O hipertexto: uma máquina de guerra na aprendizagem Joyce Munarski Pernigotti PUCRS, [email protected] Rubem Mário Figueiró Vargas PUCRS, [email protected] Marilú Fontoura de Medeiros PUCRS, marilú@pucrs.br Resumo: O hipertexto é apresentado como um recurso de aprendizagem em EAD mediado por Tecnologias da Informação e Comunicação que produzem agenciamentos transformadores nas formas de produzir conhecimentos e nos modos de que os sujeitos se valem para aprender. Com isso, as reverberações se fazem sentir nos modos de articulação dos espaços educativos e nas concepções de ensino e aprendizagem de alunos e professores. O tratamento dado ao movimento que o hipertexto cria nas cenas educativas é de uma máquina de guerra, de acordo com os sentidos que Deleuze e Guattari dão ao termo, explicitando modos pelos quais a apropriação crítica do conceito de hipertexto vai mobilizando deslocamentos nas concepções dos atores sociais envolvidos no seu uso. Palavras-chave: hipertexualidade, processos de aprendizagem, máquina de guerra. 1. Para um Começo de Conversa A escrita hipertextual, tal como nos aponta Derrida, tornou-se comum a partir da criação de um suporte digital que liberou a escrita do dispositivo fixo do papel, mesmo que a desestruturação do texto fosse experenciada antes. Sempre presente no pensamento humano, a hipertextualidade fica apenas revestida de quantas a partir da criação de tecnologias digitais que desenham horizontes geradores de novas/outras ecologias cognitivas. Costa (2003) nos fala da criação da World Wide Web (WWW) como uma marca de imersão no cosmos da informação, que cria a relação de “muitos para muitos”. Com isso, regiões de imanência se põem a crescer movidas tanto por relações de vizinhança e proximidade, como também mediante saltos aleatórios gerados a partir de movimentos onde cada ponto funciona segundo sua própria potência de criação e difusão de informações e conhecimentos. Movimentos esses que põem em xeque as idéias de origem e princípio e, também, criam novos suportes para a produção do conhecimento. Dias (2003) nos alerta para a distinção que se opera numa escrita em função do suporte que a comporta. “Enquanto inscrição exige um suporte para o traço, seja ele manual ou mecânico, impresso: o papel e, nessa continuidade, o livro. A escrita como rastro é a escrita do original e da origem, onde se jogam noções como as de inédito, de rasura, de original e ainda de autor como outro nome de origem”. Com a escrita eletrônica, porém, acontece o próprio questionamento da escrita enquanto gesto, rastro de um corpo. Para Lévy (1993) a emergência do espaço virtual eletrônico, hospedeiro de um outro tipo de texto - o hipertexto - tem sobre as comunicações um efeito tão radical quanto o efeito de invenção da escrita na sua época. Ainda que a criação de uma nova tecnologia traga consigo as anteriores e não implique no desaparecimento delas produzem-se novas formas de pensamento e criam-se outros tipos de ambientes para a produção e disseminação de conhecimentos. Quando se trata de uma escrita ancorada no computador, fluidez e flexibilidade são marcas instituídas por quem escreve e quem lê. Em nossa perspectiva, assim como na de Pierre Lévy (1993), o hipertexto, tem no rizoma a sua melhor descrição e representação teórica. Enquanto um suporte de organização de informações o hipertexto é instrumento/ ferramenta de expressiva importância numa proposta educacional mediada por Tecnologias de Informação e da Comunicação como é o caso do Programa de EAD, assumindo a condição de um interrogador de pressupostos e conceitos de aprendizagem e de ensino dos atores sociais envolvidos no processo - docentes e estudantes – uma verdadeira máquina de guerra, no dizer de Deleuze e Guattari (1995). Os princípios identificados no rizoma pelos autores são seis, a semelhança dos quais Pierre Lévy caracteriza o hipertexto. Ao apresentar o rizoma, Deleuze e Guattari (1995) descrevem uma série de características aproximativas – princípios - no intuito de melhor se fazerem compreender. Para os autores, o princípio da conexão caracteriza um estado de não seqüencialidade que permite que a qualquer ponto a conexão a outro. Tal característica potencializa a diluição de fronteiras do saber, um determinado tema deixa de ser exclusivo da física, da matemática, das lutas sociais, enfim as coisas são complexas demais para serem observadas de uma única posição. Nela, todos são receptores tanto quanto emissores de mensagens e, muitas vezes, a própria mensagem, desta maneira a rede não tem centro , como ponto pré-definido de origem das mensagens, nem hierarquia. Ao contrario, tem múltiplos centros, como lugares por onde passam mais mensagens que aparecem, crescem, diminuem e desaparecem. Em qualquer parte pode nascer um novo ponto receptor e emissor de mensagens, e crescer ou diminuir em sua atividade (Xavier Llussá, 2002). São formas de “estar com o outro”, de se fazer presente, de participar, de estar no mundo. Essas conexões, ligações são múltiplas e tanto podem ocorrer em meios virtuais como não; muito mais que o meio, abre-se para o “estar no”, o “estar com” e, inclusive, “o estar contra”. A heterogeneidade, um outro princípio rizomático remete à pluralidade de meios que podem constituir um hipertexto, são figuras, animações, sons, escritas, geradores de diferentes olhares exteriores. Estas múltiplas abordagens assim como o uso de diferentes meios para discutir-se um determinado tema faz com que este seja potencializado e não se encerrando em si mesmo, de acordo com um único ponto de vista. O usuário possui uma inteligência visual mais desenvolvida, ele pode abordar um tema apresentado em um hipertexto na forma de diferentes mídias, utilizando-se daquela que melhor seja adequada ao sentido que ele possui e percebe ser o melhor para a sua apropriação do tema em questão. Acima de tudo, busca-se garantir que esse processo constitua a entrada numa cultura virtual e que seja, pela própria natureza flexível e instigante, aberto a contínuas transformações e certos de que o platô alcançado significa somente um espaço de descanso na jornada, elos na complexa rede que, diuturnamente, se abrem e se ampliam no fazer da Educação a Distância (Deleuze, 1999; Deleuze e Guattari, 1995, 1997; Alliez, 1994). Às vezes, somos afetados de uma outra maneira, com outras intensidades; outras, afetamos e não somos afetados, o que não significa estarmos imunes às transformações. São platôs como espaços de descanso, de desafios, de novas escaladas, de descidas íngremes, de construção de pontes. Mediamos e somos atravessados por multiplicidades. Na unicidade, somos heterogêneos. O princípio da multiplicidade está ligado a um constante ressignificar que aumenta as conexões em uma parte do hipertexto. A criação e atualização dos links permitem ampliar dimensões de parte do hipertexto, constituindo dessa forma um plano dessa multiplicidade cuja dimensão é determinada pelas conexões que nele se estabelecem, alterando então a natureza de tal multiplicidade, é o chamado plano de consistência de Deleuze e Guattari (1995). Na defesa de Silvio Gallo (2003) “em seu afã de conhecer o mundo, o homem produz tecnologias de conhecimento, isto é, aparatos, mecanismos, que permitam que examine os aspectos da realidade que deseje transformar em objeto de estudo. (...) Tais tecnologias são produzidas historicamente, de acordo com as possibilidades e problemas de cada momento”. Gilles Deleuze e Félix Guattari (1995) apontam com uma possível resposta, a defesa de um pensamento não arborescente. Descrevem o salto de cada mensagem por sobre múltiplas fendas, fazendo do cérebro uma multiplicidade que mergulha, em seu plano de consistência, num sistema de incerteza probabilística. Embora seja uma metáfora botânica, o paradigma arborescente representa uma concepção mecânica do conhecimento e da realidade, reproduzindo a fragmentação cartesiana do saber, resultado das concepções científicas modernas. O princípio da ruptura a-significante remete à quebra de importância a uma dada dimensão, no sentido em que ele encerra-se em si mesmo, mas que seus desdobramentos levam a outros estados de potência possíveis. Neste princípio os processos de desterritorialização e reterritorialização atuam na direção em que suas linhas se conectam a outras, transformando-lhe tanto em intensidade como em sentido. A sua expressão como fractalidade é, num certo sentido, um instrumento de liberdade, de libertação, porque expõe espaços fechados. Realiza o virtual (e virtualiza o real). Ao viabilizar o virtual através dum programa ecológico generalizado - um programa "ecosófico", como diz Guattari (1992) -, oferece locais de abrigo para os ecossistemas conceptuais mais frágeis - as idéias”. A cartografia, outro princípio do rizoma, associado ao hipertexto reflete a possibilidade de múltiplas entradas, não existindo uma “única porta” para abordar um tema, um link remete a outro e assim por diante. A subjetividade do navegador o dirige dentro de um plano de consistência a trilhar caminhos próprios de acordo com suas motivações e subsídios até então instalados. Nessa linha, Ávila Muñoz (2002) define que “um paradigma de conhecimento mantém-se sólido quando está aberto à mudança. Torna-se definitivo quando investiga a possibilidade de ser provisório. Torna-se competitivo quando coopera. Torna-se consistente quando não elimina de seu processo a possibilidade de aprender e, portanto, de incorporar e administrar transformações. Torna-se forte quando reconhece seus limites e, transcendendo-se a si mesmo, busca a superação. Torna-se significativo quando utiliza o modelo da dinâmica científica para questionar seus processos e inaugurar una pedagogia que identifique os erros em busca da mensagem significativa e com sentido”. O princípio da não-decalcomania orienta o hipertexto no sentido de não-reprodução e não pré-hierarquização das dimensões de um determinado tema. A construção de um determinado conceito pelo navegador, que se dispõe a percorrer o hipertexto, é feita de forma singular por ele mesmo e não da forma como um outro navegador a elaborou. Dessa forma, os níveis de subjetividade determinam o percurso, assim como o processo de aprender. Quando estabelecemos um decalque, fazemos colagens de espectros que buscamos perpetuar. Podem ser regras, exemplos, ações, estruturas, hierarquias, assim como processos altamente definidos a priori e sob os quais desejamos manter total domínio. O convite de Deleuze e Guattari (1995) dirigese, exatamente, a essa não produção de cópias, de colagens estáticas, de desenhos inertes, de estruturas inflexíveis, assumindo a falácia da própria cópia, aceitando os desafios presentes na realidade que se auto-gesta em uma autopoiese constante. 2. O hipertexto e a EAD mediada por Tecnologias da Informação e da Comunicação em busca de tempos-espaços de aprendizagem nômade O entendimento do que é um hipertexto, sua íntima relação com a proposta de EAD e possíveis reverberações emanadas do uso não estavam dados no início do processo de implantação do projeto. O processo de atualização dessa idéia foi se materializando no decorrer do trabalho, fruto do uso, das reflexões e da interpelação de forças do fora, como as que se intencionava acionar quando da publicação dos materiais e sua conseqüente apreciação pelos usuários e observadores, ainda que ele estivesse presente desde a fabricação da primeira versão da página dos cursos. As implicações educativas do suporte computacional, como no caso, oriundas da hipertextualidade é um campo ainda em exploração que põe em evidencia a pragmática comunicacional da sala de aula baseada na lógica da transmissão. A hipertextualidade dá forma a uma antiga demanda de construção da aprendizagem por diferentes caminhos, atendendo a estilos cognitivos dos apreendentes porque permite, ao simples toque, o acesso a formas de expressão diferenciadas de um mesmo conceito. “Guirlanda cintilante” de conceitos que brilham e orientam a extensão do grafo luminoso disparado para a palavra seguinte, é como Lévy (1993) nomeia a imensa rede associativa que constitui o universo mental em metamorfose permanente, gerado a partir de um sentido/ponto/palavra que transforma o mapa do céu e depois desaparece para dar lugar a outras constelações. Essa constelação é a multiplicidade de windows ou as portas, como prefere Gardner (1995), que abrem aos sujeitos diferentes caminhos para edificar seus próprios pontos de vista. Desaparece o privilegiamento do recorte estabelecido pelo professor para construir aprendizagens. A hipertextualidade cria “um conjunto de territórios a serem explorados pelos alunos e disponibiliza a co-autoria e múltiplas conexões, permitindo que o aluno também ‘faça por si mesmo’ (Silva, 2000). A associação imediata que brota é com as dimensões da cognição e metacognição na potencialização de um espaço-tempo que privilegia a aprendizagem. Há, também, um certo consenso no sentido de que o hipertexto possibilita alto grau de autonomia para o usuário, contribuindo para que se expressem estratégias individuais de aprendizagem, tendo o sujeito no “comando” do processo. Enquanto uma tecnologia/ferramenta voltada para a Educação e no próprio cenário de EAD o hipertexto assume o estatuto de uma máquina abstrata que produz agenciamentos para a aprendizagem, no sentido que Deleuze e Guattari dão ao termo. Para esses autores “cada máquina-abstrata é um conjunto consolidado de matérias-funções” (1997, p.227) não composto apenas por substâncias, nem por formas organizadoras, mas por um conjunto de matérias não formadas que só apresentam graus de intensidade e funções diagramáticas. Trata-se de “um conjunto de vizinhanças entre termos heterogêneos independentes” (Guattari, 1992). A emergência do hipertexto funciona como um agenciamento, operando zonas de descodificação nos processos de produção e territorialização do conhecimento e do homem e é gerador de linhas de desterritorialização tanto no(s) mundo(s) que conhecemos como nas formas que nos valemos para conhecê-lo(s). Quando Deleuze e Guattari (1995) tratam das máquinas de guerra, referem-se à relações entre Estado, território e subjetividades, atribuindo aos nômades a invenção de uma máquina que foge ao aparelho do estado e é distinta da instituição militar, por isso, uma máquina de guerra nômade. Dizem que a música e a escrita podem ser máquinas de guerra, dependendo dos agenciamentos que incitam e suas aptidões para criar, desterritorializações e novos planos de consistência. Nossa intenção de qualificar o hipertexto como uma máquina de guerra remete aos agenciamentos desterritorializantes que opera tanto nos processos de aprendizagens dos sujeitos, pela criação de novas ecologias cognitivas, como também pelo potencial interrogador que assume ao questionar os modelos de ensino e aprendizagem até então vigentes que constituem as práticas educativas exercidas pelos atores sociais – professores e estudantes, mostrando as variadas e variáveis relações que assume com a própria guerra, que é o processo de transformação das relações dos sujeitos com o conhecimento. O nomadismo é assumido na sua condição de perpétuo deslocamento, não se localizando em ponto algum, mas atravessando todos eles, que nada mais são do que processos de subjetivação. Mas ainda, quando Deleuze e Guattari (1995, p.109) falam das máquinas de guerra, “que tem por objeto não a guerra, mas o traçado de uma linha de fuga criadora, a composição de um espaço liso e o movimento dos homens nesse espaço”. Desse modo, quando se disponibilizam materiais em forma de hipertexto geram-se ambientes de aprendizagem com o acesso a diversos links, diversos caminhos que incitam o usuário que motivado pela curiosidade descobre diferentes olhares sobre uma mesma temática. Talvez mais importante que isto, desencadeia no usuário uma dimensão de crítica na direção de selecionar o que é e o que não é significativo, favorecendo e estimulando processos metacognitivos, dimensão almejada na arquitetura pedagógica de EAD. Mais, o hipertexto do modo como é concebido na proposta EAD se constitui em algo mais que um texto hipertextualizado, ou hipermidiático. É uma expressão da proposta paradigmática. Um plano de consistência, mesmo que momentâneo, múltiplo, rizomático. Nesse sentido assume o estatuto de máquina de guerra para a aprendizagem, que é nômade, não está em lugar nenhum, mas produz efeitos em todos os lugares, uma vez que se alteram dimensões já dominadas no campo da prática docente, como a distribuição de tempos e de espaços especiais, agora associados ao uso de estratégias educativas com suporte em ferramentas tecnológicas que alteram e amplificam as dimensões de eficiência e de qualidade nos processos educativos; todavia, temos presente que essas mediações, se entendidas em seus fins, não são suficientes à instauração de transformações de fundo, assim como do “dar conta” das possibilidades de aprendizagem (Moran, 2003). O espaço liso do hipertexto tem uma heterogeneidade que não procede por estriagem de linhas perpendiculares e verticais como a página em branco, mas se converte em um singular plano de composição, uma bricolagem de elementos diferentes, que se revela como espelho textual da ilimitada riqueza diferencial dos corpos. (Navarro, 2003) Os recursos telemáticos acionam diferentes mídias e suporte em intercomplementariedade cada vez mais intensa, combinando ao texto sons, imagens e animações, configurando-se uma nova linguagem, que reverbera no mundo do conhecimento tanto no que diz respeito a transmissão ou a geração. Essas possibilidades criam um modelo que, além de rizomático, “é problemático e não teoremático: as figuras só são consideradas em função das afecções que lhes acontecem, secções, ablações, adjunções, projeções” (Deleuze e Guattari, 1995, p.25) criando verdadeiros labirintos que abrem infinitas portas para ampliar conhecimentos que se geram a partir de uma conexão que gera um nexo para o usuário. É pelo uso de um material hipertextual que se propõe a discussão do hipertexto. A figura que segue se propõe a demonstrar, com as limitações de material impresso, a estrutura disponibilizada como um convite à navegação por parte do docente participante do curso de capacitação docente em EAD. Figura 1: Material didático sobre hipertexto O material, atendendo aos princípios descritos para o rizoma por Deleuze e Guattari, evidencia o a-centrismo que oferece de forma não linearizada diferentes portas de entrada – parte central da figura, a heterogeneidade das mídias que incluem figuras em movimento, sons, a múltipla conexão que abrange links internos e à rede WWW e reúne posicionamentos de diferentes autores a respeito do tema. Com isso, fica privilegiada a dimensão da liberdade e autonomia dos usuários do material em construir caminhos singulares rumo a construção do conceito em questão. A modalidade escolhida para instigar e oferecer meios para a discussão acerca das potencialidades do hipertexto em um processo educativo mediado por tecnologias da informação e da comunicação, qual seja, proporcionar uma experiência na qual forma e conteúdo se imbricam, tem se revelado produtiva na busca de migração para uma cultura virtual dos docentes, ocasionando uma importante apropriação do potencial multimidiático. A condição de pôr em cena, no debate com professores as potencialidades e usos dos materiais hipertextuais, tem sistematicamente gerado questionamentos que se relacionam diretamente aos conceitos implícitos e explícitos que os docentes têm da cena educativa e a questão-problema emergente é: o hipertexto não oferece o risco do aluno se perder? Uma resposta apriorística que aparece é a necessidade de um fio do tipo de Ariadne na mitologia do labirinto, que permitiria a Teseu voltar no labirinto de informações em que adentrou para reconstituir seu caminho e construir/reconstruir suas aprendizagens. Pensando assim, o perigo de se perder, poderia ser controlado, se é que se pode considerar essa perspectiva, por uma limitação no hipertexto – um material hipertextual auto contido preparado pelo professor - ou pela própria aparentemente possível “condução” pelo professor do processo. Tais afirmações põem em relevo, embora de modos distintos, concepções que situam o professor no centro do processo de ensino e de aprendizagem, deixando para o aluno a possibilidade de seguir os caminhos previamente traçados pelo professor para aprender, concepções que, há muito tempo, parecem “coladas” em grande parte das práticas educativas que ainda hoje são mantidas. Muitas vezes, elas desconsideram as infinitas possibilidades dos sujeitos para construírem suas aprendizagens. Para Navarro (2003) “o labirinto hipertextual é provavelmente repetição, como eterno retorno, mas da diferença, não do mesmo, senão de uma diferença mínima, unicamente espaço-temporal, como um “mise en abisme” ainda que agora imanente e rizomático”. A navegação na rede “já não é o mesmo que muda mas senão o outro que retorna.” Ele afirma que o modo heterogeneamente conectado de apresentar informações “é o giro aristotélico da pós modernidade, a grande diferença com o pensamento clássico: o espaço e o tempo são os produtores da variação, a diferença de cada caminho no tempo da repetição, este dar voltas constantes por um espaço confuso e contraditório que se apresenta.” O movimento migratório dos professores que se viram instados a penetrar na cultura virtual e a construir materiais didáticos hipertextuais encontrou sustento em oficinas, onde se trabalham questões como virtualidade, potencialidades deste meio, multimídias, hipertexto e hipermídias. Ações como essas de oferecer situações-problema como um convite à reflexão acerca dos potenciais espaços de produção hipertextual sob certo aspecto podem configurar um fio de Ariadne, no sentido de servirem de um guia aberto para a construção do conceito e das produções. O uso de animações, de figuras, de textos interconectados em hipertextos utilizados como agentes no processo de aprendizagem em meio às videoconferências e às intervenções mediante ferramentas de comunicação como Chat e Fórum, ampliaram em multiplicidade o ambiente de aprendizagem constituído, transformando-o. Tais mutações reverberam também obviamente no aprendizado realizado pelos estudantes, que observam a busca por parte dos professores de outros patamares de qualidade (Vargas et. al., 2003). 3. Platô de descanso, a espera de novos ventos Um dos desafios a que nos colocamos foi o de romper com essa idéia de ajuste ao modelo, de cópia, de instrumentalização, mesmo que de ponta, de altíssimo nível e complexidade. O que nos preocupava era como se daria essa instituição de subjetividades, a partir de experiências no campo da virtualidade, fossem elas presenciais ou não presenciais. Para tanto, fomos buscar nas leituras-experiência de Deleuze em Nietzsche e Espinosa, as condições, os acontecimentos que nos permitiriam gerar fluxos, inclusive em nós mesmos, fluxos esses geradores de novos acontecimentos. Acontecimentos que evidenciassem nossa vontade de potência, assim como nossa condição de ser afetado, relacionado ao poder de agir, de atualizar. Não nos interessava operar somente com a idéia de cópia; interessava sim, a dimensão de criação. A perspectiva adotada para a construção de espaço hipertextual volta-se para ações promotoras de operadores de potências, devires que se instauram nas microinterações. São ações moleculares que têm seus efeitos em campo e espectro macro, molar. São processos ou vontade de potência que dirigem e medeiam nossas ações, que se instituem a partir desse desafio de criação de uma cultura virtual e, nela, a constituição de comunidades de aprendizagem. A comunidade de aprendizagem constituída pelos professores, monitores, tutores tensiona, pressiona, questiona, funda o movimento de atualização por meio da diferença enquanto criação (Pernigotti et al., 2003). Assim, no jogo de análise das práticas presentes em EAD, buscamos evidenciar que “o virtual não é uma degradação do ser – não é a limitação ou cópia do ideal no real [opondo-se ao platonismo] – mas, ao contrário, a atualização de Bergson é a produção positiva da realidade e multiplicidade do mundo, (...) como uma atualização no tempo (...) oferecendo uma crítica adequada da noção de possível (Hardt, 1996, p. 46-48). Com essa perspectiva, o virtual tem a realidade de uma tarefa a ser cumprida e a partir da qual a existência é produzida num tempo e num espaço especial. A construção da noção de hipertexto, em desenvolvimento em EAD, assume a forma de um tutorial hipertextualizado que, além de colocar o aluno como centro do processo de aprendizagem, provoca concomitantemente a reflexão sobre sua forma e conteúdo. Cada sujeito da aprendizagem reconstrói seu caminho ou seus múltiplos caminhos, gerando multiplicidades. Nesse caso, assim como em muitas experiências vividas, o virtual passa, assim, de uma região a outra, sem jamais se esgotar, criando, em cada lugar, não apenas novidades de contexto, mas também novidades que se repetem ou variam segundo sua relevância em outros contextos ou com outros objetos (Rajchmann, 2000). É algo do afetar e ser afetado, que Deleuze retoma de Nietsche e Espinosa (Hardt, 1996). A atualização do paradigma, não como um espaço de repetição, mas de diferenciação e criação fica exposta desde a página inicial, quando o remetimento à proposição de navegação se organiza de modo não-linear, hierárquico, mas rizomático. Trata-se de uma atualização, na medida em que o campo de possibilidades que se descortina ao navegador/aluno não pressupõe um único caminho, nem uma hierarquia na navegação, mas, ao contrário, se vale e potencializa pela imagem e sentido, da multiplicidade (Deleuze e Guattari, 1995a). A aprendizagem é um processo que está sempre no meio, é movida e instada em movimentos migratórios, compondo novas cartografias, povoando espaços vazios e produzindo outros. É uma potência nomádica que se desloca permanentemente gerando imanências. Os fluxos, as intensidades, as afetações, os perceptos e as cognições mobilizados pela máquina de guerra, que constitui o “novo” suporte hipertextual não almeja totalizações ou mecanismos de captura que os unifiquem, tão somente abre à exploração dimensões para a “navegação” do rato no labirinto. 4. Bibliografia ALLIEZ, Eric. A assinatura do mundo. O que é a filosofia de Deleuze e Guattari. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1994. ÁVILA MUÑOZ, Patricia. 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