O Manifesto Ligante: as Ligas Acadêmicas no Direito
Breno Botelho Vieira da Silva
Por: Liga Acadêmica de Ciências Criminais da UNIRIO (LACCrim)
1)
Universidade Bastiani
Todo aluno de Direito tem um pouco de Giovanni Drogo, protagonista do romance
italiano O Deserto dos Tártaros de Dino Buzzati (1906-1972). As buscas pela glória,
fortuna, sentido na vida, e, em consequência, imortalidade através de grandes feitos, tão
frescos nas jovens e imaginativas memórias, servem de norte para que eles rejam suas
próprias decisões. O discente, após anos de treino árduo com polinômios e preparativos
para provas megalomaníacas, beira à onipotência após o vestibular.
Entretanto, esse mesmo poder, aparentemente total e inigualável, é superado pelas
dificuldades impostas por uma vida acadêmica melhor descrita como kafkiana e
implacável. No caso do livro, a alegoria desses contratempos tem nome e sobrenome
certos: o Forte Bastiani.
Localizado em uma fronteira desolada, próxima de um deserto inerte e uma
montanha gélida, o posto de segunda categoria, local designado ao tenente Drogo, é
contemplado pelos mais variados defeitos possíveis. Entre eles a burocracia e protocolos
intermináveis e a hierarquia rígida e fria entre os comandados. A própria estrutura física
da fortificação é problema gravíssimo, com vastos relatos de situações insalubres e
militarmente impraticáveis. Qualquer paralelo com as instituições de educação não é mera
coincidência.
Dentro de Bastiani, anos se passam com o piscar dos olhos, e os militares da
fortaleza aguardam ansiosamente um ataque iminente dos inimigos, conflito este que
nunca acontece, levando-os a fazer da espera, e intrínseca agonia, a razão de suas
existências. O que era para ser um turno habitual de poucos anos transforma-se em busca
eterna e inútil pelos louros desejados, o que acarreta consequências trágicas e, por que
não, irônicas. Infelizmente, a figura da universidade de Direito no Brasil, com raríssimas
exceções, em seus mais diversos aspectos, ganhou feições de Bastiani.
Como, então, contribuir para mudar uma realidade enraizada e inclemente com os
anseios dos estudantes em um curso tradicional e cujas políticas são sempre do topo da
pirâmide para a base? Aí entra a figura da Liga Acadêmica.
2)
Ligas Acadêmicas: mais do que uma sopa de letrinhas
Ligas Acadêmicas são associações civis e científicas, livres, de duração
indeterminada, formadas por docentes e discentes. Elas visam complementar a formação
dos alunos da graduação de sua instituição de ensino superior, por meio de atividades que
atendam os princípios do tripé ensino, pesquisa e extensão. Desde 1924, com a formação
da Liga de Combate a Sífilis na a Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo
(FMUSP), incontável número de ligas nasceu nas faculdades de Medicina, resultando em
grandes conquistas para a sociedade. O próprio combate aos surtos de sífilis no início do
século XX é um exemplo.
Mas o que têm de mais essas ligas acadêmicas? Três são os seus diferenciais:
neutralidade institucional, democratização do ensino, e profissionalização dos
integrantes.
O primeiro tópico é essencial para o desenvolvimento das atividades da Liga
Acadêmica. A sua própria existência é pressuposto para que todas as formas de
conhecimento sejam protegidas dentro da associação, pois a promoção da troca de
informações e visões de mundo só é possível sem pressupostos. Além disso, tal condição
é o maior atrativo para a interdisciplinaridade e inovação. Para pensar fora da caixa,
nenhuma limitação deve ser imposta.
A segunda questão tem a ver com a própria missão de uma Liga Acadêmica. Sua
finalidade indiscutível é trazer para o protagonismo o corpo discente da faculdade, sempre
em conjunto com professores dispostos a auxiliarem as tarefas. O aluno como sujeito de
conhecimento, recebendo e criando ideias como bem entender nos cursos, aulas, e
pesquisas que propõem e lhe são propostos. Apesar de existir um corpo de gestão para
fins administrativos e representativos, além de limite do número de integrantes para
possibilitar maior eficiência na direção, as decisões e sugestões são sempre feitas em
conjunto com a comunidade ligante. Além disso, os frutos colhidos durante os trabalhos
das Ligas Acadêmicas serão sempre passados à sociedade.
Para finalizar, lembramos que o aperfeiçoamento dos componentes em uma Liga
é consequência natural da energia e do empenho nas atividades propostas aos alunos. O
contato peculiar com determinadas áreas e questões do Direito, como é proposto, é um
diferencial muito relevante no currículo do alunado. Entendemos que a experiência com
as dificuldades do “mundo real prático” acentua a sensibilidade e a percepção de futuros
postulantes ao trabalho. A participação em uma Liga significa a possibilidade de perceber
uma imagem mais ampla do sistema em debate.
Assim nasceu a Liga Acadêmica de Ciências Criminais (LACCrim) na UNIRIO,
cujas atividades demonstram o interesse dos seus membros e a confiança dos colegas
através de sua participação: estamos desenvolvendo 14 pesquisas, foram realizadas cinco
aulas ministradas por profissionais de fora da Universidade, um curso de Execução Penal
em andamento, um projeto de extensão próprio, e obtivemos apoio da Fundação Estudar
e do Conselho Penitenciário do Estado do Rio de Janeiro. A ideia de pesquisar,
compreender e disseminar as Ciências Criminais tornou-se uma realidade.
Atualmente, além da nossa, outras Ligas estão surgindo no meio acadêmico. Norte
do país com a LAJUPA (Liga Acadêmica Jurídica do Pará) e a Liga do Centro
Universitário UNIRG-TO, passando pelo Nordeste com a LACC- UFAL (Liga
Acadêmica de Ciências Criminais – Universidade Federal do Alagoas), e com destaque
para algumas no Sul (LAJUP- Liga Acadêmica Jurídica do Paraná, LACC – Universidade
Católica de Pelotas): o sonho de tornar o modelo de ensino mais participativo está
crescendo. Esse modelo, em que o aluno é ator principal só tem a acrescentar e beneficiar
a sociedade, as universidades, e a própria Educação nacional. Agora podemos imaginar
outras possibilidades a serem alcançadas com o surgimento de outras Ligas a se juntar
conosco.
Mudar é preciso, e o modelo das Ligas Acadêmicas é o caminho de progresso para
o alunado.
Vida longa às ligas jurídicas!
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Breno Botelho Vieira da Silva