonaram as
contas públicas, elevando a nível recorde a dívida pública e desorganizando
caoticamente a economia brasileira.
Em 2015, Dilma reeleita, legitimamente com 54,6 milhões de
votos, a conta chegou radiografando a deterioração das finanças públicas do
governo. Historicamente, o “superávit primário”, mesmo nos momentos de
crise, sempre foi obtido por diferentes administrações da república. Quando
Dilma Rousseff assumiu o governo, era de R$ 128 bilhões. Agora, de
maneira inédita, a situação é inversa: o “déficit primário” consolidado seria
de R$ 60 bilhões, com o agravante de o Tesouro ser obrigado a pagar as
“pedaladas fiscais” (dívidas atrasadas no BNDES, Banco do Brasil e Caixa
Econômica), estimadas pelo Tribunal de Conas da União em R$ 40,2 bilhões
com outros penduricalhos ultrapassará o montante de R$ 117 bilhões. Ele foi
construído naqueles anos onde a fantasia marqueteira era vendida aos
brasileiros que aprovavam e aplaudiam o governo com marcas recordes de
popularidade.
Em 2014, na eleição presidencial, esta realidade era visível,
mas ignorada pelos candidatos Dilma, Aécio e Marina. Todos eles se
omitiram preferindo edulcorar os seus programas de governo. “Campanha
escondeu a crise, dizem marqueteiros”, é o título de excelente matéria do
jornalista Pedro Venceslau, publicada em “O Estado de S.Paulo (25-10-215),
diz que “jogaram para debaixo do tapete” a crise que viria pela frente.
Nominado no livro “De como Aécio e Marina ajudaram a eleger Dilma” de
autoria de Fernanda Zuccaro e do marqueteiro Chico Santa Rita, para quem:
“As outras campanhas foram incapazes de ver as inverdades da campanha
da Dilma e atacar isso corretamente”. Naquela matéria jornalística, o
testemunho inacreditável do publicitário Paulo Vasconcelos, comandante da
campanha do Aécio Neves: “Poderia parecer alarmismo ou
irresponsabilidade dizer que o Brasil caminhava para uma situação tão
crítica. De qualquer forma, essa informação não estava disponível para a
oposição.”
Os testemunhos demonstram como a “pequena política”
domina o debate público brasileiro. Nesse cenário de mistificação a
sociedade é engabelada, aceitando passivamente a realidade que lhe é
vendida pela propaganda massacrante. Quando desperta do sonho
enganador, o desastre já ocorreu, atingindo em cheio as famílias, as
empresas e o próprio governo.
Não por consciência (pela razão de ser uma sociedade
desinformada), mas pelo desespero ante a adversidade econômica e social,
afloração reação como a retratada pela última pesquisa do Ibope. Nela a
rejeição aos políticos vai de A a Z. Repete o grito de frustração dos
indignados argentinos na crise de 2001: “Qué se vayan todos”. A
impopularidade atinge governistas e oposicionistas na mesma proporção. Os
políticos sérios, que são minoria, dotados de ética pública, deveriam refletir
sobre o cenário de reprovação, oriundo do divórcio entre os detentores de
mandatos e a representação popular. A existência de caricaturas partidárias
destituídas de doutrinas amplia a frustração da sociedade. Desde tempos
idos, realidade adversa só pode ser mudada por duas maneiras: pela política
ou pela violência. Não existe na história da humanidade terceira alternativa.
Helio Duque é doutor em Ciências, área econômica, pela Universidade
Estadual Paulista (UNESP). Foi Deputado Federal (1978-1991). É autor de
vários livros sobre a economia brasileira.
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