INTERVENÇÃO DE SUA EXCELÊNCIA O PRIMEIRO MINISTRO DE
CABO VERDE, DR. JOSÉ MARIA PEREIRA NEVES, NA SESSÃO DE
ABERTURA DA CONFERÊNCIA DOS REITORES DAS
UNIVERSIDADES DAS CANÁRIAS E DA ÁFRICA
Universidade de La Laguna, 17 de Junho de 2009
Senhor Presidente do Governo das Canárias,
Senhores Reitores,
Caros Convidados
Minhas senhoras e meus senhores,
Ao fazer uso da palavra neste distinto fórum, permitam-me
que realce – tanto quanto as minhas faculdades
comunicativas consentem – a subida honra que tenho de
nele participar. Por isso, gostaria, antes de tudo, de
agradecer muito efusivamente aos organizadores deste
evento, por me terem contemplado de forma tão cordial
com esta distinção. Contudo, minhas senhoras e meus
senhores, acho relevante dizer que, para além da elevada
honra que o convite que me foi reservado representa para
mim, interpreto a minha presença aqui, não só como uma
deferência, mas sobretudo, como a expressão da
importância que o Governo de Cabo Verde atribui ao Ensino
Superior e, particularmente, às universidades, enquanto
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instrumentos essenciais da estratégia de formação do
cidadão e do desenvolvimento económico das nações.
É, pois, como governante que acredita profundamente nas
virtualidades social e economicamente positivas das
universidades e do ensino superior que saúdo, com
entusiasmo, o Encontro de Reitores das Universidades das
Canárias e África que aqui e agora começa. Ao fazê-lo,
permitam-me felicitar os seus organizadores pela ousadia,
fecundidade e também oportunidade da sua iniciativa.
Independentemente dos resultados que essa interacção háde gerar, e sem mesmo esperar pelas sábias orientações e
recomendações que certamente irão sair deste encontro, a
concepção deste fórum é já por si só um acto de lucidez, por
estar ancorado nos imperativos e desafios do nosso tempo.
Entendo que o défice de desenvolvimento de que a África,
ainda, padece só é possível de ser superado se o continente
investir intensa e amplamente no desenvolvimento do seu
capital humano, tornando-o capaz de gerar soluções
criativas aos prementes problemas desde a governabilidade,
a governança, as estratégias de crescimento e de
competitividade, a formatação de políticas públicas
«socialmente compensadoras», até questões mais especificas
como a segurança alimentar, a saúde pública, as energias,
as liberdades económicas, a sustentabilidade ambiental
entre tantas outras. A minha convicção é a de que a
dinamização das Universidades, enquanto espaços de
investigação, de criação e socialização de ideias novas, de
inovação, enfim enquanto fermentos e actores de processos
de transformação social, há-de necessariamente preceder a
qualquer possibilidade realista de um “Renascimento
Africano”. Por isso, quer-me parecer que a cooperação entre
a África e a Europa estaria, em larga medida desfocada e,
por consequência, despotenciada, se ela não incluísse ou
então relegasse para um estatuto subalterno a dimensão
universitária. Por esta razão, diria mesmo que a Universidade,
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enquanto instituição académica, pelas novas exigências de
desenvolvimento, deve ver a sua posição crescentemente
valorizada na agenda de cooperação entre os dois
continentes.
Há algum tempo atrás (e não há muito tempo!) muitas
instituições de apoio ao desenvolvimento na África
subsariana desaconselhavam os países da região a fazerem
investimentos públicos na Universidade, considerada um lugar
de formação de pequenas elites, por isso mesmo tido como
um investimento de baixo retorno e uma “não prioridade”,
sobretudo quando confrontado com as necessidades
prementes de financiamento do acesso à educação básica,
à alfabetização de adultos, aos cuidados primários de saúde,
à segurança alimentar, à luta contra a pobreza, para só falar
destes programas. Na verdade, a Universidade quase esteve
“fora da agenda”, se me é permitido utilizar esta imagem.
Hoje, porém, passada a fase inicial de desenvolvimento, esta
concepção subalterizante do Ensino Superior, de dominante
tende
a
tornar-se
minoritária,
pois,
todos
vão
compreendendo que os países precisam de universidades
nacionais para formar profissionais em quantidade e em
qualidade suficientes, de modo a continuarem a expandir e a
consolidar o ensino básico e secundário. Se num primeiro
momento, a Universidade foi encarada como concorrente
da expansão do ensino secundário e da universalização do
ensino básico, disputando com eles os parcos recursos
existentes, num segundo momento, começou a ser
concebida como complementar e até com condição da
qualificação dos outros níveis de ensino.
Em Cabo Verde, se tivéssemos criado a Universidade Público
no início do processo nacional, ela estaria de facto
condenada a ser uma instituição de acesso restrito,
eventualmente de pouco impacto nos esforços de
desenvolvimento, contudo volvidas algumas décadas da
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independência e à medida que fomos expandindo o ensino
básico e secundário, alargando a procura potencial do
Ensino Superior – procurada, de resto, reclamada pelo
incremento do processo de desenvolvimento –, o envio de
estudantes para a formação universitária no exterior deixou
de ser um mecanismo capaz de dar resposta às novas
necessidades de mão-de-obra qualificada. A remessa de
dinheiro para o exterior para sustentar os estudantes
começou a pesar na balança de pagamentos, a fuga de
cérebros a minorar os resultados e o gap entre as estruturas
curriculares das universidades estrangeiras e a especificidade
das necessidades de conhecimento para a transformação
da realidade nacional tornou-se evidente. Amílcar Cabral,
líder fundador da nacionalidade guineense e cabo-verdiana,
havia diagnosticado que o défice de desenvolvimento da
África tinha como uma das causas um deficiente
conhecimento da realidade ecológica, social, antropológica
e política do continente. Assim sendo, as universidades
nacionais teriam como papel primordial criar um projecto
pedagógico e cognitivo alavancador do desenvolvimento.
Na verdade, a minha experiência de governante me ensina
que, passada a fase da gestão das urgências e do
imediatismo para a das acções com sentido estratégico, os
países em desenvolvimento não podem deixar de colocar as
universidades públicas nacionais no centro das suas
estratégicas de desenvolvimento. Portanto, a questão não é
mais criar ou não universidades nos países africanos, mas sim,
como traduzir o estatuto de prioridade atribuído à
Universidade em acções concretas.
A assunção efectiva do estatuto de prioridade da
Universidade pelos governos implica, em primeiro lugar, que
se invista na autonomia desta instituição. Para que ela seja
gerida por critérios próprios de excelência académica, longe
dos intervencionismos políticos de circunstância. Assim,
poderemos efectivamente responsabilizá-la pelos seus
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resultados. A avaliação e a responsabilização são a
contrapartida da autonomia – A prioridade tem de se
traduzir, igualmente, no esforço em dotá-la de meios
suficientes para desenvolverem os seus programas. A
indigência financeira pode pura e simplesmente desacreditar
a Universidade. Nós, pela nossa parte, queremos ser
consequentes. Tudo temos feito, no limite das nossas
possibilidades, para empoderar a nossa universidade pública
de modo a poder cumprir a sua acção. Na nossa agenda de
cooperação com a União Europeia temos persistentemente
inscritos projectos e acções no domínio do Ensino Superior. A
Universidade, no contexto do nosso país, só tem chances de
atingir a qualidade almejada se conseguir um elevado grau
de inserção em redes colaborativas internacionais. Por isso,
saúdo e encorajo a Universidade Pública de Cabo Verde
para se integrar na rede UNAMUNO e fazer parte da Rede
das Universidades da Macaronésia. Numa linha muito próxima
daquela que a nossa política externa tem diagnosticado e
seguido, estimamos que as universidades da Macaronésia
podem desempenhar um importante papel, de um lado, de
reforço da Macaronésia, enquanto espaço de cooperação e
de desenvolvimento, e, de outro, como elo de ligação entre
o Espaço Europeu de Ensino Superior e a África.
Se aos políticos cabe o repto de plena assunção da
Universidade como uma prioridade, aos reitores e às
lideranças o desafio não é menor. Por todo o lado, a
Universidade está a ser questionada, interpelada e levada a
exame. Face à mudança acelerada de paradigmas no
mundo do trabalho, ante a globalização, repensa-se a
melhor forma de fazer Universidade nos nossos dias. As
fórmulas disponíveis, cristalizadas em velhos normativos,
mostram-se insuficientes. Isso tanto a norte como a sul. Como
gerir as universidades públicas com eficiência, num momento
em que o Estado – Providência está em crise e afectada pela
recessão? Como capacitar os formandos para contextos
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organizacionais e de trabalho que se alteram em grande
velocidade? Como criar redes solidárias de partilha, se as
pressões dos rankings estimulam a competição? Como
implementar programas de investigação aplicada para dar
competitividade aos processos produtivos, às empresas e às
nações, para assim acedermos aos recursos, se tal
implementação demanda recursos avultados, deixando-nos
num círculo vicioso? A cooperação, estou certo, encerra um
grande potencial de geração de respostas a parte destas
questões e fóruns como este que aqui e agora nos acolhe
vão pondo pedras nos novos caminhos que se vão
perscrutando. Um filósofo disse e eu concordo que o mistério
da Relação é maior que o do SER. Bem-haja a cooperação
universitária e a amizade dos povos que nela se celebra.
Muito Obrigado
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