TEXTO PARA AS PRÓXIMAS 6 QUESTÕES:
MULHER BOAZINHA
(Martha Medeiros)
Qual o elogio que uma mulher adora receber 1?
2Bom, se você está com tempo, pode-se listar aqui uns setecentos: mulher adora que verbalizem seus
atributos, sejam eles físicos ou morais.
Diga que ela é uma mulher inteligente3, 4e ela irá com a sua cara.
Diga que ela tem um ótimo caráter e um corpo que é uma provocação, e ela decorará o seu número.
Fale do seu olhar, da sua pele, do seu sorriso, da sua presença de espírito, da sua aura de mistério, de
como ela tem classe: ela achará você muito observador e lhe dará uma cópia da chave de casa.
5Mas não pense que o jogo está ganho6: manter o cargo vai depender da sua perspicácia para encontrar
novas qualidades nessa mulher poderosa, absoluta.
7Diga que ela cozinha melhor que a sua mãe, que ela tem uma voz que faz você pensar obscenidades, que
8ela é um avião no mundo dos negócios.
Fale sobre sua competência, seu senso de oportunidade, seu bom gosto musical.
Agora 9quer ver o mundo cair 10?
Diga que ela é muito boazinha.
Descreva aí uma mulher boazinha.
Voz fina, roupas pastel, calçados rente ao chão.
Aceita encomendas de doces, contribui para a igreja, cuida dos sobrinhos nos finais de semana.
Disponível, serena, previsível, nunca foi vista negando um favor.
11Nunca teve um chilique.
12Nunca colocou os pés num show de rock.
É queridinha.
Pequeninha.
Educadinha.
13Enfim, uma mulher boazinha.
Fomos boazinhas por séculos.
Engolíamos tudo e fingíamos não ver nada, ceguinhas.
Vivíamos no nosso mundinho, 14rodeadas de panelinhas e nenezinhos.
A vida feminina era esse frege: bordados, paredes brancas, crucifixo em cima da cama, tudo certinho.
Passamos um tempão assim, comportadinhas, enquanto íamos alimentando um desejo incontrolável de
virar a mesa.
15Quietinhas, mas inquietas.
16Até que chegou o dia em que deixamos de ser as coitadinhas.
Ninguém mais fala em namoradinhas do Brasil: somos atrizes, estrelas, profissionais.
Adolescentes não são mais brotinhos: são garotas da geração teen.
Ser chamada de patricinha é ofensa mortal.
Pitchulinha é coisa de retardada.
Quem gosta de diminutivos, definha.
Ser boazinha não tem nada a ver com ser generosa.
17Ser boa é bom, ser boazinha é péssimo.
As boazinhas não têm defeitos.
Não têm atitude.
Conformam-se com a coadjuvância.
PH neutro.
Ser chamada de boazinha, mesmo com a melhor das intenções, é o pior dos desaforos.
Mulheres bacanas, complicadas, batalhadoras, persistentes, ciumentas, apressadas, é 18isso que somos
hoje.
Merecemos adjetivos velozes, produtivos, enigmáticos.
As “inhas” não moram mais aqui.
Foram para o espaço, sozinhas.
(Disponível em: http://pensador.uol.com.br/frase/NTc1ODIy/ acesso em 28/03/14)
1. (AFA 2015) Observe as inferências feitas a partir da leitura global do texto e assinale a alternativa que contém uma
afirmação INCORRETA.
a) “Diga que ela cozinha melhor que a sua mãe” (ref. 7) é um argumento forte de valorização de uma mulher, já que
há uma crença de que os homens consideram suas mães sempre as melhores cozinheiras de suas vidas.
b) Depois que o homem ganha uma mulher através dos elogios certos, nas horas certas e que se referem aos atributos
mais valorizados por ela, a conquista está garantida e o relacionamento está destinado ao sucesso.
c) As mulheres hoje querem receber os elogios que as tratem como bacanas, complicadas, batalhadoras, persistentes,
ciumentas, apressadas, velozes, produtivas e enigmáticas.
d) Ao dizer que “as ‘inhas’ não moram mais aqui” e que “foram para o espaço, sozinhas”, o locutor afirma que as
mulheres boazinhas perderam seu lugar social e ainda por cima ficaram sozinhas.
2. (AFA 2015) Analise as assertivas feitas em relação ao que se discute no texto e as inferências possíveis acerca
dessa discussão.
Julgue-as como adequadas ou inadequadas. Em seguida, assinale a alternativa que contém apenas assertivas
adequadas.
I. As mulheres gostam de receber elogios e, quando os recebem, aceitam-nos e ficam mais receptivas não se
preocupando muito com a veracidade deles.
II. A expressão “bom” (ref.2) é própria da linguagem oral e se encontra nesse texto escrito com o objetivo de chamar
o leitor para estar mais próximo do locutor.
III. As expressões “e ela irá com a sua cara” (ref.4), “ela é um avião no mundo dos negócios” (ref.8) e “quer ver o
mundo cair” (ref.9) foram empregadas para tornar o texto acessível a todo tipo de leitor, inclusive aos menos
escolarizados.
IV. No trecho que vai do parágrafo 3 ao final do parágrafo 8, o texto se apresenta com características injuntivas, ou
seja, instruem o leitor a agir de uma forma que, segundo o locutor, irá causar boa impressão nas mulheres.
V. “Namoradinha do Brasil” era um título concedido a celebridades que se encaixavam no perfil de mulher “boazinha”,
ou seja, aquela que “nunca teve um chilique” (ref.11) que “nunca colocou os pés num show de rock” (ref.12), que
vivia “rodeada de panelinhas e nenezinhos” (ref.14) e, principalmente, conservava-se solteira para manutenção
do título.
VI. As mulheres hoje em dia, para serem valorizadas, não podem e não devem aceitar elogios que as associem às
tarefas domésticas e aos seus atributos que não sejam aqueles relacionados à sua competência e ao seu novo
papel na sociedade moderna.
a) I, IV e VI
b) I, II, IV e V
c) I, II e IV
d) II, III e VI
3. (AFA 2015) O principal objetivo do texto é:
a) mostrar como as mulheres, após séculos de submissão, conquistaram o respeito masculino.
b) descrever um perfil feminino que não é mais desejável nos dias de hoje.
c) analisar o processo de libertação das mulheres que hoje assumem o controle de suas vidas.
d) instruir a mulher a não mais se adequar a um ideal de submissão e passividade.
4. (AFA 2015) Segundo o locutor, a mulher
a) de qualquer época, adora ser lembrada principalmente por seus atributos físicos.
b) era conformada com a situação na qual vivia, surgindo assim, por exemplo, as patricinhas.
c) sempre ansiou expressar suas convicções, preferências e temperamentos.
d) é chamada de boazinha porque gosta de cultivar a imagem de serena, educada e santa.
5. (AFA 2015) Assinale a alternativa que apresenta uma análise correta acerca de aspectos linguísticos tratados no
texto.
a) A função poética da linguagem se faz presente no texto por meio da repetição do sufixo -inha que, através da
sonoridade, expressa depreciação.
b) O emprego da vírgula que antecede o conectivo na referência 3 não está de acordo com a norma padrão; seu uso
foi decorrente da predominância da norma popular da língua.
c) Os dois pontos foram utilizados na referência 6 para indicar a supressão da conjunção subordinativa causal.
d) O predomínio da função metalinguística da linguagem no texto se manifesta nas interrogações presentes nas
referências 1 e 10.
6. (AFA 2015) Há, no texto, o predomínio da variante coloquial da língua. O único trecho abaixo que NÃO corrobora
com essa afirmativa é:
a) “Nunca teve um chilique.”
b) “Descreve aí uma mulher boazinha.”
c) “Pitchulinha é coisa de retardada.”
d) “Ser boa é bom, ser boazinha é péssimo.”
TEXTO PARA AS PRÓXIMAS 3 QUESTÕES:
Véspera de um dos muitos feriados em 2009 e a insana tarefa de mover-se de um bairro a outro em São
Paulo para uma reunião de trabalho. Claro 11que a cidade já tinha travado no meio da tarde. De táxi, pagaria uma
fortuna para ficar parada e chegar atrasada, 6pois até as vias alternativas que os taxistas conhecem estavam
entupidas. De ônibus, nem o corredor funcionaria, tomado pela fila dos 1mastodônticos veículos. Uma dádiva: eu não
estava de carro. Com as pernas livres dos pedais do automóvel e um sapato baixo, nada como viver a liberdade de
andar a pé. Carro já foi sinônimo de liberdade, mas não contava com o congestionamento.
Liberdade de verdade é trafegar entre os carros, e mesmo sem apostar corrida, observar que o automóvel
na rua anda à mesma velocidade média que você na calçada. É quase como 2flanar. Sei, como motorista, 12que o
mais irritante do trânsito é quando o pedestre naturalmente te ultrapassa. Enquanto você, no carro, gasta dinheiro
para encher o ar de poluentes, esquentar o planeta e chegar atrasado às reuniões. E ainda há quem pegue
congestionamento para andar de esteira na academia de ginástica.
Do Itaim ao Jardim Paulista, meia horinha de caminhada. Deu para ver que a Avenida Nove de Julho está
cheia de mudas crescidas de pau-brasil. E mais uma 3porção de cenas 13que só andando a pé se pode observar. Até
chegar ao compromisso pontualmente.
Claro 14que há pedras no meio do caminho dos pedestres, e muitas. 7Já foram inclusive objeto de teses
acadêmicas. Uma delas, Andar a pé: um modo de transporte para a cidade de São Paulo, de Maria Ermelina Brosch
Malatesta, sustenta que, 8apesar de ser a saída mais utilizada pela população nas atuais condições de esgotamento
dos sistemas de mobilidade, o modo de transporte a pé é tratado de forma inadequada pelos responsáveis por
administrar e planejar o município.
As maiores reclamações de quem usa o mais simples e barato meio de locomoção são os
“obstáculos” que aparecem pelo caminho: bancas de camelôs, bancas de jornal, lixeira, postes. Além das calçadas
estreitas, com buracos, degraus, desníveis. E o estacionamento de veículos nas calçadas, mais a entrada e a saída
em guias rebaixadas, aponta o estudo.
Sem falar nas estatísticas: atropelamentos correspondem a 14% dos acidentes de trânsito. Se o acidente
envolve vítimas fatais, o percentual sobe para nada menos 15que 50% - o que atesta a falta de investimento público
no transporte a pé.
Na Região Metropolitana de São Paulo, as viagens a pé, com extensão mínima de 500 metros,
correspondem a 34% do total de viagens. Percentual parecido com o de Londres, de 33%. Somadas aos 32% das
viagens realizadas por transporte coletivo, que são iniciadas e concluídas por uma viagem a pé, perfazem o total de
66% das viagens! Um número bem 4desproporcional ao espaço destinado aos pedestres e ao investimento público
destinado a eles, especialmente em uma cidade como São Paulo, onde o transporte individual motorizado tem a
5primazia.
A locomoção a pé acontece tanto nos locais de maior densidade – caso da área central, com registro de
dois milhões de viagens a pé por dia –, como nas regiões mais distantes, onde são maiores as deficiências de
transporte motorizado e o perfil de renda é menor. A maior parte das pessoas que andam a pé tem poder aquisitivo
mais baixo. Elas buscam alternativas para enfrentar a condução cara, desconfortável ou lotada, o ponto de ônibus ou
estação distantes, a demora para a condução passar e a viagem demorada.
9Já em bairros nobres, como Moema, Itaim e Jardins, por exemplo, é fácil ver carrões que saem das
garagens para ir de uma esquina a outra e disputar improváveis vagas de estacionamento. A ideia é manter-se fechado
em shoppings, boutiques, clubes, academias de ginástica, escolas, escritórios,10 porque o ambiente lá fora – o nosso
meio ambiente urbano – dizem que é muito perigoso.
(Amália Safatle. http://terramagazine.terra.com.br,
15/07/2009. Adaptado.)
7. (ITA 2011) Sob o ponto de vista da autora, pode-se inferir que as políticas públicas para o transporte urbano em
São Paulo são
a) imperceptíveis.
b) inexistentes.
c) inoperantes.
d) ineficientes.
e) iniciantes.
8. (ITA 2011) De acordo com o texto, pode-se afirmar que
a) em São Paulo, os acidentes fatais de trânsito são decorrentes da má administração pública.
b) Londres é uma das cidades consideradas exemplo de gestão política no transporte individual.
c) em bairros carentes, o transporte coletivo é pior, embora em São Paulo tenha prioridade
administrativa.
d) todos os usuários de transporte motorizado em São Paulo são também praticantes de transporte a
pé.
e) moradores de bairros periféricos de São Paulo necessitam de maior investimento em transporte
público.
9. (ITA 2011) Do relato da experiência da autora na véspera de feriado, não se pode depreender que
a) os congestionamentos são inevitáveis.
b) o trânsito dificulta o cumprimento de horários.
c) é preferível andar a pé a andar de carro.
d) o uso de táxi é tão ineficiente quanto o ônibus.
e) o problema do trânsito decorre exclusivamente do transporte individual motorizado.
10. (ITA 2014) A questão refere-se ao texto de Ruy Castro.
Ritos
Nos filmes americanos do passado, quando alguém estava falando ao telefone e a linha de repente era
cortada, a pessoa batia repetidamente no gancho, dizendo “Alô? Alô?”, para ver se o outro voltava. Nunca vi uma
linha voltar por esse processo, nem no cinema, nem na vida real, mas era assim que os atores faziam.
Assim como acontecia também com o ato de o sujeito enfiar a carta dentro do envelope e lamber este
envelope para fechá-lo. Era formidável a “nonchalance” com que os atores lambiam envelopes no cinema americano
– a cola devia ser de primeira. Nos nossos envelopes, se não aplicássemos a possante goma arábica, as cartas
chegariam abertas ao destino.
Outra coisa que sempre me intrigou nos velhos filmes era: o sujeito recebia um telegrama ou mensagem de
um boy, enfiava a mão no bolso lateral da calça e já saía com uma moeda no valor certo da gorjeta, que ele atirava
ao ar e o garoto pegava com notável facilidade. Ninguém tirava a moeda do bolsinho caça-níqueis, que é onde os
homens costumam guardar moedas.
E ninguém tirava também um cigarro do maço e o levava à boca. Tirava-o da cigarreira ou de dentro do
bolso mesmo, da calça ou do paletó. Ou seja, nos velhos filmes americanos, as pessoas andavam com os cigarros
soltos pelos bolsos. Acho que era para não mostrar de graça, para milhões, a marca impressa no maço.
Já uma coisa que nunca entendi era por que todo mundo só entrava no carro pelo lado do carona e tinha
de vencer aquele banco imenso, passando por cima das marchas, para chegar ao volante. Não seria mais prático, já
que iriam dirigir, entrar pelo lado do motorista? Seria. Mas Hollywood, como tantas instituições, em Roma, Tegucigalpa
ou Brasília, tinha seus ritos. E vá você entender os ritos, sacros ou profanos.
(Em: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz2707200805.htm, 27/07/2009)
Nonchalance: indiferença, desinteresse.
Tegucigalpa: capital de Honduras.
O texto é uma crítica
a) à artificialidade dos ritos no cinema e na vida real.
b) às produções hollywoodianas.
c) à ausência de publicidade nos filmes.
d) à qualidade dos produtos americanos.
e) ao funcionamento de aparelhos tecnológicos.
TEXTO PARA AS PRÓXIMAS 3 QUESTÕES:
A(s) questão(ões) a seguir refere(m)-se ao seguinte texto, de Manuel Bandeira, publicado em 1937.
15Não há hoje no mundo, em qualquer domínio de atividade artística, um artista cuja arte contenha maior
universalidade que a de Charles Chaplin. A razão vem de que o tipo de Carlito é uma dessas criações que, salvo
1idiossincrasias muito raras, interessam e agradam a toda a gente. Como os heróis das lendas populares ou as
personagens das velhas farsas de 2mamulengo.
8Carlito é popular no sentido mais alto da palavra. 9Não saiu completo e definitivo da cabeça de Chaplin: foi
uma criação em que o artista procedeu por uma sucessão de tentativas e erradas.
20Chaplin observava sobre o público o efeito de cada detalhe.
Um dos traços mais característicos da pessoa física de Carlito foi achado casual. Chaplin certa vez lembrouse de arremedar a marcha desgovernada de um 3tabético. 10O público riu: estava fixado o andar habitual de Carlito.
O vestuário da personagem – fraquezinho humorístico, calças lambazonas, botinas escarrapachadas,
cartolinha – também se fixou pelo consenso do público.
Certa vez que Carlito trocou por outras as botinas escarrapachadas e a clássica cartolinha, 11o público não
achou graça: estava desapontado. 14Chaplin eliminou imediatamente a variante. Sentiu com o público que ela destruía
a unidade física do tipo. 21Podia ser jocosa também, mas não era mais Carlito.
Note-se que essa indumentária, que vem dos primeiros filmes do artista, não contém nada de especialmente
extravagante. 16Agrada por não sei quê de elegante que há no seu ridículo de miséria. Pode-se dizer que Carlito
possui o 4dandismo do grotesco.
Não será exagero afirmar que toda a humanidade viva colaborou nas salas de cinema para a realização da
personagem de Carlito, como ela aparece nessas estupendas obras-primas de humour que são O Garoto, Ombro
Arma, Em Busca do Ouro e O Circo.
22Isto por si só atestaria em Chaplin um extraordinário dom de discernimento psicológico. Não obstante, se
não houvesse nele profundidade de pensamento, lirismo, ternura, seria levado por esse processo de criação à
vulgaridade dos artistas medíocres que condescendem com o fácil gosto do público.
23Aqui é que começa a genialidade de Chaplin. Descendo até o público, não só não se vulgarizou, mas ao
contrário ganhou maior força de emoção e de poesia. A sua originalidade extremou-se. Ele soube isolar em seus
dados pessoais, em sua inteligência e em sua sensibilidade de exceção, os elementos de irredutível humanidade.
Como se diz em linguagem matemática, pôs em evidência o fator comum de todas as expressões humanas. O olhar
de Carlito, no filme O Circo, para a brioche do menino faz rir a criançada como um gesto de gulodice engraçada. Para
um adulto pode sugerir da maneira mais dramática todas as categorias do desejo. A sua arte simplificou-se ao mesmo
tempo que se aprofundou e alargou. 12Cada espectador pode encontrar nela o que procura: o riso, a crítica, o lirismo
ou ainda o contrário de tudo isso.
Essas reflexões me acudiram ao espírito ao ler umas linhas da entrevista fornecida a Florent Fels pelo pintor
Pascin, búlgaro naturalizado americano. Pascin não gosta de Carlito e explicou que 17uma fita de Carlito nos Estados
Unidos tem uma significação muito diversa da que lhe dão fora de lá. Nos Estados Unidos Carlito é o sujeito que não
sabe fazer as coisas como todo mundo, que não sabe viver como os outros, não se acomoda em meio algum, – em
suma um inadaptável. O espectador americano ri satisfeito de se sentir tão diferente daquele sonhador ridículo. É isto
que faz o sucesso de Chaplin nos Estados Unidos. Carlito com as suas lamentáveis aventuras constitui ali 19uma lição
de moral para educação da mocidade no sentido de preparar uma geração de homens hábeis, práticos e bem
quaisquer!
Por mais ao par que se esteja do caráter prático do americano, do seu critério de sucesso para julgamento
das ações humanas, do seu gosto pela estandardização, não deixa de surpreender aquela interpretação moralista
dos filmes de Chaplin. Bem examinadas as coisas, não havia motivo para surpresa. 13A interpretação cabe
perfeitamente dentro do tipo e mais: o americano bem verdadeiramente americano, o que veda a entrada do seu
território a doentes e estropiados, o que propõe o pacto contra a guerra e ao mesmo tempo assalta a Nicarágua, não
poderia sentir de outro modo.
Não importa, não será menos legítima a concepção contrária, tanto é verdade que tudo cabe na humanidade
vasta de Carlito. Em vez de um fraco, de um pulha, de um inadaptável, posso eu interpretar Carlito como um herói.
Carlito passa por todas as misérias sem lágrimas nem queixas. Não é força isto? Não perde a bondade apesar de
todas as experiências, e no meio das maiores privações acha um jeito de amparar a outras criaturas em aperto. Isso
é 5pulhice?
Aceita com 6estoicismo as piores situações, dorme onde é possível ou não dorme, come sola de sapato
cozida como se se tratasse de alguma língua do Rio Grande. É um inadaptável?
Sem dúvida não sabe se adaptar às condições de sucesso na vida. Mas haverá sucesso que valha a força
de ânimo do sujeito sem nada neste mundo, sem dinheiro, sem amores, sem teto, quando ele pode agitar a bengalinha
como Carlito com um gesto de quem vai tirar a felicidade do nada? Quando um ajuntamento se forma nos filmes, os
transeuntes vão parando e acercando-se do grupo com um ar de curiosidade interesseira. Todos têm uma fisionomia
preocupada. Carlito é o único que está certo do prazer ingênuo de olhar.
Neste sentido Carlito é um verdadeiro professor de heroísmo. Quem vive na solidão das grandes cidades
não pode deixar de sentir intensamente o influxo da sua lição, e uma simpatia enorme nos prende ao boêmio nos
seus gestos de aceitação tão simples.
Nada mais heroico, mais comovente do que a saída de Carlito no fim de O Circo. Partida a companhia, em
cuja troupe seguia a menina que ele ajudara a casar com outro, Carlito por alguns momentos se senta no círculo que
ficou como último vestígio do picadeiro, refletindo sobre os dias de barriga cheia e relativa felicidade sentimental que
acabava de desfrutar. Agora está de novo sem nada e inteiramente só. Mas os minutos de fraqueza duram pouco.
Carlito levanta-se, dá um puxão na casaquinha para recuperar a linha, faz um 7molinete com a bengalinha e sai campo
afora sem olhar para trás. Não tem um vintém, não tem uma afeição, não tem onde dormir nem o que comer. No
entanto vai como um conquistador pisando em terra nova. Parece que o Universo é dele. E não tenham dúvida: o
Universo é dele.
Com efeito, Carlito é poeta.
(Em: Crônicas da Província do Brasil. 1937.)
1idiossincrasia:
maneira de ser e de agir própria de cada pessoa.
fantoche, boneco usado à mão em peças de teatro popular ou infantil.
3tabético: que tem andar desgovernado, sem muita firmeza.
2mamulengo:
4dandismo:
relativo ao indivíduo que se veste e se comporta com elegância.
safadeza, canalhice.
6estoicismo: resignação com dignidade diante do sofrimento, da adversidade, do infortúnio.
7molinete: movimento giratório que se faz com a espada ou outro objeto semelhante.
5pulhice:
11. (ITA 2014) De acordo com Bandeira,
a) Carlito é essencialmente triste, apesar de não demonstrar.
b) o público se identifica com Carlito, porque ele representa um tipo universal de simplicidade.
c) Carlito faz sucesso nos Estados Unidos, porque é sonhador como os americanos.
d) Carlito representa o lado heroico do ser humano, embora isso não seja explicitado em seus filmes.
e) Carlito representa o lado debochado e despojado do ser humano, daí seu grande sucesso.
12. (ITA 2014) Segundo Bandeira, o comportamento de Carlito é “uma lição de moral para educação da mocidade”
(ref. 19), porque:
a) contribui como modelo para a formação de pessoas hábeis e práticas.
b) reforça a interpretação moral das pessoas, já que desejam se parecer com o personagem.
c) o personagem é contraditório e as pessoas se identificam com isso.
d) o personagem exibe uma grande humanidade.
e) as pessoas rejeitam para si as características do personagem.
13. (ITA 2014) Considerando a estrutura do texto, pode-se dizer que Bandeira
I. vale-se de outro texto para refletir sobre a recepção do público americano aos filmes de Chaplin.
II. considera fatos da época para refletir sobre o comportamento dos americanos.
III. descreve cenas de filmes para enaltecer a criação de Chaplin.
IV. usa recursos linguísticos, como perguntas retóricas e adjetivos, para reforçar seu ponto de vista.
Está(ão) correta(s)
a) apenas I e II.
b) apenas I, II e IV.
c) apenas II, III e IV.
d) apenas III e IV.
e) todas.
TEXTO PARA A PRÓXIMA QUESTÃO:
Do bom uso do relativismo
Hoje, pela multimídia, imagens e gentes do mundo inteiro nos entram pelos telhados, portas e janelas e
convivem conosco. É o efeito das redes globalizadas de comunicação. A primeira reação é de perplexidade que pode
provocar duas atitudes: ou de interesse para melhor conhecer, que implica abertura e diálogo, ou de distanciamento,
que pressupõe fechar o espírito e excluir. De todas as formas, surge uma percepção incontornável: nosso modo de
ser não é o único. Há gente que, sem deixar de ser gente, é diferente.
Quer dizer, nosso modo de ser, de habitar o mundo, de pensar, de valorar e de comer não é absoluto. Há
mil outras formas diferentes de sermos humanos, desde a forma dos esquimós siberianos, passando pelos yanomamis
do Brasil, até chegarmos aos sofisticados moradores de 1Alphavilles, onde se resguardam as elites opulentas e
amedrontadas. O mesmo vale para as diferenças de cultura, de língua, de religião, de ética e de lazer.
Deste fato surge, de imediato, o relativismo em dois sentidos: primeiro, importa relativizar todos os modos
de ser; nenhum deles é absoluto a ponto de invalidar os demais; impõe-se também a atitude de respeito e de acolhida
da diferença porque, pelo simples fato de estar-aí, goza de direito de existir e de co-existir; segundo, o relativo quer
expressar o fato de que todos estão de alguma forma relacionados. 3Eles não podem ser pensados
independentemente uns dos outros, porque todos são portadores da mesma humanidade.
Devemos alargar a compreensão do humano para além de nossa concretização. Somos uma geo-sociedade
una, múltipla e diferente.
Todas estas manifestações humanas são portadoras de valor e de verdade. Mas são um valor e uma
verdade relativos, vale dizer, relacionados uns aos outros, autoimplicados, sendo que nenhum deles, tomado em si,
é absoluto.
Então não há verdade absoluta? Vale o 2everything goes de alguns pós-modernos? Quer dizer, o “vale
tudo”? Não é o vale tudo. Tudo vale na medida em que mantém relação com os outros, respeitando-os em sua
diferença. Cada um é portador de verdade mas ninguém pode ter o monopólio dela. Todos, de alguma forma,
participam da verdade. Mas podem crescer para uma verdade mais plena, na medida em que mais e mais se abrem
uns aos outros.
Bem dizia o poeta espanhol António Machado: “Não a tua verdade. A verdade. Vem comigo buscá-la. A tua,
guarde-a”. Se a buscarmos juntos, no diálogo e na cordialidade, então mais e mais desaparece a minha verdade para
dar lugar à Verdade comungada por todos.
A ilusão do Ocidente é de imaginar que a única janela que dá acesso à verdade, à religião verdadeira, à
autêntica cultura e ao saber crítico é o seu modo de ver e de viver. As demais janelas apenas mostram paisagens
distorcidas. Ele se condena a um fundamentalismo visceral que o fez, outrora, organizar massacres ao impor a sua
religião e, hoje, guerras para forçar a democracia no Iraque e no Afeganistão.
Devemos fazer o bom uso do relativismo, inspirados na culinária. Há uma só culinária, a que prepara os
alimentos humanos. Mas ela se concretiza em muitas formas, as várias cozinhas: a mineira, a nordestina, a japonesa,
a chinesa, a mexicana e outras. Ninguém pode dizer que só uma é a verdadeira e gostosa e as outras não. Todas
são gostosas do seu jeito e todas mostram a extraordinária versatilidade da arte culinária.
Por que com a verdade deveria ser diferente?
LEONARDO BOFF
http://alainet.org
Vocabulário:
ref. 1: Alphavilles: condomínios de luxo
ref. 2: everything goes: literalmente, “todas as coisas vão”; equivale à expressão “vale tudo”
14. (Uerj 2009) O título do texto de Leonardo Boff fala do bom uso do relativismo. Pode-se inferir, então, que haveria
um relativismo negativo, que o autor condenaria.
Transcreva o trecho em que o autor alude ao tipo de relativismo que ele rejeita. Em seguida, justifique por que, para
o autor, esse uso do relativismo seria condenável.
15. (UFMG 2006) Em matéria publicada na revista "Carta Capital", em 2 ago. 2000, o jornalista Carlos Leonam
informava seus leitores sobre a divulgação, pela Internet, do interesse dos EUA em transformar o Pantanal e a
Amazônia em "área de controle internacional". Atentando para o vocabulário, veja a seguir a manchete e a
submanchete desse texto e, em seguida, responda às questões.
a) Nas frases acima, quais são as expressões cujo sentido está relacionado às palavras "interesse" e "cobiça"?
b) Conforme o uso cotidiano dessas expressões, o que é possível inferir acerca da opinião do autor sobre o assunto
do texto?
16. (ITA 2001) Leia o texto seguinte:
Levantamento inédito com dados da Receita revela quantos são, quanto ganham e no que trabalham OS
RICOS BRASILEIROS QUE PAGAM IMPOSTOS. (...)
Entre os nove que ganham mais de 10 milhões por ano, há cinco empresários, dois empregados do setor
privado, um que vive de rendas. O outro, QUEM DIRIA, é servidor público. ("Veja", 12/7/2000.)
a) A ausência de vírgula no trecho em destaque, no primeiro parágrafo, afeta o sentido? Justifique.
b) Por que o emprego da vírgula é obrigatório no trecho em destaque, no segundo parágrafo? O que esse trecho
permite inferir?
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TEXTO PARA AS PRÓXIMAS 6 QUESTÕES: MULHER BOAZINHA