O ministro Levy e o padrão dicotômico Hélio Duque “A esperança política foi traduzida do mero faz de conta. O importante é o que se vê e o que se deixa ver e não o que se faz nem que resulta das ações e dos relacionamentos sociais. A mentira se tornou uma instituição, que atravessa desde o nosso cotidiano até o cotidiano do rei – ou da rainha”. Admirável pensamento do professor emérito da USP (Universidade de S.Paulo), José de Souza Martins. No seu recente livro “Uma Sociologia da Vida Cotidiana”, analisa a captura e instrumentalização dos movimentos sociais. A consequência foi a sua domesticação e o notório esvaziamento. No Brasil contemporâneo a distorção cognitiva, forma de pensar marginalizadora da realidade, tornou-se vitoriosa. O filtro mental, por exemplo, da presidente Dilma Rousseff, tem um padrão dicotômico. Não tem percepção para enxergar o que é positivo, tampouco os aspectos negativos que marcaram a sua administração na presidência da República. Anteriormente candidata em 2010, era apresentada aos brasileiros na condição de gerente competente de políticas públicas. Nos oito anos do governo Lula da Silva, vangloriava-se de ser especialista em assuntos energéticos. Assumiu o Ministério das Minas e Energia e tempos depois, ao ocupar a Casa Civil, continuou controlando o setor, dada a fragilidade e despreparo do ministro Edson Lobão, escolhido a dedo para ser o titular das Minas e Energia. Dilma Rousseff continuou comandando a área, presidindo o Conselho de Administração da Petrobrás e informalmente, sendo de fato a titular das Minas e Energia. Eleita presidente, manteve o obscuro ministro. Agora, quando inicia o seu segundo governo, colhe a crise anunciada no setor elétrico. Na Petrobrás, a “Operação Lava Jato”, escancara a roubança instalada na empresa. Nos setores em que se dizia “especialista”, o fracasso foi retumbante. Autoritária e centralizadora, comandando um governo submisso à sua vontade, onde os ministros, sem autonomia, transformaram-se em “bedéis”, impôs a chamada “nova matriz econômica”. Responsável pela realidade hoje vivenciada. Reeleita, herdou a verdadeira “herança maldita”. As contas públicas em situação deplorável, acrescido de o Brasil ter implodido os fundamentos econômicos básicos para o crescimento. Antevendo para os próximos anos um cenário dramático para a economia brasileira. A deterioração fiscal é realidade inescapável. Um ajuste fiscal verdadeiro que reequilibraria as finanças públicas exigiria um tempo nunca inferior a três anos. O que nos remete a afirmar que perdido 2015, em 2016, 2017 e 2018, vamos ter baixo crescimento. A renda e o emprego serão atingidos estruturalmente, vitimando os trabalhadores e os assalariados em geral. Pela razão objetiva de os investimentos produtivos serem declinantes. Agregado ao fato de o consumidor viver um ciclo de endividamento familiar histórico. Vários preços administrados estão defasados e exigirão correção afetando o orçamento doméstico. É um conjunto multiplicativo de problemas gerados e consolidados no governo Dilma I, herdado pelo Dilma II. Agora, em verdadeiro ato de rendição desesperada, nomeou o ministro Joaquim Levy, um corpo estranho na percepção econômica da presidente, com a missão de sepultar e corrigir os erros primários gerados pela incompetência e responsável pela deterioração das finanças públicas. O seu êxito relativo impedirá que o país mergulhe em crise econômica de gravíssimas consequências para o futuro. Resta indagar: um governo que se alimenta em mágica e devaneios de marqueteiros aceitará um ciclo de impopularidade? Cortar gastos públicos, eliminar subsídios, implantar restrição seletiva de crédito, disciplinar a expansão dos salários com reflexo direto nos índices de desemprego, dentre outras medidas, estão no âmago de um verdadeiro ajuste fiscal. São ações de políticas econômicas que afetam a popularidade do governo. O desafio do ministro da Fazenda será tarefa gigantesca para recolocar a economia brasileira nos trilhos do equilíbrio para garantir a retomada do crescimento no médio prazo. Exigirá tempo e o desgaste político do governo ocorrerá. Ante o cenário que se desenha, a pergunta é: será que a Dilma Rousseff e o PT aceitarão passivamente o ajuste econômico que precisa ser feito? Hélio Duque é doutor em Ciências, área econômica, pela Universidade Estadual Paulista (Unesp). Foi Deputado Federal (1978-1991). É autor de vários livros sobre a economia brasileira.