Comunicação escrita: relato de uma experiência implementada numa turma do 8º ano de escolaridade Luísa Selas – Escola Secundária /3 José Régio – Vila do Conde Introdução O objectivo desta comunicação é dar a conhecer o percurso desenvolvido durante o ano lectivo de 2007/08 na escola onde lecciono com uma turma do 8º ano. A implementação deste percurso passou numa primeira fase, na aula de estudo acompanhado, pela apresentação de diversas ferramentas de trabalho (jogos, tarefas manipuláveis, tarefas de carácter exploratório), no final das quais os alunos realizavam o diário. O uso destas ferramentas foram um propósito informal de activar os alunos para o gosto da matemática e em simultâneo leva-los a descreverem o seu pensamento, usando linguagem corrente. Na segunda fase do percurso os alunos foram confrontados (na aula de matemática) com situações onde lhes era solicitada a comunicação por escrito (actividades investiagtiva, composições matemáticas). Uma grande potencialidade da comunicação escrita relacione-se com o conhecimento e compreensão de conceitos e processos, e o desenvolvimento de capacidades como a interpretação, a reflexão, a exploração de ideias matemáticas e o espírito crítico, e o sentido da responsabilidade pessoal e de grupo, a perseverança e a relação entre os alunos (Santos, L, 2005). Tornou-se também relevante abordar a avaliação já que esta está implicitamente ligada ao processo de aprendizagem. O percurso percorrido Primeira fase: jogos/tarefas manipulativas Leccionava na mesma turma a disciplina de matemática e a área disciplinar não curricular: estudo acompanhado. Tendo a percepção das dificuldades apresentadas pelos alunos e na tentativa de os levar não só praticar técnicas e algoritmos de cálculos mas também a desenvolver tarefas de carácter investigativo e exploratório optei por incluir actividades de natureza lúdica. Estas tinham como objectivo permitir desenvolver o raciocínio lógico, a cooperação no trabalho e o gosto pela Matemática. Esta metodologia de trabalho teve a vantagem de, por um lado, favorecer a criação de um ambiente de ensino-aprendizagem mais informal, mais interactivo e comunicacional entre os alunos e, por outro lado, aumentar as possibilidades de uma aprendizagem mais assente na compreensão e menos na memorização dos conteúdos. Nesta fase os alunos foram confrontados com as seguintes tarefas: construção de um Tangran chinês, Banda de Moebius, Stomachion; descobrindo a magia dos fractais, teorema de Pitágoras, dominó das potências; trinca espinhas; Labirinto; Bingo das equações, corrida de obstáculos, isometrias, e mat-glória.. Estas foram um propósito informal de activar os alunos para o gosto da matemática e em simultâneo leva-los a descreverem o seu pensamento, usando linguagem corrente Nesta fase optei por tarefas lúdicas, que embora de matemática, apresentam algum desafio que sob a forma de jogo, quer sobre a forma de situações práticas. Privilegiou-se nas tarefas o recurso a material manipulável susceptível de facilitar a compreensão e a aquisição de significados, assim como o trabalho de grupo, a verbalização do pensamento e a discussão de pontos de vista quer no momento da realização da tarefa quer após actividades individuais de reflexão e descoberta. Os alunos também utilizaram o computador como ferramenta para explorar jogos (exemplo o CliCMat). Penso que os jogos, se convenientemente planeados, são um recurso pedagógico eficaz para a construção do conhecimento matemático. Estes foram usados ou para introduzir conteúdos programáticos ou para amadurecê-los tendo como objectivo preparar os alunos para a comunicação por escrito. Penso que a introdução de jogos é uma estratégia de diminuir bloqueios apresentados por muitos dos nossos alunos que temem a matemática e sentem-se incapacitados para aprende-la. Na realização dos jogos, onde é impossível uma atitude passiva e onde a motivação é grande, verifico que ao mesmo tempo em que estes alunos falam matemática, apresentam também um melhor desempenho e atitudes mais positivas no processo de aprendizagem. Esta parte do trabalho foi desenvolvida em aula de estudo acompanhado sendo solicitados aos alunos que realizarem o diário da aula. Este não era mais do que uma reflexão dos conteúdos matemáticos explorados na sala de aula. Em alguns casos entendido como um trabalho que descreve uma dada situação ou tarefa, a analisar e criticas (por exemplo: tangran e stomachion). Exemplo da realização de um diário em relação á tarefa tangran. Numa primeira fase a aluna entregou o diário A1. Foi-lhe dado o feedback para que na próxima reformulação fosse utilizado uma linguagem onde exprimisse os conceitos matemáticos explorados na tarefa o qual resultou no diário A2. _____________________________________________________ Diário A1 Diário A2 Por fim na última versão desta tarefa apresenta o seguinte diário (A3) _________________________________________ Diário A3 Noutros casos, elaborando uma dada situação, na forma escrita, sendo ou não previamente entregue um guião de tópicos ou questões a explorar por exemplo, trincaespinhas. Foram ainda pedidas pequenas composições, a realizar individualmente ou em grupo. Por exemplo (jogo de equações e bingo das equações) tendo por base o estudo feito das equações, foi pedido aos alunos que elaborassem o diário referente a este tema. Muitos alunos copiaram as regras outros tentaram dizer pelas suas palavras. Exemplo disso é o seguinte diário (B1) que depois do feedback foi melhorado (diário B2) Diário B2 Diário B1 O principal objectivo deste tipo de tarefas nunca foi o de promover momentos formais de avaliação, mas sim e em primeira instância proporcionar momentos ricos de aprendizagem, permitindo desenvolver um conjunto de competências matemáticas a nível da comunicação matemática. O professor nesta fase utilizou o feedback tendo o cuidado de “não incluir a correcção do erro, no sentido de dar ao próprio a possibilidade de ser ele mesmo a identificar o erro e a alterá-lo de forma a permitir que aconteça uma aprendizagem mais duradoura ao longo do tempo” apenas identificou “o que já está bem feito, no sentido não só de dar autoconfiança como igualmente permitir que aquele saber seja conscientemente reconhecido” (Santos, 2003, p. 19) A avaliação deu lugar a uma classificação qualitativa tendo em conta os parâmetros: correcção e clareza da linguagem; correcção e clareza do raciocínio; organização do relatório; correcção dos conceitos matemáticos envolvidos; descrição e justificação dos procedimentos utilizados; e criatividade. É de salientar que, nem sempre foi possível prever os desenvolvimentos seguidos por cada aluno, sendo necessária uma atitude de abertura por parte do professor. Em suma esta foi uma estratégia de levar os alunos a criar hábito da escrita, a partir de algo que fosse estimulante para eles. Tratou-se de um caminho para depois confrontalos com uma actividade investigativa onde se esperava que os alunos sejam capazes de escrever argumentos matematicamente válidos, bem construídos e com recurso a vocabulário formal. Segunda fase: actividade investigativa Dada a experiência do percurso efectuado a professora optou por elaborar uma espécie de guião orientador da escrita (anexo). Pensamos que este teve um papel de orientação na comunicação escrita realizada pelos alunos na realização da actividade investigativa (anexo) As comunicações produzidas pelos alunos evidenciam diferentes estratégias de explorar e as dificuldades. Eis alguns exemplos ___________________________________________________ Relatório A _______________________________ Relatório B Aqui é possível encontrar vários exemplos que ilustram, não só a preocupação de experimentar novas estratégias de estender os guardanapos utilizando diferentes quantidades de molas tendo também o cuidado em escrever as suas conclusões. Uma das notações simbólicas utilizada por um aluno foi a seguinte: ___________________________________________ Relatório C Perante esta resposta perguntei ao aluno o porque daquela escrita. Aluno: É o conteúdo matemático explorado: sequencias e funções Prof: qual a diferença dos dois conteúdos? Aluno: É a mesma coisa… Prof: a variável n que escreveste assume todos os valores? Aluno: Não estes não são negativos…estes valores nas sucessões são diferentes das funções. Prof: Nas funções temos todos os valores? Aluno: Sim (silêncio) mas aqui temos guardanapos (silêncio) são valores positivos e também não podem ser “meios guardanapos”. Este momento é um exemplo onde tive a percepção de que os próprios alunos estabeleceram conexões entre diversos conteúdos matemáticos. Depois implementei outra actividade (anexo) relacionada com a interpretação de gráficos de funções e a sua correspondência com situações do nosso quotidiano. Nesta actividade os alunos tiveram na sua generalidade dificuldade, no seu grupo, de chegarem a um consenso na identificação das variáveis em estudo: velocidade em função do tempo. Houve uma discussão bastante enriquecedora pois mediante o ponto de vista que os alunos estavam a ter a sua interpretação estava correcta. Foi uma actividade onde a discussão prolongou-se mais do que estava previsto pelo que a actividade foi terminada noutro bloco de 90 minutos. Registos de alguns relatórios ______________________________________________________ _______________________________________________ Em jeito de conclusão A utilização da comunicação escrita foi adquirindo maior riqueza para os alunos com o decorrer do tempo. De início detectei dificuldades na escrita contudo, a atitude e o empenho dos alunos foi evoluindo de forma positiva, superando as dificuldade iniciais e tendo dado origem a comunicações escritas com qualidade. O feedback que se foi realizando no percurso contribuiu de modo decisivo para o envolvimento dos alunos no processo de ensino-aprendizagem. Como é visível na evolução por exemplo da tarefa o tangra do diário apresentado. No final, todos os alunos foram unânimes em considerar que a produção da comunicação escrita constituiu um trabalho difícil e exigente. Porém sentem que a sua realização serviu para apreender matemática dizendo que O desenvolvimento deste percurso revelou-se uma excelente oportunidade também para eu aprender. Em suma sou na mesma opinião do autor Sá (1995) quando este refere que “nós os professores de matemática não estamos muito habituados, à utilização de jogos mas, [pelo impacto que teve nos alunos este será por ventura] uma peça a acrescentar ao puzzle do processo ensino/aprendizagem da matemática. Outra vertente que foi enriquecedora foi fazer a gestão curricular e utilizar a avaliação como forma de aprendizagem. Porém, este percurso não foi fácil. Pensar, seleccionar/adaptar as diferentes ferramentas utilizadas nomeadamente no que diz respeito à construção/adaptação dos jogos, foi uma mais valia ter tido a colaboração de Andreia Cunha e Emanuel Veríssimo. O facto de ter alguém com quem trabalhar foi sem dúvida essencial para o enriquecimento da diversidade de tarefas lúdicas propostas aos alunos. Bibliografia Sá, António (1995): A aprendizagem da Matemática e o Jogo. Lisboa: APM Santos, L. (2003). Avaliar competências: uma tarefa impossível? Educação e Matemática, 74, 16 – 21. Santos, L. (2005). A avaliação das aprendizagens em Matemática: Um olhar sobre o seu percurso. In L. Santos, A. P. Canavarro & J. Brocardo (Orgs.), Educação e matemática: Caminhos e encruzilhadas. Actas do encontro internacional em homenagem a Paulo Abrantes (pp. http://www.educ.fc.ul.pt/docentes/msantos/apa.pdf 169-187). Lisboa: APM in Anexos • Construção de um Tangram Chinês Material: Cartolina Régua e esquadro Tesoura Instruções: Começa por desenhar um quadrado com 15 cm de lado. Segue as seguintes instruções Decompõe o quadrado tal como mostra a figura. Com esta decomposição obtemos, como se pode ver, 7 figuras (5 triângulos, l quadrado e l paralelogramo), e ela foi feita de forma a que: 1. Utilizando as sete peças do Tangram, constrói as seguintes figuras: 2. A partir do quadrado inicial e usando todas as peças, constrói: a) um rectângulo b) um paralelogramo c) um trapézio 3. Considerando para unidade de medida de área o triângulo mais pequeno, indica: a) a área das restantes peças do Tangram b) a área do quadrado inicial c) a área das figuras do exercício 2 • Bingo das Equações/jogo das equações Material: • Dez cartões com seis equações cada. • Sessenta mini-cartões com as equações, dos cartões maiores, e respectivas soluções (no interior de um saco). • Folhas em branco, pequenos rectângulos de cartolina e material de escrita. Regras do jogo: Escolhe-se o aluno que irá retirar os rectângulos do saco; Dá-se um cartão a cada equipa, seis folhas de papel em branco, folhas brancas e canetas; A equipa tem 10 minutos para resolver, nas folhas brancas, todas as equações do seu cartão; Ao fim desse tempo, um aluno vai retirando, do saco, rectângulos com as equações e as respectivas soluções e vai dizendo, em voz alta, somente a solução, até algum grupo dizer BINGO; Os grupos vão colocando rectângulos de cartolina sobre as equações do seu cartão que correspondem às soluções ditas pelo aluno anterior, até completarem o cartão e dizerem BINGO; O aluno que retirou as equações do saco deve, a partir dos rectângulos com as soluções, verificar se o grupo resolveu correctamente as equações do seu cartão. Se isso não aconteceu o jogo prossegue; Ganha o grupo que primeiro disser BINGO e tiver resolvido correctamente as equações • Actividade investigativa: A Catarina vai pôr a secar guardanapos. Porque é uma rapariga organizada, pendura, todos os guardanapos, usando o mesmo processo. Ajuda a Catarina a descobrir quantas molas são necessárias para pendurar 30 guardanapos. • Guião orientador da escrita O que reparas-te? Que informação retiras do enunciando? Que previsões fizeste? Porquê? Que padrão viste? Porque surge esse padrão? Que relação te faz lembrar? • Que desporto? Que desporto produzirá um gráfico como este? Dos desportos abaixo listados, diz qual o que melhor se ajusta ao gráfico representado. Justifica a tua resposta. Relativamente a cada um dos desportos rejeitados faz um gráfico que o possa representar. Salto à vara Pesca (….) • Questionário Este questionário pretende averiguar o que pensas de certos aspectos relacionados com a disciplina de Matemática. Pensa bem e responde com sinceridade. Não há respostas certas nem erradas. Cada aluno tem a sua opinião. • Gostas-te de realizar os jogos matemáticos? • Qual a importância para ti na realização do diário para iniciar a comunicação escrita matemática? • Os comentários que a professora fez nos diários ajudaram-te a perceber melhor os pontos fortes e fracos da tua comunicação escrita? • Esta maneira de trabalhar influenciou o modo como agora olhas para a matemática? • Já te sentes mais seguro na comunicação escrita matemática?