A PRÁTICA PEDAGÓGICA DA EJA: REFLETINDO SOBRE AS SINGULARIDADES E O PERFIL DOS EDUCANDOS Leila de Almicê dos Anjos1 Geisa Pereira Gomes2 Janyne Barbosa de Souza3 Resumo: Este trabalho tem como finalidade conhecer e discutir o perfil dos educandos da EJA, a relação professor-aluno-conteúdo e as concepções de aprendizagem que fundamenta a prática do professor em sala de aula. A pesquisa foi realizada em uma escola pública da rede municipal de Jequié-Bahia. Os resultados obtidos, retratam a diversidade geracional e cultural presente nesta modalidade, bem como, a necessidade de organização de um ambiente escolar aberto ao diálogo e ao entendimento das especificidades que caracterizam cada sujeito constituinte da EJA. Palavras-Chave: Perfil dos sujeitos da EJA, Relação professor-aluno-conteúdo, Prática Pedagógica. INTRODUÇÃO O presente trabalho surge no contexto da disciplina Educação de Jovens e Adultos oferecida no curso de Pedagogia da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, com o objetivo de conhecer e discutir o perfil dos sujeitos que compõem a modalidade da EJA, a relação professor-aluno-conteúdo e as concepções de aprendizagem que fundamentam a prática do professor em sala de aula. As atividades de pesquisa foram realizadas em turmas do II Segmento da EJA em uma escola municipal da cidade de Jequié-BA. As reflexões e discussões realizadas neste texto, a partir dos dados coletados na instituição escolar, são embasadas em estudos teóricos realizados durante a I unidade do semestre letivo. As atividades de pesquisa foram organizadas e estruturadas na forma de entrevista aos alunos e observação realizada em sala de aula, ambas realizadas em visitas à escola, no período de novembro de 2011. No primeiro momento realizamos a observação de uma situação didática com o objetivo de analisar as relações estabelecidas em sala de aula envolvendo o professor, o aluno e a transmissão do conteúdo. Já o segundo momento teve 1 Licenciada em Pedagogia pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia – UESB – Campus de Jequié, integrante do Grupo de Estudos de Ideologias e Lutas de Classes - GEILC, email: [email protected]. 2 Licenciada em Pedagogia pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia – UESB – Campus de Jequié, integrante do Grupo de Estudos de Ideologias e Lutas de Classes - GEILC, email: [email protected] 3 Licenciada em Pedagogia pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia – UESB – Campus de Jequié, integrante do Grupo de Estudos de Ideologias e Lutas de Classes - GEILC, email: [email protected]. como pressuposto a realização de uma entrevista englobando as três gerações de alunos que formam o público da EJA: jovens, adultos e idosos, com o objetivo de evidenciar a história de vida dos alunos, os motivos que os levaram a abandonar a escola na idade regular, as expectativas desses em relação à escola e o pensamento deles sobre uma proposta de EJA que priorize a qualidade social. Neste texto apresentamos a análise dessas observações e entrevistas, buscando compreender a diversidade geracional que permeia a sala de aula da Educação de Jovens e Adultos e a concepção de aprendizagem que vem sendo trabalhada nas escolas que atendem a este público. O PERFIL DOS SUJEITOS DA EJA Disponibilizadas a aquelas pessoas que não tiveram acesso a escola ou não concluíram os estudos na idade dita “regular”, a Educação de Jovens e Adultos constitui-se como uma modalidade de educação 4 oferecida a esses sujeitos que por diversos motivos não estudaram ou interromperam seus estudos no ensino fundamental e médio retornando a escola depois de algum tempo para iniciar o processo de escolarização ou dar continuidade aos estudos. Quando se fala do cenário da EJA e, consequentemente, do perfil dos educandos nos deparamos com sujeitos de diversas faixas etárias e com inúmeras histórias de vidas que por diversos motivos foram excluídos da escola “regular” ou que pelo ingresso no mercado de trabalho evadiram-se dela. Os jovens, adultos e idosos que constituem este grupo heterogêneo do ponto de vista social e econômico são delimitados segundo Oliveira (1999) não somente pela idade, mas por serem um conjunto de indivíduos heterogêneos, com especificidades próprias, inseridos na diversidade de grupos geracionais e culturais distintos presente na sociedade atual. De acordo com Duarte (1998, p. 1 apud ANDRADE etall, 2010), Do ponto de vista sociocultural, jovens e adultos se caracterizam como grupo heterogêneo, operários da construção civil, donas de casa, agricultores, empregadas domésticas, porteiros, lixeiros, balconistas, faxineiros, operários... a maioria passou em algum momento pela escola [...] o que nem sempre significa mais conhecimentos[...]. A heterogeneidade é 4 Utilizaremos aqui o termo modalidade de educação e não de ensino, por essa não se restringir apenas a escolarização e a difusão de conteúdos, mas o processo educativo pautado na formação humana dos sujeitos. Nesta concepção, Paulo Freire aborda a importância de se alfabetizar os indivíduos conscientizando-os dos problemas sociais e políticos, atrelando o processo educacional ao ato político. conseqüência de aprendizagem e experiências em diferentes contextos sociais, com seus conceitos, crenças, valores, atitudes e procedimentos construindo processos diferenciados de aprendizagem, conhecimentos e formas de pensamento. Durante a observação realizada em uma turma do II Segmento constatamos a presença marcante dos jovens na sala de aula da EJA, chegam cada vez mais cedo a esta modalidade, sendo estes a categoria de maior número. Os adultos também se fazem presentes nas turmas da EJA, sendo os idosos os de menor número. A faixa etária dos 4 (quatro) alunos entrevistados5 variam de 19 (dezenove) a 40 (quarenta) anos. Ao serem questionados acerca dos fatores que os levaram a abandonar a escola na idade própria os estudantes nos relataram motivos como: casamento e trabalho. Muitos foram os empecilhos que levaram a esses sujeitos a abandonarem a escola mesmo com uma trajetória escolar caracterizada por eles como boa, como nos afirmou os alunos João, Joaquim e Adelaide. O aluno Manoel nos falou do seu percurso na escola, relatando: Foi um pouco difícil, porque às vezes eu seguia trabalhando e estudando. Tinha dias que eu não ia para a aula porque eu estava trabalhando e meu trabalho ultimamente é à noite... Às vezes eu perco noite trabalhando, cansava e eu não ia para a escola por causa do cansaço. Tinha ano que às vezes eu acabava desistindo, mas eu nunca perdi a esperança de um dia passar de ano, até que eu lutei, eu tenho mais de 20 anos estudando, mas, sempre no meio do ano eu desistia, o outro ano eu tornava voltar a estudar ai quando foi de cinco anos pra cá eu não desisti, ai graças a Deus eu tô na 7ª e 8ª serie. A necessidade de adentrar o mercado de trabalho em idade cada vez mais cedo é apontada pela maioria dos alunos como ponto principal da necessidade de interromper os estudos. Os jovens acabam migrando do ensino regular para as turmas de Educação de Jovens e Adultos até pela empresa que trabalha exigir que este continue estudando pelo menos até concluir a educação básica, como nos afirma os alunos Joaquim (trabalha em um frigorífico da cidade) e Adelaide (que trabalha em uma indústria de calçados). O retorno à escola por parte daqueles que evadiramhá muito tempo tem fundamentos na “busca de conhecimentos e na necessidade de aperfeiçoamento para o mercado de trabalho” como evidenciamos na fala do estudante Manoel. Dentre os relatos dos entrevistados o caso de retorno à escola do aluno João, nos chamou atençãopor dizer que voltou a estudar como forma de incentivo para seu filho de 15 5 Com a finalidade de preservar a identidade dos alunos, utilizamos neste trabalho nomes fictícios. (quinze) anos que não queria estudar: “Ele não queria estudar. Eu voltei pra escola junto com ele, pra ele continuar estudando”. Atualmente seu filho parou de estudar, entretanto, ele continua por ter expectativas boas em relação à escola e a oportunidade de aprender cada vez mais. Outro ponto, presente em nossa entrevista abordava a questão da importância e o papel da escola na vida desses estudantes. As perguntas feitas aos sujeitos evidenciaram diversas respostas que nos fazem refletir acerca do processo educacional e dos anseios que esses alunos buscam na escola, não se restringindo apenas a mera aquisição de conteúdos, mas também aos conhecimentos imprescindíveis para a formação humana do indivíduo e sua atuação na sociedade. Aspectos relacionados à compreensão e vivência de valores, comportamentos e normas para a vida em sociedade e para as experiências que as pessoas estabelecem entre si. Temas relacionados ao cotidiano social e cultural também foram citados por todos os alunos, referindo-se ao uso de drogas, a prostituição e ao combate a dengue,temáticas de grande preocupação destacadas pelos alunos como importantes de serem trabalhados pela instituição. É neste sentido, que nos apropriamos dos estudos de Dayrell (1996) quando este aborda a escola como espaço sócio-cultural permeado de especificidades próprias e de relações construídas e estabelecidas pelos seus sujeitos que a compõe. Pensando a educação dentro das possibilidades evidenciadas por esses sujeitos entrevistados, inseridos na escola e na vida social percebemos que apenas a transmissão de conteúdos científicos não mais dá conta dos anseios e motivações necessários a sobrevivência em um mundo tão globalizado como o nosso. Isso porque nos encontramos cada vez mais imersos em um mundo de inúmeras informações, as quais são modificadas rapidamente e requer dos sujeitos um posicionamento crítico. Assim, o modelo de educação pautada na figura do professor como centro do processo educativo já não dá suporte para uma educação dialógica, que privilegie a formação de sujeitos pensantes e críticos frente à sociedade em constante transformação. ANALISANDO UMA SITUAÇÃO DIDÁTICA: A RELAÇÃO PROFESSOR-ALUNOCONTEÚDO O contato com a sala de aula da EJA foi muito importante para analisarmos as relações que são construídas nesse espaço buscando entender como essas influenciam diretamente o processo ensino-aprendizagem. Como nos afirma Velho (2003) a interação entre diferentes indivíduos é contemplada a partir de suas individualidades e especificidades que propiciam a todos os envolvidos algum tipo de troca ou mesmo de reciprocidade, ou seja, o espaço escolar é concebido por meio de interações e trocas entre os estudantes de diferentes grupos etários, entre professor e aluno, entre alunos e os conteúdos didáticos (livros, apostilas etc.). Durante o momento de observações em sala de aula pudemos perceber a existência de relações cordiais entre alunos e entre alunos e professores. Entretanto, algumas atitudes demonstraram certo descaso com a figura do docente em alguns momentos de explicações do conteúdo, onde alguns estudantes se ausentam da sala para ficarem conversando nos corredores. Esta atitude é sinalizada por um dos alunos entrevistados que destaca como um dos pontos da melhoria da educação “a necessidade de um maior respeito dos alunos pelos professores”(Joaquim). A professora também expressa à preocupação em saber da ausência em sala de alguns alunos indagando aos presentes os possíveis motivos da não presença dos estudantes. A postura dos alunos ouvidos nos indica a preocupação em ter uma relação “sadia” com os professores considerando este aspecto relevante para a aquisição do conhecimento dentro da sala, o que não se estende a todos. Destacamos a conversa paralela entre dois alunos no decorrer da aula, não anotando o assunto explicado ou mesmo prestando atenção a fala do professor. Em escuta a uma dessas conversas podemos inferir que o comportamento desses dois alunos pode ser explicado pelo fato de ambos estarem passados de ano não se importando com os assuntos a serem finalizados. O conteúdo apresentado em sala também foi foco da nossa observação. Contando com o apoio do livro didático a professora solicitou que uma das alunas presentes em sala realizasse a leitura de algumas frases contidas no livro, indagando a todos os presentes acerca do sentido da frase e dos tempos verbais (passado, presente e futuro) encontrados no contexto da parte lida. Com finalidade de reforçar o assunto trabalhado a docente pede que os alunos respondam três atividades propostas no livro, mostrando-se aberta a retirar as dúvidas que os alunos possam vir a ter durante a realização da atividade. No que tange a relação entre o conteúdo trabalhado em sala, os saberes dos alunos e a influência dos assuntos na vida cotidiana dos mesmos, todos os entrevistados foram bastante convergentes nas respostas dadas. Os quatros evidenciaram que os conteúdos trabalhados são muito importantes e utilizados em situações do dia a dia ou mesmo no trabalho, principalmente, os assuntos relacionados à Língua Portuguesa, a Ciências e Matemática. Entretanto, destacam também alguns temas que consideram importantes a serem debatidos no ambiente escolar. O aluno Manoel chega até a propor um mutirão para se discutir junto à comunidade escolar o tema da violência, assim infere, Fazer um mutirão, por exemplo, assim, de chamar os alunos, porque às vezes tem muitos alunos que vem para a escola, tem uns que não estudam, então muitos jovens que são encontrados ai nas drogas, nos caminhos da perdição, não é que eles estão perdidos, estão entrando na perdição por falta de vir para a escola, e também na escola não é lugar de bater, mas sim de sinceridade e de se lutar para vencer. Quanto aos debates já desenvolvidos na sala de aula, o aluno Manoel retrata um realizado sobre o combate a dengue onde os professores discorreram acerca do elevado índice de transmissão da doença no município e os meios de prevenção e de controle da proliferação do mosquito. “O combate da dengue, então é uma coisa que nós vivemos em nossa comunidade, que a professora trouxe em sala de aula e está no nosso dia a dia, o que a gente vive lá na rua a gente traz para sala de aula, pelo menos eu” destaca o aluno Manoel sobre o trabalho realizado na escola sobre temas presentes no cotidiano e que afeta a todas as pessoas na sociedade. É importante ressaltar que o aluno quando chega à escola traz uma bagagem cultural muito ampla, com sua historicidade e vivencia singular, que ao se relacionar em diversos espaços carrega consigo experiências e saberes relevantes que devem ser valorizados no contexto escolar. Daí Dayrell (1996, p. 10) destacar, Os alunos que chegam à escola são sujeitos sócio-culturais, com um saber, uma cultura, e também com um projeto, mais amplo ou mais restrito, mais ou menos consciente, mas sempre existente, fruto das experiências vivenciadas dentro do campo de possibilidades de cada um. A escola é parte do projeto dos alunos. Quando o autor afirma que a escola se concretiza na vida de seus alunos como um projeto de vida, inferimos acerca das necessidades evidenciadas por estes no que tange a inclusão de novas disciplinas ao currículo da instituição. Em suas falas eles destacam disciplinas ligadas à música e a dança. Ao passo que enfatizam a necessidade de melhores verbas para compra de materiais e investimentos em quadra poliesportiva favorecendo aos seus alunos e demais membros da comunidade um espaço para o lazer e o incentivo ao esporte. Com base na observação, entrevista realizada e nos estudos realizados acerca das concepções de aprendizagem evidenciamos traços do pensamento de Vygostky que defende uma aprendizagem baseada no contato com outras pessoas, com a cultura produzida pela humanidade e através das relações sociais. Assim, no processo educacional é preciso estar atento a existência das diferenças culturais e psicológicas, onde cada pessoa tem seus próprios anseios, motivações e desenvolvimento diferente uns dos demais indivíduos. A postura assumida pelo professor deve ser pautada na mediação entre o aluno e o conhecimento. Vale ressaltar que durante o período observado da aula em discussão a docente se mostrou aberta ao diálogo com os alunos e disposta a elucidar as possíveis dúvidas. Diante do tempo previsto para que os alunos respondessem às questões a professora se movimentou na sala procurando observar como os alunos respondiam a tarefa dando tempo suficiente para a resolução, privilegiando o desenvolvimento cognitivo dos sujeitos da EJA. À GUIZA DE CONSIDERAÇÕES A partir da observação e entrevista feitas em uma turma do Segmento II da Educação de Jovens e Adultos em uma escola da rede municipal de ensino, dos estudos realizados sobre o perfil do público da EJA e da relação professor-aluno-conteúdo destacamos a diversidade geracional e cultural presente nesta modalidade de educação. A vivência em uma sala de aula entre pessoas de diferentes faixas etárias preconiza a organização de um ambiente escolar aberto ao diálogo e ao entendimento das especificidades que caracterizam cada sujeito constituinte da EJA. Assim, a escola necessita entender esses sujeitos a partir de suas diferenças culturais e cognitivas, aliando ao processo ensino-aprendizagem conteúdos e conhecimentos práticos que sirvam para a vida social dos indivíduos e que os permitam atuarem de forma crítica e reflexiva na sociedade a qual estão inseridos. Nesta proposta de contemplar as singularidades e perfil dos alunos da EJA é que o professor deve se fazer atento a sua prática pedagógica promovendo um ambiente favorável a aprendizagem significativa dos seus alunos reconhecendo-os como grupo homogêneo, entretanto, respaldados pela heterogeneidade que permeia essa modalidade de educação. Pensar na Educação de Jovens e Adultos é compreender que a aprendizagem se dá de forma contínua ao longo da vida, é analisar a realidade social, cultural e econômica dos sujeitos que integram essa modalidade e criar um sistema de ensino que se identifique com as características da própria EJA oferecendo assim uma educação de qualidade as pessoas que não tiveram acesso à escola na idade regular. REFERÊNCIAS ANDRADE, C. A. etall.Perspectivas e desafios: conhecendo a realidade do Projeto 3° Tempo – aprender a fazer. In:I Congresso Internacional da Cátedra UNESCO de Educação de Jovens e Adultos. João Pessoa - Paraíba. 2010. Anais. ISBN: 978-85-7745-550-8. DAYRELL, Juarez . A escola como espaço sócio-cultural. In: Juarez Dayrell. (Org.). Múltiplos Olhares sobre educação e cultura. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 1996. OLIVEIRA, Marta Kolh de. Jovens e adultos como sujeitos de aprendizado. Revista brasileira de educação. São Paulo. p. 59 – 73. PAIVA, Jane. Os sentidos do direito à educação para jovens e adultos. Petrópolis, RJ: DP etAlii;Rio de Janeiro:FAPERJ, 2009. VELHO, Gilberto; KUSCHNIR, Karina (orgs.). Pesquisas urbanas: desafios do trabalho antropológico. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003.