16/08/2012 às 00h00 Uma visita ao 'berço' das grandes crias de Jerez Por Jorge Lucki Normalmente o que mais me interessa - e emociona - nas visitas a regiões vinícolas são os vinhedos. Afinal, por mais que as adegas possam impressionar - arquitetura sofisticada, cubas de vinificação impecáveis (dos mais variados formatos e materiais com que são fabricadas) e um bem composto parque de barricas - as parreiras têm algo mágico, instigante, singular. São o que dão origem a um grande vinho, com características específicas daquela parcela, que mesmo o vizinho de cerca não tem igual. Depois de ter estado em Jerez de la Frontera, uma das viagens mais arrebatadoras que já fiz, revi de certa forma esse conceito. Mas diz respeito exclusivamente aos jerez. Comecei a perceber que havia algo a mais nesse universo quando me inteirei dos fundamentos que levaram à criação dos vinhos da Equipo Navazos - tema da coluna da semana passada - depois de provar o primeiro deles há uns quatro anos no Celler de Can Roca, triestrelado restaurante catalão, e ir buscar informações a respeito. Jesus Barquín, um dos mentores do projeto Navazos, havia escrito num artigo para a (densa) revista trimestral inglesa "The Wold of Fine Wine Magazine" que, dadas as características especiais da produção de vinho em Jerez, terroir, na região, deve ser entendido em dois sentidos: um engloba os conceitos tradicionais que levam em consideração solo e microclima (que determinam a qualidade e particularidade do fruto); e, outro, uma complexa influência do ambiente onde o vinho é envelhecido. No caso, o que está em questão é o fenômeno da "flor", a formação, dentro dos barris, de uma película na superfície do líquido que o protege contra a oxidação. Entendi um pouco mais no jantar recente com Jesus Barquín, um dos mentores do projeto Navazos, mas só me dei conta da dimensão disso tudo ao entrar na primeira bodega visitada, a Barbadillo, situada em Sanlúcar de Barrameda, coração dos manzanillas, não por acaso indicada por ele e uma das fontes onde busca as "botas" (barril) que originam seus vinhos. Conduzido pela diretora de enologia, Montserrat Molina Maso, de origem catalã e muito respeitada na região - comentam que só na Catalunha há profissionais com tal grau de organização -, nem passamos pela área de vinificação. Fomos direto a um dos cinco armazéns que, juntos, acolhem no total 12 mil botas de Solear, sua melhor gama de manzanilla. Aquele, especificamente, foi construído em 1873 e tem a primazia de receber os barris que representam as três últimas fases do envelhecimento, a solera e as duas primeiras (de baixo para cima) criaderas. Por que tal deferência? A explicação deve ser buscada ainda no século XVIII, quando os produtores locais aprenderam a administrar a "flor". O edifício foi construído no que hoje é chamado de "Bairro Alto" de Sanlúcar de Barrameda, origem do povoado, então às margens do rio Guadalquivir, onde podia receber o vento oeste, mais fresco e úmido - ao longo do tempo, sedimentos resultantes da erosão das ladeiras, "empurraram" o leito do rio centenas de metros, criando o "Bairro Baixo", mas que continua não barrando a influência marítima. A arquitetura também foi levada em conta. O pé-direito alto e as janelas sem vidro posicionadas na direção da brisa (que definem também os corredores que separam as pilhas de barricas), além de paredes espessas, garantem temperatura estável, elevada umidade relativa e volume de oxigênio, condições adequadas para a proliferação das leveduras da "flor". Nessas circunstâncias, os vinhos envelhecidos em algum desses depósitos são muito diferentes daqueles envelhecido em outros. Montsé, como é conhecida entre seus pares, foi além, contando que aquela edificação fora comprada em 1996, um ano antes de ela ter entrado na Barbadillo, da Hidalgo, e que por muito tempo o Solear, em degustação às cegas, era confundido com o La Gitana, produzido ali até o prédio mudar de dono. As semelhanças entre ambos terminaram quando ela, com o objetivo de posicionar o Solear num patamar de qualidade mais elevado, modificou o processo de produção, passando a 10 criaderas e 6 anos de crianza (eram 14 níveis e 4 anos), e redistribuiu as criaderas, agrupando-as entre os cinco depósitos. Se isso por si só já demonstraria que faz todo sentido a tese de dupla noção de terroir levantada por Jesus Barquín, há ainda a evidência que, igualmente dentro do mesmo armazém, a localização das botas enseja vinhos diferentes. O fato é que leveduras é uma palavra a ser conjugada no plural. É uma família de micro-organismos, que se reproduzem diferentemente uns dos outros em função das condições do meio. A posição em que está a barrica, mais alta ou mais baixa, exposta a mais ou menos luz, assim como à temperatura e correntes de ar. Ademais, há o fator bota propriamente dito, em que cada barrica tem incorporada uma família de leveduras própria. Não dão necessariamente vinhos melhores ou piores, mas de características distintas. É, a rigor, a formulação dos jerez da Equipo Navazos. Provar uma série de botas e eleger algumas que tenham algo em comum, ou que resultem num jerez incomum. Testemunhei tudo isso, guiado pelos profissionais mais graduados, em particular nas bodegas Fernando de Castilla, com o proprietário Jan Pettersen; González Byass, pelo enólogo e diretor técnico Antonio Flores; Valdespino, com o diretor-geral e também um dos mentores e sócio da Equipo Navazos, Eduardo Ojeda; e na já citada Barbadillo, com Montsé Molina. Experiência inesquecível e quase impossível de transmitir por escrito. Recomendo vivamente conhecer de perto. [email protected] Destaque em Jerez Produtos achados no Brasil Produtor Bodegas Tradicion Comentário Embora possa ser considerada jovem - foi fundada em 1998 - a bodega já é uma das mais respeitadas no universo dos vinhos de Jerez. Tem como porposta principal, vasculhar preciosidades escondidas em vinícolas centenárias da região de ‘Marco del Jerez’. Depois de um amplo processo de buscas, a bodega reúne hoje um arsenal invejável de ‘botas’ de Jerez, com alguns vinhos das categorias VOS e VORS que superam 40 anos de idade. Importador Vinhos disponíveis no Brasi Vinissimo Amontillado V.O.r.S. 30 anos (R$ 419,70); Oloroso V.O.R.S. 30 anos (R$ 419,70), Palo Cortado V.O.R.S. 30 anos (R$ 473,10), Pedro Ximénez V.O.S. 20 anos (R$ 451,77)