ARTIGO
A busca por um espaço de enunciação
¹Edson Souza da Silveira
O espaço de enunciação é o lugar simbólico e imaginário de onde o adolescente se
posiciona para poder se relacionar com o social e se representar enquanto sujeito.
A partir do artigo De Volta Para Casa, de Maria Cristina Poli, foi possível traçar
algumas questões no que diz respeito à busca do adolescente por um espaço de enunciação em
uma estrutura familiar e a apropriação pelo adolescente do lugar que lhe é reservado na
mesma.
O artigo citado se constitui a partir do livro Lavoura Arcaica, de Raduan Nassar, que
conta a história de um jovem adolescente neto de imigrante, que reside no interior e tem que
se submeter a um discurso familiar onde não há espaço para o surgimento do sujeito, onde
todos da família trabalham como engrenagens de uma máquina que se submete ao tempo.
O jovem do livro torna-se o rival do pai, inclusive sentando-se ao lado da mãe na mesa
do jantar, tornando-se exatamente o seu duplo, cometendo o incesto com a irmã na casa do
avô e saindo de casa.
A adolescência deste jovem vem no sentido de poder dar continuidade ao processo de
subjetivação, fazer com que ele possa assumir o seu desejo. É para isto que ele se faz o duplo
do pai enquanto aquele que denuncia a rigidez do discurso paterno e aponta a figura do pai
como o detentor deste discurso. O único lugar que este rapaz encontrou na sua família para
exprimir algo da ordem do seu desejo foi exatamente a possibilidade de colocar ao pé da letra
o discurso da lei, profanando o vazio da sombra do seu avô com o maior dos pecados (o
incesto) e fugindo de casa como desafio à lei encarnada na figura do pai. O jovem delata o
discurso paterno como falho e foge de casa.
Não é incomum vermos jovens adolescentes que mostram exatamente as falhas das
estruturas discursivas da sua família e do social. É exatamente por estarem em um não lugar
que o que lhes resta é assumir a posição de “contra”, do “avesso” e ser aquele que, como
excluído de tudo monta uma nova estrutura geralmente baseada em traços imagéticos de
estilo, e se volta contra o discurso vigente. Não é a toa que muitos movimentos estudantis são
formados por adolescentes, estes que após “amadurecerem” abandonam a característica de
serem “do contra”. Em suma, muitas das queixas dos adolescentes que surgem em casa ou nas
escolas dizem respeito ao espaço de enunciação que o adolescente toma como sendo seu e que
não é nada mais do que apenas o lugar que este social lhe dá.
Podemos tomar como exemplo o discurso de uma escola quanto a uma turma especifica.
A turma “X” é uma turma “complicada e bagunceira”. Sendo-lhe reservado somente este
lugar na escola resta aos adolescentes a identificação à esses significantes. Apropriando-se
destes os encarna ao pé da letra, reforçando o discurso e formando um ciclo que só se encerra
com o término da turma ou com uma intervenção terceira.
É nesse ponto que Poli cita Safouan no que diz respeito à posição do psicanalista:
“O que Safouan acrescenta de novidade, a meu ver, é que a
psicanálise, ou melhor, os psicanalistas constituem uma outra
posição em relação à lei que não é nem a do pai, nem a do
soberano. Para o analista, a posição terceira diz respeito não à lei
da referência fálica, mas a do desejo . . . A análise se dirige,
justamente, ao que do desejo não se significa, à falta na sua
potencialidade de pura abertura. Nesse sentido nos diz Safouan, o
analista é o “nada” que está além do soberano; nada que indica “o
ponto onde todos somos iguais”, isto é, sujeitos de desejo. ” (2002
pág. 51).
Assim se justifica a possibilidade de trabalho com adolescentes ditos “problemáticos”,
através de uma leitura que vai para além da universal hipótese que o social coloca de que a
gênese da adolescência é problemática. Uma leitura que diz respeito ao desejo adolescente de
encontrar um lugar para se representar, pode muitas vezes ser uma opção muito mais
satisfatória para que não se complique a relação adolescente/social.
É comum a fama que tem os adolescentes de serem rebeldes e complicados. Se é este o
lugar que lhes reservamos de onde será que eles irão nos responder e de que forma?
Referências Bibliográficas:
POLI, Maria Cristina. De Volta Para Casa. In: Revista da Associação Psicanalítica de
Porto Alegre: Clínica da Adolescência. Porto alegre: 2002. P. 48-54.
RASSIAL, Jean Jacques. A Passagem Adolescente - da família ao laço social (1996).
Porto Alegre: Artes e Ofícios, 1997.
¹ Estagiário da Clínica de Psicologia de Ijuí
Download

Artigo - Edson