A A CÇÃO E XECUTIVA EM A VALIAÇÃO Uma Proposta de Reforma Boaventura de Sousa Santos Director Científico Conceição Gomes (coord.) Paula Fernando Fátima de Sousa Catarina Trincão Diana Fernandes Jorge Almeida Consultor José Mouraz Lopes Juiz de Círculo Volume I OBSERVATÓRIO PERMANENTE DA JUSTIÇA PORTUGUESA CENTRO DE ESTUDOS SOCIAIS F AC U L D AD E D E E C O N O M I A UNIVERSIDADE DE COIMBRA A B R I L D E 2007 Índice I ÍNDICE GERAL Volume I Índice geral __________________________________________________________ I Agradecimentos _____________________________________________________ IX Introdução geral ____________________________________________________ XIII Capítulo I As reformas do processo executivo: breve abordagem Introdução ___________________________________________________________ 1 1. A reforma da acção executiva da Comissão Antunes Varela e as Linhas Orientadoras da Nova Legislação Processual Civil (1992/1993) ____________ 2 2. O debate pós-Linhas Orientadoras: a procura de uma reforma intercalar _____ 6 2.1. O contributo de Lopes do Rego _____________________________ 6 2.2. O contributo de Ribeiro Mendes: um apelo à reforma intercalar ____ 8 3. A reforma intercalar introduzida pelo Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro, e pelo Decreto-Lei n.º 180/96, de 25 de Setembro ____________ 12 4. Do I Anteprojecto à Lei de Autorização Legislativa n.º 2/2002, de 2 de Janeiro ________________________________________________________ 15 5. A nova reforma da acção executiva (2003) ____________________________ 18 6. 7. 5.1. Os objectivos e as linhas orientadoras da reforma _____________ 19 5.2. Um balanço da reforma: os primeiros meses da entrada em vigor _________________________________________________ 21 Uma avaliação da reforma da acção executiva: o Relatório do Gabinete de Política Legislativa e Planeamento (Junho de 2005)_____________________ 25 6.1. Problemas e bloqueios identificados ________________________ 25 6.2. As soluções avançadas __________________________________ 27 O Plano de Acção para o Descongestionamento dos Tribunais e as 17 Medidas para Desbloquear a Reforma da Acção Executiva (Junho de 2005) _________________________________________________________ 30 II A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma 7.1. O Plano de Acção para o Descongestionamento dos Tribunais ___ 30 Incentivos excepcionais para a desistência de acções executivas por dívidas de custas ______________________________ 31 Alterações ao Código de Processo Civil e ao Estatuto da Câmara dos Solicitadores __________________________________ 32 7.2. 8. As 17 Medidas para Desbloquear a Reforma da Acção Executiva _____________________________________________ 34 O Manual de Boas Práticas _______________________________________ 40 Capítulo II O novo regime da acção executiva Introdução _________________________________________________________ 41 1. A entrada em vigor do novo regime e o seu âmbito de aplicação __________ 42 2. As alterações no âmbito da organização judiciária: os juízos de execução ___ 43 3. Os pressupostos da acção executiva ________________________________ 48 4. 3.1. Os títulos executivos ____________________________________ 48 3.2. Outros pressupostos da acção executiva ____________________ 49 O processo executivo comum: suas fases ____________________________ 51 4.1. 4.2. A fase inicial: o requerimento executivo _____________________ 51 4.1.1. A designação do solicitador de execução _______________ 54 4.1.2. A citação prévia do executado _______________________ 55 4.1.3. O despacho liminar ________________________________ 55 4.1.4. A oposição à execução _____________________________ 57 A fase da penhora ______________________________________ 58 4.2.1. Diligências e procedimentos prévios___________________ 59 O registo informático das execuções_____________________ 60 4.2.2. A realização da penhora ____________________________ 62 A penhora de bens imóveis ____________________________ 64 A penhora de bens móveis ____________________________ 65 A penhora de direitos_________________________________ 67 A penhora de créditos ________________________________ 67 A penhora de direitos titulados _________________________ 68 A penhora de vencimentos, salários, rendas e abonos _______ 68 A penhora de depósitos bancários ______________________ 68 4.2.3. Diligências de efectivação da penhora _________________ 70 Índice III 4.2.4. A intervenção do juiz na fase da penhora _______________ 70 4.2.5. A reacção contra a penhora__________________________ 72 A oposição à penhora_________________________________ 73 Os embargos de terceiro ______________________________ 74 A acção de reivindicação ______________________________ 74 4.2.6. 4.3. A convocação e o concurso de credores ________________ 75 A fase da venda ________________________________________ 76 A venda em depósito público ___________________________ 78 4.4. A extinção da execução __________________________________ 80 5. As custas judiciais nas acções executivas ____________________________ 82 6. Uma nova profissão jurídica: o solicitador de execução __________________ 84 6.1. O regime de acesso à profissão____________________________ 85 6.2. As competências _______________________________________ 87 6.3. As incompatibilidades, os impedimentos e o pedido de escusa ___ 88 As incompatibilidades _________________________________ 88 Os impedimentos ____________________________________ 89 O pedido de escusa __________________________________ 90 6.4. Os deveres do solicitador de execução ______________________ 91 6.5. A substituição do solicitador de execução ____________________ 96 6.6. O controlo e a fiscalização do exercício da profissão ___________ 97 6.7. O regime remuneratório __________________________________ 99 6.8. A Caixa de Compensações ______________________________ 105 Capítulo III Uma reforma sem condições? Introdução _________________________________________________________ 107 1. 2. A entrada em vigor da reforma: um contexto de instabilidade ____________ 108 1.1. A ausência de um projecto-piloto __________________________ 110 1.2. A simultaneidade da entrada em vigor de vários diplomas ______ 111 1.3. As autuações extraordinárias dos processos executivos ________ 113 O défice de formação dos agentes judiciais __________________________ 119 2.1. A formação dos solicitadores de execução __________________ 119 2.2. A formação dos funcionários judiciais ______________________ 131 IV A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma 2.3. A formação dos magistrados _____________________________ 135 3. Os juízos de execução como instrumento da reforma __________________ 137 4. As “flutuações” na definição da competência dos tribunais ______________ 142 5. A falta de recursos humanos, de infra-estruturas e de organização dos solicitadores de execução________________________________________ 145 6. A disjunção entre a informatização de procedimentos prevista e a prática __ 156 O recebimento do requerimento executivo _______________ 157 A falta de articulação (informática) do tribunal judicial com os Serviços do Ministério Público ______________________ 166 7. O acesso às bases de dados _____________________________________ 168 7.1. O registo informático de execuções________________________ 168 7.2. O acesso às bases de dados que permitem conhecer a identificação civil, a residência e a situação profissional e patrimonial do executado________________________________ 171 As bases de dados do Registo Civil e da Segurança Social __ 173 As bases de dados do Registo Automóvel, Registo Comercial, Registo Nacional das Pessoas Colectivas e Registo Predial __________________________________ 175 As bases de dados da Direcção-Geral dos Impostos _______ 176 8. A realização da penhora _________________________________________ 183 8.1. A penhora de depósitos bancários e a questão do sigilo bancário _____________________________________________ 183 8.2. As dificuldades da penhora electrónica de bens imóveis e de móveis sujeitos a registo ________________________________ 188 8.3. Os depósitos públicos __________________________________ 189 Capítulo IV Bloqueios normativos de um processo burocrático e complexo Introdução ________________________________________________________ 193 1. Uma desjurisdicionalização de efeito contrário – mais trabalho e maior complexidade? ________________________________________________ 194 2. A necessária clarificação dos papéis dos intervenientes na acção executiva 204 2.1. Os actos do juiz e o poder de controlo do processo ___________ 212 O relatório mensal do solicitador de execução ____________ 219 Índice V 2.2. A intervenção do exequente e a (não) vinculação da indicação de bens à penhora _____________________________________ 223 3. O controlo da actividade do solicitador de execução ___________________ 229 4. A inexistência de prazos peremptórios ______________________________ 239 5. Mais oposições à execução – o processo executivo transformado em processo declarativo? ___________________________________________ 241 6. A tramitação processual: alguns problemas __________________________ 245 7. 6.1. O despacho liminar e/ou citação prévia _____________________ 245 6.2. A citação do executado no acto da penhora _________________ 255 6.3. A advertência ao citando em caso de citação em pessoa diversa _ 256 6.4. A citação do executado na execução para entrega de coisa certa ________________________________________________ 257 6.5. A apensação e a sustação das execuções __________________ 258 6.6. A penhora de veículos automóveis ________________________ 260 6.7. A necessidade de despacho judicial prévio para o recurso ao auxílio da força pública: garantia ou bloqueio? _______________ 262 6.8. O problema do excesso de privilégios creditórios e a possibilidade de reclamação em todas as acções executivas ____ 265 6.9. A fase da venda _______________________________________ 272 A desarticulação do processo executivo com outros diplomas conexos _____ 276 7.1. A desarticulação com a legislação laboral ___________________ 276 7.2. A desarticulação com o Código do Registo Predial ____________ 283 7.3. A desarticulação com o Código de Procedimento e Processo Tributário ____________________________________________ 288 8. O atraso nos pagamentos ao exequente: falta de controlo da conta-cliente do solicitador de execução ou dificuldades interpretativas? A necessária clarificação____________________________________________________ 291 9. A tabela remuneratória do solicitador de execução: uma prática muito diferenciada ___________________________________________________ 298 10. As custas de parte ______________________________________________ 305 11. Os custos da acção executiva: um problema de acesso à justiça?_________ 308 VI A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma Capítulo V O contexto sócio-económico e cultural como factor de bloqueio Introdução ________________________________________________________ 311 1. A conjuntura económica e a ausência de bens a penhorar ______________ 312 2. As acções executivas para recuperar impostos _______________________ 319 3. Uma nova profissão no processo executivo: as relações entre solicitadores de execução e os demais intervenientes processuais __________________ 324 A relação solicitadores de execução / magistrados_________ 326 A relação solicitadores de execução / funcionários judiciais __ 330 A relação advogados / solicitadores de execução__________ 337 4. As comunicações entre os vários intervenientes no âmbito do processo executivo: a necessária automatização _____________________________ 357 5. A heterogeneidade de procedimentos nos tribunais____________________ 364 Capítulo VI Conclusões gerais Conclusões gerais __________________________________________________ 373 Referências bibliográficas ____________________________________________ 403 Índice VII Volume II Proposta de Reforma da Acção Executiva 1. Do sentido e da extensão das alterações propostas ______________________ 1 Dos objectivos, da entrada em vigor e da falta de consolidação da actual reforma _____________________________________ 2 2. A conjuntura económico-social ______________________________________ 7 3. Das respostas conjunturais para os processos pendentes: criação de um regime excepcional para vigorar, transitoriamente, num período de tempo previamente delimitado ____________________________________________ 9 4. Propostas de aplicação geral ______________________________________ 15 4.1. Medidas a montante da acção executiva _____________________ 15 4.2. Medidas que visam agilizar a necessária articulação dos solicitadores de execução com entidades externas aos tribunais __ 18 4.3. 4.4. 4.2.1. O acesso às bases de dados que permitem conhecer a identificação civil, a residência e a situação profissional e patrimonial do executado deve ser agilizado e deve deixar de depender de despacho prévio do juiz __________ 18 4.2.2. Dados abrangidos pelo sigilo bancário e penhora de depósitos bancários. A lei deve ser alterada no sentido de prescindir de despacho do juiz a penhora de depósitos bancários ________________________________________ 26 4.2.3. Penhora de bens imóveis e de móveis sujeitos a registo ___ 27 4.2.4. Recurso ao auxílio da força pública. A lei deve ser alterada no sentido de prescindir de despacho do juiz _____ 28 Medidas relativas aos recursos e infra-estruturas judiciárias ______ 28 4.3.1. Actualização do registo informático das execuções _______ 29 4.3.2. Tribunais de execução______________________________ 29 4.3.3. A informatização do sistema de justiça _________________ 29 4.3.4. A formação de recursos humanos _____________________ 30 A obrigatoriedade da automatização das comunicações _________ 31 a) Comunicação do tribunal com o solicitador de execução e com o mandatário do exequente e deste para o tribunal _______ 31 b) Comunicação do solicitador de execução com o tribunal ________ 31 4.5. 5. Da clarificação e alteração do regime processual e demais legislação conexa _______________________________________ 33 Da formação, do acesso à profissão e do controlo da profissão de solicitador de execução ___________________________________________ 43 VIII A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma 5.1. Deve ser avaliado o programa de formação inicial dos solicitadores de execução e deve ser desenvolvido um programa adequado de formação permanente ________________ 43 5.2. Alargamento da base de recrutamento ______________________ 43 5.3. Do controlo e disciplina da profissão de agente de execução_____ 44 Volume III ANEXOS Anexo A – Painel “A avaliação da reforma da acção executiva” 03 de Novembro de 2006 ________________________________________________________ 1 Anexo B – Painel “A avaliação da reforma da acção executiva” 07 de Dezembro de 2006 ______________________________________________________ 137 Anexo C – Painel “A avaliação da reforma da acção executiva” 15 de Dezembro de 2006 ______________________________________________________ 279 Anexo D – Fluxograma - Execução comum para pagamento de quantia certa com solicitador de execução______________________________________ 405 Anexo E – Documentos ______________________________________________ 425 Agradecimentos O estudo que se apresenta neste relatório foi realizado, por solicitação do Ministério da Justiça, pelo Centro de Estudos Sociais da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, no âmbito do Observatório Permanente da Justiça Portuguesa. O objectivo central deste estudo é identificação dos principais problemas e bloqueios da acção executiva e a apresentação de soluções que os permitam eliminar. Para a execução deste estudo, contámos com a disponibilidade, a colaboração e o valioso contributo de várias pessoas e entidades, às quais queremos, muito reconhecidamente, agradecer. Começamos por agradecer aos Senhores Magistrados Judiciais Drs. António Beça Pereira, António Fernando Barateiro Dias Martins, António José Fialho, Domingos Morais, João Felgar, Maria João Areias e Salvador Nuno dos Santos; Aos Senhores Magistrados do Ministério Público, Drs. António José de Matos Pimenta Simões, Carlos Lopes do Rego e Raquel Maria Quaresma Francisco; aos Senhores Advogados Drs. Armindo Ribeiro Mendes, Carlos Ferrer Santos e Daniel Andrade; Aos Senhores Funcionários de Justiça, Ana Maria Soares Canedo Cruz, António Jorge Ribeiro, Gil Manuel Fernandes Diz, Herondino Rodrigues Calejo, José Manuel Lapa, Manuel Cardoso do Nascimento, Miquelina Pereira Castro Pinto, Ruben Rechau e Rui Manuel Pais Alves; Aos Senhores Inspectores do Conselho dos Oficiais de Justiça, Joaquim Lino Raposo Gonçalves e Manuel José Soares Gonçalves; e Aos Senhores Solicitadores de Execução Alexandre Trigo, Armando Branco, Armando Oliveira, Cristina Frade, Fernanda Santos, José Carlos Resende, José Manuel Oliveira e José Vieira, que, com grande generosidade, X A Acção Executiva em Avaliação:Uma Proposta de Reforma aceitaram debater connosco, em três painéis, algumas das questões deste tema. Agradecemos, ainda, ao Senhor Presidente da Associação Sindical dos Juízes Portugueses, Dr. António Francisco Martins, aos Srs. Fernando Jorge Fernandes, Presidente do Sindicato dos Funcionários Judiciais, e ao Senhor Presidente da Câmara dos Solicitadores, Dr. António Gomes da Cunha, pela sua participação e importante contributo naqueles painéis. Pelo importante auxílio para a nossa investigação, cabe-nos, ainda, agradecer o tempo, a disponibilidade e, sobretudo, o valioso contributo nas entrevistas que realizámos aos Senhores Magistrados Drs. Ana Chambel, Ana Guedes da Costa, Ana Mafalda Sequinho, Anabela Saraiva, António Leite, Carla Rodrigues, Isabel Calado, Fátima Silva, Francisco José Galvão Correia, Margarida Correia, Maria Graça Agrelo, Maria Helena Silva, Maria João Calado, Maria V. Nunes, Maria da Purificação Carvalho, Pedro Ribeiro, Pina Martins, Raquel Teiga, Rui Rocha e Rui Sanches e Silva; Aos Senhores Advogados Drs. Alexandra Vilela, Amaro Jorge, Amílcar de Melo, Ana Maria Seiça Neves, Ana Mascarenha, Ana Miragaia, Ângela Almeida, António Crespos Couto, António José Amado, António Moreira Lima, Artur Seguro Pereira, A. Borges da Costa, Carlos Ferrer, Fernando Petiz, Filipe Vilela, Hugo Correia, José Leiria, José Teixeira, Jorge Miranda, Lúcia Santos, Luís Oliveira, Manuel Pacheco, Manuela Loulé, Mapril Bernardes, Maria Ana Alves Henriques, Mário Ferro, Miguel Júdice, Miguel Mota, Miguel Serra, Paula Saraiva, Quitéria da Luz, Raposo Subtil, Rogério Silva, Rui Maurício, Rui Oliveira Varela Sandra Castanheira, Sandra Ferraz, Sidónio Santos, Sousa e Pinto e Susana Valente; Aos Senhores Funcionários Judiciais Srs. Alexandra Almeida, António Francisco Azevedo da Silva, António Jorge Ribeiro, António Reis, Carlos Samorinha, Daniel Costa, Filomena Delicado, Francisco Serrano, Gilberto Lima e Silva, Herculano Alves, Jorge Branco, Jorge Duarte, Jorge Oliveira, Lucília Azevedo, Luís Seixas, Marta Vagos, Olívia Costa, Plínio Aníbal Cavaco, Ruben Rechau, Sebastião Imaginário, Sérgio Labourette Alves, Vítor Lopes e Zulmira Agradecimentos XI Figueiredo; Aos Senhores Solicitadores de Execução Srs. Francisco Silva, José Rodrigues, Rui Dias da Silva e Sandra Rodrigues; e Aos Senhores Funcionários de Solicitadores de Execução Srs. Ana Sosio, Carla Cardoso, Claúdia Cardoso, Eduardo Cassola e Mário Carapinha. Cabe-nos agradecer, de forma muito especial, ao Senhor Dr. José Mouraz Lopes, pela sua participação e contribuição nos painéis e em reuniões de discussão do trabalho de campo e da proposta de reforma apresentada neste estudo. Queremos, também, reconhecidamente agradecer, nas pessoas das Suas Directoras, Dras. Rita Brito e Helena Ribeiro, a pronta colaboração, os dados e informação que, sempre que solicitados, nos foram proporcionados pelo Gabinete de Política Legislativa e Planeamento e pela Direcção-Geral da Administração da Justiça. A equipa de investigação contou, ainda, com a colaboração dos Drs. Carla Soares, Hugo Rascão, Fátima Antunes, Jorge Vaz Nande, Lara Dias, Renato Santos e Eng. Susana Baptista, a quem nos cabe agradecer. Por ultimo, agradecemos ao Dr. Pedro Abreu a preciosa ajuda no trabalho de formatação do relatório final. XII A Acção Executiva em Avaliação:Uma Proposta de Reforma Introdução Geral As profundas transformações sociais, que provocaram um forte crescimento do endividamento das famílias e das empresas, e a eliminação da fase declarativa em muitos litígios, com a introdução e o alargamento do procedimento de injunção e a ampliação do elenco dos títulos executivos, são os principais factores que estão no lastro do aumento exponencial, nos últimos anos, das acções executivas. Aquelas mudanças, sociais e legais, provocaram, de facto, uma enorme sobrecarga no volume processual das acções executivas que, a partir de 2002, ultrapassou o número de acções declarativas entradas, intensificando-se, a partir daquele ano, a tendência de crescimento daqueles processos. Em 1990, o número de acções executivas entradas foi de 75.862, enquanto que, em 2004, tinha subido para 312.280 processos, o que significa um crescimento de 312%. Em 2005, de acordo com os dados estatísticos disponíveis, o volume processual não sofreu alterações significativas. De facto, nos últimos anos, verificou-se uma alteração substancial do aumento do número de processos entrados, que não foi acompanhado por um crescimento equivalente dos processos findos, o que induziu o enorme crescimento das acções executivas pendentes, passando de 96.690, em 1990, para 728.145 processos em 2004 e, em 2005. Em consonância com o movimento processual civil em geral, o peso das execuções acentua-se nas comarcas do litoral, em especial nas comarcas de Lisboa e Porto. As recentes reformas introduzidas pela Lei n.º 14/2006, de 26 de Abril, nos termos da qual o autor passará a ter de propor, em regra, a acção no tribunal do domicílio do réu, poderão importar mutações significativas do volume da procura nas comarcas de Lisboa e Porto, dispersando-o pelo território nacional, de acordo com este novo critério de atribuição da competência. Se é certo, como mostram as estatísticas da justiça, que as pessoas XIV A Acção Executiva em Avaliação:Uma Proposta de Reforma colectivas são os principais mobilizadores do sistema de justiça cível, o seu peso relativo aumenta, de forma acentuada, nas acções executivas. No período 2000-2004, representavam, em média, considerando o total do território nacional, cerca de 90% dos exequentes. Apenas em duas comarcas do centro do país e em algumas comarcas do interior norte, é que os exequentes pessoas colectivas não constituem mais de 75% dos exequentes. Nas comarcas de Lisboa e Porto, o seu peso relativo aumenta para 97% e 96%, respectivamente. Considerando a média do período 2000-2004, 62% das acções executivas findas diziam respeito ao pagamento de uma dívida. Merece, ainda, referência o facto de cerca de 17% das acções executivas findas naquele período resultarem do não pagamento de custas judiciais. O valor da maioria das acções executivas é baixo. Cerca de 56% das execuções findas em 2004, tinham um valor igual ou inferior a 1.000 Euros, sendo que em cerca de 44% era igual ou inferior a 500 Euros. No que se refere ao título executivo que serviu de base à execução, a maioria resulta de documentos particulares (letras, cheques, livranças e outros documentos particulares), representando as sentenças condenatórias cerca de 38%. O aumento crescente da duração das acções executivas e, consequentemente, dos processos pendentes levou a que, desde há mais de uma década, persista entre nós o debate sobre as “necessárias” reformas da acção executiva, levando a alterações em diversos diplomas legais. De facto, desde a década de 90 do século passado, que o Governo tem vindo a introduzir reformas no regime da acção executiva – a mais profunda em Setembro de 2003 –, a reforma em análise no presente estudo, com alterações substanciais ao Código de Processo Civil e demais legislação conexa, criando um novo modelo de acção executiva. Em traços gerais, a nova reforma manteve a ligação do processo aos tribunais, isto é, a natureza jurisdicional do processo, mas atribuiu ao agente de execução a iniciativa e a prática de actos necessários à realização da acção executiva, visando libertar o juiz das tarefas processuais que não envolvessem Introdução Geral XV uma função jurisdicional e os funcionários judiciais da prática de actos fora do tribunal. É, assim, na criação de uma nova figura processual – o solicitador de execução – e na transferência para ele de um conjunto de competências que, até então, a lei atribuía a outros intervenientes processuais, em especial ao juiz, que reside a principal linha fracturante com o modelo, até então vigente, da acção executiva. As alterações à acção executiva que têm vindo a ser introduzidas no ordenamento jurídico português tinham como objectivo último encontrar soluções, quer para o aumento exponencial do volume das acções, quer para a sua longa duração. Em especial com a actual reforma, o legislador considerava poder obter uma maior celeridade, eficácia e eficiência dos processos executivos, conseguidas através, quer da simplificação e desjudicialização de muitos actos, quer do recurso a meios informáticos. Contudo, como resulta do nosso estudo, tal objectivo ainda não foi conseguido. Os dados estatísticos disponíveis indicam elevados níveis de pendência e de morosidade processual e, consequentemente, persistem as percepções negativas sobre o funcionamento da acção executiva. Podemos dizer, aliás, que a percepção negativa, por parte de advogados, magistrados e funcionários judiciais, é um dos factores mais consensuais no nosso estudo. A reforma do actual modelo de acção executiva passou, assim, a estar novamente na agenda do Governo, constituindo uma das linhas de prioridade da acção governativa e integrando o Acordo Político-Parlamentar para a Reforma da Justiça. É neste quadro que se insere o presente estudo, solicitado, pelo Ministério da Justiça, ao Centro de Estudos Sociais no âmbito do Observatório Permanente da Justiça Portuguesa, cujo objecto central é, por um lado, a identificação dos principais problemas e factores de bloqueio da acção executiva e, por outro, a apresentação de um conjunto de propostas de reforma que os permitam eliminar. As propostas de reforma que, à luz da investigação realizada apresentamos, pretendem dar resposta aos principais problemas e factores de bloqueio identificados, mas tendo como principal linha de orientação a XVI A Acção Executiva em Avaliação:Uma Proposta de Reforma manutenção das características essenciais do actual modelo de acção executiva. Circunscrevem-se, assim, a alterações e ajustamentos que entendemos necessários fazer para um eficiente e eficaz funcionamento do actual modelo da acção executiva, mas sem que introduzam rupturas que coloquem em causa o paradigma processual, por duas razões essenciais. A primeira é que consideramos que as reformas estruturantes ou que provoquem rupturas de paradigma, só devem ocorrer depois de uma monitorização e avaliação exigentes que permitam identificar, em detalhe, os bloqueios, os problemas e, eventuais, efeitos perversos. Só assim será possível avaliar correctamente o fracasso ou o sucesso das reformas. Acontece que, como resulta do nosso estudo, não só ainda não se encontram preenchidas as condições materiais necessárias para um eficaz funcionamento do actual modelo, como estamos perante uma reforma com um curto período de vigência e que tem sido sujeita a alterações legais sucessivas, algumas muito recentes. Ora, esta situação não permite uma completa e eficaz avaliação do modelo. Em segundo lugar, alguns sinais detectados no sentido de uma maior celeridade e eficácia na tramitação dos processos executivos, induzida pelos vários ajustamentos práticos que o decurso do tempo permitiu fazer, mas, sobretudo, pelas recentes medidas do Governo para desbloquear a reforma da acção executiva, em especial, a instalação de mais juízos de execução e a possibilidade de o exequente escolher um solicitador de execução inscrito em qualquer comarca, permitem criar expectativas positivas sobre o paradigma do actual modelo, ainda que sujeito a determinadas alterações. Consideramos, por isso, que a introdução de alterações profundas à lei que venham a alterar o actual paradigma do processo executivo, sem que tenha sido possível testar todas as suas virtualidades, poderiam trazer mais turbulência ao sistema executivo, provocando um efeito perverso maior. Notas Metodológicas Como já referimos, o objectivo central deste estudo é a identificação dos Introdução Geral XVII principais bloqueios da acção executiva e a apresentação de soluções que os permitam eliminar. A curta vigência da reforma e a sua pouca consolidação e os escassos meses de que dispúnhamos para a realização do estudo foram factores que condicionaram a definição do plano metodológico adequado ao objecto central da investigação. A recolha de dados que serviu de base ao presente estudo foi feita com recurso, sobretudo, a métodos qualitativos. Era nossa intenção fazer uma análise detalha do movimento e da caracterização das acções executivas entradas depois de Setembro de 2003 (designadamente quanto ao volume de processos entrados, pendentes e findos, duração do processo e durações intermédias das fases do processo, objecto da acção, valor da execução, espécie de título, motivos pelos quais o processo findou, agente de execução nomeado, incidentes, existência ou não de embargos). Dado que as estatísticas oficiais do Ministério da Justiça, para todos aqueles dados, só estavam disponíveis até 2004, estes dados teriam que ser recolhidos através do programa H@bilus. A Direcção-Geral da Administração da Justiça (DGAJ) disponibilizou-nos os dados possíveis, que começámos por tratar, designadamente fazendo as necessárias correspondências com os dados anteriores, de modo a que fosse possível obter séries mais longas para alguns indicadores. Contudo, porque as bases da DGAJ ainda se encontravam em actualização, havia um elevado número de campos sem preenchimento. O prazo de que dispúnhamos para a conclusão deste estudo não nos permitiu, em tempo, contar com aquela actualização em curso, pelo que não foi possível incluir neste estudo a análise e caracterização que pretendíamos fazer. Acresce que, como resulta do trabalho de campo, é, ainda, muito baixa a percentagem dos processos extintos tramitados segundo a nova reforma. Muitos deles, em especial nos tribunais com maior volume processual, não passaram sequer a fase da penhora. O que também dificultaria uma análise e caracterização detalhada das “novas” acções executivas. A recolha de dados foi, assim, feita privilegiando os métodos qualitativos. Realizámos entrevistas semi-estruturadas a 20 juízes, 23 funcionários judiciais, 41 advogados, 6 solicitadores de execução e 5 funcionários (por não ter sido XVIII A Acção Executiva em Avaliação:Uma Proposta de Reforma possível entrevistar o solicitador) nas seguintes comarcas: Coimbra, Évora, Guimarães, Faro, Lisboa, Santa Maria da Feira e Viseu. As comarcas foram seleccionadas, de modo a que pudéssemos contar com entrevistados de diferentes comarcas, quer atendendo ao volume dos processos executivos entrados no tribunal, quer à respectiva localização geográfica. Em cada uma das comarcas seleccionadas foram sempre entrevistados juízes, funcionários judiciais, advogados e solicitadores de execução. Nalgumas comarcas foi possível entrevistar todos os juízes em exercício de funções e todos os funcionários judiciais. Sempre que tal não foi possível, a selecção dos juízes foi aleatória e os funcionários foram indicados pelo secretário do tribunal. A escolha dos solicitadores de execução a entrevistar foi feita aleatoriamente tendo por base a lista dos solicitadores de execução disponível na página web da Câmara dos Solicitadores (www.solicitador.net). A selecção dos advogados entrevistados foi feita, no caso de Lisboa, Coimbra e Faro, pelos Presidentes dos Conselhos Distritais da Ordem dos Advogados respectivos. Nas restantes comarcas pelo Presidente da Delegação da Ordem dos Advogados. Para além daquelas entrevistas foram, ainda, entrevistados operadores judiciários a exercer funções em outras comarcas, bem como representantes da Câmara dos Solicitadores. As grande maioria das entrevistas teve lugar nos gabinetes de trabalho dos respectivos operadores e foi possível, nalguns casos, ter acesso a vários processos que, naquele momento, tinham em mãos, o que nos permitiu verificar alguns indicadores, designadamente, a duração das várias fases do processo. Como o objectivo de conhecer as opiniões de operadores de outras comarcas, bem como de fomentar o debate sobre as várias soluções possíveis para os problemas identificados, realizámos três painéis (grupos de discussão), um em que intervieram apenas funcionários judiciais, com a participação de representantes do Sindicato dos Funcionários Judiciais; um com a participação de solicitadores de execução e de representantes da Câmara dos Solicitadores; e um terceiro em que intervieram magistrados, advogados e Introdução Geral XIX representantes dos Conselhos Superior da Magistratura e do Ministério Público, da Associação Sindical dos Juízes Portugueses, do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público e da Ordem dos Advogados; num total de 35 participantes. Estes painéis, com a autorização de todos os participantes, foram integralmente gravados e posteriormente transcritos. As transcrições, depois de ligeiramente revistas, foram enviadas para eventuais correcções a cada um dos intervenientes. A sua publicação no relatório inclui todas as correcções que os próprios entenderam fazer. Procedemos, ainda, à análise de estudos, artigos e opiniões publicadas, entre nós, sobre a nova reforma da acção executiva. O objectivo era o de conhecer os principais problemas, que desde a entrada em vigor da reforma da acção executiva, têm vindo a ser identificados, bem como as propostas de solução. Algumas das publicações também nos ajudaram a traçar os processos de reforma da acção executiva desde 1987. A análise documental estendeu-se, ainda, a alguns processos, como acima referimos, bem como a outros documentos que os diferentes agentes judiciais nos facultaram, como memorandos, requerimentos, despachos circulares e minutas de notificação, e citações. A análise da legislação foi fundamental para traçarmos, quer as principais linhas de reforma da acção executiva desde 1987, quer as principais características do regime jurídico que regula a acção executiva. Apresentação do Relatório O presente relatório é constituído por 3 volumes. O primeiro volume integra seis capítulos. Como já referimos, a reforma da acção executiva tem estado na agenda política desde o início da década de 90 do século passado. No primeiro Capítulo, fazemos uma síntese da evolução daquele processo de reforma, desde o princípio da década de 90 do século passado, dando especial enfoque à reforma de 2003 – a reforma em análise no presente estudo. No segundo Capítulo, apresentamos uma breve descrição do actual regime jurídico da acção executiva, distinguindo as várias fases do processo e XX A Acção Executiva em Avaliação:Uma Proposta de Reforma salientando as principais inovações introduzidas. Traçamos, ainda, o perfil legal da nova profissão criada – o solicitador de execução – dando conta dos requisitos de acesso a esta nova profissão, das suas competências, incompatibilidades, impedimentos e deveres e regime remuneratório. Analisamos, ainda, o quadro legal em que é exercida a função de fiscalização e acção disciplinar a que estão sujeitos, bem como as suas relações funcionais com o exequente e com os tribunais. Os Capítulos terceiro, quarto e quinto pretendem colocar em evidência os principais problemas e bloqueios, que a nossa investigação permitiu identificar, impedientes de um eficaz e eficiente funcionamento da acção executiva. No Capítulo terceiro, agregámos os principais problemas e bloqueios de ordem material, que têm impedido a concretização das condições necessárias ao funcionamento do actual modelo legal de acção executiva. No Capítulo quarto, mapeámos os problemas resultantes do próprio regime jurídico, quer no que se refere à interpretação de algumas normas, quer à omissão ou inadequação da previsão legal. No Capítulo quinto, demos conta de um conjunto de problemas e bloqueios de ordem económica e cultural que, não sendo específicos do processo executivo, afectam, com intensidade, a sua eficácia e eficiência. O último Capítulo deste volume é composto pelas conclusões gerais. No segundo volume, apresentamos, à luz da investigação realizada e da linha de orientação acima explicitada, a nossa proposta de reforma da acção executiva. Uma versão preliminar desta proposta foi enviada ao Ministério da Justiça em Fevereiro último, depois de concluído o trabalho de investigação, no decurso da preparação do relatório final. A proposta que agora se apresenta não difere da então apresentada, apenas incluindo, no ponto 4.5., a alínea z). O terceiro volume inclui os anexos vários, correspondentes à transcrição dos três painéis, à apresentação de um fluxograma com a tramitação da execução comum para pagamento de quantia certa com solicitador de execução e a documentos. Capítulo I As reformas do processo executivo: breve abordagem Introdução Desde a década de 90 do século passado que, em vários países da Europa, têm vindo a ser desenvolvidas reformas no âmbito do processo de execução. Também no quadro da União Europeia se tem procurado facilitar a execução de decisões e actos estrangeiros, nomeadamente com a recente criação do título executivo europeu1 para créditos não contestados2. Ainda nesse âmbito, encontra-se prevista a harmonização dos regimes de penhora europeia de depósitos bancários. Em Portugal, tal como em outros países, a acção executiva tem estado, desde o início da década de 90 do século passado, na agenda de reformas dos sucessivos governos3. Neste Capítulo, analisaremos a evolução dos processos de reforma da acção executiva desde 1987, dando um enfoque especial à reforma de 2003 – a reforma em análise –, que criou uma nova profissão jurídica, procedeu à desjudicialização de certos actos e levou à criação de novos tribunais especializados. 1 O título executivo europeu permite a livre circulação de decisões judiciais e de actos executórios que impliquem a confissão do devedor sem ser necessário qualquer procedimento de exequatur no estado da execução e sem ser possível contestar o reconhecimento da decisão ou do acto (cf. Sousa, 2004: 11). 2 Criado pelo Regulamento CE/805/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, tendo o Regulamento CE/1869/2005 da Comissão, de 16 de Novembro de 2005, vindo, posteriormente, substituir os anexos I a VI daquele. 3 De acordo com Teixeira de Sousa, tal facto deve-se à “completa falência do sistema da acção executiva singular” (Cf. Sousa, 2004: 10). 2 1. A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma A reforma da acção executiva da Comissão Antunes Varela e as Linhas Orientadoras da nova legislação processual civil (1992/1993)4 A Comissão de Reforma do Código de Processo Civil, presidida pelo Prof. Antunes Varela, apresentou um Projecto de reforma, que veio a ser divulgado como Anteprojecto de 1993 que, embora não muito significativas, previu algumas alterações no processo executivo designadamente, as seguintes5: - “Eliminação de tramitações diversificadas em função do valor da causa e da natureza do título executivo, no processo executivo para pagamento de quantia certa, mantendo-se regulamentações distintas para o processo para entrega de coisa certa e para prestação de facto; - Eliminação dos requisitos de legalização notarial dos títulos executivos quanto aos documentos particulares assinados pelo devedor, desde que deles conste a obrigação de pagamento de quantias determinadas ou entrega de coisas fungíveis (artigo 619º, alínea c), e 624º – a assinatura dos documentos particulares só carece de reconhecimento notarial quando se trate de assinatura a rogo); - No caso de se fundar a execução em sentença de condenação, ainda que pendente de recurso, dever do exequente nomear bens à penhora logo no requerimento inicial, independentemente do momento em que foi instaurada a execução (artigo 638º, nº 3); - Eliminação do recurso do despacho de citação como meio de oposição à execução (artigo 640º); 4 Nos pontos 1, 2 e 3, seguimos de perto o relatório do Observatório Permanente da Justiça Portuguesa “A acção executiva: caracterização, bloqueios e propostas de reforma”, de 2001, coordenado por João Pedroso. 5 Acompanhamos neste ponto o artigo de Armindo Ribeiro Mendes, de 1993, “Novo processo executivo – As Linhas Orientadoras da Nova Legislação Processual Civil e o Processo Executivo”. As reformas do processo executivo: breve abordagem 3 - Atribuição do efeito suspensivo de execução ao recebimento dos embargos se, fundando-se a execução em escrito particular com assinatura não reconhecida, o embargante alegar a não autenticidade da assinatura (artigo 645º, n.º 1); - Unificação do modo de nomeação de bens à penhora, através de requerimento (artigo 664º, n.º 1); - Imposição ao executado do dever de especificar, em detrimento da parte, os bens susceptíveis de penhora que lhe pertençam, bem como o lugar onde se encontram, sempre que tal seja justificadamente requerido pelo exequente (artigo 665º, n.º 1); - Estabelecimento de regra de que o resgate provisório da penhora não impede o prosseguimento da execução, muito embora não possam ser adjudicados ou vendidos, nem consignados os seus rendimentos, os bens cuja penhora haja sido registada provisoriamente e não tenha sido convertida em definitivo, salvo se outros créditos com garantia sobre esses bens tiverem sido reclamados e reconhecidos (artigo 666º, n.º 4 e 70º, n.º 2); - Permissão, com maior latitude do que a estabelecida no direito vigente, de venda por negociação particular, bastando que tal modalidade seja requerida pelo exequente, pelo executado ou por algum dos credores preferentes, e o juiz não encontre razões sérias para se lhe opor, depois de ouvidos os restantes interessados (artigo 714º, a)); - Regulamentação de desistência do exequente, incluindo a desistência da instância executiva (artigo 746º); - Regulamentação da suspensão da entrega da coisa detida por terceiro e por doença do executado (artigo 746º); - Regulação da suspensão de entrega de coisa detida por terceiro e por doença do executado, na execução para entrega de coisa certa (artigo 755º e 756º)”. 4 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma Em 1993, o então Ministro da Justiça, Laborinho Lúcio, submeteu a apreciação o “Anteprojecto do Código de Processo Civil” e as designadas “Linhas Orientadoras da Nova Legislação Processual Civil”. Estas “Linhas Orientadoras” haviam sido elaboradas por uma comissão de seis juristas [Pereira Baptista, Lopes do Rego, Cristina Silva Santos (designados pelo Ministério da Justiça), Lebre de Freitas, João Correia e António Telles (designados pela Ordem dos Advogados)], que visava proceder a uma remodelação do processo executivo mais profunda do que a apresentada pela Comissão Antunes Varela. Para o Ministro da Justiça, o objectivo a alcançar era a criação de um novo código que fosse um modelo de simplicidade e de concisão, com o recurso frequente a cláusulas gerais que permitissem uma tramitação maleável, adaptável à “realidade em constante mutação”. Pretendia contrapor ao projecto de Antunes Varela uma alternativa, tendo enunciado as suas linhas condutoras, entre as quais figurava a “menor judicialização do processo executivo”. Em Novembro de 1992, as linhas orientadoras do modelo alternativo ao apresentado por Antunes Varela ficaram concluídas e, em Junho de 1993, os dois modelos alternativos seriam publicados e distribuídos, com o período de debate público a decorrer até final de 1993. Era intenção do Ministro da Justiça realizar a reforma do processo civil em dois planos: num plano a médio prazo, em função dos resultados da discussão pública dos modelos alternativos, o Governo decidiria qual o modelo a adoptar; num plano a curto prazo, a reforma do processo civil prosseguiria, designadamente, com a introdução do novo procedimento de injunção. As propostas sobre o processo executivo presentes nas “Linhas Orientadoras” visavam “a modernização e a simplificação da respectiva tramitação, de modo a alcançar eficácia na realização prática dos direitos”6. A Comissão de elaboração das Linhas Orientadoras diagnosticou alguns aspectos de estrangulamento no modelo em vigor e indicou linhas de reforma 6 Cf. Mendes, 1993. As reformas do processo executivo: breve abordagem 5 muito gerais, salientando que era urgente repensar e modernizar a tramitação da acção executiva singular para lhe conferir eficácia na realização do direito, designadamente quanto à efectivação da penhora e depósito dos bens penhorados, na realização da venda e suas modalidades. A Comissão salientava a necessidade de rever e corrigir aspectos que considerava arcaicos, desnecessariamente complexos ou tecnicamente pouco elaborados presentes no modelo vigente7. 7 Entre esses aspectos, refere-se a enumeração taxativa das excepções dilatórias que fundamentam a dedução de embargos do executado, a determinação de limites e excepções à penhorabilidade dos bens, a inexistência de um genérico meio de oposição à penhora privativo do executado, a estruturação em termos plenamente claros e satisfatórios da cumulação de execuções e do litisconsórcio na acção executiva. Quanto à efectivação da penhora, a Comissão entendia que o princípio da cooperação requeria um empenhamento maior do tribunal na tutela do direito do exequente, devendo o Tribunal poder requerer todas as informações necessárias e indispensáveis à realização da penhora, mediante solicitação do exequente. Ao executado, por seu lado, deveriam poder ser solicitadas todas as informações sobre o seu património, sendo responsabilizado no caso de incumprimento. Deveria caminhar-se para a desburocratização da penhora, eliminando-se todos os actos e formalidades inúteis, conferindo-lhe maior eficácia e celeridade. Quanto à venda executiva, a Comissão recomendava maior moralização, a revisão dos mecanismos de arrematação em hasta pública, bem como a venda em estabelecimentos de leilões. A Comissão alertava, ainda, para a necessidade de repensar toda a fase de convocação de credores, verificações e graduações de créditos; assim como conferir às execuções fundadas em sentença maior simplicidade, celeridade e eficácia. Poderia adoptar-se uma figura similar à execução sumaríssima para pagamento de quantia certa, realizando-se imediatamente a penhora e, só após esta, permitir a cumulação das oposições à penhora e a execução. 6 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma 2. O debate pós-Linhas Orientadoras: a procura de uma reforma intercalar 2.1. O contributo de Lopes do Rego Carlos Lopes do Rego (1993) defendeu a realização de uma reforma do processo executivo de modo a conferir-lhe maior eficácia. O autor chamava a atenção para a percepção, cada vez mais frequente, de que o incumprimento “compensa”. Partindo de estrangulamentos existentes no sistema, propôs soluções com incidência no título executivo, na estrutura geral da acção executiva, quanto às partes processuais, formas da acção executiva, fase liminar, oposição à execução, oposição à penhora, penhora e também venda executiva. Para Lopes do Rego, o sistema de acção executiva estruturava-se sobre a “execução movida apenas por determinado credor visando a satisfação do seu crédito, com intervenção limitada aos restantes credores com garantia real (...) ou aos credores comuns que hajam obtido outra penhora sobre os mesmos bens”8. Ora, este modelo da acção executiva singular nem sempre permitia o tratamento igualitário dos credores, pois prejudicava aqueles que não haviam conseguido obter uma penhora prioritária. O autor optaria, no entanto, por manter a estrutura da acção executiva vigente, caso não se procedesse à elaboração de um novo Código. Os problemas mais graves no âmbito da acção executiva, de acordo com este autor, situavam-se ao nível do direito material e de outros ramos de direito adjectivo. Relativamente ao título executivo, Lopes do Rego defendia, designadamente, a ampliação do respectivo elenco, de modo a evitar desnecessárias acções declarativas, conferindo força executiva, sem necessidade prévia de processo declaratório, a qualquer documento particular assinado pelo devedor, que implicasse a constituição ou reconhecimento de 8 Cf. Artigo 871º do CPC então vigente. As reformas do processo executivo: breve abordagem 7 obrigações pecuniárias de entrega de coisas móveis ou de prestação de facto determinado. Considerava, ainda, que se deveria conferir eficácia suspensiva aos embargos de executado quando o embargante alegasse a não autenticidade da assinatura que constasse no escrito particular com assinatura não reconhecida; força de título executivo às decisões ou despachos judiciais que importassem reconhecimento ou constituição de uma obrigação. Propugnava, também, que a regra de que os sujeitos e o objecto da execução são sempre moldados em função do título executivo devia ter, pelo menos, duas excepções: quanto ao débito acessório de juros de mora não constante do título executivo dado à execução; quanto ao reconhecimento da existência de uma dívida comunicável ao cônjuge devedor constante do título. Na sua opinião, a extensão do título executivo evitaria inúmeras acções declarativas, intentadas unicamente com o objectivo de ser declarado o débito acessório de juros moratórios ou o facto de o cônjuge do devedor responder também pela obrigação que consta do documento a executar. No que se refere às formas de acção executiva, o autor entendia que deveria proceder-se à distinção entre a execução de sentença e a execução de outros títulos, seguindo a execução de sentença o modelo da execução sumaríssima. Considerou, ainda, necessário consagrar a possibilidade de indeferimento liminar, ainda que parcial, da acção executiva. E, no entendimento do autor, a fase da penhora carecia de profunda e substancial reformulação, propondo que o tribunal deveria intervir, baseado no princípio da cooperação, principalmente nas execuções de sentença quando o exequente alegasse, justificadamente, dificuldades sérias na identificação ou localização dos bens a penhorar, facto aceitável tendo em conta a realidade social. Assim, mediante requerimento fundamentado do exequente, o tribunal deveria obter as informações indispensáveis à realização da penhora. Entendia, também, que se devia caminhar para a simplificação dos mecanismos da efectivação da penhora, tornando-a célere e eficaz, designadamente, eliminando-se o protesto no acto da penhora, permitindo a realização da penhora de imóveis fora da área do tribunal onde pendesse a 8 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma acção sem necessidade de carta precatória; tornando possível o regime da penhora de empresas e estabelecimentos comerciais, admitindo-se a sua continuidade laboral, sob a gestão e administração do executado ou de um administrador nomeado pelo Tribunal. Quanto à fase da venda, seriam necessárias, na opinião de Lopes do Rego, profundas alterações, com vista à sua plena transparência e moralização, dignificando a actividade judicial realizada no âmbito da acção executiva. As principais alterações propostas foram no sentido de substituir o sistema de venda judicial através de arrematação em hasta pública por venda judicial mediante propostas em carta fechada, como meio normal de venda; proceder a uma correcta avaliação dos bens penhorados, recorrendo, se necessário, ao arbítrio de um técnico qualificado e imparcial; antecipação do momento de realização da venda, tendo em vista ultrapassar os problemas originados pela guarda, administração e conservação dos bens penhorados; consagração de soluções de consenso entre exequente e executado para a satisfação do crédito, tornando possível, designadamente, o pagamento em prestações da dívida exequenda; e revisão do regime legal relativamente a anulação da venda de bens penhorados, simplificando-o e conciliando-o com a venda de bens alheios consagrados no Código Civil. Quanto às formas de venda extrajudicial, seria importante introduzir uma cláusula geral que permitisse o recurso a qualquer outra modalidade de venda, no caso de haver acordo entre exequente, executado e a maioria dos credores preferentes, desde que o juiz a considerasse conveniente, ouvidos os interessados na execução. 2.2. O contributo de Ribeiro Mendes: um apelo à reforma intercalar Em 1993, Armindo Ribeiro Mendes manifestava-se favorável à preparação, pelo Ministério da Justiça, a curto prazo, de uma alteração intercalar ao Código de Processo Civil, pois previa que a aprovação de um novo articulado demorasse largos anos a surgir. Assim, propunha a consagração das propostas que recolhiam consenso entre os operadores que As reformas do processo executivo: breve abordagem 9 se haviam manifestado, algumas inscritas no Anteprojecto da Comissão Antunes Varela. Na opinião deste autor, o Anteprojecto de Antunes Varela limitava-se a “reproduzir a legislação existente com algumas simplificações e melhoramentos” e, por seu lado, as Linhas Orientadoras apenas evidenciavam “o diagnóstico dos males presentes descurando a apresentação das grandes linhas de uma alteração futura”9. Para Ribeiro Mendes, tal alteração intercalar deveria ser acompanhada de uma “alteração substantiva” quanto às garantias reais conferidas por legislação avulsa e que não carecem de registo (privilégios creditórios e direito de retenção), acompanhado de uma reforma do Código de Processo Tributário, por forma a harmonizar a execução cível e a execução fiscal (Mendes, 1993). O autor defendia a necessidade de criação de um novo modelo de processo executivo, assente nas seguintes propostas: “modificação do regime substantivo de moratória forçada nas relações entre cônjuges; articulação das regras sobre penhora e venda executiva com o sistema do registo predial, tendo em especial conta a ampliação de duração de inscrições provisórias por períodos relativamente longos; articulação do processo executivo com o processo falimentar, nomeadamente através de reequaccionação do sistema concursal vigente desde 1961; necessidade de remodelar o sistema de penhora de bens móveis, criando-se uma forma de armazenamento dos bens penhorados que implique imediato desapossamento pelo devedor; necessidade de alterar todo o sistema de venda executiva, eliminando mercados clandestinos e as distorções dele decorrentes” (Mendes, 1992). Ribeiro Mendes, em 1993, entendia ser necessária a criação de medidas de curto prazo baseadas naquilo que seria consensual no Anteprojecto da Comissão Antunes Varela (1990) e no Relatório da Comissão das Novas 9 Neste ponto, segue-se a linha expositiva de Ribeiro Mendes (1992 e 1993). No artigo de 1993, Ribeiro Mendes dá continuidade à reflexão que efectuara no artigo anterior sobre o processo executivo e a economia (1992), de que salientamos a análise sobre a efectividade da penhora e da venda judicial. 10 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma Linhas Orientadoras do Direito Processual Civil (1992/1993), o que não inviabilizaria uma futura reforma substancial do processo executivo. Propunha, então, algumas alterações que deviam ser introduzidas num diploma intercalar e que se referiam, na maioria dos casos, à execução para pagamento de quantia certa: “1 Eliminação das tramitações sumária e sumaríssima quanto a todas as acções executivas, independentemente da respectiva finalidade; 2. Alargamento da exequibilidade dos escritos particulares, dispensando o reconhecimento de assinatura, quanto aos títulos onde conste a obrigação de entrega de quantias em dinheiro e de coisa fungíveis (...); 3. Alargamento do regime previsto no artigo 811º, n.º 3, e 928º, n.º 2, do Código de Processo Civil a todas as execuções fundadas em sentença independentemente da data de instauração da acção executiva; 4. Atribuição de efeito suspensivo à dedução de embargos de executado, quando se trate de título executivo com assinatura sem legalização notarial e o executado afirme que a assinatura não foi por si elaborada; 5. Eliminação do protesto previsto no artigo 832º do Código de Processo Civil, alargando-se a possibilidade de oposição à penhora por dedução de embargos de terceiro do próprio executado (oposição por apenso); 6. Possibilidade da acção executiva prosseguir, não obstante o registo de penhora ter natureza provisória, nos termos propostos pelo Anteprojecto; 7. Regulamentação detalhada do regime de penhora de saldos de contas de depósito bancário, estabelecendo precisos deveres de As reformas do processo executivo: breve abordagem informação para as instituições de crédito e regulando os termos da indisponibilidade do saldo (...); 8. Estabelecimento da regra de que, normalmente, as vendas executivas se fazem por propostas em carta fechada ou por venda em negociação particular, exigindo-se neste último caso que, para se seguir tal modalidade, não haja oposição fundada do exequente, do executado ou de credores reclamantes (...); e 9. Estabelecimento da regra de que o exequente pode recorrer à colaboração do Ministério Público para serem encontrados bens penhoráveis ao executado, nos termos em que tal possibilidade se encontre prevista no processo laboral e nas execuções por custas”. 11 12 3. A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma A reforma intercalar introduzida pelo Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro, e pelo Decreto-Lei n.º 180/96, de 25 de Setembro 10 No seguimento do debate público das Linhas Orientadoras, foram efectuadas alterações ao Código de Processo Civil, através do Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro e do Decreto-Lei n.º 180/96, de 25 de Dezembro, que promoveram, parcialmente, a reclamada reforma intercalar. As alterações introduzidas no regime jurídico processual da acção executiva não constituíram uma modificação substancial do paradigma processual. Em síntese, a reforma da acção executiva de 1995 incidiu, entre outros, nos seguintes aspectos: a) ampliação do elenco dos títulos executivos, conferindo força executiva aos documentos particulares assinados pelo devedor; b) ampliação das situações em que os documentos autênticos ou autenticados podem servir de títulos executivos; c) aumento dos casos em que se permite a cumulação de execuções e a coligação de exequentes ou de executados; d) concessão de legitimidade passiva para a execução ao terceiro, possuidor ou proprietário dos bens onerados com garantia real, quando o exequente pretenda efectivar tal garantia, incidente sobre bens pertencentes ou na posse de terceiro, sem se impor o litisconsórcio; e) quanto às formas do processo de execução, operou-se uma diferenciação entre a execução de sentença e a execução de qualquer outro título executivo, ou de decisão judicial condenatória que careça de ser liquidada em plena fase executiva: para a execução de sentença foi consagrado o modelo da execução sumária, dispensando a citação inicial do executado e realizando-se a penhora de imediato; 10 Como já referimos, seguimos de perto neste ponto o relatório do Observatório Permanente da Justiça Portuguesa “A acção executiva: caracterização, bloqueios e propostas de reforma”, de 2001, coordenado por João Pedroso. As reformas do processo executivo: breve abordagem f) 13 na fase inicial da tramitação do processo executivo, é consagrada a possibilidade de indeferimento liminar do requerimento executivo, total ou parcialmente; g) distinção entre impenhorabilidade absoluta, relativa, parcial e penhorabilidade subsidiária, atribuindo-se ao juiz amplos poderes para determinar a parte penhorável das quantias e pensões de índole social, atendendo à real situação económica do executado; h) clarificação da penhorabilidade de bens do executado em poder de terceiro; i) simplificação e desburocratização do regime de efectivação de penhora de móveis e imóveis; j) consagração da possibilidade de penhorar direitos ou expectativas de aquisição de bens pelo executado; k) criação de uma forma específica de oposição do executado à penhora ilegalmente efectuada, caso tenham sido penhorados bens que o não deveriam ter sido. l) criação da possibilidade de pagamento da dívida exequenda em prestações, mediante acordo entre exequente e executado, ficando suspensa a execução e valendo como garantia do crédito a penhora já efectuada. m) estabelecimento da venda judicial mediante propostas em carta fechada, eliminando-se a arrematação em hasta pública; n) ampliação das situações em que é possível proceder às diversas modalidades de venda extrajudicial; e o) na venda de imóveis deixa de se atender ao valor matricial. O Decreto-Lei n.º 180/96, de 25 de Setembro, veio ainda consagrar, em síntese, que: 14 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma a) a suspensão da execução só poderia ocorrer quando o embargante juntasse documento que constituísse princípio de prova da sua alegação relativa à não genuinidade da assinatura não reconhecida em escrito particular; b) o juiz poderia isentar excepcionalmente de penhora quaisquer rendimentos auferidos a título de vencimentos, salários ou pensões, tendo em conta a natureza da dívida e as condições económicas do executado; c) o juiz teria a faculdade de sustar a desocupação até ao momento da venda, quando fosse penhorada casa de habitação onde residisse habitualmente o executado (artigo 840º, n.º 4); d) a verificação de qualquer crédito reclamado e impugnado, qualquer que fosse o valor (artigo 868º, n.º 1), seguiria a forma do processo sumário; e) na venda mediante proposta em carta fechada foi eliminada a possibilidade do executado se opor à aceitação das propostas, oferecendo pretendente que se responsabilizasse por preço superior; e f) nas execuções sumárias de decisões não transitadas em julgado passaria a ser possível a substituição dos bens penhorados por outros de valor suficiente. As reformas do processo executivo: breve abordagem 4. 15 Do I Anteprojecto à Lei de Autorização Legislativa n.º 2/2002, de 2 de Janeiro O processo de reforma da acção executiva, que teve o seu início em 2000, passou por diversas fases. Em Fevereiro de 2001, realizou-se uma Conferência Internacional11, na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, na qual foi apresentado o relatório já referido do Observatório Permanente da Justiça Portuguesa “A acção executiva: caracterização, bloqueios e propostas de reforma”, estudo visto como o “ponto de partida da discussão pública da esperada reforma”12. A Conferência contou com um debate amplamente participado, tendo o OPJ incluído as soluções apresentadas pelos oradores no relatório final sobre a acção executiva, considerado “o «alicerce» das linhas de orientação da reforma da acção executiva”13. Em Junho de 2001, foi apresentado publicamente o primeiro Anteprojecto de reforma da acção executiva, no qual foram consagradas quase todas as medidas propostas pelo OPJ e pelos participantes na Conferência Internacional de 2001, cujos objectivos principais eram a desjudicialização de vários actos da acção executiva (com a previsão da existência de solicitadores de execução com atribuições idênticas às dos huissiers de justice franceses), a eficácia (com a criação de dois registos informáticos de execuções) e a simplificação e agilização (designadamente, no início da execução, na investigação de bens a penhorar, na previsão de uma ordem de bens a penhorar, na atribuição de grande eficácia à penhora de depósitos bancários, na apreensão de bens móveis e sua remoção para depósitos públicos)14. Após a apresentação pública do I Anteprojecto de alteração legislativa, decorreu uma fase para recolha de pareceres e sugestões sobre as soluções 11 Na Conferência Internacional estiveram presentes membros do Governo, representantes da Ordem dos Advogados e da Câmara dos Solicitadores, professores universitários portugueses e estrangeiros, assim como outros profissionais e operadores estrangeiros que vieram dar conta da experiência em curso nos seus países. 12 Cf. Lourenço, 2003: 263. 13 Idem. 14 Cf. Lourenço, 2003: 269-274. 16 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma apresentadas. Em Setembro de 2001, foi publicada a Proposta de Lei n.º 100/VIII e a lei de autorização legislativa (Lei n.º 2/200), em 2 de Janeiro de 2002. Em Outubro de 2001, foi apresentada pelo Governo, na Assembleia da República, a Proposta de Lei n.º 100/VIII/2, que autorizava o Governo a legislar sobre o regime da acção executiva e o Estatuto da Câmara dos Solicitadores. Na Exposição de Motivos desta Proposta de Lei assumia-se que os processos de execução não asseguravam uma justiça rápida e eficaz, consistindo os atrasos das execuções por parte dos órgãos jurisdicionais numa verdadeira denegação de justiça, colocando-se, assim, em crise o princípio constitucional do Estado de Direito Democrático e o direito de acesso à justiça15. 15 “Resultado de um intenso debate público (…) o repto da reforma ora empreendida move-se entre a necessidade de criar novas figuras que libertem dos tribunais uma massa significativa de processos de execução, e o cumprimento das garantias constitucionais de defesa do executado. O desiderato em questão só pode ser atingido através da criação de um sistema de equilíbrios que envolva todos os intervenientes no processo executivo de forma a que uma justiça certa e rápida se conjugue com os propósitos da segurança jurídica. O objectivo descentralizador do processo, integrado num contexto global de desjudicialização, resulta na atribuição de poderes até agora na titularidade do juiz, a agentes de execução oficiais de justiça afectos a secretarias de execução e a solicitadores de execução - e a conservadores do registo predial, mantendo na esfera jurisdicional a competência para decidir, nomeadamente, das oposições à penhora e à execução e dos recursos dos actos praticados por conservadores. (…) No caso dos solicitadores de execução, a proposta de lei garante que os actos praticados no domínio do processo comum de execução respeitam a títulos executivos que impliquem a intervenção prévia dos tribunais ou de notários. Eliminam-se, assim, eventuais riscos de a desjudicialização funcionar como elemento de insegurança nas relações jurídicas. A intervenção judicial nos processos de execução será exercida através de magistrados judiciais afectos a tribunais ou juízos de execução, o que contribuirá para uma maior eficácia e consequente celeridade na administração da justiça. A realização da penhora por agentes de execução constitui, igualmente, uma importante inovação, na medida em que uma parte significativa dos atrasos nas execuções se verificam neste momento processual. As garantias do executado mantêm-se inalteradas através do direito que lhe assiste de se opor à penhora. A venda de bens imóveis e o processo especial de execução hipotecária, ambos a realizar em conservatórias do registo predial, libertam os tribunais da prática de actos instrumentais de administração da justiça, atribuindo-os a entidades mais aptas para a realização destes actos processuais. O sistema proposto não afecta direitos ou garantias, na medida em que dos actos do conservador cabe recurso para o juiz de instrução. Cabe, também, referir que os bons resultados desta reforma envolvem a necessidade de dotar os agentes de execução de meios para conhecer os bens do executado, prevendo-se a possibilidade de consulta de bases de dados fiscais, mediante prévia autorização do juiz, e de outras bases de dados com informação relevante. As reformas do processo executivo: breve abordagem 17 Em Janeiro de 2002, através da Lei n.º 2/2002, de 2 de Janeiro, a Assembleia da República autorizava o Governo a legislar sobre o regime jurídico da acção executiva e sobre o estatuto da Câmara dos Solicitadores. Pela mesma lei ficava também o Governo autorizado, designadamente, a criar tribunais ou juízos de execução e secretarias de execução, bem como a figura do solicitador de execução, com a incumbência de realizar penhoras, e a venda de bens penhorados nos depósitos públicos. A demissão do Primeiro-Ministro e a convocação de eleições antecipadas implicou a caducidade da autorização legislativa, inviabilizando a aprovação do diploma governamental de alteração do Código de Processo Civil e protelando a reforma. Neste primeiro processo legislativo, com descreve Paula Lourenço16, a reforma da acção executiva foi orientada por “uma metodologia diferente daquelas que até então se utilizava, v.g. o recurso ao labor de Comissões Legislativas constituídas para o efeito ou ao projecto de um Professor Universitário, merecendo destaque a prioridade que se concedeu à discussão e participação públicas das soluções e dos projectos”. A par desta medida entende-se que deve constar de base de dados criada para o efeito, o conjunto de pessoas sem património conhecido e que, por essa razão, tenham frustrado créditos” (cf. Exposição de Motivos da Proposta de Lei n.º 100/VIII/2). 16 Cf. Lourenço, 2003: 265. 18 5. A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma A nova reforma da acção executiva (2003) O novo Governo manteve a intenção de reformar a acção executiva, continuando as linhas de orientação definidas pelo anterior Governo, aproveitando o consenso existente sobre as soluções antes apresentadas e, “quase na totalidade”, os trabalhos preparatórios antes empreendidos17. Foram, contudo, introduzidas algumas alterações. Suprimiram-se o que se considerava “pontos de praticabilidade discutível, como o da atribuição de competências executivas às conservatórias do registo predial, demarcando mais nitidamente o plano da jurisdicionalidade, estendendo o esquema de garantias do executado e alargando o campo de intervenção do solicitador de execução, em detrimento do oficial de justiça e do de outros intervenientes acidentais no processo, (...) assim como alguns preceitos de direito substantivo com eles conexos”18. Em Agosto de 2002, a Assembleia da República, pela Lei n.º 23/2002, de 21 de Agosto, autorizava o XV Governo a alterar o Código de Processo Civil quanto à acção executiva19, tendo o Governo implementado a reforma, através do Decreto-Lei n.º 38/2003, de 8 de Março20 e de diplomas regulamentares posteriores, designadamente, os Decretos-Lei n.os 199/2003, 200/2003, 201/2003 e 202/2003, todos de 10 de Setembro e que entraram em vigor no dia 15 de Setembro de 2003, diplomas que introduziram profundas modificações ao Código de Processo Civil e demais legislação, vindo, assim, a ser instituída a reforma da acção executiva em Portugal. 17 Idem. Ibidem. 19 A nova lei de autorização legislativa – Lei n.º 23/2002, de 21 de Agosto – inseriu algumas alterações em relação à anterior lei de autorização legislativa – Lei n.º 1/2002. 20 Com as rectificações da Declaração de Rectificação n.º 5-C/2003, de 30 de Abril e alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 199/2003, de 10 de Setembro. O objectivo deste último diploma foi rectificar certas normas do Código de Processo Civil que pudessem vir a suscitar dúvidas de interpretação aos operadores judiciários aquando da aplicação do novo regime da acção executiva, o qual veio a entrar em vigor em 15 de Setembro de 2003. 18 As reformas do processo executivo: breve abordagem 19 5.1. Os objectivos e as linhas orientadoras da reforma De acordo com o legislador, em cumprimento do Programa do XV Governo Constitucional para a área da justiça, a reforma visava introduzir maior celeridade na obtenção de decisões judiciais, removendo obstáculos ao funcionamento racional e eficaz do sistema, quer através da simplificação dos processos e da desjudicialização de muitos actos, quer através do recurso a meios informáticos. Como o legislador refere no Preâmbulo do Decreto-Lei n.º 38/2003, a revisão do Código de Processo Civil levada a cabo pelo Decreto-Lei n.º 329A/95, de 12 de Dezembro, e pelo Decreto-Lei n.º 180/96, de 25 de Setembro21, manteve, de modo geral, o esquema dos actos executivos, “cuja excessiva jurisdicionalização e rigidez tem obstado à satisfação, em prazo razoável, dos direitos do exequente. Os atrasos do processo de execução têm-se assim traduzido em verdadeira denegação de justiça, colocando em crise o direito fundamental de acesso à justiça” 22. A reforma da acção executiva, consubstanciada no Decreto-Lei n.º 38/2003, de 8 de Março, que entrou em vigor em 15 de Setembro de 2003, criou um novo paradigma de acção executiva assente na simplificação e desjurisdicionalização de um conjunto de actos que passariam da esfera do juiz para a esfera de um novo interveniente processual: o agente de execução. O objecto da reforma era, assim, o de, mantendo a ligação aos tribunais, atribuir ao agente de execução a competência para a direcção e prática de um conjunto de actos, que, tradicionalmente, eram da competência do juiz, sem quebra, todavia, da reserva jurisdicional e do controlo judicial. De acordo com as Linhas Orientadoras da Reforma da Acção Executiva, esta reforma teve por finalidade “retirar [as] acções [executivas] dos tribunais, reservando a intervenção judicial para os casos em que entre as partes há um 21 Complementada pelo Decreto-Lei n.º 274/97, de 8 de Outubro, que alargou o âmbito do processo sumário de execução, e pelo Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro, que introduziu o procedimento de injunção. 22 Cf. Preâmbulo do Decreto-Lei n.º 38/2003, de 8 de Março. 20 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma litígio. É uma reforma que se insere no processo de desjudicialização actualmente em curso. Os tribunais judiciais ficam assim libertos para a sua verdadeira função, que é a de julgar, e não a de dar solução a problemas que nenhuma controvérsia suscitam”23 Ainda segundo este documento, as principais alterações desta reforma incidiriam, basicamente, em dois aspectos: na organização e na tramitação processual da acção executiva. No que diz respeito à organização, estava prevista a criação de secretarias de execução naquelas comarcas onde o volume processual de acções executivas justificasse essa especialização; da figura do agente de execução para assegurar o andamento do processo, em substituição do juiz, mas sempre sob o seu controlo; e de um Registo Informático de Execuções no qual constariam os dados referentes às acções executivas em curso, bem como o resultado das execuções findas. Em matéria de tramitação processual, foram várias as alterações introduzidas nas diferentes fases do processo executivo, designadamente no início da execução (entrega do requerimento executivo na secretaria judicial, dispensa de despacho liminar e citação do executado em determinadas situações); na fase de penhora (forte intervenção do agente de execução, devendo investigar o património do devedor através da consulta de várias bases de dados disponíveis; realizar a penhora, proceder à remoção dos bens móveis penhorados para depósitos, etc.); na oposição à execução ou à penhora (o recebimento destas oposições, quando não houvesse lugar à citação prévia, suspenderia sempre o processo de execução, mas não levantaria a penhora, devendo ser julgadas pelo juiz no prazo de três meses); na convocação de credores (a citação seria apenas efectuada aos credores que gozassem de garantias reais sobre os bens penhorados, limitar-se-ia o valor a receber pelos credores titulares de privilégios creditórios, à excepção 23 Cf. http://www.portugal.gov.pt/Portal/PT/Governos/Governos_Constitucionais/GC15/Ministerios/MJ/ Comunicacao/Outros_Documentos/20030309_MJ_Doc_Accao_Executiva.htm (Abril de 2006). As reformas do processo executivo: breve abordagem 21 dos trabalhadores); e na fase da venda (a venda de móveis seria, em regra, realizada nos depósitos públicos e a de imóveis através de proposta de carta fechada). 5.2. Um balanço da reforma: os primeiros meses da entrada em vigor Após a entrada em vigor da reforma da acção executiva, foi criada a Comissão de Acompanhamento e Monitorização da Acção Executiva, cuja função consistia em fornecer ao Ministério da Justiça dados diários da aplicação e concretização prática desta reforma. Os primeiros resultados apresentados por esta Comissão, no final de dois meses de funcionamento do novo regime da acção executiva, pareciam prever o sucesso desta reforma, embora fosse considerado que ainda era necessário proceder-se a alguns ajustamentos24. Decorridos seis meses de vigência, nas palavras da então Ministra da Justiça, “a reforma da acção executiva foi e tem sido um verdadeiro êxito. Desde o dia 15 de Setembro que já foram distribuídas em todo o país cerca de 67.000 acções executivas. E cerca de 90% das acções dispensaram despacho liminar do juiz. Na base de dados de execuções existem mais de 69.000 bens registados, tendo sido feitas mais de 20.000 consultas, com mais de 75.000 sujeitos executados. Nestes seis meses de vigência de um novo regime, o número de processos já entrados reflecte um aumento de mais de 350% em relação ao primeiro mês. Os processos por custas já significam apenas 38% do total de volume processual. E, por fim, os processos em que o agente de execução é um solicitador de execução correspondem a mais de 57% do total 24 Cf. http://www.portugal.gov.pt/Portal/PT/Governos/Governos_Constitucionais/GC15/ Ministerios/MJ/Comunicacao/Outros_Documentos/20031111_MJ_Doc_Accao_Executiva.htm . (Abril 2006). 22 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma dos processos”25. No entanto, apesar daquele balanço positivo, era já reconhecida a existência de algumas falhas nos pressupostos em que assentava, mostrando o Governo alguma preocupação na sua resolução, nomeadamente procedendo ao levantamento de espaços existentes junto de todas as comarcas do país para a criação de depósitos públicos e ao desenvolvimento do processo de comunicações por meios telemáticos entre as secretarias judiciais e os solicitadores de execução. Com o objectivo de criar condições para um eficaz funcionamento da reforma, foi assinado, em Dezembro de 2003, um protocolo entre o Ministério da Justiça, a Câmara dos Solicitadores e a Associação Portuguesa de Bancos, em matéria de penhora de depósitos bancários para possibilitar a realização destas penhoras por meio electrónico26. Aquando da assinatura deste protocolo, foi anunciada a criação, nos meses seguintes, de juízos de execução onde, de acordo com a avaliação da Comissão de Acompanhamento da Reforma da Acção Executiva, o movimento processual o justificasse. Contudo, apesar do optimismo inicial, não se avistavam grandes sinais positivos no funcionamento da reforma da acção executiva. De acordo com a opinião de Mariana Gouveia, membro da Comissão de Acompanhamento e Monitorização da Acção Executiva, numa comunicação proferida no II Encontro Anual do Conselho Superior da Magistratura em Dezembro de 2004, tratava-se de uma reforma ambiciosa e inovadora ao instituir práticas novas e arrojadas, mas, também, de uma reforma complexa e de difícil concretização na sua execução e aplicação. Considerava, por isso, necessário proceder-se a vários melhoramentos na sua execução, alguns deles já constantes dos projectos a curto ou médio prazo do Ministério da Justiça. Aqueles aperfeiçoamentos deveriam incidir em várias aspectos da reforma em curso. 25 Cf. Intervenção da Ministra da Justiça na tomada de posse do Colégio de Especialidade dos Solicitadores de Execução. http://www.portugal.gov.pt/Portal/Print.aspx?guid={0892FDBAD787-4992-B850-7AF11D2CECF0} (Abril 2006). 26 A penhora de saldos bancários passaria a ser realizada através de uma notificação enviada directamente à instituição bancária pelo agente de execução, de preferência por via electrónica. Cf. http://www.gplp.mj.pt/home/ppdb.htm (Abril de 2006). As reformas do processo executivo: breve abordagem 23 O primeiro era a premência da instalação no país dos restantes sete juízos de execução previstos no Decreto-Lei n.º 148/2004, de 21 de Junho, de modo a possibilitar a especialização dos magistrados e funcionários judiciais, bem como agilizar o contacto com os solicitadores de execução da comarca. Outro aperfeiçoamento incidia em matéria de entrega do requerimento executivo on-line, aperfeiçoamento da considerando-se necessário aplicação, vez uma que a o simplificação seu e preenchimento demonstrava, na prática, ser complexo e moroso. A criação de depósitos públicos também ainda não estava concretizada, embora estivesse previsto a abertura de um depósito no início de 2005, na zona de Lisboa. No que se refere à penhora de saldos bancários através de meios electrónicos, a execução prática do Protocolo assinado entre o Ministério da Justiça, a Câmara dos Solicitadores e a Associação Portuguesa de Bancos, em Dezembro de 2003, ainda não tinha sido concretizada. Eram avançadas dificuldades de ordem financeira e técnica, uma vez que se tratava de uma medida que implicava um elevado custo financeiro. Era, ainda, levantado um ou outro problema: o da actuação dos solicitadores de execução, cujo número se mostrava insuficiente para responder à procura. Acresce que rapidamente se verificou tratar-se de uma figura ainda pouco aceite no meio judicial. Segundo aquela autora, era, também, essencial e urgente desenvolver um conjunto de outras medidas, nomeadamente agilizar o acesso aos dados de identificação do executado e dos seus bens por parte do solicitador de execução, através do estabelecimento de vias de comunicação em rede entre estes e as entidades detentoras dessas bases de dados; clarificar as bases de dados sujeitas a regime de confidencialidade e criar acessos diferenciados (em rede) entre esses dados e os solicitadores de execução; e dar a conhecer a característica de oficial semi-público do solicitador de execução junto das entidades e seus funcionários. Uma das medidas avançadas foi objecto de um protocolo entre a Direcção-Geral dos Registos e Notariado e a Câmara dos Solicitadores a 5 de Julho de 2005, com o objectivo de autorizar o acesso directo dos solicitadores de execução às bases de dados do registo automóvel. 24 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma De acordo com a opinião de um outro membro da Comissão de Acompanhamento e Monitorização da Acção Executiva, a prática também demonstrava a existência de problemas a nível do regime fiscal dos solicitadores de execução, isto é, na nova figura das contas-cliente27, em especial a nível das regras da sua movimentação e das que derivam das obrigações fiscais cuja resolução dependia de uma tomada de posição por parte do Ministério das Finanças (Gouveia: 2004a). 27 Nos termos do artigo 124º, n.º 3 do Estatuto da Câmara dos Solicitadores e do artigo 3º, n.º 3, da Portaria n.º 708/2003, de 4 de Agosto que estabelece a remuneração do solicitador de execução, todas as quantias recebidas não destinadas ao pagamento de tarifas liquidadas (a título de provisão por honorários ou despesas) são depositadas em conta bancária, denominada conta cliente, não constituindo património próprio do solicitador. Surgiram conflitos entre advogados e solicitadores no que se refere ao documento que titula a entrega das provisões pelo advogado ao solicitador, uma vez que o primeiro considerava que deveria receber um recibo com relevância fiscal e o segundo que, estando estes montantes depositados numa conta cliente, deveria entregar apenas um recibo de quitação, sem relevância fiscal. As reformas do processo executivo: breve abordagem 6. 25 Uma avaliação da reforma da acção executiva: o Relatório do Gabinete de Política Legislativa e Planeamento (Junho de 2005) Face aos vários problemas e bloqueios que a reforma da acção executiva indiciava, foi apresentado pelo Gabinete de Política Legislativa e Planeamento (GPLP), em Junho de 2005, um “Relatório de Avaliação Preliminar da Reforma da Acção Executiva” 28. Este relatório teve por objectivo identificar as disfuncionalidades da reforma em curso e apresentar, sempre que necessário e possível, soluções viáveis para o melhoramento do processo executivo. O Relatório conclui que existiam, no país, duas realidades problemáticas, ambas geradoras dos bloqueios desta reforma: a situação das SecretariasGerais de Execução de Lisboa e do Porto e a que se verificava nas restantes comarcas do país. No primeiro caso, a ineficácia da reforma da acção executiva baseava-se no grande atraso na autuação e distribuição das acções, em resultado do número considerável de processos entrados por correio electrónico. No segundo caso, estava, sobretudo, em causa a capacidade de resposta dos solicitadores de execução, quer por falta de meios adequados para o desempenho das suas funções, quer por não conseguirem responder ao volume de trabalho da comarca onde estavam inscritos e das comarcas limítrofes ou do círculo (GPLP. 2005: 38). 6.1. Problemas e bloqueios identificados No que diz respeito aos bloqueios da reforma, de acordo com o Relatório, estes incidiam em seis áreas: a) Em matéria de organização judiciária: a não instalação dos juízos de execução nas comarcas de Guimarães, Loures, Oeiras e Sintra, criados pelo 28 Cf. http://www.gplp.mj.pt/home/concluidos/rae/003%20%20Acompanhamento%20da%20RAE%202005-06-09%20_VF_.pdf (Abril de 2006). 26 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma Decreto-Lei n.º 148/2004, de 21 de Junho; e o surgimento de conflitos de competência material nos juízos de execução existentes. b) Na fase liminar da tramitação: escassa divulgação entre mandatários da entrega electrónica do requerimento executivo e necessidade de esta passar a ser efectuada exclusivamente através do recurso a um formulário web; necessidade de agilização de alguns procedimentos (por exemplo, a validação automática pela Câmara dos Solicitadores do nome do solicitador de execução indicado pelo exequente no requerimento executivo, a validação pela aplicação informática das custas do número de identificação de pagamento de taxa de justiça); impossibilidade de utilização do formulário web nas execuções instauradas pelo Ministério Público; e dificuldade de análise liminar da execução pela secretaria – pela exigência de conhecimentos jurídicos que pressupõe e pela conclusão eventualmente desnecessária ao juiz – o que acabava por se traduzir no atraso de envio do processo ao solicitador de execução (GPLP. 2005: 18-19). c) Quanto ao agente de execução: insuficiência e desequilibrada distribuição do número de solicitadores de execução no país, o que levava a uma incapacidade de resposta adequada dos solicitadores de execução ao volume processual em algumas comarcas; aparente deficiência da formação dos solicitadores de execução e dos oficiais de justiça, quer a nível jurídico, quer a nível técnico; inexistência de um entendimento jurisprudencial uniforme sobre a sua competência para a realização de providências cautelares; uso incipiente das comunicações telemáticas entre secretarias e solicitadores de execução; e necessidade de melhorar as funcionalidades do registo informático das execuções (GPLP. 2005: 19-25). d) Relativamente aos meios coercivos: dificuldade no acesso às bases de dados da justiça e outras, por parte dos solicitadores de execução que só tinham acesso à base de dados do registo automóvel; a não realização, como prevista por lei, da penhora de bens imóveis e móveis sujeitos a registo por comunicação electrónica; impossibilidade de apreensão do veículo automóvel prévia ao registo da penhora; a não isenção do pagamento de preparos nas As reformas do processo executivo: breve abordagem 27 execuções promovidas pelo Ministério Público; surgimento de dúvidas sobre a competência para o levantamento da penhora de bens sujeitos a registo, para efeitos de cancelamento da penhora; inoperacionalidade da realização da penhora de depósitos bancários por comunicação electrónica considerada dispendiosa e de difícil concretização; difícil realização ou pouca agilização da penhora de bens com recurso às autoridades policiais; inexistência de depósitos públicos; o extenso elenco de títulos executivos provocou o aumento de incidentes processuais que acabavam por ser apreciados em sede de oposição à execução e aparente realização abusiva de penhoras; e falta de consenso quanto ao entendimento sobre o regime de elaboração e entrega do relatório de frustração da penhora ao executado (GPLP. 2005: 26-32). e) Quanto à tramitação subsequente: número excessivo e geograficamente disperso das entidades a citar para reclamação de créditos29; e entendimento de que o prazo para reclamação de créditos pelo Ministério Público é curto (GPLP. 2005: 32-33). f) No que se refere à extinção da instância executiva e às custas do processo: pouca clareza do regime de extinção da instância executiva; aparente incompatibilidade do novo regime de custas com a tramitação específica da acção executiva; e dificuldades orçamentais para o pagamento das provisões de despesas e honorários dos solicitadores de execução nos processos em que as partes estão isentas de custas ou beneficiam de apoio judiciário (GPLP. 2005: 34-36). 6.2. As soluções avançadas O Relatório apresenta um conjunto de medidas de intervenção administrativa e legislativa. São elas: 29 Após efectuada a penhora, compete ao agente de execução citar, no prazo de cinco dias, os credores titulares de direito real de garantia (para que reclamem o pagamento dos seus créditos), das entidades referidas nas leis fiscais (para defesa dos possíveis direitos da Fazenda Nacional) e do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social (para defesa dos direitos da segurança social). Cf. artigo 864.º, n.º 3 do Código do Processo Civil. 28 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma - a criação e instalação de juízos de execução nas comarcas onde o volume processual assim o exija, em especial dos cinco juízos previstos pelo Decreto-Lei n.º 148/2004, de 21 de Junho (Guimarães, Loures, Maia, Oeiras e Sintra); - a clarificação da questão da competência material dos juízos de execução e o ajustamento, em conformidade, dos recursos humanos e materiais judiciários para garantir uma resposta adequada aos efeitos desta medida; - a criação do quadro de pessoal da Secretaria-Geral de Execução do Porto; - a simplificação dos procedimentos administrativos da fase inicial da tramitação das acções executivas nas Secretarias-Gerais de Execução de Lisboa e do Porto para recuperar o atraso na distribuição, autuação e apreciação liminar dos processos aí pendentes; - a adopção do formulário web como meio exclusivo de entrega do requerimento executivo em formato digital, com um período prévio de divulgação da medida; - a possibilidade da entrega electrónica do requerimento executivo em lote; - a ponderação e eventual revisão da fase liminar do processo executivo; - a dotação das comarcas de agentes de execução em número suficiente para garantir uma capacidade de resposta adequada às necessidades do mercado30; - o incentivo à utilização das comunicações telemáticas entre as secretarias judiciais e os solicitadores de execução; 30 Esta medida poderia passar pela alteração do regime de acesso e de exercício das funções de solicitador de execução, pela revisão das regras de competência territorial destes operadores e pela permissão de actuação de oficial de justiça nas comarcas onde se verificava um reduzido número de solicitadores de execução em exercício de funções (GPLP. 2005: 42). As reformas do processo executivo: breve abordagem 29 - a simplificação do regime de acesso ao registo informático de execuções pelos solicitadores de execução31; - a concessão de acesso, pelos solicitadores de execução, às bases de dados das Finanças, da Segurança Social, dos Serviços de Identificação Civil e do Registo Nacional de Pessoas Colectivas, mediante a celebração dos protocolos específicos; - a instituição da penhora por comunicação electrónica de bens sujeitos a registo; - a eventual revisão da ordem de realização das diligências de penhora de veículos automóveis, de modo a possibilitar a apreensão prévia ao registo; - a agilização da penhora de bens com recurso às autoridades policiais através da concertação de procedimentos; - a operacionalização das penhoras electrónicas dos saldos bancários; - a criação de um depósito público, em regime de projecto-piloto, de forma a testar a sua real utilidade; - a revisão das regras de citação de credores32; - a clarificação do regime de extinção da instância executiva, ajustando-o com o novo regime das custas judiciais33 e; - a promoção de programas de formação permanente sobre o novo regime da acção executiva dirigida aos diferentes operadores judiciários (GPLP. 2005: 41-44). 31 Algumas sugestões incidiriam sobre a possibilidade de remessa oficiosa do certificado de consulta aquando do envio do requerimento executivo ao agente de execução e em assegurar a realização de consultas posteriores, quer através do certificado e com dispensa de requerimento escrito, quer, por acesso directo, ainda que limitado ao registo do executado em causa (GPLP. 2005: 43). 32 As soluções propostas baseavam-se na eventual dispensa da citação dos credores, nos casos em que o crédito exequendo é inferior a um determinado valor; e na possibilidade de realizar a citação de entidades públicas através de afixação de anúncio on-line (GPLP. 2005: 44). 33 De acordo com o depoimento de vários funcionários judiciais, uma proposta de solução seria a concentração de toda a actividade processual num único sistema informático, bem como a emissão da nota de despesa e do seu pagamento através do mesmo programa informático (GPLP. 2005: 35). 30 7. A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma O Plano de Acção para o Descongestionamento dos Tribunais e as 17 Medidas para Desbloquear a Reforma da Acção Executiva (Junho de 2005) 7.1. O Plano de Acção para o Descongestionamento dos Tribunais O Plano de Acção para o Descongestionamento dos Tribunais visava três objectivos, um deles o desbloqueamento da acção executiva34. Para o Governo, o fracasso da reforma da acção executiva resultava, entre outros, do não acompanhamento da reforma legislativa por uma reforma dos seus procedimentos, da falta de preparação dos aplicadores da reforma, da necessidade de formação dos seus utilizadores e da não criação de infraestruturas necessárias para o correcto funcionamento da reforma aquando da sua entrada em vigor. Um dos problemas visados era o da falta de solicitadores de execução a nível nacional, uma vez que para realizar as diligências de execução, só podia ser nomeado um solicitador de execução da comarca onde devesse correr esse processo executivo, ou das comarcas limítrofes, prejudicando, deste modo, a liberdade de escolha do solicitador de execução, agravado pelo problema de carência de solicitadores de execução em determinadas zonas do país. Previa-se, assim, o alargamento do âmbito territorial de competência desses agentes de execução, atribuindo a possibilidade ao exequente de poder escolher um solicitador de execução de qualquer comarca do país. Este Plano de Acção para o Descongestionamento dos Tribunais foi aprovado através da Resolução do Conselho de Ministros n.º 100/2005, de 30 de Maio. No que se refere especificamente à acção executiva, uma medida avançada foi a extinção de todos os processos executivos em matéria de custas judiciais de valor até 400 euros, instaurados antes de 30 de Setembro 34 Os dois outros objectivos visavam, por um lado, o descongestionamento dos tribunais, diminuindo a pressão processual a que estão sujeitos e, por outro, a criação das condições para a desmaterialização de processos e para a utilização dos sistemas de informação e gestão nos tribunais. Cf. http://www.mj.gov.pt/sections/informacao-eeventos/imprensa/discussao-do-codigo (Maio de 2006). As reformas do processo executivo: breve abordagem 31 de 2005. Com esta medida, pretendia-se retirar dos tribunais as dezenas de milhar de acções executivas pendentes para cobrança de custas judiciais pelo Estado, uma vez que os custos da sua cobrança eram quase sempre superiores ao valores recuperados, e na maioria dos casos (cerca de 90%), não seria possível recuperar a totalidade do crédito35. Incentivos excepcionais para a desistência de acções executivas por dívidas de custas Ainda com o objectivo de actuar sobre os bloqueios da acção executiva, foi publicada a Lei n.º 60-A/2005, de 30 de Dezembro que, na sequência da aprovação do orçamento de Estado para 2006, veio ratificar um conjunto de incentivos excepcionais para descongestionar as pendências judiciais e possibilitar a desistência de acções executivas por dívida de custas, entre outras medidas36. Assim, estabeleceu-se a dispensa do pagamento das custas judiciais nas acções executivas propostas até 30 de Setembro de 2005, ou que resultassem da apresentação à distribuição de providências de injunção requeridas até à mesma data, e viessem a findar por extinção da instância em razão de desistência do pedido, de confissão, de transacção ou de compromisso arbitral apresentados até 31 de Dezembro de 200637; e mediante a verificação de certas condições, determinava-se a extinção da instância nas acções executivas por dívidas de custas, multas processuais e outros valores contados instaurados até 30 de Setembro de 2005 e a não instauração de acções referentes a esses valores contados cujo prazo para pagamento 35 Cf. Plano de Acção para o Descongestionamento dos Tribunais, in http://www.mj.gov.pt/sections/destaques/destaques-jt/plano-de-accao-para-o/ (Setembro de 2006). 36 Este diploma, também, veio alterar o regime fiscal dos créditos incobráveis, modificando o Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado. In http://www.mj.gov.pt/sections/documentose-publicacoes/temas-de-justica/incentivos-excepcionais/ (Abril de 2006). 37 É feita a ressalva de que não havia lugar à restituição do que já tivesse sido pago nem, salvo motivo justificado, à elaboração da respectiva conta (artigo 66º n.º 1 da Lei n.º 60-A/2005, de 30 de Dezembro). 32 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma voluntário tivesse decorrido até 30 de Setembro de 2005, não havendo, nestes casos, lugar à elaboração dos processos extintos38. Alterações ao Código de Processo Civil e ao Estatuto da Câmara dos Solicitadores Na senda das propostas apresentadas no Plano de Acção para o Descongestionamento dos Tribunais foi publicada, em Abril de 2006, a Lei n.º 14/2006, de 26 de Abril, que inseriu um conjunto de alterações ao Código de Processo Civil e ao Estatuto da Câmara dos Solicitadores. Assim, procedeu-se à modificação da competência territorial dos solicitadores de execução no âmbito do processo executivo, permitindo ao exequente a escolha de um solicitador de execução inscrito em qualquer comarca39; transformou-se o anterior dever de realização de diligências que implicassem deslocações do solicitador designado para fora da área da comarca de execução e suas limítrofes por agente de execução dessa área em uma mera faculdade40; estabeleceu-se a delegação de competência para a prática de todos os actos do processo noutro solicitador de execução desde que este facto seja 38 As condições a verificar cumulativamente eram: a) Não tivessem sido instauradas ao abrigo do n.º 3 do artigo 116.º do Código das Custas Judiciais; b) Não respeitassem a multa decorrente de condenação por litigância de má fé; c) Não tivessem de prosseguir para a execução de outra dívida; d) O seu valor fosse inferior a € 400, e, e) Não tivesse sido realizada a penhora de bens (artigo 67º da Lei n.º 60-A/2005, de 30 de Dezembro). 39 Cf. artigo 1.º da Lei n.º 14/2006, de 26 de Abril, que confere a seguinte nova redacção ao n.º 2 do artigo 808.º do Código de Processo Civil “As funções de agente de execução são desempenhadas por solicitador de execução designado pelo exequente de entre os inscritos em qualquer comarca; na falta de designação pelo exequente, são essas funções desempenhadas por solicitador de execução designado pela secretaria, nos termos do artigo 811.o-A, de entre os inscritos na comarca e nas comarcas limítrofes ou, na sua falta, de entre os inscritos em outra comarca do mesmo círculo judicial; não havendo solicitador de execução inscrito no círculo ou ocorrendo outra causa de impossibilidade, são as funções de agente de execução, com excepção das especificamente atribuídas ao solicitador de execução, desempenhadas por oficial de justiça, determinado segundo as regras da distribuição”. 40 Nos termos do novo artigo 808º, n.º 5 do CPC: “As diligências que impliquem deslocação para fora da área da comarca da execução e suas limítrofes, ou da área metropolitana de Lisboa ou do Porto no caso de comarca nela integrada, podem ser efectuadas, a solicitação do agente de execução designado e, sendo este solicitador, sob sua responsabilidade, por agente de execução dessa área; a solicitação do oficial de justiça é dirigida à secretaria do tribunal da comarca da área da diligência, por meio telemático ou, não sendo possível, por comunicação telefónica ou por telecópia”. As reformas do processo executivo: breve abordagem 33 prontamente comunicado à parte que o designou e ao tribunal e, quando a designação haja sido feita pelo exequente, exista o seu consentimento41; foi instituído o dever de utilização dos meios telemáticos na comunicação entre secretaria judicial e solicitador de execução, sempre que os meios técnicos assim o permitam42; e, de acordo com a recente alteração da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais, em matéria de competência dos juízos de execução, é restabelecida a tramitação da execução de sentença por apenso, excepto quando, em comarca com juízo de execução, aquela haja sido proferida por tribunal com competência específica cível ou com competência genérica e, quando o processo tenha entretanto subido em recurso, a execução correrá no traslado, podendo, todavia, o juiz do processo, se entender conveniente, apensar à execução o processo já findo43. Na sequência das alterações introduzidas pela Lei n.º 14/2006, de 26 de Abril (modificação da competência territorial dos solicitadores de execução e o carácter facultativo da realização de diligências que impliquem deslocações do solicitador designado para fora da área da comarca de execução e suas limítrofes por agente de execução dessa área), foi publicada a Portaria 436A/06, de 5 de Maio que veio adequar as disposições respeitantes à remuneração e reembolso das despesas do solicitador de execução por deslocações previstas na Portaria n.º 708/2003, de 4 de Agosto44. 41 Cf. a nova redacção do artigo 128º do Estatuto da Câmara dos Solicitadores. O artigo 5.º deste diploma altera os n.º 1 e 2 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 202/2003, de 10 de Setembro. 43 Cf. a nova redacção do n.º 3 do artigo 90.º do Código de Processo Civil. 44 Os n.º 3 e 4 do artigo 10º da Portaria n. º 708/2003, de 4 de Agosto passa, assim, a ter o seguinte conteúdo: “3 - Podem, todavia, ser cobradas despesas de deslocação, tendo por base os critérios estabelecidos no artigo 13.º, se o solicitador de execução praticar actos fora da sua comarca. 4 - Para os efeitos previstos no número anterior, deve o exequente ser previamente informado do custo provável da deslocação e de que, sendo o acto praticado por agente de execução da comarca em causa, não há lugar ao pagamento de tais despesas e ainda de que estas despesas de deslocação não integram as custas que o exequente tem a haver do executado”. 42 34 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma 7.2. As 17 Medidas para Desbloquear a Reforma da Acção Executiva Em Junho de 2005, o actual Governo apresentou 17 Medidas para Desbloquear a Reforma da Acção Executiva 45 46 englobadas em cinco grandes áreas: 1. Ganhar tempo e acelerar a acção executiva, com mais automatismos nas aplicações informáticas; 2. As novas tecnologias ao serviço de uma penhora mais rápida e eficaz; 3. Formação, para melhor aplicar a reforma da acção executiva; 4. Eliminar as dúvidas, os entraves e os bloqueios que hoje paralisam a acção executiva; 5. Mais tribunais e equipamentos para desbloquear a acção executiva. 45 No primeiro documento apresentado pelo Governo, em Junho de 2005, estas medidas perfaziam apenas o número de 15, vindo posteriormente a ser acrescidas duas novas medidas respeitantes à área das “novas tecnologias ao serviço de uma penhora mais rápida e eficaz” (o acesso electrónico dos solicitadores de execução quer aos dados do registo comercial, quer aos do registo predial). In http://www.oa.pt/genericos/Arquivo/detalhe_arquivo.asp?idc=12&comboSeleccione=61&ida=28 501 (Julho de 2005). 46 Essas 17 Medidas compreendem: 1) a entrega electrónica do requerimento executivo passar a ser feita exclusivamente através da aplicação informática; 2) também o Ministério Público passar a enviar o requerimento através da aplicação informática H@bilus; 3) os dados relativos aos intervenientes no processo, constantes do requerimento executivo electrónico passarem a entrar automaticamente na aplicação informática das custas; 4) entrar em funcionamento uma rotina informática que não permita a designação do solicitador de execução, no requerimento executivo, quando este se encontrar com a actividade suspensa ou interrompida; 5) o acesso electrónico aos registos da Segurança Social; 6) o acesso electrónico dos solicitadores de execução aos registos de identificação civil; 7) o acesso electrónico dos solicitadores de execução ao Ficheiro Central de Pessoas Colectivas; 8) o acesso electrónico aos registos de automóveis, a título definitivo; 9) o acesso electrónico dos solicitadores de execução aos dados do registo comercial; 10) o acesso electrónico dos solicitadores de execução aos dados do registo predial; 11) a formação extraordinária para advogados e solicitadores de execução; 12) a formação de magistrados e de outros profissionais que actuem no âmbito da acção executiva, por parte do Centro de Estudos Judiciários; 13) uma delimitação rigorosa das competências dos juízos de execução; 14) a autuação de todos os processos por autuar nas secretarias de execução de Lisboa e do Porto, o mais tardar, até ao final de Novembro; 15) a resolução do problema da falta de solicitadores de execução em certas zonas do país por se permitir que todos os solicitadores pratiquem actos de execução em qualquer ponto do território nacional; 16) a instalação de novos juízos de execução; e 17) a criação do depósito público de Vila Franca de Xira (cf. “17 Medidas para Desbloquear a Reforma da Acção Executiva”, in http://www.mj.gov.pt/sections/justica-e-tribunais/medidas-paradesbloquear/downloadFile/attachedFile_f0/MAExecutiva.pdf?nocache=1136654818.01). (Abril de 2006). As reformas do processo executivo: breve abordagem 35 Em relação à primeira área (“Ganhar tempo e acelerar a acção executiva, com mais automatismos nas aplicações informáticas”), o Governo pretendeu introduzir as seguintes alterações: a entrega electrónica do requerimento executivo passar a ser efectuada exclusivamente através da aplicação informática H@bilus, deixando de ser possível enviá-lo por e-mail47; o mesmo sucederia na entrega do requerimento executivo por parte do Ministério Público48; a entrada automática na aplicação informática das custas dos dados respeitantes aos intervenientes no processo, constantes do requerimento 47 A informação constante do requerimento executivo passaria, de acordo com o Governo, a ser sempre carregada directamente na aplicação informática, sem necessidade da intervenção humana do oficial de justiça que o requerimento executivo enviado por e-mail implicava, evitando assim que o tempo dos oficiais de justiça fosse gasto com tarefas dispensáveis ou inúteis. Como veremos, esta, tal como outras medidas, ainda não se encontram totalmente concretizadas. Esta medida, na perspectiva do Governo, era fundamental, pois por cada processo, o oficial de justiça demorava pelo menos 15 minutos a abrir o e-mail com o requerimento executivo e a introduzir manualmente esses dados na aplicação informática H@bilus, pelo que cerca de 6.000 requerimentos executivos enviados por e-mail ficaram por abrir nos computadores dos tribunais, o que provocou o primeiro bloqueio da acção executiva. Esta medida entrou em vigor em finais de Julho de 2005. Era, também, intenção do executivo que o fim do envio por e-mail fosse precedido de uma acção de divulgação junto dos advogados e dos solicitadores, através das respectivas Ordem e Câmara, sendo também realizados testes em vários tribunais. In http://www.oa.pt/genericos/Arquivo/detalhe_arquivo.asp?idc=12&comboSeleccione=61&ida=28 501 (Julho de 2005). In http://www.mj.gov.pt/sections/destaques/destaques-jt/medidas-paradesbloquear/downloadFile/attachedFile_f0/MAExecutiva.pdf?nocache=1136654818.01 (Abril de 2006). De acordo com uma informação da Direcção-Geral da Administração da Justiça “o requerimento electrónico - disponível, com carácter facultativo, desde 1 de Março de 2005 e obrigatório desde 1 de Agosto do mesmo ano - permitiu uma redução no tempo médio gasto no registo e autuação dos requerimentos da ordem dos 10 minutos por requerimento, em relação ao registo e autuação dos requerimentos em papel ou por mail. Se tivermos presente que, desde 1 de Março de 2005 até hoje, deram entrada nas secretarias de execução 167.966 requerimentos electrónicos, ter-se-ão poupado 27.994 horas de trabalho, ou seja, 3.999 dias de trabalho”. Cf. Portal do Ministério da Justiça “H@bilus - novas funcionalidades: mais eficiência, maior eficácia, mais poupança”. In http://www.mj.gov.pt/sections/o-ministerio/direccao-geralda/ficheiros/fsfsdf/ (Setembro de 2006). 48 No que diz respeito ao requerimento executivo apresentado pelo Ministério Público, o oficial de justiça tinha de inserir à mão no sistema os dados constantes do mesmo. Com esta medida pretendia-se reduzir uma parte substancial do esforço humano dos magistrados do Ministério Público e dos oficiais de justiça. Estava agendado para os meses de Setembro e Outubro de 2005, uma acção de formação sobre esta nova aplicação informática para os magistrados do Ministério Público. In http://www.mj.gov.pt/sections/destaques/destaques-jt/medidas-paradesbloquear/downloadFile/attachedFile_f0/MAExecutiva.pdf?nocache=1136654818.01 (Abril de 2006). 36 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma executivo electrónico49; quando o solicitador de execução tiver a actividade suspensa ou interrompida, o preenchimento do campo do requerimento executivo destinado a indicar o solicitador de execução passaria a estar vedado50. No que diz respeito à segunda área, isto é, à utilização de novas tecnologias para possibilitar uma penhora mais rápida e eficaz, as medidas apresentadas consistiam em permitir o acesso electrónico dos solicitadores de execução a várias bases de dados, designadamente aos registos da Segurança Social; aos registos de Identificação Civil; ao Ficheiro Central de Pessoas Colectivas; ao Registo de Automóveis, a título definitivo; ao Registo Comercial; e ao Registo Predial51. Para a concretização de tais medidas foram 49 O oficial de justiça tinha de introduzir manualmente a informação constante do requerimento executivo na aplicação das custas, uma vez que não existia ligação electrónica entre a aplicação informática H@bilus e a aplicação das custas. Até ao final do mês de Junho de 2005 o Governo pretendia que fossem realizados os testes necessários para que, antes de 15 de Julho de 2005, passasse a existir uma comunicação automática entre as aplicações das custas e o H@bilus, o que evitaria a intervenção do oficial de justiça para introdução de dados. De acordo com o Governo, com esta medida, reduzir-se-ia, em cerca de 10 minutos, o tempo que o oficial de justiça gastava com cada processo. In http://www.oa.pt/genericos/Arquivo/detalhe_arquivo.asp?idc=12&comboSeleccione=61&ida=28 501 (Julho de 2005). 50 Esta medida teve por finalidade evitar um dispêndio acrescido de tempo e dinheiro, uma vez que era possível designar no requerimento executivo um solicitador de execução que não pudesse ser nomeado por estar impedido ou impossibilitado de exercer essas funções. Quando tal acontecia, era necessário substituir o solicitador indicado, o que implicava a prática de novos actos e notificações por parte da secretaria judicial que poderiam ser evitados. In http://www.mj.gov.pt/sections/destaques/destaques-jt/medidas-paradesbloquear/downloadFile/attachedFile_f0/MAExecutiva.pdf?nocache=1136654818.01 (Abril de 2006). 51 Os solicitadores de execução não podiam aceder electronicamente aos registos da Segurança Social, efectuando-se cerca de 220.000 consultas/ano por carta ou fax à Segurança Social, das quais, 50% eram respondidas por carta. Ora, o acesso electrónico, além de eliminar os custos de envio da informação por carta ou telecópia, permitiria acelerar o tempo de resposta, e evitar o período de 10 a 15 minutos que os funcionários da Segurança Social gastavam com cada consulta da base de dados. Os solicitadores de execução também não tinham acesso electrónico aos registos de identificação civil, aos ficheiros do Registo Nacional de Pessoas Colectivas, aos dados do registo comercial, e do registo predial cuja informação solicitada era disponibilizada mediante um pedido escrito, o que implicava aguardar pela resposta e que a consulta fosse efectuada por pessoal dos registos. É de referir que estas duas últimas medidas foram acrscidas ao primeiro documento apresentado pelo Governo em Junho de 2005. Quanto aos registos de automóveis, os solicitadores de execução apenas tinham acesso à base de dados do registo automóvel a título provisório, passando agora a ter acesso electrónico directo ao registo automóvel, a título definitivo. In http://www.mj.gov.pt/sections/destaques/destaques-jt/medidas-para- As reformas do processo executivo: breve abordagem 37 celebrados cinco protocolos entre a Câmara dos Solicitadores e a DirecçãoGeral dos Registos e Notariado (três a 5 de Julho e dois a 22 de Julho de 2005) e um protocolo entre o Ministério da Justiça e a Segurança Social no dia 12 de Julho desse mesmo ano52. Quanto à terceira área - a formação -, o Governo previu, para uma melhor aplicação da reforma da acção executiva, uma formação extraordinária para advogados e solicitadores de execução, bem como para magistrados e outros profissionais que actuassem no âmbito da acção executiva53. No que se refere à quarta área (eliminar as dúvidas, os entraves e os bloqueios que paralisavam a acção executiva), foram apresentadas as seguintes medidas: a delimitação rigorosa das competências dos juízos de execução54; a autuação dos processos que se encontravam por autuar nas desbloquear/downloadFile/attachedFile_f0/MAExecutiva.pdf?nocache=1136654818.01 (Abril de 2006). 52 Estes protocolos vieram permitir aos solicitadores de execução o acesso directo aos registos de identificação civil, ao Ficheiro Central de Pessoas Colectivas, ao registo automóvel, bem como estabelecer os termos de acesso electrónico daqueles e dos tribunais aos registos da Segurança Social, sendo o acesso efectivo aos respectivos dados previsto para Agosto e Outubro de 2005, respectivamente. No que se refere ao acesso electrónico aos dados dos registos comercial e predial, estava em curso a implementação de duas aplicação informáticas (a SIRCOM e a SIRP) que viria possibilitar a consulta directa dos dados pelos solicitadores de execução. In http://www.mj.gov.pt/sections/destaques/destaques-jt/medidas-paradesbloquear/downloadFile/attachedFile_f0/MAExecutiva.pdf?nocache=1136654818.01 (Abril de 2006). 53 Com o objectivo de melhorar a articulação entre os diversos agentes processuais, foram assinados protocolos de formação entre o Ministério da Justiça, a Ordem dos Advogados, a Câmara dos Solicitadores e o Centro de Estudos Judiciários (CEJ). O Ministro da Justiça solicitou ao CEJ a realização de uma formação integrada de magistrados judiciais, magistrados do Ministério Público, funcionários judiciais e solicitadores de execução sobre a reforma da acção executiva, a ter início no último trimestre de 2005. In http://www.mj.gov.pt/sections/destaques/destaques-jt/medidas-paradesbloquear/downloadFile/attachedFile_f0/MAExecutiva.pdf?nocache=1136654818.01 (Abril de 2006). 54 O legislador entendeu que a lei deveria ser clarificada, na sequência de interpretações divergentes sobre o âmbito da competência dos juízos de execução, originando diversos conflitos negativos de competência, com o inerente prejuízo para a celeridade processual. Estabeleceu-se, assim, que os juízos de execução têm exclusivamente competência em matéria cível, evitando, deste modo, inúmeras decisões sobre a competência dos juízos de execução para as execuções de coimas, entre outras. In http://www.mj.gov.pt/sections/destaques/destaques-jt/medidas-paradesbloquear/downloadFile/attachedFile_f0/MAExecutiva.pdf?nocache=1136654818.01 (Abril de 2006). 38 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma secretarias de execução de Lisboa e Porto até ao final de Novembro de 200555; e a possibilidade de todos os solicitadores de execução passarem a praticar actos de execução em todo o território nacional56. A quinta e última medida anunciada prende-se com a necessidade de instalação de novos juízos de execução57 e com a criação do depósito público58. No que respeita à instalação dos novos juízos de execução, em Setembro de 2005, entraram em funcionamento, através da Portaria 822/2005, de 14 de Setembro, o 3º Juízo de Execução de Lisboa e o 2º Juízo de Execução do Porto criados no Decreto-Lei n.º 148/2004, de 21 de Junho, de forma a resolver a situação de cerca de 120 000 processos de cobrança de dívidas parados nessas comarcas onde se encontram instalados os juízos de execução59. No início de 2006, foi publicado o Decreto-Lei n.º 35/2006, de 20 de Fevereiro que determinou a transição das acções executivas que se 55 Nas Secretarias de Execuções de Lisboa e do Porto estavam por autuar, respectivamente, cerca de 85.000 e de 40.000 processos. Para autuar todos estes processos até ao final de Novembro de 2005, o Governo decidiu contratar pessoal para o exercício exclusivo dessa tarefa, permitindo pôr em marcha, finalmente, estes processos. In http://www.mj.gov.pt/sections/destaques/destaques-jt/medidas-paradesbloquear/downloadFile/attachedFile_f0/MAExecutiva.pdf?nocache=1136654818.01 (Abril de 2006). 56 Em algumas zonas do país não existiam solicitadores de execução ou não existiam em número suficiente, uma vez que, por regra, o solicitador de execução só podia agir na comarca onde tivesse o seu domicílio profissional, nas comarcas limítrofes ou, em último caso, nas comarcas do círculo judicial. Para resolver este problema, o executivo propôs-se realizar as consultas necessárias para permitir que qualquer solicitador de execução pudesse ser designado para execuções em qualquer ponto do país. In http://www.mj.gov.pt/sections/destaques/destaques-jt/medidas-paradesbloquear/downloadFile/attachedFile_f0/MAExecutiva.pdf?nocache=1136654818.01 (Abril de 2006). 57 Apesar do Decreto-Lei n.º 148/2004, de 21 de Junho prever a criação de dez juízos de execução, em Junho de 2005, apenas estavam instalados dois juízos de execução em Lisboa e um no Porto. Neste documento, o Governo propõe-se instalar, até 15 de Setembro de 2005, o 3.° Juízo de Execução de Lisboa e o 2.° Juízo de Execução do Porto e, até ao final de 2005, um juízo de execução em Oeiras, em Guimarães e na Maia. In http://www.mj.gov.pt/sections/destaques/destaques-jt/medidas-paradesbloquear/downloadFile/attachedFile_f0/MAExecutiva.pdf?nocache=1136654818.01 (Abril de 2006). 58 O primeiro depósito público, situado em Vila Franca de Xira, entrou em funcionamento a 15 de Setembro de 2005. In http://www.mj.gov.pt/sections/destaques/destaques-jt/medidas-paradesbloquear/downloadFile/attachedFile_f0/MAExecutiva.pdf?nocache=1136654818.01 (Abril de 2006). 59 Cf. notícia do Público – Última hora (14/09/2005). As reformas do processo executivo: breve abordagem 39 encontravam pendentes nos Tribunais das comarcas de Guimarães, Loures, Maia, Oeiras e Sintra para os novos juízos de execução, aquando da respectiva instalação. Em Março de 2006, esta medida pôde ser concretizada com a instalação do Juízo de Execução de Guimarães e do Juízo de execução de Oeiras através da Portaria n.º 262/2006, de 16 de Março60, sendo, também, anunciada a instalação próxima de um juízo de execução na comarca da Maia61, o que se verificou em 18 de Dezembro de 2006, pela Portaria n.º 1406/2006, continuando por instalar os juízos de execução das comarcas de Loures e de Sintra. Em 2006, foi, ainda, aprovado o Regulamento do depósito público e da venda em depósito, através da publicação da Portaria n.º 512/2006, de 5 de Junho. Este é definido como todo e qualquer local de armazenagem de bens que tenha sido afecto, por despacho do Director-Geral da Administração da Justiça, à remoção e depósito de bens penhorados no âmbito de um procedimento executivo. O legislador adaptou, ainda, as condições de venda em depósito público à possibilidade de realização da venda por meios informáticos, nomeadamente através de leilão na Internet. 60 A Portaria declarou instalado, a partir de 20 de Março de 2006, o Juízo de Execução da Comarca de Guimarães e, a partir de 19 de Abril de 2006, o Juízo de Execução da Comarca de Oeiras. Aquando do anúncio desta nova medida, estimava-se que o Juízo de Execução de Guimarães viria a tramitar anulamente cerca de 5.000 acções executivas e ficaria composto por um juiz e dozes funcionários judiciais. In http://www.mj.gov.pt/sections/informacao-e-eventos/juizo-deexecucao-de/ (Abril de 2006). 61 Cf. Ministério da Justiça. 2006. 2Justiça de A a Z – Um ano de Governo” In http://www.mj.gov.pt/sections/informacao-e-eventos/justica-de-a-a-z-umano/downloadFile/attachedFile_f0/Justica_de_A_a_Z_-_Um_Ano_de_Governo__VersaoMJ_final.pdf?nocache=1146071322.88 (Abril de 2006). 40 8. A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma O Manual de Boas Práticas É de referir, ainda, a publicação, em Maio de 2006, de um Manual de Boas Práticas resultado de um seminário sobre a reforma do processo executivo promovido por diferentes instituições (Centro de Estudos Judiciários, Ordem dos Advogados, Câmara dos Solicitadores, Centro de Formação dos Oficiais de Justiça e GPLP) com a colaboração do Conselho Superior da Magistratura e da Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa realizado em Novembro de 2005. Este documento pretende “tornar pública a concertação de práticas e procedimentos que presidiu a sua realização e que se julgou necessária. Nele, igualmente se dá nota das recomendações que os grupos entenderam formular e que, em regra, consubstanciam aspectos a acautelar em intervenções legislativas futuras”62. Trata-se, assim, de um conjunto de recomendações sobre a prática dos actos e diligências do processo executivo por parte dos diferentes intervenientes ao longo do processo. 62 Cf. http://www.gplp.mj.pt/home/concluidos/rae/RAE%20-%20Boas%20Praticas.pdf (Setembro de 2006). Capítulo II O novo regime da acção executiva Introdução Como já deixámos dito, o principal objectivo deste projecto de investigação centra-se na identificação dos principais problemas e bloqueios da acção executiva e na apresentação de propostas de alteração. Como veremos nos capítulos seguintes, levantam-se várias questões relacionadas com o seu regime legal ou com a interpretação de disposições legais. É, assim, fundamental apresentarmos uma breve descrição das linhas gerais do actual regime jurídico do processo executivo, salientando as principais inovações introduzidas. Uma das linhas estruturantes da reforma da acção executiva consistiu na criação de uma nova figura processual – o agente de execução – com funções determinantes no novo modelo de acção executiva, que veio desjudicializar grande parte dos actos do processo executivo. Associada a esta nova figura foi criada a profissão de solicitador de execução, profissional que, na grande maioria dos processos, assume as funções do agente de execução. Adiante veremos quais os requisitos de acesso a esta nova profissão, as competências do solicitador de execução, incompatibilidades, impedimentos e deveres, bem como o seu regime remuneratório. Damos conta, ainda, do quadro jurídico definidor da fiscalização e acção disciplinar a que se encontra sujeito, as suas relações funcionais com o exequente e os tribunais. 42 1. A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma A entrada em vigor do novo regime e o seu âmbito de aplicação Apesar de visto e aprovado em Conselho de Ministros de 20 de Dezembro de 2002, referendado em 21 de Fevereiro e publicado em Diário da República em 8 de Março de 2003, o novo regime da acção executiva com um período de vacatio legis de cerca de seis meses, apenas entrou em vigor em 15 de Setembro de 200363. O novo regime jurídico, ao contrário do que sucedeu com outras alterações processuais (como, por exemplo, relativamente à Lei Tutelar Educativa), aplica-se somente às acções propostas após a entrada em vigor do mesmo, permanecendo em vigor o regime processual antigo para as acções propostas antes de 15 de Setembro de 2003, com excepção do novo regime relativo ao registo informático de execuções e ao seu acesso e consulta64. Evita-se, assim, por um lado, a reclassificação das acções executivas a tramitar nos tribunais; mas, por outro, estabeleceu uma situação em que existem dois tipos de acções executivas a correr concomitantemente: umas que seguem as regras de processo antigas; outras que se regem pelo novo regime jurídico da acção executiva. 63 64 Cf. artigo 23.º do Decreto-Lei n.º 38/2003, de 8 de Março. Cf. artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 38/2003, de 8 de Março. O novo regime da acção executiva 2. 43 As alterações no âmbito da organização judiciária: os juízos de execução A reforma da acção executiva de 2003 veio trazer alterações à organização judiciária, criando as secretarias65 e/ou juízos de execução, com competência específica para a acção executiva66. O preâmbulo do Decreto-Lei n.º 38/2003, de 8 de Março, refere que “[n]os casos em que tem lugar, a intervenção jurisdicional far-se-á através de magistrados judiciais afectos a juízos de execução e só através dos magistrados do tribunal de competência genérica quando não sejam criados esses juízos com competência específica. Visa-se assim conseguir maior eficácia e consequente celeridade na administração da justiça (…)”. O Decreto-Lei n.º 148/2004, de 21 de Junho, que alterou o Regulamento da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais (RLOFTJ), criou os juízos de execução de Guimarães, Lisboa, Loures, Maia, Oeiras, Porto e Sintra. Aquele diploma, impôs a redistribuição pelos novos juízos de execução das acções executivas instauradas ao abrigo no novo regime, “que se encontr[ass]em pendentes nas varas cíveis, nos juízos cíveis e nos juízos de pequena instância cível das comarcas de Lisboa e Porto”, assim que fossem instalados por portaria do Ministro da Justiça67, o que aconteceu em 16 de Outubro de 200468. 65 As secretarias de execução têm competência para a realização das diligências necessárias à tramitação do processo comum de execução. Foi criada a secretaria-geral de execução das varas cíveis, juízos cíveis e juízos de pequena instância cível pela Portaria n.º 969/2003, de 13 de Setembro. A Portaria n.º 1322/2004, de 16 de Outubro, criou a secretaria geral de execuções do Porto e renomeou a de Lisboa para secretaria geral de execuções de Lisboa. 66 Cf. artigo 96.º, n.º 1, al. g), da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais (LOFTJ), com a redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 38/2003, de 8 de Março. 67 Cf. artigos 3.º, n.ºs 1 e 2, e 5.º, do Decreto-Lei n.º 148/2004, de 21 de Junho. 68 Cf. Portaria n.º 1322/2004, de 16 de Outubro, que declarou instalados os primeiro e segundo juízos de execução de Lisboa e o primeiro juízo de execução do Porto. Mais tarde, em 14 de Setembro de 2005, foram criados o terceiro juízo de execução de Lisboa e o segundo do Porto (Portaria n.º 822/2005, de 14 de Setembro). 44 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma Por sua vez, o Decreto-Lei n.º 35/2006, de 20 de Fevereiro, definiu que transitariam para os juízos de execução de Guimarães, Loures, Maia, Oeiras e Sintra as acções executivas instauradas ao abrigo do novo regime de acção executiva que se encontrassem pendentes nos tribunais daquelas comarcas69. Em inícios de 2007 encontravam-se, assim, instalados oito juízos de execução [três em Lisboa, dois no Porto (cada um deles com três secções de processo), e um em Guimarães, Oeiras e Maia, respectivamente]. Cada um destes juízos tem competência, apenas, na área da respectiva comarca. Em comarcas onde não há juízos de execução continuam a ser competentes os mesmos tribunais que julgavam os processos executivos anteriores à reforma de 2003. O Mapa 1 mostra a distribuição territorial e a respectiva jurisdição dos juízos de execução instalados. 69 Os juízos de execução de Guimarães e Oeiras foram instalados em 16 de Março de 2006 (Portaria n.º 262/2006, de 16 de Março) e o da Maia, em 18 de Dezembro do mesmo ano (Portaria n.º 1406/2006, de 18 de Dezembro). O novo regime da acção executiva 45 Mapa 1 Comarcas e juízos de execução instalados em Portugal Continental (2007) Comarcas sem Juízo de Execução Lisboa Porto Guimarães Oeiras Maia 0 12,5 25 50 75 100 Km Fonte: OPJ 46 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma Os juízos de execução são competentes para a tramitação dos processos de execução de natureza cível da área da comarca, excepto aqueles da competência exclusiva dos tribunais especializados (cf. artigo 102.º-A e 103.º da LOFTJ, na redacção dada pela Lei n.º 42/2005, de 29 de Agosto)70. Assim, as execuções fundadas em sentenças condenatórias e as execuções por custas, por multas ou por indemnizações por litigância de má fé, passaram a ser julgadas por traslado71 no juízo de execução do lugar em que a causa tenha sido julgada. Para as acções executivas fundadas noutros títulos executivos, ressalvados alguns casos especiais72, é competente o juízo de execução do domicílio do executado, embora o exequente possa optar pelo tribunal do lugar em que a obrigação deva ser cumprida quando o executado seja pessoa colectiva ou quando, situando-se o domicilio do exequente na área metropolitana de Lisboa ou do Porto, o executado tenha domicílio na mesma área metropolitana73. 70 Com a redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 38/2003, de 8 de Março, aos juízos de execução “competia exercer, no âmbito do processo de execução, as competências previstas no Código de Processo Civil”, sendo que “nas circunscrições não abrangidas pela competência dos juízos de execução, os tribunais de competência especializada e de competência específica [seriam] competentes para exercer [aquelas competências] quanto às decisões que hajam proferido” (cf. artigo 102.º-A e 103.º da LOFTJ). A alteração operada pela Lei n.º 42/2005, de 29 de Agosto teve como objectivo “clarificar o sentido do artigo 102º-A, relativo à competência dos juízos de execução. A aplicação deste preceito vinha sendo objecto de interpretações divergentes, originadoras de diversos conflitos negativos de competência, que impunham e justificavam uma intervenção clarificadora do legislador. Estabeleceu-se, assim, que os juízos de execução têm exclusivamente competência para processos de execução de natureza cível não atribuídos a tribunais de competência especializada, sendo também competentes para conhecer das execuções por dívidas de custas cíveis que não devam ser executadas por aqueles tribunais, havendo sido alterados em conformidade os artigos 77º, 97º e 103º da LOFTJ” (cf. http://www.gplp.mj.pt/HOME/Ju%C3%ADzos_execucao.htm (Setembro 2006). 71 Excepto “quando o juiz da execução entenda conveniente apensar à execução o processo já findo, em que a decisão haja sido proferida”. Cf. artigo 90.º, n.ºs 1 e 3, al. a) do CPC. 72 Como, por exemplo, o caso da execução por alimentos que é da competência dos tribunais de família (artigo 82.º, n.º 1 e), in fine, da LOFTJ). 73 Cf. artigo 94.º, n.º 1 do CPC, com a redacção dada pela Lei n.º 14/2006, de 26 de Abril. Anteriormente, o tribunal competente para aquelas execuções era o do lugar onde a obrigação deveria ser cumprida. Esta alteração da regra de competência territorial insere-se numa das medidas adoptadas pelo Governo para o descongestionamento dos tribunais e tem como objectivo dispersar as acções executivas pelos diversos tribunais, impedindo o estrangulamento dos tribunais do lugar das sedes dos denominados litigantes frequentes. O novo regime da acção executiva 47 O juízo de execução é, ainda, competente, desde que um determinado bem esteja situado na área da sua comarca, quando se tratem de execuções para entrega de coisa certa, por dívida com garantia real e por dívida se um tribunal for competente apenas por existirem bens no território português74. 74 Artigo 94.º, n.ºs 2 a 4 do CPC. 48 3. A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma Os pressupostos da acção executiva 3.1. Os títulos executivos A primeira condição ou pressuposto para intentar uma acção executiva é a existência de um título executivo, ou seja, de um documento a que a lei reconheça força declarativa de direitos suficiente para obviar à necessidade de uma acção declarativa75. O título determina o tipo de acção, a legitimidade das partes, a finalidade da execução e os seus limites76. O legislador não reconheceu a todos os títulos executivos a mesma legitimidade. Como iremos referir adiante, impôs, relativamente a alguns títulos, um processamento diferente. Os vários títulos executivos enunciados no artigo 46.º do Código de Processo Civil (CPC) podem ser divididos em quatro grandes tipos77: sentenças condenatórias78, documento exarado ou autenticado por notário79, escrito particular assinado pelo devedor80 e documentos com força executória especial81 82. 75 Neste sentido, cf. Freitas, 2004: 29. Cf. artigo 45.º do CPC. 77 Cf. Freitas, 2004: 37 78 Sobre a exequibilidade dos vários tipos de sentenças cf. Freitas, 2004: 37 a 52. 79 São exemplos de documentos exarados por notário os testamentos públicos e as escrituras públicas. Documentos autenticados são, por exemplo, o testamento cerrado. Cf. Freitas, 2004: 53. 80 Por exemplo, letras, livranças, cheques e extractos de factura, cf. Freitas, 2004: 57. A principal inovação relativamente ao regime anterior prende-se com o facto de, actualmente, uma execução se poder fundar num documento particular que importe a constituição ou reconhecimento de obrigação de coisa imóvel, e não já, somente, de coisa móvel (cf. artigo 46.º, n.º 1, al. c) do CPC, com a redacção dada pelo artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 38/2003, de 8 de Março). 81 Estes podem ser títulos judiciais impróprios (por exemplo, o requerimento de injunção com fórmula executória aposta – artigo 14.ºdo regime anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro, com a redacção do Decreto-Lei n.º 107/2005, de 1 de Julho); títulos administrativos (por exemplo, certidão de dívida de contribuições a uma instituição de segurança social – artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 511/76, de 3 de Julho); ou títulos particulares (por exemplo, as actas da reunião da assembleia de condóminos, assinada pelo condómino devedor, em que se fixe o montante das contribuições devidas ao condomínio – artigo 6.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 268/94, de 25 de Outubro). Cf. Freitas, 2004: 63 a 66. 82 O artigo 46.º do CPC enuncia taxativamente os documentos que podem servir de base a uma execução, nomeadamente, as sentenças condenatórias; os documentos exarados ou autenticados por notário que importem constituição ou reconhecimento de qualquer obrigação; os documentos particulares, assinados pelo devedor, que importem constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável 76 O novo regime da acção executiva 49 3.2. Outros pressupostos da acção executiva Para além da existência de um título, são enumeradas pela doutrina outras condições ou pressupostos específicos da acção executiva. De entre estes, é necessário explicitar algumas questões relativas à certeza, exigibilidade e liquidez da obrigação exequenda; à legitimidade das partes; ao patrocínio judiciário; à pluralidade de sujeitos; e à cumulação de pedidos. Assim, para além do título, é necessário, para que seja possível intentar uma acção executiva, que haja uma obrigação certa, exigível e líquida (artigo 802.º do CPC), isto é, que não seja ainda necessário fazer uma escolha entre várias obrigações possíveis, que a obrigação se encontre vencida e que o quantitativo (em regra, o valor) da obrigação esteja apurado. É necessário, igualmente, que as partes sejam legítimas, ou seja, em regra, quem no título figure como credor (legitimidade activa) e como devedor (legitimidade passiva) (artigo 55.º do CPC). O Ministério Público tem, igualmente, legitimidade activa nas execuções por custas e multas impostas em qualquer processo (artigo 59.º do CPC). É necessária a constituição de advogado nas acções executivas cujo valor exceda os € 14.963,94 (alçada do Tribunal da Relação) (artigo 60.º, n.º 1 do CPC e 24.º, n.º 1, 1.ª parte da LOFTJ). Nas acções executivas de valor compreendido entre os € 3.740,98 (alçada dos tribunais de primeira instância) e os € 14.963,94 não é obrigatória a constituição de advogado, mas as partes têm de ser representadas por advogado, advogado estagiário ou solicitador (artigos 60.º, n.º 3 do CPC e 24.º, n.º 1, 2.ª parte da LOFTJ). Nas acções de valor inferior a € 3.740,98 não é necessária a representação das partes. As acções executivas podem ser intentadas por mais do que uma pessoa e /ou contra mais do que uma pessoa (litisconsórcio activo e/ou passivo). Independentemente do número de exequentes e/ou de executados é possível, também, intentar um processo de execução único cumulando pedidos por simples cálculo aritmético, ou de obrigação de entrega de coisa ou de prestação de facto e os documentos a que, por disposição especial, seja atribuída força executiva. 50 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma ainda que fundados em títulos diferentes e de natureza diferente (sentenças, documentos exarados ou autenticados por notário, escritos particulares e documentos com força executória especial), desde que não se verifique a incompetência absoluta do tribunal em alguma das execuções, tenham o mesmo fim e não corresponda a alguma delas uma forma de processo diferente das restantes (artigo 53.º, n.º 1 do CPC). Há, ainda, a possibilidade de cumulação de execuções posterior à propositura de uma acção executiva, desde que a inicial não tenha ainda sido julgada extinta, por iniciativa do exequente (artigo 54.º do CPC). O novo regime da acção executiva 4. 51 O processo executivo comum: suas fases O processo executivo é constituído por três fases ou momentos principais: a fase inicial, que se inicia com o recebimento pela secretaria do requerimento executivo; a fase da penhora, marcada pela quase ausência de intervenção do juiz de execução; e a fase da venda. Por último, a acção executiva pode, ainda, comportar incidentes declarativos eventuais, como por exemplo, a oposição à execução ou à penhora, caso haja oposição por parte do executado ou do titular dos bens penhorados. 4.1. A fase inicial: o requerimento executivo A acção executiva pode ser intentada para obter o pagamento de uma quantia certa, a entrega de uma coisa certa ou a prestação de um facto. Embora haja formas especiais83 de processo executivo, o processo comum segue sempre uma forma única. O processo comum de execução para pagamento de quantia certa iniciase com a remessa do requerimento executivo para a secretaria do tribunal. O Decreto-Lei n.º 200/2003, de 10 de Setembro, veio, inicialmente, aprovar o respectivo modelo, nos termos do disposto no artigo 810º, n.º 2 do CPC. Este diploma prevê, igualmente, a entrega do requerimento executivo através de transmissão electrónica de dados, pois é a “única forma que permite à secretaria judicial o tratamento imediato e automatizado dos dados do processo”84. Inicialmente, nos casos de patrocínio obrigatório, a entrega do requerimento executivo deveria ser efectuada por meios electrónicos e, depois, ser entregue cópia de segurança em papel. Nos casos em que não fosse 83 Por exemplo, entre outros, a execução especial por alimentos (artigos 1118.º e ss. do CPC) e a investidura em cargos sociais (artigos 1500.º e ss. do CPC). 84 Cf. o respectivo Preâmbulo. 52 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma obrigatória a constituição de mandatário, o requerimento poderia ser entregue em suporte de papel, no modelo aprovado. Actualmente (mais concretamente, desde 30 de Julho de 2005), a entrega do requerimento executivo é feita apenas através de formulário electrónico, disponível para mandatários registados, no site www.tribunaisnet.mj.pt, através da aplicação Habilus.NET (artigo 3.º, n.º 1 do Decreto-Lei 200/2003, de 10 de Setembro, e Despacho n.º 7195/2004, de 25 de Março, do Director-Geral da Administração da Justiça). A informação constante do requerimento executivo passa, assim, a ser sempre carregada directamente na aplicação informática, sem necessidade da intervenção humana do oficial de justiça que o requerimento executivo enviado por e-mail implicava85 86. Depois de processado o envio por transmissão electrónica, o exequente imprime uma cópia do requerimento executivo para entrega na secretaria judicial como recibo e cópia de segurança (artigo 5.º da Portaria n.º 985A/2003, de 15 de Setembro, e artigos 150.º e ss. do CPC). A entrega de requerimentos executivos em suporte de papel é, nos termos do preâmbulo e do n.º 4, do artigo 3.º, do Decreto-Lei n.º 200/2003, de 10 de Setembro, efectuada quando a parte não haja constituído mandatário, por o patrocínio não ser obrigatório. Contudo, nos casos em que a parte está obrigada a entregar electronicamente o requerimento e o não faça, está sujeita ao pagamento imediato de uma multa, no valor de metade de unidade de conta87, salvo alegação e prova de impedimento (artigo 146.º do CPC) 88. 85 Existe também, actualmente, uma comunicação automática entre as aplicações das custas e o H@bilus, o que evita a intervenção do oficial de justiça para introdução desses dados. 86 Esta medida integrou-se no conjunto de 17 Medidas para Desbloquear a Reforma da Acção Executiva atrás referido. 87 A partir de 1 de Janeiro de 2007, o valor da Unidade de Conta processual (UC), passou a ser de € 96,00 (noventa e seis euros) (artigo 6.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 212/89, de 30 de Junho; artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 212/89, de 30 de Junho; e Decreto-Lei n.º 238/2005, de 30 de Dezembro). 88 Cf. artigo 3.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 200/2003, 10 de Setembro, e artigos 1.º a 3.º da Portaria n.º 985-A/2003, de 15 de Setembro. O novo regime da acção executiva 53 Com a reforma de 2003 (Decreto-Lei n.º 38/2003, de 8 de Março) passou a ser a secretaria judicial89 quem confere a observância dos requisitos externos ou formais do requerimento executivo, nomeadamente, se existe ou é indicado o título executivo, o pagamento prévio da taxa de justiça inicial ou o apoio judiciário; a assinatura do requerimento; a utilização da língua portuguesa; o domicílio profissional do mandatário; a forma de processo; o pedido, o valor; a identificação das partes; o fim da execução; a liquidação da obrigação; a escolha da prestação, se a escolha couber ao credor; a indicação, sempre que possível, do empregador do executado, das contas bancárias de que o executado seja titular e dos seus bens, assim como dos ónus e encargos que sobre estes incidam; a designação do solicitador de execução, quando possível; e o pedido de dispensa da citação prévia do executado, desde que aleguem factos que justifiquem o receio de perda da garantia patrimonial do crédito e ofereçam, de imediato, os meios de prova (artigo 811.º, n.º 1 do CPC). A secretaria também deve recusar o recebimento do requerimento executivo com fundamento em razões de mérito, quando seja manifesta a insuficiência do título apresentado ou haja falta de exposição sucinta dos factos que fundamentam o pedido ou estes não constem do título executivo90 91. Deste acto de recusa do recebimento do requerimento executivo pela secretaria judicial do tribunal da execução cabe reclamação para o juiz92. Se estiverem verificados os requisitos formais da acção executiva e sendo esta aceite pela secretaria, há lugar à distribuição (excepto em alguns casos que não tramitem em juízos de execução, e em que o processo executivo corre 89 À luz do Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro, uma vez recebido o requerimento executivo este era remetido ao juiz que ou o indeferia liminarmente (cf. artigo 811.º-A do CPC, na redacção anterior à reforma) ou determinava o seu aperfeiçoamento (cf. artigo 811.º-B do CPC, na redacção anterior à reforma) ou ordenava a citação do executado para pagar a quantia exequenda ou nomear bens à penhora (cf. artigo 811.º do CPC, na redacção anterior à reforma). 90 Cf. artigo 811.º, n.º 1, alínea b), 2.ª parte, do CPC. 91 Cf. artigo 810.º, n.º 3, alínea b), por força da remissão do artigo 811.º, n.º 1, alínea a), 2.ª parte, do CPC. 92 Cf. artigo 811.º, n.º 2 do CPC. 54 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma por apenso à acção declarativa) e à autuação do processo (ou seja, à colocação da capa no processo). 4.1.1. A designação do solicitador de execução O exequente pode, no requerimento executivo, designar solicitador de execução93, que pode declarar a aceitação da designação no próprio requerimento executivo ou em requerimento avulso a apresentar no prazo de cinco dias a contar da notificação para o efeito94. Se o exequente não nomear o solicitador de execução95 ou se a nomeação não tiver sido aceite, aquele será automaticamente designado pela secretaria por entre os solicitadores inscritos na comarca do tribunal competente para o processo (artigos 808.º, 810.º, n.º 6 e 811.º-A, todos do CPC) segundo a escala constante da lista informática fornecida pela Câmara dos Solicitadores, sendo esse solicitador de execução notificado pela secretaria96. 93 Cf. artigo 808.º, n.º 2 do CPC. Cf. artigo 810.º, n.º 6 do CPC. 95 A designação de solicitador de execução no requerimento executivo não é obrigatória (Decreto-Lei n.º 200/2003, de 10 de Setembro). 96 Neste caso, de acordo com o artigo 811.º-A, n.º 2 do CPC, a secretaria deve notificar o Solicitador de Execução e utilizar meios técnicos que permitam a transmissão de quaisquer documentos, informações, notificações ou outras mensagens dirigidas ao solicitador de execução (artigo 2.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 202/2003, de 10 de Setembro, na redacção dada pela Lei n.º 14/2006, de 26 de Abril), no prazo de 5 dias (artigo 166.º, n.º 1 do CPC). O Despacho n.º 7196/2004, de 25 de Março, estabeleceu que a realização e gestão das comunicações por meios telemáticos entre a secretaria judicial e o solicitador de execução, e vice-versa, deverá ser efectuada através das aplicações H@bilus — instalada nos tribunais judiciais de primeira instância e administrada pela Direcção-Geral da Administração da Justiça — e GPESE (gestão processual de escritório de solicitadores de execução) — esta administrada pela Câmara dos Solicitadores e através da qual são recebidas e enviadas as comunicações relacionadas com os solicitadores de execução. Contudo, e apesar da comunicação telemática, a secretaria judicial deve juntar aos autos uma reprodução em papel do conteúdo da comunicação efectuada por meios telemáticos, que deve ser assinada pelo oficial de justiça. Por seu lado, o solicitador de execução deve conservar no seu domicílio profissional, pelo prazo de 10 anos, os originais dos documentos cuja comunicação seja efectuada por meios telemáticos e, também, juntar aos autos os originais de quaisquer documentos respeitantes à efectivação do acto de citação (artigo 3.º, do Decreto-Lei n.º 202/2003, de 10 de Setembro). 94 O novo regime da acção executiva 4.1.2. 55 A citação prévia do executado Em algumas circunstâncias, a citação do executado é efectuada previamente à realização da penhora. Em regra, sempre que é dispensado o despacho liminar, há citação prévia quando a execução é movida apenas contra o devedor subsidiário; quando a liquidação da dívida não depende de simples cálculo aritmético e o título executivo não é uma sentença; e quando a execução seja fundada num título extrajudicial de empréstimo contraído para aquisição de habitação própria hipotecada em garantia. 4.1.3. O despacho liminar A secretaria avalia o requerimento para determinar se é dispensável a conclusão ao juiz para despacho liminar. Não há lugar a despacho liminar, nem a citação prévia do executado nas execuções baseadas em sentença, em requerimento de injunção no qual tenha sido aposta fórmula executória, em decisão arbitral, em documento exarado ou autenticado por notário, ou documento particular com reconhecimento presencial da assinatura do devedor desde que o montante da dívida não exceda a alçada do tribunal da relação e seja apresentado documento comprovativo da interpelação do devedor, quando tal fosse necessário ao vencimento da obrigação ou se o montante da dívida excede a alçada do tribunal da relação, o exequente mostre ter exigido o cumprimento por notificação judicial avulsa. Não há lugar a despacho liminar, igualmente, quando a execução se funde em qualquer título de obrigação pecuniária vencida de montante não superior à alçada do tribunal da relação, desde que a penhora não recaia sobre bem imóvel, estabelecimento comercial, direito real menor que sobre eles incida ou quinhão em património que os inclua. Assim, não havendo lugar a despacho liminar, nem a citação prévia do executado, nos termos do artigo 812.º-A, n.º 1 do CPC, a acção executiva começa, nestes casos, pela penhora. Embora a regra seja a da penhora sem necessidade de prévio despacho judicial, nos restantes casos, o processo é concluso ao juiz para despacho liminar, podendo o juiz proferir quatro tipos de despachos diferentes: despacho 56 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma de indeferimento, quando seja manifesta a falta ou insuficiência do título executivo, caso a secretaria judicial não tenha recusado o requerimento com este fundamento97; despacho de remessa do processo ao tribunal competente; despacho de aperfeiçoamento, uma vez que o juiz continua, ainda, a poder convidar o exequente a suprir as irregularidades detectadas no requerimento executivo, bem como a sanar a falta de pressupostos98; ou um despacho a ordenar a citação do executado para pagar ou para se opor à execução99. O despacho de indeferimento liminar “é reservado para os casos em que seja manifesta a falta insuprível de pressuposto processual de conhecimento oficioso100 (…) ou a actual inexistência da obrigação exequenda constante de título negocial, por causa oficiosamente cognoscível101” (Freitas, 2004: 65). O despacho de remessa do processo ao tribunal competente, é efectuado nos casos de incompetência relativa de conhecimento oficioso. O despacho de aperfeiçoamento é a primeira solução que o juiz deve adoptar no caso de haver falta de pressupostos processuais ou de outras irregularidades sanáveis (artigo 812.º, n.º 4 do CPC). Podemos, pois, referir os casos de representação irregular do exequente (“falta de autorização ou deliberação que o exequente devesse ter obtido, de falta de constituição de advogado por parte do exequente, quando obrigatória, ou de falta, insuficiência ou irregularidade de mandato judicial por parte do mandatário que tenha proposto a acção executiva”); de falta de apresentação do título executivo, de omissão do requerimento das diligências destinadas a tornar certa, exigível ou líquida a obrigação, de falta de alegação ou requerimento de prova dos factos constitutivos da transmissão do crédito ou do débito e de coligação ou cumulação simples ilegal (Freitas, 2004: 164). 97 Cf. artigo 812.º, n.º 2 do CPC. Cf. artigo 812.º, n.ºs 4 e 5 do CPC. 99 Cf. artigo 812.º, n.º 6 do CPC. 100 Por exemplo, propositura de acção executiva contra quem não figure no título como devedor, a inexigibilidade de obrigação sujeita a prazo ainda não decorrido, entre outros (artigo 812.º, n.º 2, als. a) e b) CPC). 101 Nomeadamente, a existência de um facto extintivo ou modificativo da obrigação, quando do conhecimento do juiz por invocação do próprio exequente (artigo 812.º, n.º 2, al. c) CPC). 98 O novo regime da acção executiva 57 O despacho de citação do executado é efectuado, como regra, quando o processo executivo que é enviado ao juiz para apreciação deva prosseguir para fazer a penhora. Mesmo antes do prosseguimento da acção executiva, o juiz deve citar o executado nas situações em que a obrigação exequenda seja condicional ou dependente de prestação quando entenda que as provas produzidas pelo exequente não são suficientes. Nas execuções em que há despacho liminar o exequente pode sempre requerer a dispensa de citação prévia devendo, para tal, alegar e provar factos que justifiquem o receio de perda da garantia patrimonial do seu crédito (artigo 812.º-B do CPC). 4.1.4. A oposição à execução Após a citação do executado, este pode opor-se à execução no prazo de 20 dias (artigo 813.º, n.º 1 do CPC). Os fundamentos da oposição dividem-se de acordo com a natureza do título executivo. Relativamente à execução fundada em sentença, são fundamentos da execução: a inexistência ou inexequibilidade do título; falsidade do processo ou do traslado; falta de qualquer pressuposto processual; falta ou nulidade da citação para a acção declarativa, quando o réu não tenha intervindo no processo; incerteza, inexigibilidade ou iliquidez da obrigação exequenda não supridas na fase inicial da execução; ou caso julgado anterior à sentença que se executa; qualquer facto extintivo ou modificativo da obrigação, desde que anterior ao encerramento da acção declarativa; qualquer causa de nulidade ou anulabilidade da sentença homologatória de confissão ou de transacção. No que diz respeito à execução baseada em decisão arbitral, para além do referido quanto à sentença judicial, qualquer fundamento de anulação judicial da decisão arbitral. Quanto à execução baseada em outro título, são fundamentos da oposição os referidos para a execução baseada em sentença que sejam aplicáveis e todos os que possam ser alegados licitamente num processo declarativo relativamente àquela obrigação (cf. artigos 814.º, 815.º e 816.º, todos do CPC). 58 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma Se o executado deduz oposição à execução, o juiz analisa-a e conhece oficiosamente das questões susceptíveis de conduzir ao indeferimento liminar daquela102. Se for recebida, o juiz ordena a notificação do exequente para que ele possa contestar, seguindo a oposição, sem mais articulados, os termos das acções declarativas sob a forma de processo sumário103. Nessa eventualidade, o juiz pratica os actos jurisdicionais necessários à instrução, discussão e julgamento da causa104. Nos casos de citação prévia do executado, a oposição à execução só suspende o processo executivo quando o executado preste caução ou, sendo arguida a falsidade de assinatura de documento particular, o juiz entenda que se justifica a suspensão. Não havendo citação prévia, a oposição à execução suspende o processo executivo, sem prejuízo, no entanto, da possibilidade de reforço ou substituição da penhora. Contudo, a execução prossegue se a oposição estiver parada por mais de trinta dias por negligência do opoente/executado105. 4.2. A fase da penhora Resulta do regime normativo que, na fase inicial do processo executivo, foi conferido à secretaria judicial um papel decisivo no encaminhamento do processo, uma vez que é esta que pode identificar as execuções em que há, ou não, lugar a despacho liminar – fazendo, nesses casos, o processo concluso ao juiz para que profira despacho. Ou, se assim não considerar, pode passar o processo, de imediato, para a fase da penhora. O juiz, nos casos em que aprecia o requerimento executivo, pode reenviar o processo à secretaria para prosseguir os termos normais, se entender que não havia lugar ao despacho liminar e, assim, iniciar-se logo o procedimento de 102 Cf. artigo 817.º, n.º 1 do CPC. Cf. artigo 817.º, n.º 2 do CPC. 104 Cf. artigo 783.º e seguintes, por força do artigo 817.º, n.º 2 do CPC. 105 Cf. artigo 818.º do CPC. 103 O novo regime da acção executiva 59 penhora; ou, então, pode mandar penhorar logo os bens quando haja requerimento de dispensa de citação prévia que considere dever deferir. Tendo havido citação prévia do executado, inicia-se a penhora depois de decorridos vinte dias da citação se não houver oposição do executado ou, havendo, se esta não suspender a execução. Havendo oposição que suspenda a execução, a penhora só é efectuada após ser julgada improcedente106. 4.2.1. Diligências e procedimentos prévios É ao agente de execução que cabe promover a realização da penhora. Contudo, antes da realização de qualquer penhora, o agente de execução promove todas as diligências necessárias à “identificação ou localização de bens penhoráveis, procedendo-se, sempre que necessário à consulta das bases de dados da segurança social, das conservatórias do registo e de outros registos ou arquivos semelhantes”107, devendo estes serviços “fornecer ao agente de execução, pelo meio mais célere e no prazo de 10 dias, os elementos de que disponham sobre a identificação e localização dos bens do executado”108. Assim, para obter as informações necessárias à realização da penhora, o solicitador de execução tem acesso ao registo informático das execuções, sem necessidade de autorização judicial, mas mediado pela secretaria (artigo 6.º, n.º 1 al. c) e 10.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 201/2003, de 10 de Setembro), embora o Despacho n.º 7194/2004, de 25 de Março, tenha determinado que o agente de execução é dispensado do requerimento escrito para a consulta prévia. Deste modo, a secretaria emite um certificado que é expedido imediata e gratuitamente (artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 201/2003, de 10 de Setembro), em 106 Cf. artigo 832.º, n.º 1 do CPC. Cf. artigo 833.º, n.º 1 do CPC. 108 Cf. artigo 833.º, n.º 2 do CPC. 107 60 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma regra, através de meios telemáticos109. Nesse certificado a secretaria transcreve integralmente todos os dados que o registo de execuções contém relativamente ao titular de dados110, nomeadamente, informação acerca das execuções pendentes e as findas sem integral pagamento, bem como acerca das declarações de falência, permitindo, assim, ao agente de execução, a possibilidade de conhecer previamente os processos pendentes já existentes contra o executado e qual o estado das execuções111. O registo informático das execuções O registo informático das execuções foi criado “com o intuito de evitar o impulso processual que venha a revelar-se improfícuo, mas sobretudo de agilizar a fase processual da penhora, conferindo-lhe maior eficácia”112. O registo informático das execuções visa prevenir potenciais litígios jurisdicionais através do acesso concedido à informação dele constante por parte de quem tenha uma relação contratual ou pré-contratual com o titular dos dados. Com o objectivo de proteger os dados de acessos ilegítimos, o Decreto-Lei n.º 109 O Decreto-Lei n.º 202/2003, de 10 de Setembro, e o Despacho n.º 7196/2004, de 25 de Março, estabeleceram um regime de comunicações por meios telemáticos entre a secretaria judicial e o solicitador de execução, e vice-versa, suportado pelas aplicações H@bilus e GPESE (gestão processual de escritório de solicitadores de execução). 110 O artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 201/2003, de 10 de Setembro, refere que o registo informático de execuções contém o rol dos processos de execução findas, suspensas e pendentes e, relativamente a cada um deles, a seguinte informação: a) identificação do processo; b) identificação do agente de execução, através do seu nome e, sendo solicitador de execução, domicílio profissional, números de cédula pessoal e de identificação fiscal ou, sendo oficial de justiça, número mecanográfico; c) identificação das partes, incluindo ainda, sempre que possível, o número de identificação de pessoa colectiva, a filiação, o número de identificação fiscal, o número de bilhete de identidade ou, na impossibilidade atendível da sua apresentação, os números de passaporte ou de licença de condução; d) pedido, indicando o fim e o montante, a coisa ou a prestação, consoante os casos; e) bens indicados para penhora; f) bens penhorados, com indicação da data e hora da penhora e da adjudicação ou venda; g) identificação dos créditos reclamados, através do seu titular e montante do crédito; h) havendo extinção, se foi com pagamento integral ou parcial; i) havendo suspensão, se foi por não se terem encontrado bens penhoráveis. Podem existir, ainda, os seguintes dados: a) a pendência do processo de falência, bem como a sua extinção por falta ou insuficiência de bens susceptíveis de apreensão; b) o arquivamento do processo executivo de trabalho, por não se terem encontrado bens para penhora; e c) a identificação do(s) processo(s) e da(s) parte(s). 111 Cf. Preâmbulo do Decreto-Lei n.º 38/2003, de 8 de Março. 112 Cf. Preâmbulo do Decreto-Lei n.º 201/2003, de 10 de Setembro. O novo regime da acção executiva 61 201/2003, de 10 de Setembro, estabelece que “apenas poderão proceder à consulta do registo informático de execuções determinadas categorias de pessoas: os magistrados judiciais ou do Ministério Público, as pessoas capazes de exercer o mandato judicial ou os solicitadores de execução, quando munidos de título executivo, o mandatário constituído ou o agente de execução nomeado, o próprio titular dos dados e ainda qualquer pessoa que tenha uma relação contratual ou pré-contratual com o executado, neste último caso mediante autorização judicial e verificados determinados requisitos legais”. Dado o cariz dos dados inscritos no registo e os objectivos da reforma, o legislador determinou que a entidades com acesso directo ao registo são os magistrados judiciais ou do Ministério Público e que, nas demais situações, a consulta do registo de execuções depende de pedido formulado em requerimento cujo modelo consta de portaria do Ministro da Justiça (Portaria 985-B/2003, de 15 de Setembro). Contudo, se entender que as informações não são suficientes, o solicitador pode, ainda, consultar outras bases de dados (Segurança Social e dos Registos Comercial, Predial, Identificação Civil, de Pessoas Colectivas e Automóvel), sendo a sua consulta efectuada directamente pelo solicitador113. Se da investigação do agente de execução resultar que, contra o executado, existe um registo de execução anterior terminada sem integral pagamento, a acção executiva prossegue através da notificação do exequente para nomear bens à penhora114. Se, no entanto, existir registo de execução para pagamento de quantia certa pendente contra o mesmo executado, o requerimento executivo é enviado a esse processo se o exequente for titular de um direito real de garantia115 113 Cf. o teor dos artigos 832.º e 833.º do CPC. É de referir que, desde Julho de 2005, foram celebrados vários protocolos entre o Ministério da Justiça e várias entidades públicas, no sentido de possibilitar aos agentes de execução o acesso às bases de dados da Segurança Social, do Registo Comercial e Registo Predial, bem como aos registos de Identificação Civil, Nacional de Pessoas Colectivas e Automóvel. 114 Cf. artigo 832.º, n.º 3, do CPC. 115 Desde que não seja privilégio creditório geral. 62 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma sobre um bem penhorado à ordem desse processo e se não tiver ainda sido proferida sentença de graduação de créditos116. Caso não sejam encontrados quaisquer bens do executado, o agente de execução notifica o exequente para, no prazo de 10 dias, nomear bens à penhora117. Na ausência de resposta do exequente, é o executado citado118 (nos casos em que não tenha havido citação anterior) para, no mesmo prazo de 10 dias, se opor à execução, proceder ao pagamento ou indicar bens à penhora119. Se o executado não proceder ao pagamento, não nomear bens à penhora, nem se encontrar nenhum bem penhorável, a instância suspender-seá até que o exequente dê novo impulso ao processo executivo120, devendo o agente de execução remeter ao exequente – bem como à secretaria de execução e à Câmara dos Solicitadores, no caso de ser solicitador de execução – “relatório com a discriminação de todas as diligências efectuadas e do motivo da frustração da penhora”121. 4.2.2. A realização da penhora De acordo com o artigo 837.º, n.º 1 do CPC, o solicitador tem o prazo regra de 30 dias para efectuar a penhora, a contar da apresentação do requerimento de execução que dispense o despacho liminar e a citação prévia do executado (que tem de ser apreciado pelo solicitador se tiver aceite o processo sem ser designado pela secretaria); da notificação pela secretaria nos casos em que é por ela designado (artigos 832.º, n.º 1 e 811.º-A, n.º 2, ambos 116 Cf. artigo 832.º, n.º 4 do CPC. Cf. artigo 833.º, n.º 4 do CPC. 118 O executado é citado com a advertência de que, caso posteriormente se verifique a existência de bens penhoráveis, a omissão de resposta ou a falsidade da mesma de que tenha resultado o não apuramento de bens suficientes para a satisfação da obrigação é sancionada com sanção pecuniária compulsória, no montante de 1% da dívida ao mês, desde a data da omissão até à descoberta dos bens (cf. artigo 833.º, n.º 7 do CPC). 119 Cf. artigo 833.º, n.º 5 do CPC. 120 Cf. artigo 833.º, n.º 6 do CPC. 121 Cf. artigo 837.º do CPC. 117 O novo regime da acção executiva 63 do CPC); da notificação da secretaria ao solicitador de execução depois de proferido despacho que dispense a citação prévia ou decorrido, sem oposição do executado previamente citado ou com oposição que não suspenda a execução, o prazo de 20 dias (artigo 812.º, n.º 6 do CPC); ou da decisão de improcedência da oposição deduzida, se aquela tiver suspendido a execução (artigo 832.º n.º 1 do CPC). Se, por qualquer dos meios referidos anteriormente forem identificados bens do executado que possam ser penhorados, “a penhora começa pelos bens cujo valor pecuniário seja de mais fácil realização e se mostre adequado ao montante do crédito do exequente”122, admitindo-se, no entanto, a penhora de bens imóveis ou do estabelecimento comercial (ainda que o seu valor seja superior ao da dívida exequenda) “quando a penhora de outros bens presumivelmente não permita a satisfação integral do credor no prazo de seis meses”123. Contudo, se a dívida exequenda tiver uma garantia real que onere bens pertencentes ao devedor, a penhora inicia-se por estes e só pode recair noutros quando aqueles forem reconhecidamente insuficientes. Também é prioritária a penhora de um quinhão em património autónomo ou direito em bem indiviso se, com essa penhora, pudera ser realizada a venda de todo o património/bem (por haver outras penhoras sobre os restantes quinhões/direitos). Embora deva ter em atenção as informações do exequente e/ou do executado e o resultado das diligências encetadas pelo solicitador de execução (artigo 834.º, n.º 1 e 835.º, ambos do CPC), a forma como o agente de execução procede à penhora é discricionária, não estando este vinculado às indicações do exequente (neste sentido, Campos, 2004:61). 122 De acordo com o artigo 810.º, n.ºs 4 e 5 do CPC, a indicação de bens à penhora por parte do exequente não é obrigatória, embora este tenha o dever geral de os indicar se deles tiver conhecimento. 123 Cf. artigo 834.º, n.º 1 e 2 do CPC. 64 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma A penhora de bens imóveis De acordo com a lei, a penhora de bens imóveis (artigos 838.º e ss. do CPC) deveria, em regra, ser realizada por comunicação electrónica à conservatória do registo predial competente (que vale como apresentação para o efeito da inscrição no registo), o que, como adiante se verá, não se verifica. O registo da penhora tem natureza urgente e importa a imediata feitura dos registos anteriormente requeridos sobre o bem penhorado. Após o registo da penhora, a conservatória do registo predial envia ao agente de execução o certificado do registo e a certidão dos ónus que incidam sobre os bens penhorados. O registo perde eficácia se, no prazo de 15 dias após a notificação da conservatória, o exequente ou o agente de execução não pagarem o respectivo preparo. O agente de execução elabora o auto de penhora e afixa, na porta ou noutro local visível do imóvel penhorado, um edital em que se refere a situação do imóvel. Feita a penhora, é nomeado o depositário dos bens, que pode ser o executado, se for a sua casa de habitação efectiva ou o exequente o consentir; o arrendatário do bem; o titular do direito real de retenção judicialmente verificado; o solicitador de execução; e pessoa designada pelo oficial de justiça. Em regra, o depositário deve tomar posse efectiva do imóvel. Para tal, o agente de execução, se entender que é necessário ou se as circunstâncias o exigirem, pode requerer ao juiz que determine a requisição do auxílio da força pública. Se a penhora for efectuada em casa habitada ou numa sua dependência fechada, só pode realizar-se entre as 7 e as 21 horas. Quando o imóvel penhorado for divisível e o seu valor exceder manifestamente o da dívida exequenda e dos créditos reclamados, pode o executado requerer autorização para proceder ao seu fraccionamento, sem prejuízo do prosseguimento da execução. Nestes casos, a penhora mantém-se sobre todo o prédio, mesmo após a divisão, salvo se, a requerimento do executado e ouvidos os demais interessados, o juiz autorizar o levantamento da penhora sobre algum dos imóveis resultantes da divisão, com fundamento O novo regime da acção executiva 65 na manifesta suficiência do valor dos restantes bens para a satisfação do crédito do exequente e dos credores reclamantes. O depositário pode ser removido, a requerimento de qualquer interessado, desde que não seja o solicitador de execução, se deixar de cumprir os deveres do seu cargo. O depositário pode pedir escusa do cargo, ocorrendo motivo atendível. O executado pode requerer o levantamento da penhora e a condenação do exequente nas custas a que deu causa se, por negligência deste, a execução tiver estado parada durante seis meses. Se estiver parada três meses por actuação negligente do exequente, e enquanto não for requerido o levantamento da penhora, pode qualquer credor, cujo crédito esteja vencido e tenha sido reclamado para ser pago pelo produto da venda dos bens penhorados, substituir-se ao exequente na prática do acto que ele tenha negligenciado, até que o exequente retome a prática normal dos actos que lhe cabem. A penhora de bens móveis No âmbito da penhora de bens móveis (artigos 848.º e ss. do CPC), há que distinguir a situação das coisas móveis não sujeitas a registo e da das coisas móveis sujeitas a registo. A penhora de coisas móveis não sujeitas a registo (artigos 848.º e ss. do CPC), realiza-se com a efectiva apreensão dos bens e a sua remoção imediata para depósitos, sendo fiel depositário o agente de execução que efectuou a diligência. Presumem-se do executado todos os bens móveis não sujeitos a registo encontrados em seu poder (embora tal presunção possa ser ilidida perante o juiz). Se for necessário, o agente de execução requer ao juiz que determine a requisição do auxílio da força pública. 66 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma Se forem apreendidos dinheiro, papéis de crédito, pedras e metais preciosos, os mesmos serão depositados em instituição de crédito, à ordem do solicitador de execução ou, na falta daquele, da secretaria. Nos termos do artigo 848.º-A, o exequente pode cooperar com o agente de execução na realização da penhora. Da penhora realizada será lavrado auto, no qual será registada a hora da diligência e serão relacionados os bens por verbas numeradas, sendo indicado, sempre que possível, o valor aproximado de cada verba, valor esse fixado pelo agente de execução, que pode recorrer a um perito no caso de avaliações que exijam conhecimentos especializados. Na impossibilidade de concluir a penhora num só dia, as portas das casas em que se encontrem os bens não relacionados serão seladas e providenciada a sua guarda, prosseguindo a diligência no 1.º dia útil seguinte. O executado ou quem ocultar alguma coisa com o fim de a subtrair à penhora ficará sujeito às sanções correspondentes à litigância de má fé, podendo incorrer em responsabilidade criminal. No que se refere à penhora de veículo automóvel, após o registo, a mesma é seguida de imobilização do veículo, designadamente através da imposição de selos (cujo modelo foi aprovado por portaria do Ministro da Justiça) e, sempre que possível, da apreensão dos documentos respectivos. A apreensão pode ser efectuada por qualquer autoridade administrativa ou policial, de acordo com o disposto em legislação especial para a apreensão de veículo automóvel, sendo requerida por credor hipotecário. O veículo apenas será removido quando for necessário, ou, na falta de oposição à penhora, quando se mostrar conveniente. No caso de a penhora de veículos automóveis ser efectuada por autoridade administrativa ou policial, valerá como auto de penhora o auto de apreensão. O novo regime da acção executiva 67 A penhora de direitos Ao regime da penhora de direitos (artigos 856.º e ss. do CPC), em que se inclui, entre outras situações, a penhora de créditos, vencimentos, salários, rendas, abonos e depósitos bancários, nos termos do artigo 863.º, é subsidiariamente aplicável o disposto para a penhora de coisas móveis e imóveis. A penhora de créditos A penhora de créditos (artigo 856.º do CPC) consiste na notificação ao devedor, feita como uma citação pessoal, de que o crédito fica à ordem do agente de execução. O devedor deve declarar se o crédito existe, quais as garantias que o acompanham, em que data se vence e quaisquer outras circunstâncias que possam interessar à execução. Estas informações podem ser dadas ao processo no acto da notificação ou por meio de informação escrita no prazo de 10 dias. Se o devedor nada disser, entende-se que ele reconhece a existência da obrigação, nos termos da indicação do crédito à penhora. Se o crédito estiver garantido por penhor, faz-se apreensão do objecto deste, aplicando-se as disposições relativas à penhora de coisas móveis, ou faz-se a transferência do direito para a execução; se estiver garantido por hipoteca, faz-se no registo o averbamento da penhora. Quando a dívida se vencer, o devedor é obrigado a depositar a respectiva importância em instituição de crédito, à ordem do solicitador de execução ou, na sua falta, da secretaria, e a apresentar no processo o documento do depósito, ou a entregar a coisa devida ao agente de execução, que será o seu depositário. 68 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma A penhora de direitos titulados A penhora de direitos incorporados em títulos de crédito e valores mobiliários titulados não depositados em instituição financeira (artigo 857.º do CPC) realiza-se mediante a apreensão do título, depositando-os em instituição de crédito, à ordem do solicitador de execução ou, na sua falta, da secretaria, ordenando-se ainda, sempre que possível, o averbamento do ónus resultante da penhora. Se o direito incorporado no título tiver natureza obrigacional dever-se-á penhorar também o direito de crédito. A penhora de vencimentos, salários, rendas e abonos A penhora que recaia sobre rendas, abonos, vencimentos, salários ou outros rendimentos periódicos (artigos 861.º e 863.º, ambos do CPC) é efectuada através da notificação do locatário, do empregador ou da entidade que os deva pagar para que faça, nas quantias devidas, o desconto correspondente ao crédito penhorado e proceda ao depósito em instituição de crédito, ficando as quantias depositadas à ordem do solicitador de execução ou, na sua falta, da secretaria, mantendo-se indisponíveis até ao termo do prazo para a oposição do executado, caso este se não oponha, ou, caso contrário, até ao trânsito em julgado da decisão que sobre ela recaia. Findo esses prazos o exequente pode requerer que lhe sejam entregues as quantias depositadas até ao valor da dívida exequenda, depois de descontado o montante relativo a despesas de execução. A penhora de depósitos bancários A lei determina que a penhora de depósitos bancários (artigo 861.º-A do CPC) seja feita, preferentemente, por comunicação electrónica e mediante despacho judicial. O novo regime da acção executiva 69 Sendo vários os titulares do depósito, a penhora incide sobre a quotaparte do executado na conta comum, presumindo-se que as quotas são iguais. Quando não seja possível identificar adequadamente a conta bancária, é penhorada a parte do executado nos saldos de todos os depósitos existentes na instituição ou instituições notificadas. Se o limite do crédito exequendo se mostrar excedido, cabe ao agente de execução reduzir a penhora efectuada. A entidade notificada e o agente de execução seguem os seguintes critérios na escolha da conta ou contas cujos saldos são penhoradas: em primeiro lugar, as contas em que o executado seja único titular; em segundo, as contas em que seja contitular, a/as que tiver(em) menor número de titulares; e, em terceiro, as contas de depósito a prazo. A notificação é feita directamente às instituições de crédito, com a menção expressa de que o saldo existente, ou a quota-parte do executado nesse saldo, fica congelado desde a data da notificação. As entidades notificadas devem, no prazo de 15 dias, comunicar ao agente de execução o montante dos saldos existentes, ou a inexistência de conta ou saldo. Seguidamente, comunicam ao executado a penhora efectuada. O saldo penhorado só é movimentável pelo agente de execução, embora possam ser efectuadas, quer operações de crédito decorrentes do lançamento de valores anteriormente entregues e ainda não creditados na conta à data da penhora, quer operações de débito decorrentes da apresentação a pagamento, em data anterior à penhora, de cheques ou realização de pagamentos ou levantamentos cujas importâncias hajam sido efectivamente creditadas aos respectivos beneficiários em data anterior à penhora. Findo o prazo de oposição, se esta não tiver sido deduzida, ou julgada a oposição improcedente, o exequente pode requerer que lhe sejam entregues as quantias penhoradas, que não o garantam crédito reclamado, até ao valor da dívida exequenda, depois de descontado o montante relativo a despesas de execução. 70 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma 4.2.3. Diligências de efectivação da penhora No que se refere às diligências para a efectivação da penhora, no regime anterior, sempre que se verificassem obstáculos físicos ou fosse oposta alguma resistência, o funcionário judicial requisitava, oficiosamente, o auxílio da força pública, lavrando o respectivo auto de ocorrência124. Hoje, o recurso ao auxílio da força pública (artigo 840.º, n.º 2 do CPC) é efectuado nos seguintes casos: penhora de bens imóveis, quando as portas do imóvel estejam fechadas ou quando for exercida alguma resistência à realização da penhora ou, ainda, no caso de haver fundado receio de que venha a existir resistência, o agente de execução pode requerer ao juiz que determine a requisição do auxílio da força pública, sendo as portas arrombadas, se necessário. 4.2.4. A intervenção do juiz na fase da penhora Sempre que há reclamações, obstáculos ou entraves à efectivação da penhora, que não possam ser legalmente resolvidos pelo agente de execução, bem como naqueles casos em que se torna necessário salvaguardar a reserva da vida privada, mediante a imposição de despacho judicial de autorização quando se trate de dados sujeitos a regime de confidencialidade. No âmbito do regime processual anterior, nos casos em que no acto da efectivação da penhora o executado, ou alguém em seu nome, declarava que os bens visados pela diligência de penhora pertenciam a terceiro e destas declarações resultassem dúvidas, o juiz, oficiosamente, podia intervir no processo e decidir se a penhora devia ser mantida, ouvidos o exequente e o executado e obtidas as informações que considerasse necessárias125. Agora, com a reforma da acção executiva, no caso dos bens móveis não sujeitos a registo, presume-se pertencerem ao executado os bens encontrados em seu poder, podendo a presunção, tal como no regime anterior, feita a penhora, ser 124 125 Anterior redacção do artigo 840.º, n.º 2 do CPC. Cf. artigo 832.º do CPC, na anterior redacção. O novo regime da acção executiva 71 ilidida perante o juiz, mediante prova documental do direito de terceiro, sem prejuízo dos embargos de terceiros126. Mas, a intervenção do juiz apenas pode ser provocada pelo executado ou terceiros, não havendo lugar a uma intervenção espontânea ou oficiosa. O juiz deixou, também, de ter intervenção no âmbito da penhora de bens imóveis, sendo a sua intervenção substituída pela acção do agente de execução. Assim, por força da reforma, é o agente de execução quem passa a lavrar o auto de penhora e a constituir-se depositário127, entre outras diligências. Todavia, quando o bem imóvel penhorado for divisível e o seu valor exceder o da dívida e dos créditos reclamados, o juiz, mediante requerimento do executado e ouvidos os demais interessados, continua a intervir no processo para autorizar o levantamento da penhora sobre algum dos imóveis resultantes da divisão128. No que diz respeito à penhora de direitos, o exequente, o executado e os credores reclamantes podem continuar a requerer a intervenção do juiz para ordenar a prática, ou a autorização para a prática, dos actos que se afigurem indispensáveis à conservação do direito de crédito penhorado129. Contudo, quando o devedor negue a existência do crédito, deixou de haver lugar a comparência em tribunal do exequente, do executado e do devedor, a fim de serem ouvidos pelo juiz e, em sua substituição, passou a haver uma simples notificação, que é feita ao exequente e ao executado para se pronunciarem e, em face desta resposta, o exequente terá de declarar se mantém ou desiste da penhora. Antes da introdução da reforma, havendo lugar à penhora de depósitos bancários, o juiz intervinha na execução para determinar oficiosamente a imediata redução da penhora de depósitos bancários, quando esta se mostrasse excessiva para pagamento do crédito exequendo e respectivas 126 Cf. artigo 848.º, n.º 2 do CPC. Cf. artigos 838.º e 839.º do CPC. 128 Cf. artigo 842-Aº do CPC. 129 Cf. artigo 856.º, n.º 5 do CPC. 127 72 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma custas. Agora, a penhora de depósitos bancários é feita, preferentemente, por comunicação electrónica e mediante despacho judicial (que poderá integrar-se no despacho liminar quando o houver), cabendo ao agente de execução reduzir a penhora efectuada, caso o saldo de depósitos seja superior ao crédito exequendo e custas130. No que se refere à consignação de rendimentos, assistimos a uma substituição do juiz pelo agente de execução no exercício das diligências administrativas, uma vez que, agora, o exequente requer ao agente de execução, e não ao juiz, que lhe sejam consignados os rendimentos de imóveis ou de móveis sujeitos a registo, em pagamento do seu crédito131. Caso o consignatário fique na posição de locador, não poderá resolver o contrato, nem tomar qualquer atitude relativa aos bens, se não tiver a anuência do executado – neste caso, e na falta de acordo, o juiz é chamado a decidir da questão132. 4.2.5. A reacção contra a penhora Sendo efectuada a penhora é possível que ela seja ilegal. A ilegalidade da penhora “pode assentar no facto de se terem ultrapassado os «limites objectivos da penhorabilidade (penhoram-se bens que não deviam ser penhorados, em absoluto, ou não deviam ser penhorados naquelas circunstâncias, ou sem excussão de todos os outros, ou para aquela dívida)»; mas também pode ocorrer quando a penhora seja subjectivamente ilegal (penhoram-se bens que não são do executado)” (Freitas, 2004:274). Contra a ilegalidade objectiva da penhora, o executado pode reagir através de oposição. Contra a ilegalidade subjectiva da penhora, os interessados podem reagir através de embargos de terceiro e através de acção de reivindicação. 130 Cf. artigo 861-A.º, n.º 3 do CPC. Cf. artigo 879.º do CPC. 132 Cf. artigo 880.º do CPC. 131 O novo regime da acção executiva 73 A oposição à penhora A oposição à penhora pode ser efectuada, quer através de um simples requerimento, quer através de um incidente processual de oposição que corre por apenso à execução. O requerimento de oposição pode ser apresentado ao juiz do processo, contendo prova documental inequívoca de que um bem que vai ser penhorado ou que já foi penhorado não pode ser penhorado por pertencer a terceiro ou ser impenhorável (artigos 809.º, n.º 1, als. c) e d); 848.º, n.º 2; 827.º, n.º 2; e 824.º, n.ºs 4 e 5, todos do CPC). O juiz decide atendendo às provas apresentadas e às declarações do exequente, ou mantém, ou levanta, ou reduz a penhora. O incidente de oposição à penhora corre por apenso à execução e só pode ser intentado pelo executado ou pelo seu cônjuge (artigos 863.º-A e 864.º-A, ambos do CPC), desde que seja inadmissível a penhora dos bens do executado, concretamente apreendidos, ou da extensão com que ela foi realizada; ou que os bens penhorados só respondam subsidiariamente pela dívida exequenda; ou, ainda, que os bens, embora sendo do executado, não deviam ter sido penhorados (Freitas, 2004: 280). Após a penhora, o executado tem vinte ou dez dias para se opor, consoante tiver ou não, respectivamente, sido citado ao mesmo tempo que foi efectuada a penhora. Com a oposição devem ser logo oferecidos os meios de prova. O juiz pode indeferir liminarmente a oposição quando tenha sido deduzida fora de prazo ou seja manifestamente improcedente (artigos 863.º-B, n.º 1 e 817.º, ambos do CPC). O exequente deve ser notificado da oposição e responder em dez dias. Se não responder, os factos alegados pelo executado serão considerados provados desde que sejam confessáveis e não estejam em oposição aos que foram referidos aquando da indicação de bens à penhora. A execução só é suspensa por efeito da oposição à penhora se o executado prestar caução, se pretender substituí-la ou reforçá-la (artigos 863.ºB, n.º 3 e 834.º, n.º 3, al. d), ambos do CPC). 74 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma Os embargos de terceiro Os embargos de terceiro, enquanto meios de oposição à penhora, são meios de defesa da posse (artigos 1276.º e 1278.º, ambos do Código Civil (CC)), embora em termos processuais sejam classificados como incidentes de oposição (cf. Freitas, 2004: 298). Podem ser utilizados por qualquer possuidor de um bem (em nome próprio ou alheio) cuja posse seja incompatível com a realização ou com o âmbito da penhora (artigo 351.º, n.º 1 do CPC). Podem, ainda, ser utilizados pelo locatário (artigo 1037, n.º 2 do CC), pelo comodatário (artigo 1133.º, n.º 2 do CC) e pelo depositário (artigo 1188.º, n.º 2 do CC) desde que não possuam a coisa em nome do executado (Freitas, 2004: 291). Também o cônjuge do executado pode utilizar os embargos de terceiro (artigo 352.º do CPC) para defesa de bens próprios ou de bens comuns que indevidamente tenham sido atingidos pela penhora. Os embargos de terceiro correm por apenso à acção executiva. Em regra, devem ser deduzidos contra o exequente e o executado e no prazo de trinta dias após o conhecimento da penhora pelo embargante, embora nunca depois da venda ou adjudicação dos bens (artigo 353.º, n.º 2 do CPC). Os embargos de terceiro têm duas fases: a introdutória, em que o juiz aprecia a prova que é junta à petição e o prazo da dedução, recebendo ou recusando o recebimento dos embargos; e a fase contraditória, em que se citam os embargados para contestar e se decidem os embargos de acordo com as regras do processo declarativo sumário ou ordinário, consoante o valor do incidente. O recebimento dos embargos implica a suspensão do processo quanto aos bens a que os embargos digam respeito (artigo 356.º do CPC). A acção de reivindicação A acção de reivindicação é uma acção declarativa comum, autónoma em relação ao processo executivo. Assim, o proprietário de um bem indevidamente penhorado pode usar para defesa do seu direito de propriedade, quer os O novo regime da acção executiva 75 embargos de terceiro, quer uma acção de reivindicação. O efeito mais importante da reivindicação é o da ineficácia da venda dos bens penhorados que tenham sido reivindicados posteriormente (artigo 909.º, n.º 1, al. d) do CPC). 4.2.6. A convocação e o concurso de credores À luz do Decreto Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro, o juiz podia dispensar a convocação dos credores do executado quando a penhora apenas incidia sobre vencimentos, abonos ou pensões, ou quando, estando penhorados móveis não sujeitos a registo e de reduzido valor, não constava dos autos que sobre eles incidiam direitos reais de garantia. Porém, com a reforma do processo executivo, a citação dos credores é promovida pelo agente de execução, que deverá, nos cinco dias contados da realização da última penhora, citar o cônjuge do executado, quando a penhora recaia sobre bens comuns do casal ou sobre bens relativamente aos quais o executado não possa livremente onerar; os credores que sejam titulares de direito real de garantia, para reclamarem o pagamento dos seus créditos; as entidades referidas nas leis fiscais, com vista à defesa dos possíveis direitos da Fazenda Pública; e o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, com vista à defesa dos direitos da Segurança Social133. Assim, em regra, todos os credores que gozem de garantia real134 sobre os bens penhorados podem, em quinze dias a contar da citação, reclamar o pagamento dos seus créditos pelo produto daqueles. O executado, o exequente e os restantes credores são notificados das reclamações de créditos, podendo impugná-las também no prazo de quinze 133 Cf. artigo 864.º do CPC. Excepto os credores com privilégio creditório geral quando a penhora incida sobre bem só parcialmente penhorável, renda, outro rendimento ou veículo automóvel; ou quando a penhora incida sobre moeda corrente ou depósito bancário em dinheiro e o crédito do exequente seja inferior a 190 UC; ou quando o crédito do exequente for inferior a 190 UC e este requeira procedentemente a consignação de rendimentos ou a adjudicação em dação em cumprimento do direito de crédito no qual a penhora tenha incidido, antes de convocados os credores (cf. artigo 865.º do CPC). 134 76 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma dias135, seguindo-se a resposta, no prazo de 10 dias, do credor reclamante cujo crédito haja sido impugnado136. Após esta fase inicial, o juiz de execução verifica a existência do crédito reclamado e gradua os créditos. O processo segue a forma do processo declarativo sumário, podendo o juiz decidir imediatamente, com base nas provas oferecidas pelas partes, através de despacho saneador-sentença, ou apenas após a realização das diligências probatórias necessárias137. Se houver uma pluralidade de execuções sobre os mesmos bens, o juiz pode sustar a penhora posterior oficiosamente, mediante informação do agente de execução, ou a requerimento do exequente, executado ou credor citado para reclamar o seu crédito138. 4.3. A fase da venda A partir da entrada em vigor da reforma de 2003, na fase da venda o agente de execução tem um papel fundamental, visto ter assumido, como referimos, parte substancial das funções que incumbiam ao juiz139. Hoje, compete ao agente de execução, ouvidos o exequente, o executado e os credores com garantia sobre os bens a vender, decidir sobre a venda, que poderá revestir uma das seguintes modalidades: venda mediante proposta em carta fechada; venda em bolsas de capitais ou de mercadorias; venda directa a pessoas ou entidades que tenham direito a adquirir os bens; venda por negociação particular; venda em estabelecimento de leilões; ou venda em depósito público. Quando o executado, o exequente ou um credor reclamante 135 Cf. artigo 866.º do CPC. Cf. artigo 867.º do CPC. 137 Cf. artigo 868.º do CPC. 138 Cf. artigo 871.º do CPC. 139 Cf. Preâmbulo do Decreto-Lei n.º 38/2003, de 08 de Março. 136 O novo regime da acção executiva 77 discordarem da decisão do agente de execução, cabe ao juiz decidir, não havendo lugar a recurso desta decisão140. À abertura das propostas em carta fechada continua a presidir o juiz da execução141, quando o bem a vender é imóvel. A requerimento do agente de execução, do exequente, do executado ou do credor com garantia real, o juiz pode, também, presidir à venda de um estabelecimento comercial de valor consideravelmente elevado142. O juiz continua a poder intervir, também, para autorizar a venda antecipada de bens, quando estes não possam ou não devam conservar-se, por estarem sujeitos a deterioração ou depreciação, ou quando haja manifesta vantagem na antecipação da venda143. O juiz pode, ainda, oficiosamente ou a requerimento dos interessados, ordenar que a venda tenha lugar no tribunal da situação dos bens e não no tribunal da execução144. No caso de inexistência de proponentes ou de não-aceitação das propostas, será efectuada venda por negociação particular145. Tendo sido aceite alguma proposta e o proponente, depois de notificado, não depositar o respectivo valor, deverá o juiz, após requerimento do agente de execução, decretar o arresto de bens do proponente faltoso146. O agente de execução pode, também, declarar que a venda fique sem efeito, depois de ouvir os interessados na venda, aceitando uma proposta de valor inferior ou decidindo que os bens sejam novamente vendidos mediante novas propostas147. Incumbe ao agente de execução lavrar o respectivo auto da abertura e aceitação das propostas148 e o acto de adjudicação ao arrematante, que antes 140 Cf. artigo 886-Aº. do CPC. Cf. artigos 893.º e 876.º do CPC. 142 Cf. artigo 901-Aº. do CPC. 143 Cf. artigos 886-Cº. e 851.º, ambos do CPC, na anterior redacção. 144 Cf. artigos 890.º e 889.º, n.º 3 do CPC. 145 Cf. artigo 895.º, n.º 2 do CPC. 146 Cf. artigo 898.º, n.º 1 do CPC. 147 Cf. artigo 898.º, n.ºs 1 e 3 do CPC. 148 Cf. artigo 899.º do CPC. 141 78 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma da reforma era efectuado pelo juiz149. Quanto à realização da venda por negociação particular, só na falta de acordo ou havendo oposição dos interessados é que o juiz é chamado a intervir para designar o respectivo encarregado de venda150. E ocorrendo irregularidades da venda feita em estabelecimento de leilão, é igualmente suscitada a intervenção do juiz para decidir das reclamações entretanto deduzidas151. A anulação da venda e respectiva indemnização do comprador, nos casos em que, “depois da venda, se reconhecer a existência de algum ónus ou limitação que não fosse tomado em consideração e que exceda os limites normais inerentes aos direitos da mesma categoria, ou de erro sobre a coisa transmitida, por falta de conformidade com o que foi anunciado” continua a ser decidida pelo juiz, depois de tal pedido ser deduzido, no processo de execução, pelo comprador e de ouvidos o exequente, o executado e os credores interessados e de realizadas as diligências probatórias152. O cancelamento dos registos de direitos reais é promovido pelo agente de execução, após o pagamento do preço e do imposto devido pela transmissão153. A venda em depósito público Com a entrada em vigor do novo processo executivo, foi prevista a possibilidade de ser efectuada a venda em depósito público dos bens penhorados. Esta possibilidade ficou consagrada no Código de Processo Civil com a alteração ao artigo 886.º e o aditamento do artigo 907.º-A, vindo este último normativo a regular apenas, de uma forma geral, os casos em que se deve proceder à venda em depósito público. De acordo com o n.º 3 do artigo 149 Cf. artigo 900.º do CPC. Cf. artigo 905.º do CPC. 151 Cf. artigo 907.º do CPC. 152 Cf. artigo 908.º do CPC. 153 Cf. artigo 888.º do CPC. 150 O novo regime da acção executiva 79 907.º-A do CPC, a regulação da venda em depósito público deveria ser feita mediante a aprovação de regulamento próprio. Deste modo, em 5 de Setembro de 2003, foi publicada a Portaria n.º 941/2003, a qual teve por objecto, de acordo com o respectivo n.º 1.º, estabelecer os procedimentos e condições em que se processa a venda em depósitos públicos de bens penhorados, nos termos do disposto no artigo 907ºA do CPC. No artigo 2º deste diploma, o legislador estabeleceu como depósitos públicos de bens penhorados “os armazéns da propriedade ou posse do Ministério da Justiça cuja utilização para este fim seja autorizada por despacho do director-geral da Administração de Justiça” e os armazéns “cuja utilização seja acordada mediante protocolo celebrado para o efeito pela Câmara dos Solicitadores ou pelo Ministério da Justiça através da Direcção-Geral da Administração da Justiça”. Esta Portaria debruça-se, ainda, sobre o preço do depósito e sobre o modo de realização da venda. Por este diploma legal procurou-se regulamentar a própria estrutura e natureza dos depósitos públicos. No entanto, verificou-se posteriormente que a regulamentação operada fora fragmentária, tendo sido relegados para a regulação natural do mercado alguns pontos que deveriam, então, ser objecto de intervenção legal. Repare-se que, antes da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 38/2003, os depósitos públicos não existiam, nem sequer estava prevista a sua existência, pelo que a mera regulamentação das condições de venda em depósito público não seria, por si só, suficiente. Constatando que os depósitos públicos que haviam sido criados para o efeito de remoção e armazenamento de bens penhorados e consequente venda executiva ainda não funcionavam efectivamente, tornou-se evidente que um dos obstáculos ao pleno funcionamento dos depósitos públicos residiria na falta de previsão dos custos por parte dos tribunais ou do agente de execução. O legislador considerou, então, necessário estabelecer um enquadramento normativo para a determinação dos preços devidos pela utilização de depósitos públicos e para a remuneração dos depositários. 80 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma Por outro lado, a ausência de uma regulamentação precisa da estrutura, natureza, criação e modo de funcionamento dos depósitos públicos foi, também, considerada um factor de perturbação do sistema, mostrando-se conveniente que fosse estabelecido um regulamento do depósito público, tal como aconselhava já o referido artigo 907.º-A do CPCl. Mais recentemente, a Portaria n.º 512/2006, de 5 de Junho, veio aprovar o Regulamento do Depósito Público. Este é definido como todo e qualquer local de armazenagem de bens que tenha sido afecto, por despacho do DirectorGeral da Administração da Justiça, à remoção e depósito de bens penhorados no âmbito de um procedimento executivo. O legislador adaptou, ainda, as condições de venda em depósito público à possibilidade de realização da venda por meios informáticos, nomeadamente através de leilão na Internet. 4.4. A extinção da execução Uma das formas de cessação da execução é o pagamento voluntário da dívida exequenda. No âmbito do regime anterior, havendo lugar ao pagamento da dívida exequenda e das custas, era requerida ao juiz a liquidação de toda a responsabilidade do executado e, com a apresentação do referido requerimento, a execução era suspensa. Após a reforma, feito o depósito do pagamento da dívida exequenda e custas que se encontrem já liquidadas, mediante solicitação verbal das guias na secretaria de execução, susta-se a execução, excepto se o valor do depósito for manifestamente insuficiente, tendo lugar a liquidação, não carecendo de requerer a intervenção do juiz para o efeito. O pagamento da dívida exequenda pode, em alternativa, ser feito ao agente de execução154. A execução pode, ainda, cessar através da desistência do exequente155. 154 155 Cf. artigo 916.º do CPC. Cf. artigo 918.º do CPC. O novo regime da acção executiva 81 Assim, ao contrário do anterior regime, segundo o qual a extinção da execução era declarada por sentença, actualmente incumbe ao agente de execução dar por finda a instância executiva e proceder às notificações necessárias156. Contudo, como adiante se verá, a extinção da execução é uma matéria que levanta algumas questões a necessitarem de ajustamentos. 156 Cf. artigo 919.º do CPC. 82 5. A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma As custas judiciais nas acções executivas O Decreto-Lei n.º 204/2003, de 12 de Setembro, veio estabelecer o regime especial das custas judiciais nas acções executivas, designadamente no que concerne ao montante da taxa de justiça inicial; ao montante da taxa de justiça das execuções; aos encargos das execuções; e à prática de actos avulsos pelo solicitador de execução. De facto, como o legislador refere no Preâmbulo do diploma, “com excepção dos actos que requeiram efectiva intervenção jurisdicional, não se afigura razoável sujeitar as acções executivas em que haja intervenção do solicitador de execução ao pagamento do montante da taxa de justiça prevista no Código das Custas Judiciais”. Assim, foi aprovado um regime especial e transitório aplicável às custas das acções executivas, “sob pena de se encarecer, desnecessária e injustificadamente, o acesso à justiça”, estabelecendo-se uma redução significativa da taxa de justiça devida nas execuções em que seja designado solicitador de execução, assim como uma enorme simplificação do respectivo processo de contagem. Já nos casos em que, para além da intervenção do solicitador de execução, seja necessária ou suscitada a intervenção do juiz – designadamente, nos recursos, nos apensos declarativos e nas questões incidentais – o montante das custas judiciais é determinado de acordo com as regras e critérios do Código das Custas Judiciais em vigor, bem como nas execuções em que o agente de execução seja um oficial de justiça, nas quais apenas se estabelece uma redução da taxa de justiça inicial devida pelo exequente. O Decreto-Lei n.º 324/2003, de 27 de Dezembro, veio proceder à revisão do Código das Custas Judiciais, de forma a compatibilizar o seu regime com as reformas da acção executiva e do contencioso administrativo157. 157 Esta revisão foi norteada, de acordo com aquele diploma, pelos seguintes objectivos fundamentais: simplificação da estrutura do Código e do acto de contagem; adopção de critérios de tributação mais justos e objectivos; adequada repartição dos custos da justiça; moralização e racionalização do recurso aos tribunais; compatibilização com as reformas da acção executiva e do contencioso administrativo; e redução do número de execuções por custas. O novo regime da acção executiva 83 Através do Ofício-Circular n.º 45, da DGAJ/DSJCI, determinou-se que nas acções executivas em que o agente de execução seja solicitador de execução, o exequente tenha procedido ao pagamento da taxa de justiça inicial e não haja lugar a operações de liquidação do julgado ou pagamentos por via de depósito à ordem do processo, é dispensada a elaboração das contas, desde que verificados os seguintes requisitos: “a) estabilidade do valor tributário; b) inexistência de pluralidade de sujeitos; c) inexistência de reembolsos ao Cofre Geral dos Tribunais; d) taxas de justiça iniciais/subsequentes pagas de acordo com a respectiva tabela; e) da consulta do extracto da conta corrente do processo (SCJ) se mostre arrecadada a taxa devida pelo processo e o saldo seja igual a zero”. Esta medida resultou da constatação de que “uma parte significativa das contas cíveis e algumas liquidações criminais que [eram então] efectuadas não [eram] mais do que meras demonstrações de que as taxas de justiça estav[am] pagas e que, nos casos em que não [fossem] devidos quaisquer encargos, o total a pagar [era] € 0,00” (cf. Ofício-Circular n.º 45, da DGAJ/DSJCI). 84 6. A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma Uma nova profissão jurídica: o solicitador de execução O Decreto-Lei n.º 38/2003, de 8 de Março, criou no nosso ordenamento jurídico uma nova figura – o agente de execução – e uma nova profissão com funções determinantes no desenrolar da acção executiva. A figura do agente de execução está prevista no artigo 808º do Código de Processo Civil, em articulação com o novo Estatuto da Câmara dos Solicitadores (ECS), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 88/2003, de 26 de Abril, que reserva o Capítulo VIII ao solicitador de execução (artigos 116º a 131º, todos do ECS). As funções do agente de execução são desempenhadas, em regra, por um solicitador de execução (artigo 808º, n.º 2, 1.ª parte do CPC), o qual é um solicitador que, “sob fiscalização da Câmara e na dependência funcional do juiz da causa, exerce as competências específicas de agente de execução e as demais funções que lhe forem atribuídas por lei” (artigo 116º do ECS). Os solicitadores de execução passaram, assim, a exercer funções até então da competência do juiz ou do funcionário judicial, sendo investidos de competência para a prática de actos próprios de um oficial público. O solicitador de execução pode definir-se como um profissional liberal independente, sujeito a um triplo controlo ou dependência: processual, no que respeita ao juiz; profissional e deontológico, quanto à respectiva Câmara dos Solicitadores; e fiscalizado, ainda, pelo exequente, que pode pedir a sua destituição judicial, com base em justa causa, nos termos do artigo 808º, n.º 4 do Código de Processo Civil. O solicitador de execução encontra-se subordinado a um regime de incompatibilidades e impedimentos, cooperando na administração da justiça, realizando os actos não cometidos ao juiz ou à secretaria, o que implica uma larga desjurisdicionalização (menor intervenção do juiz nos actos processuais) e também a diminuição dos actos praticados pela secretaria, todavia, sem retirar a natureza jurisdicional ao processo executivo. A intervenção do juiz passou a ser, assim, mais reduzida, apesar de continuar a exercer, na sua plenitude, pelo menos para determinados actos, os O novo regime da acção executiva 85 seus amplos poderes jurisdicionais. Ou seja, o juiz perdeu a direcção formal do processo mas não o seu controlo, que pode ser prévio ou posterior. 6.1. O regime de acesso à profissão O acesso dos candidatos a solicitadores de execução rege-se pelas disposições do Estatuto da Câmara dos Solicitadores e pelo Regulamento de Estágio dos Candidatos a Solicitador158. São requisitos para a inscrição na Câmara dos Solicitadores ser-se cidadão português ou da União Europeia, possuir-se licenciatura na área jurídica ou bacharelato em solicitadoria e a realização, com aprovação, das provas previstas no estágio obrigatório (artigos 77º e 93º, n.º 1, ambos do ECS)159. A realização do estágio tem por finalidade proporcionar ao formando o conhecimento dos actos e termos mais usuais da prática forense e dos direitos e deveres dos solicitadores. A orientação geral do estágio compete à Câmara, através do seu Conselho Geral, ao qual cabe definir os programas de formação, temas e estrutura dos trabalhos a apresentar pelos candidatos e o conteúdo dos exames. Nos termos da lei, o estágio divide-se em dois períodos distintos: o primeiro, com a duração mínima de seis meses, promove a formação teórica, no fim da qual é obrigatória a apresentação de um trabalho escrito; o segundo período, ao qual apenas acedem os candidatos que tiverem realizado com sucesso o primeiro período, tem a duração máxima de doze meses, e privilegia a formação prática. Por fim, serão realizados exames nacionais escritos, compostos por quatro provas, sendo considerados aptos os candidatos que tenham nota superior a 9,5 valores, desde que não tenham no exame referente 158 Cf. http://www.solicitador.net/pub/RegEstagio2006.pdf (Fevereiro de 2006). Como consta do Regulamento de Estágio dos Candidatos a Solicitador 2006/2007, há dois centros de estágio – um na sede do Conselho regional do sul e outro na sede do Conselho regional do norte. Cabe aos centros de estágio assegurar a organização dos processos de candidatura, formação e avaliação. 159 86 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma a “Estatuto, regulamentos e deontologia” classificação proporcional inferior a 45%. De acordo com o artigo 117º, n.º 1 do ECS, apenas pode exercer as funções de agente de execução o solicitador que preencha os seguintes requisitos: ter, pelo menos, três anos de exercício da profissão de solicitador nos últimos cinco anos, não incluindo o tempo de estágio (artigo 117º, n.ºs 1, a), e 2 do ECS); não se encontrar abrangido por nenhuma das restrições previstas no ECS, que adiante analisaremos; nunca ter sido condenado em pena disciplinar superior a multa, salvo se requerer a sua reabilitação (artigo 117º, n.ºs 1, c), e 3 do ECS); ter sido aprovado nos exames finais do curso de formação de solicitador de execução, realizado há menos de cinco anos (artigo 117º, n.º 1, al. d) do ECS); e ter as estruturas e os meios informáticos mínimos (artigo 117º, n.º 1, al. f) do ECS, em articulação com o Regulamento de Inscrição). Da letra dos artigos 118º e 119º do ECS, decorre que, para exercer as funções de solicitador de execução, o solicitador terá de estar inscrito no Colégio de Especialidade, não bastando a sua inscrição na Câmara dos Solicitadores, pois a especialidade de solicitador de execução foi já estruturada em colégio. Assim, cabe ao Conselho Geral da Câmara dos Solicitadores organizar cursos de formação, com exames finais de aprovação perante júri pluridisciplinar, para os solicitadores que pretendam inscrever-se no colégio da especialidade e que estejam ou possam vir a estar em condições de se inscreverem como solicitador de execução (artigo 118º do ECS). Caso se verifiquem todos os requisitos de inscrição exigidos, o conselho regional remeterá cópia do processo ao colégio da especialidade e ao conselho geral, só podendo o solicitador de execução iniciar as suas funções após prestar juramento solene perante o presidente do tribunal da relação e o presidente regional da Câmara no sentido que cumprirá as suas funções nos termos da lei e do estatuto da Câmara dos Solicitadores (artigo 119º do ECS). O novo regime da acção executiva 87 6.2. As competências De acordo com o disposto no artigo 808º, n.º 1 do CPC, ao agente de execução, salvo determinação legal diversa, cabe realizar, sob controlo do juiz, “todas as diligências do processo de execução, incluindo citações, notificações e publicações” bem como outras funções que lhes sejam atribuídas por lei160. A intervenção dos solicitadores de execução intensifica-se na fase de penhora, como mostrámos no ponto 4.2., pois podem promover a realização de todas as diligências necessárias à identificação e localização de bens susceptíveis de penhora. Sempre que se verifiquem obstáculos à efectivação da penhora ou alguma resistência, o solicitador de execução deve provocar a intervenção do juiz. Na fase da venda, como referimos no ponto 4.4., os solicitadores de execução também realizam um papel fundamental, cabendo-lhes decidir sobre a modalidade da venda, fixar o valor mínimo pelo qual o bem pode ser vendido, lavrar o respectivo auto de abertura e aceitação de propostas e o acto de adjudicação ao arrematante, proceder ao cancelamento dos registos de direitos reais após o pagamento do preço e do imposto devido pela transmissão, promover o arresto perante o juiz em caso de falta de depósito do produto da venda, declarar que a venda fica sem efeito nos caos previstos na lei e dar por finda a acção executiva. Ao juiz passaram a caber apenas as funções de tutela e de controlo, nos termos do artigo 809º do CPC, assim como, de acordo com a mesma norma, proferir despacho liminar, quando for necessário, julgar a oposição à execução e à penhora, graduar os créditos, julgar a reclamação de acto do agente de 160 Em situações pontuais, também o oficial de justiça pode intervir como agente de execução, veja-se o caso das execuções por custas (artigo 808º, n.º 3 do CPC) ou de “impossibilidade” do solicitador de execução (artigo 808º, n.º 2, 2.ª parte, do CPC), por exemplo na hipótese dos solicitadores de execução estarem atingidos por alguma incompatibilidade ou impedimento (artigos 120º e 121º, ambos do ECS). Neste caso, o agente de execução é o escrivão de direito que for titular da secção onde corre termos o processo de execução (artigo 1º da Portaria n.º 946/2003, de 6 de Setembro), excepto se ele delegar a execução dos actos noutro funcionário da mesma secção (artigo 4º da mesma Portaria). 88 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma execução, decidir outras questões suscitadas pelo agente de execução, pelas partes ou por terceiros intervenientes. 6.3. As incompatibilidades, os impedimentos e o pedido de escusa161 Tendo em conta as funções atribuídas ao solicitador de execução, o legislador pretendeu acautelar a independência e a imparcialidade deste profissional através, nomeadamente, de um regime de incompatibilidades, impedimentos, suspeições e escusas (artigos 120º a 122º, todos do ECS). As incompatibilidades Ao solicitador de execução são subsidiariamente aplicáveis as incompatibilidades gerais inerentes à profissão de solicitador162 e as incompatibilidades específicas previstas para o solicitador de execução (artigo 120º do ECS). Assim, é incompatível com as funções de solicitador de execução o exercício do mandato judicial no processo executivo; o exercício das funções por conta de entidade empregadora, no âmbito de um contrato de trabalho; e o desenvolvimento, no seu escritório, de outra actividade para além 161 Seguimos, neste ponto, de perto a estrutura empregue por Sousa (2004, 53-55). Nos termos do artigo 114º do ECS, são actividades incompatíveis com o exercício da solicitadoria as seguintes: ser titular ou membro de órgão de soberania, com excepção da Assembleia da República, assessor, membro e funcionário ou agente contratado do órgão ou respectivos gabinetes; ser titular ou membro do Governo Regional e assessor, funcionário ou agente contratado dos respectivos gabinetes; ser Provedor de justiça, adjunto, assessor, funcionário ou agente contratado do serviço; ser magistrado judicial ou do Ministério Público, efectivo ou substituto, e funcionário de qualquer tribunal; ser juiz de paz e mediador nos julgados de paz; ser assessor dos tribunais judiciais; ser administrador dos tribunais; ser presidente e vereador das câmaras municipais, quando desempenhem funções em regime de permanência; ser conservador dos registos ou notário e funcionário ou agente dos respectivos serviços; ser governador civil, vice-governador civil, chefe de gabinete, adjunto, assessor e funcionário dos governos civis; ser funcionário de quaisquer serviços públicos de natureza central, regional ou local, ainda que personalizados, com excepção dos docentes de qualquer disciplina e em qualquer estabelecimento de ensino; ser membro das Forças Armadas ou militarizadas no activo; ser gestor público, nos termos do respectivo Estatuto; ser funcionário ou agente da segurança social e das casas do povo; ser advogado; ser mediador e leiloeiro; e desempenhar quaisquer outras funções e actividades que por lei sejam consideradas incompatíveis com o exercício da solicitadoria. 162 O novo regime da acção executiva 89 das de solicitadoria. Estas incompatibilidades estendem-se aos respectivos sócios e àqueles com quem o solicitador partilhe o escritório, de acordo com o artigo 120º, n.ºs 1 e 2 do ECS. Segundo Sousa (2004: 54), pretende-se “evitar que o solicitador de execução possa ser alguém que, na sua actividade profissional, tenha contribuído para a formação do título executivo (intervindo, por exemplo, como mandatário do credor na acção declarativa na qual se formou o título) ou que, em função da sua actividade como mandatário judicial, tenha representado, em tempos recentes, qualquer das partes da execução e, por isso, possa colocar em perigo a independência e a imparcialidade da sua actuação na execução”. Os impedimentos No que concerne aos impedimentos, além dos impedimentos gerais inerentes à profissão de solicitador163, é aplicável ao solicitador de execução, nos termos do artigo 121º do ECS, com as necessárias adaptações, o regime estabelecido para os impedimentos e suspeições dos funcionários da secretaria, previstos nos artigos 125º, n.º 2 e 134º a 136º, todos do CPC: quando seja parte na causa, por si ou como representante de outra pessoa, ou quando nela tenha um interesse que lhe permitisse ser parte principal; quando seja parte da causa, por si ou como representante de outra pessoa, o seu cônjuge ou algum seu parente ou afim, ou em linha recta ou no segundo grau da linha colateral, ou quando alguma destas pessoas tenha na causa um interesse que lhe permita figurar nela como parte principal; e quando esteja em situação prevista nas alíneas anteriores pessoa que com o juiz viva em economia comum. Constituem, ainda, impedimentos do solicitador de 163 Nos termos do artigo 115º, n.º 1, do ECS, estão impedidos de exercer solicitadoria os deputados à Assembleia da República, como autores nas acções cíveis contra o Estado; os deputados às Assembleias Regionais, como autores nas acções cíveis contra as Regiões Autónomas; os vereadores, nas acções em que sejam partes os respectivos municípios; e os funcionários ou agentes administrativos, na situação de aposentados, de inactividade, de licença ilimitada ou de reserva, em quaisquer assuntos em que estejam em causa os serviços públicos ou administrativos a que estiveram ligados, durante um período de três anos a contar da data em que tenham passado a estar numa daquelas referidas situações. 90 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma execução, o exercício das funções de agente de execução quando haja participado na obtenção do título executivo que serve de base à execução e quando tenha representado judicialmente alguma das partes nos dois últimos anos (artigo 121º, n.º 2 do ECS)164. Os impedimentos descritos são extensíveis aos sócios do solicitador e àqueles com os quais partilhe escritório (artigo 121º, n.º 3 do ECS). Por último, nos termos do artigo 115º, n.º 2 do ECS, o solicitador de execução está impedido de exercer mandato judicial, em representação do exequente ou do executado, durante três anos contados a partir da extinção do processo de execução no qual tenha desempenhado funções de solicitador de execução. O pedido de escusa O solicitador de execução que esteja no desempenho das suas funções pode requerer à secção regional deontológica, em casos excepcionais e devidamente fundamentados, a suspensão de aceitar novos processos, devendo pedir escusa logo que ocorrer motivo de impedimento ou suspeição (artigo 122º, n.ºs 1, 3, al. a), e 4 do ECS). Depois da aceitação da designação realizada pelo exequente ou da nomeação feita pela secretaria do tribunal (artigos 810º, n.º 6, e 811º-A, n.º 1, ambos do CPC), o solicitador de execução só pode pedir escusa do exercício das suas funções quando for membro de órgão nacional, regional, dos colégios da especialidade ou da direcção da Caixa de Previdência de Advogados e Solicitadores ou, como referimos, quando ocorra motivo de impedimento ou suspeição (artigo 122º, n.º 3 do ECS). 164 Quanto a este ponto, há quem defenda existir um impedimento nos casos em que o solicitador de execução efectuou a notificação judicial avulsa prevista no artigo 812-A, n.º 1, al. c). Segundo Sousa (2004: 54), a situação não configura nenhum impedimento, dado que esta notificação não é um requisito do título executivo. O novo regime da acção executiva 91 6.4. Os deveres do solicitador de execução165 Ao solicitador de execução, para além dos deveres gerais a que estão sujeitos todos os solicitadores166, são exigidos certos deveres específicos elencados no artigo 123º do ECS. Vejamos: o solicitador de execução está, designadamente, obrigado a praticar diligentemente os actos processuais de que seja incumbido, com observância rigorosa dos prazos legais ou fixados judicialmente e dos deveres deontológicos; a submeter a decisão do juiz os actos que dependam de despacho ou autorização judicial e a cumpri-los nos precisos termos fixados; a fornecer ao tribunal os esclarecimentos que lhe sejam solicitados sobre o andamento das diligências de que seja incumbido; a prestar contas da actividade realizada e a entregar prontamente as quantias, objectos ou documentos de que seja detentor por causa das suas funções; a conservar durante dez anos todos os documentos relativos às execuções ou outros actos por si praticados enquanto solicitador de execução; a ter contabilidade organizada nos termos de modelo a provado pelo conselho geral; a não exercer nem permitir o exercício de actividades não forenses no seu escritório; a apresentar a cédula ou cartão profissional no exercício da sua 165 Seguimos, neste ponto, de perto, a estrutura definida por Sousa (2004, 55-56). Nos termos do artigo 109º do ECS, são deveres dos solicitadores: “a) Não solicitar contra lei expressa, não usar meios ou expedientes ilegais, nem promover diligências inúteis ou prejudiciais para a correcta aplicação do direito e descoberta da verdade; b) Declarar no acto de inscrição, para efeito de verificação de incompatibilidade, qualquer cargo ou actividade profissional que exerça; c) Requerer a suspensão da inscrição na Câmara quando ocorrer incompatibilidade superveniente; d) Pagar as quantias devidas a título de inscrições, quotas, assinatura da revista, multas e taxas; e) Ter domicílio profissional e comunicar ao respectivo conselho regional a sua alteração, no prazo de 15 dias; f) Manter os seus funcionários registados na Câmara, nos termos do regulamento aprovado em assembleia geral; g) Recusar mandato ou nomeação oficiosa para causa que seja conexa com outra em que representem ou tenham representado a parte contrária; h) Actuar com zelo e diligência relativamente a todas as questões que lhe sejam confiadas e proceder com urbanidade para com os colegas, magistrados, advogados e funcionários; i) Prestar as informações que lhe sejam pedidas pela parte, relativas ao estado das diligências que lhe foram cometidas, e comunicar-lhe prontamente a sua realização ou a respectiva frustração, com indicação das suas causas; j) Aplicar devidamente as quantias e coisas que lhe sejam confiadas; l) Diligenciar no sentido do pagamento dos honorários e demais quantias devidas aos colegas ou aos advogados que os antecederam no mandato que lhes venha a ser confiado; m) Não contactar ou manter relações com a parte contrária ou contra-interessados, quando representados por solicitador ou advogado, salvo se por eles for previamente autorizado; n) Não desenvolver publicidade fora dos limites previstos por regulamento aprovado em assembleia geral; o) Não solicitar nem angariar clientes por si ou por interposta pessoa; p) Usar o trajo profissional quando pleiteiem oralmente”. 166 92 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma actividade; a utilizar o selo branco, as insígnias e os selos de autenticação de assinatura reconhecidos e regulamentados pela Câmara; a ter um endereço electrónico; a contratar e manter seguro de responsabilidade civil profissional de montante não inferior a € 100.000; a não auferir, no exercício da actividade de agente de execução, remuneração diversa daquela a que tenha legalmente direito; a prestar as informações solicitadas pelo exequente, pelo executado ou por qualquer terceiro que tenha interesse legítimo sobre a conta corrente discriminada da execução; e a informar, no acto de citação, o executado do montante provável dos seus honorários e despesas. O solicitador de execução deve, ainda, manter em instituição de crédito conta à sua ordem com menção de se tratar de conta-clientes de solicitador de execução, devendo os juros resultantes das quantias depositadas nessa conta ser entregues de forma proporcional aos terceiros que a eles tenham direito e ter um registo escrupuloso dos movimentos nela efectuados (artigos 112º, n.ºs 1 e 2, 124º e 125º, todos do ECS167). No âmbito das conta-clientes, o Conselho 167 O artigo 112º do ECS, relativo a conta-clientes dos solicitadores, determina o seguinte: “1 As quantias detidas por solicitador por conta dos seus clientes ou de terceiros, que lhe sejam confiadas ou destinadas a despesas, devem ser depositadas em conta ou contas abertas em instituição de crédito em nome do solicitador e identificadas como conta-clientes. 2 - O solicitador deve manter um registo rigoroso dos movimentos efectuados na conta-clientes relativamente a cada cliente, o qual é disponibilizado ao cliente respectivo sempre que solicitado e é diferenciado dos efectuados com as quantias detidas pelo solicitador a outro título. 3 - Só não existe a obrigação de depósito na conta-clientes das quantias em relação às quais o respectivo cliente tenha autorizado afectação diferente e nas de montante até 5 unidades de conta. 4 - Presume-se para todos os efeitos legais que as quantias depositadas em conta-clientes não constituem património próprio do solicitador. 5 - No âmbito de processo disciplinar, o solicitador pode ser notificado para apresentar o registo das contas-clientes. 6 - No caso de o solicitador falecer ou ficar impedido de exercer a profissão por um período que se preveja superior a 90 dias, os herdeiros ou seus representantes legais designam solicitador que assuma a liquidação das respectivas contas-clientes e proceda aos correspondentes pagamentos, devendo requerer a intervenção do conselho regional sempre que lhes surjam fundadas dúvidas sobre os proprietários. 7 - Sendo o solicitador impedido de exercer a profissão por decisão disciplinar, o respectivo conselho regional designa oficiosamente solicitador que assuma a liquidação das respectivas contasclientes e proceda aos correspondentes pagamentos, devendo requerer a intervenção do conselho regional sempre que lhe surjam fundadas dúvidas sobre os proprietários. 8 - O solicitador designado nos termos dos n.os 6 e 7 recebe toda a colaboração das instituições de crédito e do solicitador impedido ou dos seus legais representantes, sendo-lhe entregues os registos das contas-clientes a liquidar. 9 - O solicitador não pode utilizar as quantias que lhe foram entregues pelos clientes ou terceiros para um fim específico, nomeadamente para se pagar dos seus honorários, salvo se tiver instruções nesse sentido. 10 - As disposições anteriores aplicam-se, com as necessárias adaptações, às contas-clientes abertas em nome de sociedades de solicitadores. 11 - O conselho geral regulamenta as contas-clientes”. Nos termos do artigo 124º do ESC, sobre contas-clientes do solicitador de execução: “1 - Os solicitadores de execução estão sujeitos às disposições sobre conta-clientes previstas neste Estatuto, acrescidas das especificidades constantes dos números seguintes. 2 - O solicitador deve ter em instituição de crédito conta à sua ordem, com menção da circunstância de se tratar de conta-clientes de solicitador de execução. 3 - Todas as quantias recebidas no âmbito de processos de execução, não destinadas ao O novo regime da acção executiva 93 Geral da Câmara dos Solicitadores aprovou dois regulamentos, sendo um relativo a conta-clientes de solicitador e outro a conta-cliente de solicitador de execução168. pagamento de tarifas liquidadas, têm de ser depositadas numa conta-clientes de solicitador de execução. 4 - O registo de conta-clientes de solicitador de execução observa normas e procedimentos definidos em regulamento aprovado pelo conselho geral, que pode determinar um modelo em suporte informático e a obrigação de serem apresentados relatórios periódicos. 5 - Os juros creditados pelas instituições de crédito resultantes das quantias depositadas na conta-clientes de solicitador de execução são entregues proporcionalmente aos terceiros que a eles tenham direito. 6 - Os suportes documentais e informáticos das contas-clientes são obrigatoriamente disponibilizados, pela instituição de crédito e pelos solicitadores, à comissão de fiscalização do solicitador de execução prevista na presente secção, bem como ao instrutor de processo disciplinar. 7 - O solicitador de execução deve manter contas-clientes diferenciadas para serviços que não decorram da sua qualidade de agente de execução”. Sobre a falta de provisão e irregularidades da conta-clientes dispõe o artigo 125º do ESC: “1 - É imediatamente instaurado processo disciplinar no caso de se verificar falta de provisão em qualquer conta-clientes ou se houver indícios de irregularidade na respectiva movimentação. 2 - No caso previsto no número anterior, se a irregularidade não for corrigida ou sanada nas quarenta e oito horas a contar da data em que o solicitador de execução se considerar notificado, a secção regional deontológica determina as medidas cautelares que considere necessárias, podendo ordenar a sua suspensão preventiva, designando outro solicitador de execução que assuma a responsabilidade dos processos em curso e a gestão das respectivas contas-clientes. 3 - A notificação prevista no número anterior é efectuada pessoalmente ou por via postal, remetida sob registo para o domicílio profissional do solicitador de execução”. 168 O primeiro destes regulamentos, aprovado em 8 de Setembro de 2003, considera o seguinte: “a) O artigo 112º do ECS determinou a obrigação dos solicitadores depositarem as quantias que lhes sejam confiadas por clientes ou terceiros em conta ou contas-clientes abertas em instituições de crédito; b) A conta-clientes irá assegurar ao solicitador a separação entre os valores detidos transitoriamente por conta dos clientes, de terceiros e os que são pessoais. c) A conta-clientes é um importante instrumento de garantia e segurança para os solicitadores ou cidadãos que utilizam os seus serviços e demonstra a preocupação da classe com a transparência e o rigor da sua actuação profissional; d) Esta garantia só será efectiva através do cumprimento de regras claras, sobre a forma de abertura das contas, a sua titularidade, as condições de movimentação e o registo das respectivas operações; e) O objectivo das contas e as garantias que pretende conceder não permitem que estas sejam movimentadas por pessoas estranhas à profissão ou que não sejam obrigadas a conhecer as regras estatutárias. O Conselho Geral, nos termos do n.º11 do artigo112º do ECS aprova o regulamento da contaclientes de solicitador: A conta-clientes de solicitador, pode ser sedeada por solicitador, com inscrição em vigor, ou sociedade de solicitadores registada na Câmara, em qualquer instituição bancária, que nas respectivas condições de movimentação reconheça formalmente que aquela conta obedece ao preceituado no ECS, nomeadamente ao seu artigo 112º e ao presente regulamento. Nas condições de movimentação a estabelecer com o Banco é obrigatória a possibilidade de abertura de conta sem depósito inicial e a não oneração com encargos de manutenção. O único titular da conta é o solicitador ou a sociedade de solicitadores. A sociedade de solicitadores pode autorizar que a conta-clientes seja movimentada por solicitador sócio não gerente. A conta-clientes não pode ser movimentada através de cartões de crédito, nem ser utilizada em operações de garantia, para adquirir títulos, ou acções sujeitas a qualquer tipo de risco. O solicitador deve registar no respectivo Conselho Regional da Câmara dos Solicitadores o NIB da conta-cliente, a data da abertura e encerramento e as condições de movimentação. 94 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma O solicitador pode requisitar ao Conselho Regional cópia do registo efectuado nos termos do número anterior. As comunicações referidas nos números anteriores estão sujeitas a segredo profissional nos termos do artigo 110º do Estatuto. O solicitador deve manter um registo de todas as operações efectuadas na conta-cliente, discriminando os clientes ou terceiros a que se refere, a data do movimento, a razão do movimento, a identificação do respectivo documento de suporte e o eventual número ou identificação de processo a que está adstrita. Nos termos do n.º 2 do artigo 112º do ESC, o solicitador deve disponibilizar ao cliente um extracto dos movimentos na conta-cliente referente ao processo ou processos que lhe digam respeito. Só são reconhecidas como conta-clientes as constituídas nos termos do Estatuto e presente regulamento”. Por sua vez, o Regulamento da conta-clientes de solicitador de execução considera o seguinte: “a) O artigo 124º do ECS determina que o solicitador de execução tem de ter em instituição de crédito conta à sua ordem com a menção da circunstância de se tratar de conta-clientes de solicitador de execução. b) No referido artigo estipula-se que as quantias recebidas no âmbito de processo de execução, não destinadas ao pagamento de tarifas liquidadas, têm de ser depositadas na conta-clientes de solicitador de execução. c) O sistema de tarifas aprovado pela Portaria 708/2003 de 4/8, do Ministério da Justiça, prevê que o solicitador de execução possa exigir a título de provisão quantias por conta de honorários ou despesas. d)Na mesma portaria, no n.º3 do seu artigo 3.º determina-se que “todas as importâncias recebidas pelo solicitador de execução são depositadas na conta-cliente”. e) As tarifas só devem ser liquidadas posteriormente à recepção de provisão e através do envio do respectivo recibo de honorários; f) Os valores a movimentar implicam a aplicação de regras de segurança e controle essenciais para a garantia do êxito da implementação desta reforma. g) Das tarifas recebidas é obrigatoriamente remetida uma permilagem destinada à Caixa de Compensações. h) Os solicitadores de execução devem ser fiscalizados por uma comissão nomeada pela secção regional deontológica. i) Esta fiscalização será uma garantia essencial da eficácia do serviço prestado pelos solicitadores de execução e do rigor do controle a que se auto-sujeitam. j) A fiscalização para ser eficaz e alcançar os objectivos de transparência propostos, deve ser realizada preferencialmente através de meios informáticos que permitam a detecção rápida de qualquer lapso susceptível de correcção e diminuam substancialmente o número de fiscalizações necessárias. k) Os objectivos descritos nos considerandos anteriores, implicaram a organização pela Câmara dos Solicitadores de um programa informático centralizado de Gestão do Escritório e Procedimentos do Solicitador de Execução, adiante designado GPESE: Nos termos do artigo 124º do ECS, é aprovado o regulamento da conta-clientes de solicitador de execução: 1. A conta-clientes de solicitador de execução, a seguir designada por “ct.cl.solicit. exec.”, deve ser sedeada em instituição de crédito, que se designa por “Banco” que tenha protocolado com a Câmara dos Solicitadores, a seguir designada “CS”, as garantias de cumprimento das respectivas disposições estatutárias, do presente regulamento e das “condições de movimentação” aqui definidas. 2. A “ct.cl.solicit. exec.” só pode ser titulada por solicitador inscrito no respectivo colégio de especialidade, devendo: a) A prova da inscrição ser efectuada perante o “Banco” através da apresentação de certidão ou relação emitida pela”CS”; b) O solicitador de execução ser o único titular da conta. O novo regime da acção executiva 95 3. Incumbe ao Conselho Geral da CS facultar às Secções Regionais Deontológicas e às respectivas comissões de fiscalização todas as informações sobre o movimento da conta. 4. A “ct.cl.solicit. exec.” só será movimentada a débito: - na sequência de pedido em ficheiro remetido ao “Banco” pela “CS”, através de instruções do solicitador no “GPESE”; - através de cheques “não à ordem”; - através de sistemas de “homebanking”. -através de cheques “à ordem” até ao valor de 500 euros, emitidos pelo solicitador de execução, desde que este assegure o depósito antecipado, na conta cliente de solicitador de execução, do custo destes títulos de crédito, podendo debitar o seu valor aos responsáveis mediante extracto de conta-corrente e através de cartões de débito, desde que o custo destes seja suportado pela entidade emissora, ou depositado antecipadamente pelo solicitador de execução e que o valor máximo a debitar semanalmente não exceda os 500 euros. 5. A “ct.cl.solicit. exec.” não pode ser movimentada através de cheques à ordem, cartões de débito, cartões de crédito, ou semelhantes nem ser utilizadas em depósitos a prazo, operações de garantia, movimento de títulos, ou em qualquer operação a débito ou crédito não relacionada com processos judiciais pendentes. - Exceptuam-se os cheques mencionados nos números 4 e 7 e os cartões de débito mencionados no ponto 4 6. A “CS” não pode dar instruções de movimentação da “ct.cl.solicit. exec.” diferentes das introduzidas no GPESE pelo respectivo solicitador de execução, sem prejuízo do consignado no Estatuto para a suspensão do solicitador de execução e do disposto no presente Regulamento para o caso de ser cancelado ou revogado o protocolo com o “Banco”. 7. A ct.cl.solicit. exec só é movimentada a crédito através de depósito em numerário, cheque visado, cheque bancário, ou cheque do próprio Banco, e transferências bancárias, sendo obrigatório constar no descritivo o nome do depositante e o n.º do processo. - A conta cliente de solicitador de execução pode ser movimentada a crédito através de cheques “à ordem” até ao valor de 500 euros. Se um destes cheques for devolvido, o solicitador de execução comunicará o facto de imediato à secção regional deontológica, sendo também obrigatória a participação ao Ministério Público, sempre que seja susceptível de procedimento criminal. 8. No momento da abertura de conta o solicitador de execução deve subscrever documento conforme minuta protocolada com o “Banco” pelo qual demonstre o conhecimento e adesão aos princípios do Estatuto, do presente regulamento e do Protocolo entre a CS e o “Banco”. 9. O “Banco” deve comunicar de imediato à “CS” qualquer alteração às condições de movimentação que não estejam abrangidas pelas regras do presente regulamento. 10. Após a introdução de uma ordem de movimentação pelo solicitador de execução no “GPESE" esta é irrevogável. 11. Todas as comunicações referidas nos números anteriores estão sujeitam a segredo profissional nos termos do artigo 110º do Estatuto. 12. O solicitador deve disponibilizar aos interessados um extracto dos movimentos na contacliente referente ao processo que lhe diga respeito. 13. Se o protocolo referido em 1 for rescindido pelo “Banco” ou “CS”, incumbe à “CS” assegurar a transferência dos respectivos saldos para outro Banco, enviar aos s.e. o extracto dos movimentos eventualmente não conferidos e garantir a abertura de ct.cl.solicit. exec em novo Banco, podendo solicitar aos s.e. os documentos considerados necessários. 14. O não cumprimento pelo solicitador do estipulado no presente regulamento implica a aplicação de sanções ao solicitador por incumprimento de deveres. 15. O solicitador de execução pode requerer à Secção Regional Deontológica o não cumprimento das regras determinadas no presente regulamento. Se aceite o requerido, deve a Secção Regional Deontológica, ouvido o Conselho Superior, determinar as condições de fiscalização específicas para o solicitador em causa”. 96 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma 6.5. A substituição do solicitador de execução Nos termos do artigo 129º, n.ºs 1 e 2 do ECS, no caso de morte ou incapacidade definitiva do solicitador de execução, ou se este requerer a cessação das funções na especialidade, for suspenso por período superior a dez dias ou expulso, o Conselho Regional, num prazo de dez dias, indica solicitador ou solicitadores de execução para assumir a responsabilidade dos processos pendentes, quando o exequente não designar outro segundo a lei do processo. É obrigação do solicitador substituto a apresentação à secção deontológica de um relatório sobre a situação dos processos, com os respectivos acertos de contas (artigo 129º, n.º 5 do ECS)169. O preceituado para a substituição do solicitador de execução aplica-se, segundo o artigo 130º, n.º 2 do ECS, ao caso de destituição judicial. A destituição de um solicitador de execução, nos termos do artigo 808º, n.º 4 do CPC, só ocorre por decisão do juiz de execução, oficiosamente ou a requerimento do exequente, com fundamento em comportamento processual doloso ou negligente ou em violação grave de dever que lhe seja imposto pelo respectivo estatuto, o que será comunicado à Câmara dos Solicitadores, mais precisamente à secção regional deontológica, como determina o artigo 130º, n.º 1 do ECS, desencadeando, necessariamente, a instauração de processo disciplinar, que admite recurso, a interpor pelo solicitador, em um grau, a subir imediatamente, em separado e com efeito meramente devolutivo. Segundo Sousa (2004:57), “a liberdade que o exequente tem na escolha do solicitador de execução (cfr. artº 810º, n.º 3, al. e)) e a liberdade que o solicitador de execução possui na aceitação da sua designação pelo exequente (cfr. artº 810º, n.º 6) são suficientes para que se possa concluir que o exequente e o solicitador de execução estão ligados por um negócio atípico que apresenta algumas semelhanças com o mandato”. Contudo, isto não basta 169 Segundo o disposto no n.º 6, do artigo 129º, ECS, a secção regional deontológica instaura processo disciplinar sempre que este relatório indicie a existência de irregularidades. O novo regime da acção executiva 97 para que se considere “o solicitador de execução um representante do exequente, já que nem aquele solicitador de execução está sujeito a ordens do exequente, nem este exequente pode destituir o solicitador de execução, nem, por fim, aquele exequente pode ser responsabilizado perante terceiros pelos actos ou omissões daquele solicitador”. A lei exclui claramente o executado da possibilidade de requerer a destituição de solicitador de execução, apenas referindo o exequente. Discutese, na doutrina, a constitucionalidade desta norma. De acordo com o estudo Reforma da Acção Executiva – Boas práticas (2006)170, o juiz deve suscitar a questão da constitucionalidade da norma. Na verdade, deve reconhecer-se ao executado a possibilidade de requerer ao juiz a destituição do solicitador de execução, atendendo a princípios tão estruturantes do nosso processo quanto o princípio da igualdade de armas plasmada no artigo 3º-A do CPC. Apesar do silêncio da lei, não pode deixar de se reconhecer ao executado legitimidade para requerer junto do juiz de execução a destituição daquele solicitador, tendo em conta que ele pode ser fortemente prejudicado pela actuação do solicitador de execução. 6.6. O controlo e a fiscalização do exercício da profissão Os solicitadores de execução exercem as suas competências sob fiscalização da Câmara dos Solicitadores171 e na dependência funcional do juiz da causa, mas prevendo a lei uma fiscalização pelo menos bienal, realizada por uma comissão de, no máximo, três solicitadores de execução designados 170 Este estudo, de 2006, foi uma iniciativa do Centro de Estudos Judiciários, da Ordem dos Advogados, da Câmara dos Solicitadores, do Centro de Formação dos Oficiais de Justiça e do Gabinete de Política Legislativa e Planeamento do Ministério da Justiça, tendo ainda a colaboração do Conselho Superior da Magistratura e do Conselho Superior do Ministério Público. Cf. http://www.pgdlisboa.pt/pgdl/docpgd/boaspraticas_processo_executivo.pdf (Jan. 2007). 171 A Câmara dos Solicitadores é uma associação de direito público que representa todos os que no país exercem a profissão de solicitador, sendo representada pelo Presidente da Câmara e composta por uma vasto conjunto de órgãos, designadamente Assembleia Geral, Conselho Geral, Congresso, Assembleias Regionais e Colégio de Especialidade de Solicitador de Execução. 98 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma pela secção regional deontológica, podendo aqueles solicitadores ser assessorados por profissionais especializados. Esta secção pode determinar a realização de uma nova inspecção por outra comissão, sempre que o considere necessário (artigo 131º do ECS). A violação dos deveres profissionais e deontológicos estatutariamente previstos, consubstanciando um comportamento merecedor de censura éticojurídica, faz incorrer em responsabilidade disciplinar, pertencendo à Câmara, em exclusivo, o poder punitivo de aplicação da sanção disciplinar correspondente, sem prejuízo da eventual responsabilidade civil e penal perante as partes e terceiros. O juiz, por sua vez, nestes casos pode apenas apresentar reclamação à Câmara e, em casos extremamente graves, promover a destituição do solicitador, não podendo aplicar multas ao abrigo do Estatuto da Câmara dos Solicitadores. No entanto, já pode fazê-lo no âmbito do Código de Processo Civil, uma vez que estão em causa multas com fontes e funções distintas, podendo, assim, ser cumuláveis. No caso de um cliente considerar que o solicitador se revelou negligente ou não cumpriu as regras éticas e deontológicas a que está legalmente sujeito na condução de assunto ou processo que lhe confiou, pode participar os factos à Câmara dos Solicitadores para instauração do respectivo processo disciplinar, independentemente de acção judicial que pretenda intentar para obtenção de eventuais indemnizações Assim, o solicitador de execução encontra-se sujeito a um triplo controlo ou dependência: processual por parte do juiz, profissional e deontológico por parte da Câmara, e ainda por parte do exequente. Recentemente foi aprovado o Regulamento n.º 176/2006 sobre a fiscalização e funcionamento das comissões de fiscalização dos solicitadores de execução, podendo as mesmas proceder a fiscalizações ordinárias e extraordinárias, dentro dos moldes aí estabelecidos. A violação dos deveres que recaem sobre o solicitador de execução faz incorrer este em responsabilidade disciplinar, nos termos do disposto no artigo O novo regime da acção executiva 99 134º do ECS e determina a aplicação, pela Câmara dos Solicitadores, da respectiva sanção disciplinar (artigo 142º do ECS). Decorre do artigo 139º do ECS que qualquer órgão da Câmara e dos colégios de especialidade, oficiosamente ou tendo por base queixa, denúncia ou participação apresentada por pessoa devidamente identificada, contendo factos susceptíveis de integrarem infracção disciplinar, comunica os factos ao órgão competente para a instauração de processo disciplinar. Porém, o presidente da Câmara e o conselho superior podem, independentemente de participação, ordenar a instauração de processo disciplinar (artigo 44º, alínea c) do ECS). 6.7. O regime remuneratório O solicitador de execução exerce as suas funções em regime de profissão liberal remunerada, como é referido no artigo 99º, n.º 1 do ESC, porém “é obrigado a aplicar na remuneração dos seus serviços as tarifas aprovadas por portaria do Ministro da Justiça, ouvida a Câmara, a qual é objecto de revisão trienal” (artigo 126º, n.º 1 do ECS). Assim, o regime de remuneração e reembolso das despesas do solicitador de execução no exercício da actividade de agente de execução é estabelecido pela Portaria n.º 708/2003, de 4 de Agosto, com as alterações introduzidas pela Portaria n.º 436-A/2006, de 5 de Maio. Tal regime procura conjugar um modelo remuneratório mínimo fixo com uma parcela remuneratória variável em função do resultado. De facto, os honorários do solicitador de execução “podem compreender uma parte fixa, estabelecida para cada tipo de actividade processual e dependente do valor da causa, e uma parte variável, dependente da consumação do efeito ou resultado pretendido com a actuação do solicitador de execução”, de acordo com o artigo 126º, n.º 2 do ECS e artigos 7º e 8º da Portaria n.º 708/2003, de 4 de Agosto, alterada pela Portaria n.º 436-A/2006, de 5 de Maio. Ao solicitador de execução está assegurado um limite mínimo de honorários, como se estipula no artigo 9º da mesma Portaria. 100 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma Segundo o preâmbulo da Portaria n.º 436-A/2006, “a remuneração ora fixada procura encontrar uma correspondência com os serviços efectivamente prestados através da atribuição a cada acto praticado de um valor fixo. Para além desta componente fixa, o solicitador de execução auferirá igualmente uma parte variável em função dos resultados obtidos com a sua actividade, parcela esta que constitui um incentivo ao diligente desempenho das suas funções”. Como princípio geral, a Portaria estabelece no artigo 2º, n.º 1 que “o solicitador de execução tem direito a receber honorários pelos serviços prestados, bem como a ser reembolsado das despesas realizadas que devidamente comprove”. O solicitador de execução poderá solicitar ao exequente172, “a título de provisão, quantias por conta de honorários ou de despesas”, devendo, para o efeito, “emitir recibo do qual constem, detalhadamente, as quantias recebidas e os actos a que as mesmas dizem respeito”, nos termos do artigo 3º, n.ºs 1 e 2. No que diz respeito aos honorários, a Portaria estabelece um conjunto de tarifas fixas devidas pela prática dos vários actos susceptíveis de serem praticados pelo solicitador de execução (cf. Quadro 1). Quadro 1 Anexo I da Portaria n.º 708/2003, de 4 de Agosto (Tarifas em euros a que fazem referência os artigos 7º e 9º) Valor da execução Acto Até 1.750 De 1.750,01 De 3.750,01 De 15.000,01 50.000,01 ou a 3.750 a 15.000 a 50.000 mais 1 — Pela abertura da execução 20 2 – Pela notificação da remessa do processo para execução pendente 5 172 O exequente ou autor é parte responsável pelo pagamento da remuneração e reembolso das despesas do solicitador de execução. No entanto, tais quantias integram as custas que ele terá direito a receber do réu ou executado (cf. artigo 5º, n.º 2), com excepção das despesas de deslocação do solicitador de execução que praticar actos fora da sua comarca (cf. artigo 10º, n.º 4, com a redacção introduzida pela Portaria n.º 436-A/2006 de 5 de Maio). O novo regime da acção executiva 101 3 — Entrega de coisa certa (por coisa ou conjunto de coisas) 40 60 120 200 400 4 — Prestação de facto (por facto ou conjunto de factos 40 60 120 200 400 5 — Pagamento de quantia certa: 5.1 — Pela elaboração de auto de penhora 30 5.2 — Citações, notificações e comunicações: 5.2.1 — Por citação do executado 30 5.2.2 — Em simultâneo com a penhora 15 5.2.3 — Citação de credores (por citado) 10 5.2.4 — Citação de cônjuge (não executado), credores públicos, instituições de crédito ou sociedades financeiras (por citado) 5 5.2.5 — Pela citação pessoal de terceiros, quando necessário 30 6 — Venda: 6.1 — Publicitação da venda de bens imóveis 40 6.2 — Publicitação da venda de outros bens 30 6.3 — Notificação dos preferentes (por notificado) 10 6.4 — Assistência à abertura de propostas e lavrar a acta 35 6.5 — Notificação do arrematante para depósito da parte restante do preço (por arrematante) 10 6.6 — Arresto e execução dos bens do preferente ou proponente em caso de falta de depósito As tarifas previstas na presente tabela 6.7 — Adjudicação e registo dos bens (por bem ou conjunto de bens) 25 6.8 — Venda por negociação particular (sobre o valor de venda) 1% 7 — Actos praticados noutros processos que não acções executivas: 7.1 — Citação e notificação judicial avulsa 30 7.2 — Vários citandos e notificandos no mesmo espaço/tempo (por citando) 10 Além destes montantes fixos, como referimos, a Portaria prevê, ainda, a existência de uma parcela remuneratória adicional em função do valor 102 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma recuperado173 ou garantido174, bem como da fase processual em que o montante tenha sido recuperado ou garantido. A prestação remuneratória adicional em função do valor recuperado ou garantido é calculada tendo em conta a seguinte tabela: Quadro 2 ANEXO II da Portaria n.º 708/2003, de 4 de Agosto (Tabela a que faz referência a alínea a) do n.º 1 do artigo 8º) Valor Taxa base Taxa marginal (em euros) (percentagem) (percentagem) Até 1 750 3,000 0 3,000 0 De 1 750,01 a 3 750 2,000 0 2,466 7 De 3 750,01 a 15 000 1,000 0 1,366 7 De 15 000,01 a 50 000 0,750 0 0,935 0 De 50 000,01 a 75 000 0,500 0 0,790 0 75 000,01 ou mais 0,250 0 O valor recuperado ou caucionado, quando superior a 1.750 euros, será dividido em duas partes: uma, igual ao limite do maior dos escalões que nele couber, à qual se aplicará a taxa marginal correspondente a esse escalão; outra, igual ao excedente, a que se aplicará a taxa base respeitante ao escalão imediatamente superior. Encontrado o valor resultante da aplicação da tabela anterior, o mesmo, nos termos do n.º 2, do artigo 8º, “é multiplicado pelos seguintes factores, em função da fase processual em que tem lugar a recuperação ou a garantia do crédito: a) 0,50 se ocorrer antes da realização do auto de penhora; b) 1 se ocorrer após a realização do auto de penhora; c) 1,30 se ocorrer após a publicidade da venda; d) 1,80 se ocorrer após a realização da venda e como resultado desta”. 173 Nos termos da alínea a), do n.º 3, do artigo 8º, valor recuperado é o “valor do dinheiro entregue, o do produto da venda, o da adjudicação ou o dos rendimentos consignados”. 174 Valor garantido, por sua vez, é o “valor dos bens penhorados ou o da caução prestada pelo executado, com o limite do montante dos créditos exequendos” (cf. al. b), do n.º 3, do artigo 8º). O novo regime da acção executiva 103 A Portaria n.º 708/2003, de 4 de Agosto garante ainda um montante mínimo remuneratório que deverá ser pago ao solicitador de execução175. No que respeita ao reembolso de despesas, a Portaria estabelece expressamente, no artigo 10º, n.º 1, que o direito do solicitador de execução ao “reembolsado das despesas necessárias à realização das diligências efectuadas no exercício das funções de agente de execução, desde que devidamente comprovadas”. A Portaria estabelece, no entanto, regras especiais relativamente à compensação pelas deslocações do solicitador de execução para a prática de actos fora da sua comarca. As alterações introduzidas pela Portaria n.º 436A/2006, de 5 de Maio tiveram como objectivo, precisamente, adaptar o regime anterior relativo ao reembolso de despesas de deslocação à nova realidade introduzida pela Lei n.º 14/2006, de 26 de Abril, que veio permitir a nomeação de solicitador de execução de qualquer comarca, independentemente do lugar da execução, eliminando-se a limitação de natureza territorial que impendia sobre a designação do solicitador de execução. Como refere o preâmbulo da Portaria, “a Lei n.º 14/2006, de 26 de Abril, conferindo nova redacção ao artigo 808º do Código de Processo Civil, veio permitir ao exequente a escolha de um solicitador de execução inscrito em qualquer comarca e transformar em mera faculdade o anterior dever de realização de diligências que impliquem deslocações do solicitador designado para fora da área da comarca de execução e suas limítrofes por agente de execução dessa área. Importa agora adequar as disposições respeitantes à compensação do solicitador de execução por deslocações, alterando, para esse efeito, a Portaria n.º 708/2003, de 4 de Agosto, que define a remuneração e o reembolso das despesas por aquele feitas no exercício da actividade de agente de execução”. 175 Cf. artigo 9º: Os honorários do solicitador de execução, depois de determinados de acordo com os artigos 7º e 8º, não podem ser inferiores à soma da remuneração devida pelos actos praticados, nos termos das tarifas constantes da tabela do anexo I, multiplicado pelos seguintes factores, em função do valor da execução: a) 1 se o valor da execução for igual ou inferior a 1750 euros; b) 1,10 se o valor da execução for igual ou inferior a 3750 euros; c) 1,20 se o valor da execução for igual ou inferior a 15 000 euros; d) 1,30 se o valor da execução for igual ou inferior a 50 000 euros; e) 1,40 se o valor da execução for igual ou inferior a 75 000 euros; f) 1,50 se o valor da execução for superior a 75 000 euros”. 104 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma Deste modo, o solicitador de execução, sempre que necessite de praticar um dos actos referidos nos n.ºs 3, 4, 5.1, 5.2.1, 6.1, 6.2, 6.7 e 7.1 da tabela constantes do anexo I da Portaria, tem direito a uma compensação pelas deslocações superiores a 30 km, “calculadas as distâncias das viagens de ida e regresso pelo percurso mais curto por estrada pavimentada” ou, “no caso das Regiões Autónomas da Madeira e dos Açores, a prática dos actos não envolva deslocação entre ilhas”, de acordo com o artigo 13º, n.º 1. O valor de tal compensação é calculado com base na fórmula C=[(D×2) – 30]×V, “onde D corresponde à distância mais curta entre o tribunal e a sede da junta da freguesia onde deva ser praticado o acto176 e V corresponde ao valor devido por quilómetro”, que será fixado pelo conselho geral da Câmara dos Solicitadores, como determina o artigo 13º, n.ºs 2 e 3, respectivamente. Esta compensação será suportada pelo autor ou exequente nos casos em que seja possível a prática do acto por solicitador de execução da área da comarca em causa, não integrando tal compensação as custas que o exequente terá a perceber do executado, de acordo com o artigo 10º, n.ºs 3 e 4. Nos restantes casos, as despesas pela deslocação do solicitador de execução serão, a final, consideradas para efeitos de custas a suportar pelo executado. Nos termos do artigo 4º, n.º 1 da Portaria, “o juiz, a Câmara dos Solicitadores, o exequente o executado e qualquer terceiro que tenha um interesse legítimo no processo têm direito a ser informados sobre a conta corrente discriminada da execução”. Por outro lado, a Portaria prevê no artigo 6º a possibilidade de qualquer interessado poder, no termo do processo, requerer ao juiz que proceda à revisão da nota de honorários e despesas, com fundamento na desconformidade com o disposto na presente Portaria. 176 De acordo com o disposto no artigo 14º da Portaria, “o solicitador de execução informa a Câmara dos Solicitadores sobre qual a distância percorrida, sem prejuízo de posterior revisão da mesma pela Câmara, designadamente através de meio automático aprovado por regulamento”. O novo regime da acção executiva 105 Como vermos adiante, a aplicação prática das normas que regulam a questão dos honorários tem levantado várias questões, a suscitar numerosos requerimentos ao respectivo juiz do processo. 6.8. A Caixa de Compensações Nos termos do ECS, as receitas da Caixa de Compensações “são constituídas por uma permilagem dos valores recebidos por actos tarifados no âmbito das funções de solicitador de execução” (artigo 127º, n.º 1 do ECS), sendo essa permilagem a forma de cobrança e os valores de compensação a receber definidos em portaria do Ministro da Justiça, depois de ouvida a Câmara, nos termos dos artigos 127º, n.º 4 do ECS e 12º da Portaria n.º 708/2003, de 4 de Agosto. A Caixa de Compensações destina-se a “compensar as deslocações efectuadas por solicitador de execução, dentro da própria comarca ou para qualquer lugar, nos casos de designação oficiosa, quando os seus custos excedam o valor definido na portaria referida no artigo anterior” (artigo 127º, n.º 2 ECS), sendo o saldo remanescente da caixa de compensações “utilizado nas acções de formação dos solicitadores de execução ou candidatos a esta especialidade e no pagamento dos serviços de fiscalização” (artigo127º, n.º 3, ECS). A Caixa de Compensações é “gerida por uma comissão dirigida pelo presidente da Câmara, composta por dois membros indicados pelo conselho de especialidade dos solicitadores de execução e por um representante de cada um dos conselhos regionais” (artigo 127º, n.º 5 do ECS). Acerca deste assunto existem dois regulamentos: o Regulamento da Caixa de Compensações de solicitadores de execução, aprovado em 11 de Janeiro de 2006 pela Assembleia Geral da Câmara dos Solicitadores e o Regulamento de Gestão e Cobrança das Permilagens para a Caixa de Compensações dos solicitadores de execução, aprovado pelo Conselho Geral, em 17 de Dezembro de 2005. Diz-se neste último, no artigo 2º, que “as verbas 106 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma devidas pelos Solicitadores de Execução à Caixa de Compensações são cobradas mensalmente tendo por base os actos tarifados registados na aplicação GPESE desde que devidamente provisionados”. Capítulo III Uma reforma sem condições? Introdução Os Capítulos que se seguem pretendem colocar em evidência os principais problemas e bloqueios que a nossa investigação permitiu identificar no funcionamento do processo executivo, mostrando-se, em muitos casos, a disjunção entre o previsto na lei e a sua prática. Como se verá ao longo deste Capítulo, foi consensualmente reconhecido que, aquando da entrada em vigor da reforma, não estavam reunidas as condições que poderiam permitir um eficaz funcionamento do novo modelo de acção executiva. Identificaram-se muitos problemas, seja no que se refere às instituições judiciárias, aos recursos humanos e materiais, à formação dos diferentes intervenientes, em especial dos solicitadores de execução, seja no que diz respeito à articulação com as várias entidades detentoras de bases de dados. Muitos desses problemas, como se verá, ainda hoje persistem. Na verdade, de acordo com a opinião da grande maioria dos operadores judiciários, esta reforma entrou em vigor sem existirem as condições matérias necessárias para o seu eficaz funcionamento, sendo esta circunstância apontada como uma das principais causas do seu fracasso. Neste Capítulo, mapeamos, à luz da opinião dos operadores judiciários, os problemas e bloqueios que impediram que até hoje se encontrem reunidas as condições materiais necessárias ao bom funcionamento do actual modelo de acção executiva177. 177 As citações dos discursos dos operadores judiciários são identificados por F, S e P, querendo significar, respectivamente, funcionário judicial, solicitador de execução, e magistrado (judicial ou do Ministério Público) ou advogado, seguido de um número atribuído a cada um dos intervenientes, em função da ordem da sua primeira intervenção no respectivo painel. A identificação dos vários operadores judiciários entrevistados durante o trabalho de campo faz-se pela expressão Ent., seguido de um número atribuído a cada um dos entrevistados, de forma a garantir o anonimato. 108 1. A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma A entrada em vigor da reforma: um contexto de instabilidade É consensual entre os operadores judiciários a existência de vários problemas aquando da entrada em vigor da reforma, designadamente, a não entrada em funcionamento dos juízos de execução previstos, as dificuldades de acesso às bases de dados oficiais por parte dos solicitadores de execução, a ineficácia do sistema de penhora de saldos bancários, a ineficiência da realização por via electrónica do registo de penhoras de bens imóveis, a formação ministrada ao solicitadores de execução feita “em cima da hora” e a escassez de solicitadores de execução. Para os solicitadores de execução entrevistados, uma sensação de dúvida dominava no meio profissional com a aproximação da entrada em vigor do novo modelo de acção executiva. “No início, no arranque da reforma. E isto é de tal maneira verdade que, no dia 15 de Setembro de 2003, ninguém acreditava que a reforma entrasse em vigor. Até os próprios solicitadores se perguntavam: «(…) vamos ou não ser solicitadores no dia 15 de Setembro de 2003?». Faltavam meia dúzia de dias.” (S-3). Apesar de reconhecerem que a implementação de uma nova reforma estrutural implica mudanças mais ou menos profundas, exigindo aos diferentes agentes judiciais um determinado período de adaptação, consideram que, no caso desta reforma, o que estava em causa era a sua previsibilidade de falha ab initio por não se encontrarem reunidas as condições necessárias para um eficaz funcionamento do novo modelo. “(…) a implementação de um modelo novo, com um figurino completamente diferente e com um interveniente novo e que até Os painéis realizados com funcionários judiciais, solicitadores de execução, magistrados ou advogados constam, na sua versão integral e depois de corrigidos pelos seus intervenientes constam dos Anexos A, B e C, respectivamente. Uma reforma sem condições? 109 então não existia, teria sempre que gerar alguma turbulência. Agora, onde é que o “drama” se instalou? Foi obviamente em consequência daquilo que, entre nós, também já é habitual: avançar para reformas profundas do sistema com uma ausência total de condições práticas para as aplicar” (P-2). “Eu tenho a certeza de que era, e é, fundamental, para um funcionamento eficaz duma reforma deste género, que as novas tecnologias sejam perfeitamente instaladas e que haja meios de comunicação ágeis e rápidos entre os tribunais e os solicitadores de execução e entre estes e bancos e repartições gerais de Finanças e entre todas aquelas entidades que lhes possam fornecer informações a propósito de dados e de elementos de identificação – e todos sabemos que, de início, isso não funcionava” (P-1). Esta ideia é reforçada por um magistrado judicial que estabeleceu a seguinte comparação: “Eu acho que uma vez mais se partiu para uma reforma sem as mínimas condições para o fazer. Fez-me lembrar um pouco o que aconteceu aqui há 12 anos atrás, quando se reformou o Código da Estrada e se transformaram as transgressões em contra-ordenações e não havia a menor estrutura para as autoridades administrativas processarem os milhares e milhares de contra-ordenações que lhes iriam ser confiadas. E, ao fim de doze anos de reforma, parece que agora as coisas estão a começar a funcionar minimamente. E, uma vez mais, acho que se cometeu o mesmo erro” (P-5). Na opinião de um magistrado do Ministério Público, a ausência de condições que pudessem sustentar a reforma levou a uma descredibilização da 110 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma reforma, podendo ter provocado, no seu entender, danos dificilmente reparáveis: “A princípio, tudo funcionou mal. Eu compreendo a fúria do Sr. advogado que está uma tarde a tentar mandar um requerimento executivo e anexos por via informática e não consegue porque o sistema não responde. Uma reforma – ou “revolução processual” – desta dimensão só devia arrancar quando houvesse condições práticas estruturadas. Atirá-la para a frente, à toa, sem condições mínimas, é, em muitos casos, inquiná-la irremediavelmente, porque dois, três, quatro anos de descalabro geram uma percepção social negativa que depois é muito difícil fazer inflectir” (P-2). No período imediatamente após a sua entrada em vigor, foram identificados, em especial, os seguintes problemas: a ausência de um projectopiloto, as dificuldades de autuação das acções, uma produção legislativa intensa sem tempo de adaptação, dificuldades no modelo do requerimento executivo e o caso específico das autuações extraordinárias dos processos executivos. 1.1. A ausência de um projecto-piloto A opinião geral dos operadores judiciários entrevistados e participantes nos painéis é a de que esta reforma foi implementada de forma precipitada. Consideram que o stress funcional que esta reforma provocou poderia ter sido evitado, ou pelo menos, atenuado, com a criação de um projecto-piloto. Digase, aliás, como temos vindo a referir em outros trabalhos do Observatório Permanente da Justiça, esta é a via que consideramos adequada para o desenvolvimento de reformas estruturantes. Nesse sentido, um advogado da comarca de Coimbra considera que até poderia ter tido resultados positivos “se tivesse havido o cuidado de a preparar devidamente. Se ela pudesse ter entrado em vigor de forma faseada” (Ent.56). Uma reforma sem condições? 111 No mesmo sentido, um outro advogado da comarca de Lisboa reforça que “ninguém se preocupou em saber como é que este novo modelo iria funcionar. O calendário político era, de facto, muito apertado” (Ent.5). Enfatiza-se que toda a turbulência que esta reforma veio provocar podia, de facto, ter sido evitada com um projecto-piloto, por exemplo, na área da informatização das execuções. Para um magistrado do Ministério Público: “A própria informatização das execuções – aí é que se justificava um regime experimental, porque era evidente que nenhum sistema aguentaria os formulários gigantescos a serem “despejados” diariamente às centenas ou milhares – contribuiu para o “caos” reinante” (P-2). 1.2. A simultaneidade da entrada em vigor de vários diplomas Um dos problemas, frequentemente, mencionado pelos agentes judiciais, causador de grande turbulência, foi a simultânea entrada em vigor de um conjunto de diplomas complementares ao Decreto-Lei 38/2003, de 8 de Março, sem período de vacatio legis, o que impediu que os diferentes operadores destinatários pudessem conhecer, assimilar e consolidar devidamente as novas regras processuais178. 178 Em 2003, foram publicados dez diplomas legais: seis Decretos-Leis e quatro Portarias. São eles, por ordem cronológica: o Decreto-Lei n.º 88/2003, de 26 de Abril que veio regulamentar o regime da profissão do agente de execução; a Portaria n.º 700/2003, de 31 de Julho, que, com vista à uniformização dos respectivos actos processuais em modelos predefinidos, prevista no Decreto-Lei n.º 38/2003, de 8 de Março, veio aprovar os modelos de auto de penhora, de edital de penhora de imóveis e de selos de penhora de veículos automóveis; a Portaria n.º 708/2003, de 4 de Agosto, que veio estabelecer a remuneração e o reembolso das despesas do solicitador de execução; a Portaria n.º 941/2003, de 5 de Setembro, que veio definir os procedimentos e condições em que se processa a venda em depósitos públicos de bens penhorados; o Decreto-Lei n.º 199/2003, de 10 de Setembro, com o objectivo de rectificar certas normas do Código de Processo Civil que pudessem vir a suscitar dúvidas de interpretação aos operadores judiciários aquando da aplicação do novo regime da acção executiva; o Decreto-Lei n.º 200/2003, de 10 de Setembro, que aprovou o modelo de requerimento executivo a apresentar; o Decreto-Lei n.º 201/2003, de 10 de Setembro, que veio regulamentar o registo informático das execuções; o Decreto-Lei n.º 204/2003, de 12 de 112 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma Vai nesse sentido a intervenção de um membro da Câmara dos Solicitadores: “(…) foi uma reforma que foi implementada muito à pressa – todos nos lembramos que, em 2003, os textos legislativos saíram no mês de Agosto, altura de férias judiciais, para vigorar em Setembro, provocando essencialmente a falta de preparação e a surpresa generalizada de todos os operadores judiciários” (S-1). Também para um magistrado judicial, a excessiva precipitação na implementação desta reforma impediu a criação dos alicerces necessários para sua cabal execução: “Até hoje, ainda não foi implementada, porque os meios que lhe são subjacentes não existem ou vêm sendo implementados gradativamente e, neste momento, temo que já seja muito tarde, pelo menos, para a realidade de Lisboa, para resolver aquele elefante branco que ali se criou em dois anos. Mas, no seu todo, acho que houve alguma precipitação na implementação e, portanto, como não foram dados os meios necessários e que eram pressuposto da reforma, eu não faço ideia se é boa, se é má, ou se é melhor, pelo menos, do que o sistema que tínhamos anteriormente” (P-10). É, por isso que, para alguns, teria sido preferível adiar a sua entrada em vigor porque ainda existiam algumas matérias por regulamentar: Setembro que estabeleceu o regime especial das custas judiciais nas acções executivas; a Portaria n.º 969/2003, de 13 de Setembro que criou a Secretaria-Geral de Execução das Varas Cíveis, dos Juízos Cíveis e dos Juízos de Pequena Instância Cível de Lisboa; e o Decreto-Lei n.º 324/2003, de 27 de Dezembro, que em cumprimento do Programa do XV Governo Constitucional para a área da justiça, visou introduzir maior celeridade na obtenção de decisões judiciais. Uma reforma sem condições? 113 “Grande parte do que está na prática, no terreno, muitas das práticas que existem hoje nos tribunais não constam do Código de Processo Civil. Foram decididas administrativamente. E, por isso, esse pedido que foi feito ao Ministério da Justiça no sentido de adiar a reforma pelo menos mais seis meses…” (S-3). Esta situação fez-se sentir negativamente, sobretudo, no plano da preparação e formação dos agentes judiciais. Um escrivão de direito confirma esta falta de preparação: “Eu, a todos os escrivães que quiseram, dei formação – e até faço o acompanhamento das comarcas – dei já muita formação a solicitadores em muitas áreas. Logo no início, até porque foi nas férias judiciais de 2003 que começou a formação, eu fui assistir a algumas acções de formação e a colaborar também nalgumas delas e o problema era este: eu estava a dizer uma coisa e, de repente, chegava-me um a dizer «já saiu mais um decreto-lei, já saiu mais uma portaria», quer dizer, eu estava a falar em coisas e as portarias a saírem. As portarias saíram no dia 21, 22 e 23 de Setembro” (F-4). 1.3. As autuações extraordinárias dos processos executivos A falta de condições práticas necessárias para um eficaz funcionamento do actual modelo gerou, em alguns tribunais de maior dimensão, um outro grande problema: a não autuação, durante largos meses em muitas comarcas, em especial na comarca de Lisboa, de milhares de processo executivos. Ilustram bem a situação então vivida os seguintes depoimentos dos funcionários de justiça da Secretaria-Geral de Execuções de Lisboa: “A reforma da acção executiva entrou, assim, de rompante, quer nos gabinetes dos solicitadores, quer dos advogados, quer dos tribunais, sem o mínimo de condições. Por exemplo, aqui em Lisboa recebemos milhares de processos e colegas contam que estiveram 114 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma aí até às 11 e meia-noite a dar entrada a requerimentos, logo no início, durante um ano” (Ent.32). “Ao princípio, a distribuição era feita no Palácio da Justiça. Não tínhamos distribuição aqui e tínhamos que enviar tudo electronicamente para o Palácio e depois o Palácio fazia a distribuição. Chegamos a ter uma distribuição, em Setembro, de 15 mil processos, e tínhamos de trabalhar à noite para mandar emails…” (Ent.35). Esta acumulação do volume processual na Secretaria-Geral de Execução de Lisboa resulta, na opinião de um magistrado judicial colocado nos juízos de execução de Lisboa, de um problema conjuntural originado pela espera da instalação e entrada em funcionamento dos juízos de execução de Lisboa: “A nova acção executiva, em Lisboa, ficou um pouco parada porque como se sabia que se iam instalar os juízos de execução previstos na lei, os processos ficaram de lado. Depois, quando os processos foram-nos remetidos, entrou um número considerável de acções e tivemos logo problemas com a redistribuição dos os processos que, anteriormente, eram divididos pelos juízos, varas e juízos de pequena instância de Lisboa e que deram entrada nestes dois juízos com estas seis secções. E, portanto, redistribuir e voltar a pôr os processos a tramitar foi, desde logo, em termos práticos um grande problema” (Ent.30). Como já referimos no Capítulo I, em Junho de 2005, o Gabinete de Política Legislativa e Planeamento elaborou e apresentou um documento intitulado “Relatório de Avaliação Preliminar da Reforma da Acção Executiva”, no qual se identificava expressamente este problema. Aliás, uma das conclusões deste Relatório foi que existia, no país, uma realidade problemática, Uma reforma sem condições? 115 geradora dos bloqueios desta reforma, que era a realidade das SecretariasGerais de Execução de Lisboa e do Porto. A ineficácia da reforma da acção executiva baseava-se no grande atraso na autuação e distribuição das acções, em resultado do número considerável de processos entrados por correio electrónico (GPLP. 2005: 38)179. Para resolver essa situação considerada alarmante, uma das soluções propostas foi a simplificação dos procedimentos administrativos da fase inicial da tramitação das acções executivas nas Secretarias-Gerais de Execução, para recuperar o atraso na distribuição, autuação e apreciação liminar dos processos aí pendentes. Esta medida veio a ser tomada, com a introdução das “17 Medidas para Desbloquear a Reforma da Acção Executiva”, estabelecendo-se que, até finais de Novembro de 2005, se procedesse à autuação dos processos que se encontravam por autuar nas Secretarias-Gerais de Execução de Lisboa e do Porto180. Esta solução foi, todavia, objecto de críticas por parte dos funcionários de justiça das respectivas Secretarias-Gerais de Execução. Os funcionários judiciais da Secretaria-Geral de Execuções de Lisboa foram unânimes em considerar que esta solução não foi devidamente preparada e controlada, desencadeando novos problemas. Referem o facto de muitas das autuações não terem sido feitas correctamente: 179 Cf. http://www.gplp.mj.pt/home/concluidos/rae/003%20-%20Acompanhamento%20da%20 RAE% 202005-06-09%20_VF_.pdf (Abril de 2006). 180 Nas Secretarias de Execuções de Lisboa e do Porto estavam por autuar, respectivamente, cerca de 85.000 e de 40.000 processos. Para autuar todos estes processos até ao final de Novembro de 2005, o Governo decidiu contratar pessoal para o exercício exclusivo dessa tarefa, permitindo pôr em marcha, finalmente, estes processos. In http://www.mj.gov.pt/sections/destaques/destaques-jt/medidas-paradesbloquear/downloadFile/attachedFile_f0/MAExecutiva.pdf?nocache=1136654818.01 (Abril de 2006). 116 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma “Os problemas que resultam desse acumulado é que muitos dos processos foram mal autuados, têm conclusões abertas quando o processo nunca foi ao gabinete do juiz” (Ent.37). O que justificam pela falta de formação dos agentes contratados pelo Ministério da Justiça especificamente para esse efeito: “O problema reside no facto de se ter chamado os contratados para autuarem os processos e de lhe ter sido dado poderes para darem o primeiro impulso processual. Ora, não é qualquer pessoa, sem a mínima sensibilidade para trabalhar na justiça, com uma formação ministrada em dois dias, que vai aprender e saber como se tramita correctamente o processo” (Ent.34). E pela obrigação imposta pela entidade contratante de cumprirem um número mínimo de autuações por dia. “Cada contratado tinha que fazer 36 autuações por dia, no mínimo. Ora, bem ou mal. Porque se não fosse, era despedido. Por isso, hoje ainda estamos a sofrer as consequências dessa medida” (Ent.36). Confirmando esta situação, um escrivão de direito participante num dos painéis diz que: “Eles fizeram a autuação, não registaram NIBs, abriram conclusões completamente à toa, porque os processos eram de 2004, tinham que ser autuados rapidamente que era para baixar os números apresentados à imprensa e, então, fez-se de qualquer forma e abriram conclusões. Como não havia condições para os processos serem vistos pelos oficiais de justiça, para verem se estavam em condições para irem para o juiz (mais uma duplicação)! Temos pessoas a fazer a autuação que não estão preparadas para isso e, depois, tinha que vir o processo para o oficial de justiça para registar Uma reforma sem condições? 117 o NIB, para ver se a conclusão estava bem aberta… foram para as caixas e, mais tarde, foram para os armários” (F-7). É de salientar, ainda, que vários escrivães de direito da Secretaria-Geral de Execuções de Lisboa referiram a perturbação funcional do seu trabalho porque tinham que preparar o processo para autuação e acompanhar o trabalho das pessoas contratadas. “Eram miúdos de 20 anos que foram recrutados e aos quais lhes disseram: «isto é para mandar para a penhora». Consultávamos antes o processo, para ensinar. Andámos a escrever a lápis na capa do processo “penhora”, “citação”, “despacho”, “conclusão”, perdíamos tempo, nas secções, a fazer triagens…” (Ent.33). . “Víamos o processo, um a um, escrevíamos se era para a penhora, se era para a conclusão para quando chegasse aos “miúdos” – eles eram novos –, eles saberem se era para mandar para o solicitador ou para abrir conclusão. Estivemos meses a perder tempo a fazer essa triagem. Resultado, os papéis do dia estão em caixotes para juntar ao processo porque a pessoa se faz uma coisa não faz outra” (Ent.35). O facto de muitos dos processos terem estado durante largos meses por autuar afectou, ainda, os solicitadores de execução dessas comarcas. Um solicitador de execução relata, assim, a situação: “Hoje estamos a sofrer consequências que foi o acumular por parte das secretarias de execução em Lisboa. Também haverá alguém que diga o aconteceu no do Porto. O acumular de processos nos nossos escritórios… ou seja, nós preparámo-nos para o arranque, para uma dimensão de trabalho que, durante o ano de 2004, foi quase inexistente e, só a partir de Junho de 2005, caíram todos os 118 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma processos. Foram 120 mil processos que estavam por ali arrecadados em caixotes, sem terem qualquer tratamento, que começaram a ser despachados levianamente. Muitos erros, muitas ocorrências se deram, muitos enganos. Más verificações da parte de quem devia fazer – que são os oficiais de justiça – porque não tiveram tempo, foram contratados para fazer isto. Os meios não funcionaram também, foi um problema que foi solucionado muito, muito para a frente” (S-1). A circunstância da sua autuação e envio para os solicitadores de execução num curto espaço de tempo, rapidamente, provocou, no entender deste operador, o congestionamento dos seus escritórios: “(…) estamos a ter agora nos nossos escritórios fruto da sobrecarga de processos que estiveram parados quase um ano e meio, com toda a consequência negativa económica para o país, sem que o solicitador de execução tivesse aí qualquer efeito para que tal acontecesse. Portanto, ele foi vítima deste processo e, neste momento, está a ser vítima ao contrário, ou seja, agora tem uma quantidade enorme de processos que tem de trabalhar” (S-1). Uma reforma sem condições? 2. 119 O défice de formação dos agentes judiciais Um dos problemas desta reforma, amplamente referenciado pelos vários agentes, decorre das fortes carências de formação sentidas por todos os operadores judiciários, mas apontadas em especial aos solicitadores de execução. 2.1. A formação dos solicitadores de execução Há unanimidade em afirmar que a reforma da acção executiva introduziu a nova figura do agente de execução sem ter preparado atempadamente as condições para a criação desta nova categoria profissional, descurando um elemento essencial para um correcto desempenho das suas funções: a sua formação. Para Paulo Pimenta, o agente de execução passou a ter “competências que lhe dão um perfil híbrido”, visto que actua como actuavam os funcionários judiciais, quando pratica actos materiais executivos como citações, notificações, penhoras, anúncios; e “veste a pele do juiz, já que lhe cabe tomar uma série de decisões que antigamente eram próprias da judicatura, como a decisão sobre o que, como e quanto penhora”. Assim, segundo este autor, a competência do agente de execução exige que este tenha amplos conhecimentos jurídicos, uma vez que o desenrolar da execução não contende apenas com regras procedimentais executivas, mas com inúmeros regimes substantivos (Pimenta, 2004). Acontece que os solicitadores de execução “muitos deles sem qualquer anterior experiência no foro, foram formados em tempo recorde [e] iniciaram funções sem os meios apropriados”, quer a nível dos meios próprios para o exercício da sua função, quer a nível dos meios que o sistema deveria ter colocado ao seu dispor, designadamente o registo informático das execuções, o acesso às bases de dados patrimoniais ou a criação de depósitos públicos (Esteves, 2005). 120 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma São os próprios solicitadores de execução que reconhecem que a formação inicial ministrada no arranque da reforma, em Setembro de 2003, foi muito incipiente e desorganizada: “(…) foi a formação possível face a uma inexistência de uma prática anterior. Ou seja, esteve-se a decidir, esteve-se a formar sem saber em concreto qual era a prática. Sem qualquer tipo de apoio do Estado” (S-3). “[A formação] foi feita de acordo com o projecto legislativo que ia ser e arrancou na data da sua publicação. (…) Entre o período de Março e Setembro de 2003. (…) Consistiu na adaptação de um curso de especialidade para os solicitadores de execução, na altura solicitadores, versando, basicamente, no processo civil, com o projecto que havia de alterações ao Código de Processo Civil e com matérias conexas. (…) Durou cerca de seis meses, se não estou em erro. Seis meses mais um, depois houve uma fase de estágio. Foi 181 horas no total. (…) Versava sobre o processo executivo, direito civil, psicologia, deontologia, regulamentos, informática e direitos, liberdades e garantias do cidadão, também” (S-1). Alguns responsáveis pela formação destes profissionais reconhecem que a formação inicial regista, desde logo, algumas falhas no seu conteúdo, ao não abranger todas as áreas de direito, como por exemplo o Direito do Trabalho. “Só percebermos que íamos ser solicitadores de execução nos processos de Trabalho praticamente no dia 10 de Setembro. (…) Não demos formação aos solicitadores de execução sobre a acção executiva no processo de trabalho” (S-5). “Foi uma área que escapou, portanto, a acção executiva laboral” (S-1). Uma reforma sem condições? 121 A ausência de uma formação inicial conjunta entre os diferentes operadores judiciários foi, também, considerada negativamente por um membro da Câmara dos Solicitadores: “A formação dos vários operadores foi feita separadamente, não houve nenhuma cooperação. Nunca foi possível juntar os formadores de todas as áreas para se discutir as ideias, o que levou a formações contraditórias” (Ent.1). Mas, os problemas da formação inicial do solicitador de execução persistem, desde logo, porque não há, e devia existir, uma forte componente prática: “A formação tem um problema: tem de ter uma parte grande de prática dentro do escritório de um solicitador. Por mais formação teórica que tenha um agente de execução, se não tiver seis meses a lidar no terreno, é muito complicado…Eu não consigo explicar em livro, em papel, o que é chegar à casa de uma pessoa e decidir se penhoro, se não penhoro, se levo móveis… não há forma de explicar isto” (S-3). Todos os restantes operadores judiciários entrevistados no trabalho de campo (magistrados, funcionários judiciais e advogados) enfatizaram a falta de prática judiciária e de uma boa base teórica por parte dos solicitadores de execução no arranque da reforma. Vai neste sentido a afirmação de um magistrado judicial dos juízos de execução de Lisboa: “Estou aqui, na Secretaria-Geral de Execuções, desde o princípio, e os solicitadores disseram-me que tiveram uma formação de 4 meses. Não sei quem foram os formadores, mas 4 meses! Eu até penso que é uma coisa que eles não tiveram. Se tivessem, por exemplo, colocado os solicitadores a trabalhar no serviço externo 122 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma com os funcionários do serviço externo, na secretaria-geral de serviço externo de Lisboa, durante algum tempo, talvez tivessem aprendido algo mais” (Ent.24). No mesmo sentido, um juiz de uma outra comarca refere: “O problema dos solicitadores de execução é o de não terem prática judiciária. Mas também isso não chega, têm que ter uma prática informada. Também é necessário uma componente teórica. Os escrivães de direito têm uma noção do processo. Uma pessoa só realiza um acto correctamente se souber para que serve. Aqui, quando um funcionário chega, também, só trata dos assuntos mais simples, depois é que se vai integrando na estrutura. Os solicitadores de execução foram logo atirados para a arena” (Ent.17). Os funcionários judiciais, a quem competia no regime anterior a prática de muitos actos actualmente transferidos para a competência dos solicitadores de execução, também mencionaram essa falta de formação. Um escrivão de direito confirma essa ideia: “Na minha opinião, os solicitadores de execução não tiveram a formação adequada. Se a tiveram, pelo menos não o demonstram. E não o demonstram, ainda, passados estes três anos” (Ent.72). Um advogado da comarca de Lisboa reforça, também, esta opinião geral: “Nota-se muito a falta de experiência de muitos solicitadores. Há muita gente nova que viu a profissão de solicitador de execução como uma profissão rentável, que eu acho óptimo, mas que não tem noção nenhuma do que se pode fazer e do que não se pode fazer” (Ent.4). Uma reforma sem condições? 123 E apresenta um exemplo paradigmático dessa falta de formação: “Eu tive diligências com uma solicitadora de execução, em que ela pura e simplesmente fazia o que nós lhe dizíamos, porque percebia muito pouco do que estava ali a fazer: quando é que tinha que notificar o executado, como é que se fazia uma penhora, quem era o fiel depositário. Penso que um solicitador de execução tem de saber fazer todas essas diligências, nem que tenha de se formar de uma forma autodidáctica. E como ela não sabia, nós fomos acompanhando-a e acelerámos o processo. Não correu mal porque, no dia a seguir, ligava-nos e a perguntar o que havia de fazer e nós dávamos-lhe as respectivas indicações” (Ent.4). Esta ausência ou défice de preparação inicial por parte dos solicitadores de execução reflectiu-se, na opinião de vários operadores judiciários, na falta de capacidade técnica para tramitarem os processos, acabando por desencadear práticas que entorpecem o andamento normal daqueles. Vários magistrados judiciais referiram que muitos processos executivos estão parados nas secções porque os solicitadores de execução, por incapacidade técnica, não procedem correctamente às diligências iniciais necessárias para tramitar devidamente o processo, o que obriga a actos inúteis e a uma tramitação ainda mais burocratizada. Neste sentido, um magistrado do Ministério Público da comarca de Lisboa afirma que: “As acções estão praticamente paradas. Os solicitadores não têm os conhecimentos e a formação necessários. Por exemplo, não cumprem o artigo 864º do CPC. Requerem de imediato o levantamento do sigilo fiscal, sem procederem a outras diligências para penhorar bens. Citam quando deviam era penhorar e viceversa. Não conseguem ler uma certidão do Registo Predial” (Ent.6). 124 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma Uma das diligências prévias que, segundo a opinião de vários juízes entrevistados, os solicitadores de execução muitas vezes não praticam, é a consulta das bases de dados, iniciando logo o processo executivo com um pedido de levantamento do sigilo fiscal. “Em vez de cumprirem as diligências do artigo 833.º do CPC, ou então apresentarem um requerimento dizendo: «já fiz estas diligências, elas não deram em nada, por isso eu venho requerer o levantamento do sigilo fiscal», não fazem nada disso. O primeiro acto do processo que surge é o requerimento do levantamento do sigilo fiscal” (Ent.26). Outro dos erros mais enfatizados prende-se com a citação no processo. “Às vezes até parece que não sabem e não querem saber. Na citação prévia, citam e muitas não o fazem, sequer, com os modelos de aviso de recepção aprovados, é com aviso normal… Temos processos em que são citados três, quatro vezes, sistematicamente. Até que há intervenção do juiz, manda esclarecer e o esclarecimento é, outra vez, a citação… Os erros são sempre os mesmos. Não há evolução para melhor. Mantêm-se!” (Ent.87). Para alguns advogados, a falta de formação dos solicitadores de execução ajudou a criar um padrão funcional assente num trabalho mecânico e que não procura a colaboração do mandatário do exequente ou do exequente de forma a agilizar o andamento do processo: “O solicitador não olha para o meu requerimento executivo e inicia as diligências que entende serem razoáveis à recuperação do crédito. Eu tenho uma política com alguns clientes que é a de que os clientes não querem penhorar computadores, nem mesas porque não têm onde os colocar e porque entendem que o melhor é penhorar saldos. A minha política com muitos clientes era iniciar Uma reforma sem condições? 125 todas as acções executivas com penhora de saldos bancários. E os solicitadores pura e simplesmente não têm nada disso em consideração. Iniciam as pesquisas para saber se tem vencimentos na Segurança Social, se for uma pessoa singular. Pura e simplesmente, não pedem o levantamento do sigilo” (Ent.4). A grande maioria dos magistrados, funcionários judiciais e advogados entrevistados afirma que as deficiências de formação da grande maioria dos solicitadores de execução levam à prática de actos inúteis ou de erros grosseiros que acabam por aumentar o volume de trabalho do funcionário judicial e do juiz. Eis alguns dos depoimentos de funcionários judiciais nesse sentido: “Eles penhoram um imóvel. Quando registam a penhora, verifica-se na certidão que já existem penhoras anteriores e, em vez de virem ao tribunal juntar a certidão a informar que há uma penhora anterior e que deve ser sustada, não o fazem. Citam as outras entidades todas para reclamarem os créditos. O que é que acontece? Vêm as outras entidades que são citadas para reclamar os créditos, vêm dar trabalho ao tribunal com o apenso da reclamação de créditos para, depois, aquilo ir, como nós costumamos dizer, tudo ao ar. Isso demonstra, de facto, falta de conhecimento ou de formação de processado” (Ent.85). “Eu noto, principalmente, na penhora de vencimentos e nas citações. Eles não citam. Não fazem citações da penhora de vencimento” (Ent.33). “Há solicitadores que não cumprem o artigo 241.º do CPC” (Ent.34). 126 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma E queixam-se do acréscimo de trabalho: “Quando eles fazem as citações não mandam os AR. Em todas as oposições eu tenho que autuar e tenho que notificar o Sr. solicitador «apresente os AR para se proceder à contagem de prazo»” (Ent.35). Também os funcionários judiciais consideram que: “Há algumas nulidades que eles praticam que, se calhar, chegados à fase da venda, quando o processo vai ao juiz, eles deviam anular o processo todo. Desde as citações, por exemplo, que eles confundem as citações do 863.º com o 813.º e depois citam para dez dias a oposição à penhora e a oposição são vinte dias. (…) Porque o trabalho dos tribunais agora é sanar o trabalho mal feito deles” (F-3). Para um magistrado do Ministério Público da comarca de Lisboa, a questão principal é a ausência de licenciatura em direito: “Na verdade, a penhora tem levantado grandes problemas: o solicitador de execução nem sempre é licenciado em direito. E muitas vezes são necessários conhecimentos jurídicos profundos para abordar questões complexas. Dou como exemplo a penhora de bens da herança por dívidas de um herdeiro. E ainda nascem daí custas para as partes, para além do trabalho do levantamento da penhora. Não conseguem ler uma certidão do Registo Predial” (Ent.6). De acordo com os nossos entrevistados, a falta de conhecimentos jurídicos por parte dos solicitadores de execução origina, frequentemente, algumas nulidades processuais. E apresentam vários exemplos. Na comarca de Viseu: Uma reforma sem condições? 127 “Em termos de citações, não é a primeira, nem a segunda, nem a terceira vez, que eu tenho que a declarar nula e mandar repetir a citação porque não estão respeitados os requisitos legais. É uma situação muito frequente” (Ent.81). Na comarca de Faro: “Os solicitadores de execução não estão preparados. Muitos não sabem o que estão a fazer. Vejo isso nos processos. Há solicitadores que não sabem ler certidões, dando cumprimento ao 864º, quando estão registadas penhoras anteriores. Outras vezes devem proceder à citação, mas, em vez disso, penhoram, e viceversa. Cheguei a chamar um solicitador ao meu gabinete, para suprir as falhas dele, esclarecendo-o sobre as suas dúvidas” (Ent.7). Um juiz de direito participante num dos painéis refere a seguinte situação ocorrida no seu tribunal: “Por exemplo: a citação de um auto de penhora em que é executado marido e mulher, é feita a penhora, a mulher estava em casa, foram penhorados os bens e a solicitadora perguntou à mulher se ela não se importava de citar na pessoa dela o marido, e ela «está bem, pode ser». Então, está citado o marido” (P-5). Em matéria de reclamação de créditos, foram enunciados vários problemas: “Temos as reclamações no processo e nem sequer sabemos se as pessoas foram notificadas para vir reclamar. Temos reclamações de pessoas que nem sequer deviam ter sido notificadas porque, por exemplo, já havia uma penhora anterior sobre aquele imóvel, e o processo não veio ao juiz para sustar aquela penhora. E, entretanto, já teve 2 meses de reclamação…” (Ent.31). 128 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma “Penso que tudo poderia funcionar um pouco melhor se houvesse uma maior formação dos solicitadores porque se, desde logo, eles não notificavam para vir reclamar créditos, por exemplo, credores relativamente a imóveis em que há penhoras anteriores, o que me acontece várias vezes” (Ent.24). Também no que diz respeito à fase da venda, muitos operadores entrevistados e intervenientes nos painéis referiram a existência de fortes lacunas técnicas por parte dos solicitadores de execução quanto a esta matéria, designadamente, quanto ao procedimento. De acordo com a opinião de um juiz dos juízos de execução de Lisboa: “Há uma falta de formação clara dos solicitadores de execução porque entendem que nós, juízes, é que temos que decidir qual a modalidade da venda e qual o valor base dos bens para a execução” (Ent.26). A mesma opinião é defendida pelos funcionários judiciais de outra comarca: “Temo-las marcadas, mas não conseguimos fazer nenhuma porque não cumprem os requisitos legais exigidos: ou não publicaram nos jornais ou porque faltavam os editais… há sempre alguma coisa que falta” (Ent.86). Foram, ainda, referidas algumas deficiências no que respeita ao requerimento para solicitar o auxílio da força pública. No entender de um juiz, este tipo de requerimento é frequentemente apresentado sem o devido fundamento legal: “Os requerimentos a solicitar a requisição do auxílio de força pública são chapa 4, que é, com a mera alegação que existe receio que seja Uma reforma sem condições? 129 aposta resistência. E o que nós dissemos é o que decorre da lei: não é suficiente alegar esse receio. Esse receio tem que se depreender de factos concretos para que o juiz o possa, assim, concluir. A maior parte dos requerimentos, penso que os meus colegas indeferem logo à partida, mas eles continuam a apresentar os mesmos tipos de requerimento” (Ent.27). Também os vários advogados entrevistados enfatizam a ausência de conhecimentos jurídicos dos solicitadores de execução. Na comarca de Faro, um advogado referiu que essa falta de formação jurídica é flagrante: “Os solicitadores de execução não sabem o que é a apensação de processos. Demoram a efectuar os registos de penhora e a citarem os executados. Já tive conhecimento de um caso, em que tiveram de ameaçar a solicitadora de queixa à Câmara dos Solicitadores, porque não procedia à citação para concurso de credores” (Ent.12). É de referir que, com o objectivo de solucionar alguns dos problemas enunciados e de uniformizar procedimentos, tem surgido em algumas comarcas um conjunto de iniciativas envolvendo os vários operadores judiciários. Por exemplo, nos juízos de execução de Lisboa, um juiz referiu ter-se procedido ao levantamento dos erros praticados com mais frequência pelos solicitadores de execução, afim de melhor poderem responder às suas dúvidas e a auxiliá-los no cumprimento dos actos da sua competência. “Achámos que, de facto, cada solicitador agia de uma determinada forma e que nos entravavam os processos. Fizemos uma reunião prévia para identificar quais os problemas que os solicitadores de execução demonstravam na prática judiciária. E começámos a alertá-los para os seguintes problemas: o levantamento do sigilo 130 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma quanto às conservatórias, à segurança social e aos cartórios vinha e vem par o tribunal, quando é óbvio, segundo a lei, que não é preciso a autorização judicial. Depois, alertámos, também, através do Sr. Presidente da Câmara dos Solicitadores, que era a necessário juntar aos autos os originais do processado, como seja o auto de penhora, os avisos de recepção das cartas de citação. Muitas vezes enviavam-nos simples fotocópias. Outra questão que acabava por atravancar bastante é que os Srs. Solicitadores enviam o mesmo requerimento por várias vias: via e-mail, via fax e, depois, através da própria entrada em juízo aqui no Tribunal com o carimbo. Portanto, nós temos no processo 3 requerimentos com o mesmo teor. Imagine o que é para os Srs. funcionários ter que estar a imprimir um e-mail e ter que juntar os outros 3 requerimentos, não é?” (Ent.27). Também em outras comarcas, como é o caso de Guimarães, é referida a realização de reuniões entre juiz e solicitadores de execução. Reconhece-se, contudo, que, volvidos três anos da implementação da reforma, alguns constrangimentos e deficiências técnicas foram já ultrapassadas. “Alguns solicitadores de execução já ultrapassaram alguns obstáculos mas é necessária alguma formação” (Ent.24). “Muitos solicitadores de execução vêm aqui perguntar o que devem fazer. Por vezes, o Tribunal notifica o solicitador para extinguir a instância e eles não o fazem. Outras vezes, cumprem o 864º sem a citação. No entanto, tenho vindo a notar um certo aperfeiçoamento” (Ent.8). Para alguns operadores judiciários, alguma falta de rigor na tramitação dos processos não resulta apenas de deficiências de formação, mas, também, Uma reforma sem condições? 131 do facto de se encontrarem “afogados” em processos, o que dificulta a qualidade de trabalho. “Isso verifica-se nos casos dos Solicitadores que têm poucos processos, porque os outros já devem estar tão sobrecarregados de processos que metem a chapa, que é mais fácil e vão andando” (Ent.26). Numa tentativa de responder às lacunas na formação, a Câmara dos Solicitadores refere que tem procurado desenvolver acções de formação contínua para os seus membros. Nas palavras de um representante desta entidade: “Organizámos agora [acções de formação permanente]. Começam a funcionar a partir de Janeiro [de 2007] os programas de formação contínua. Até aqui, tínhamos sessões de palestras, que temos feito sempre continuamente, mas sem uma estrutura de formação contínua. Temos agora os primeiros formadores permanentes que, a partir de Janeiro, se vão dedicar à formação contínua” (S-5). 2.2. A formação dos funcionários judiciais Sendo quase unânime o entendimento de que o défice de formação, no âmbito da acção executiva, faz-se particularmente sentir nos solicitadores de execução, ela não deixa, contudo, de atingir outros intervenientes processuais, nomeadamente, os funcionários de justiça. Por exemplo, num artigo de opinião, um magistrado adverte para o risco de a secretaria judicial, por falta de formação e preparação técnica, não conseguir percepcionar as falhas processuais ou materiais do processo, levando à instauração e prossecução de acções executivas sem os necessários pressupostos básicos, ou a uma intervenção judicial posterior, nos termos do artigo 820º do CPC, com a consequente morosidade judicial (Geraldes, 2004). 132 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma Na verdade, para a maioria dos funcionários de justiça entrevistados, a formação recebida sobre o novo regime da acção executiva foi mínima. “A formação foi feita pelo Centro de Formação. E aquilo que as colegas lá nos foram dizer foi ler o Código. E elas, coitadas, ou eles. Estavam tão no escuro quanto nós. Tão no escuro quanto nós. E é verdade que, nessa altura, nas varas, os senhores juízes seguiram à letra o código. O processo só ia aos juízes para penhoras de saldos bancários, penhoras de imóveis, para vendas, nem tão pouco eram conclusos, eu só lavrava uma quota, o senhor juiz dizia-me «olhe, tenho disponível o dia x». Seguiram à letra” (F-3). E, além de insuficiente, é considerada demasiado teórica. “(…) houve pouca formação. Houve, de facto, formação teórica, mas eu sou contra a formação teórica. Acho que a formação deve ser prática. Mesmo nós, por vezes, vamos ter formação ministrada pelo Centro de Formação, chegamos ali, estamos a conversar…. Eu acho que quando se faz uma formação deve ser com o próprio processo, deve ser no local, deve-se fazer uma formação mais prática do que teórica e entendo que faltou também esse elemento” (F-2). O caminho parece ter sido, para muitos, a “auto-formação”: “Eu vejo por mim, tive que aprender a folhear o Código, não tivemos formação nenhuma, tivemos de andar a folhear e a aprender connosco próprios, deram-nos apenas textos de apoio…” (F-12). Como referimos anteriormente, o novo regime da acção executiva veio atribuir aos funcionários judiciais maior responsabilidade na tramitação dos processos, principalmente na fase inicial. A deficiente formação da maioria dos funcionários de justiça pode provocar a prática errada de actos processuais. Um magistrado judicial dos juízos de execuções de Lisboa entrevistado ilustra Uma reforma sem condições? 133 esta possibilidade, em especial na identificação de um documento como título executivo por parte do funcionário judicial: “Naquelas execuções em que não há despacho prévio, a execução vai andando. E só quando o solicitador vem pedir uma diligência qualquer que tem que ser ordenada pelo juiz, eu vejo que não há título executivo. A execução foi prosseguindo e aquilo que foi apresentado como título, não constitui título. Isso aconteceu com uma nota de honorários. Foi considerada como um título executivo e a execução foi prosseguindo. Só quando o processo me foi concluso, é que me deparei com esse erro” (Ent.28). Um magistrado judicial de outra comarca confirma, também, a falta de capacidade técnica dos funcionários de justiça em matéria de execuções por custas ou por multas: “Nas execuções por custas ou por multas, o processo também devia andar sem a intervenção do juiz e a ideia que eu tenho é que os funcionários estão sempre a solicitar a intervenção do juiz. Porquê? Porque, também não tiveram a formação adequada relativamente às concretas funções que têm nessas execuções. E, então, para qualquer passo abrem simplesmente conclusão ao juiz” (Ent.83). E a questão da formação é, ainda, mais pertinente, porque se registou um alargamento dos actos da competência do funcionário de justiça na tramitação do actual modelo de processo executivo. “Tem de fazer de juiz em muitos casos, porque há muita coisa que o juiz fazia e que passou a ser feita pelo escrivão, que tem de ser estudado com mais pormenor. Ora, isso leva muito tempo. Nas secções onde já há tanto trabalho, é difícil. Embora o escrivão possa convencionar que a secção não vá com as execuções ao juiz, tem essas dificuldades: dificuldades de formação dele próprio, 134 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma dificuldades dos funcionários que tem, o excesso de trabalho e, sobretudo, por não existir uma secção de serviço externo” (F-2). Defende-se, por isso, uma formação especializada para os funcionários de justiça. Um juiz dos juízos de execução de Lisboa defende essa solução: “Os funcionários adstritos às execuções deviam ter uma formação específica. Porque é diferente estar num Tribunal de Execução ou estar noutro tipo de Tribunal. Até, tendo em consideração o próprio papel que eles têm como agentes de execução nas execuções por custas” (Ent.25). No mesmo sentido, mas preconizando o alargamento da formação permanente a todos os agentes judiciais, é a opinião de um escrivão de direito interveniente num dos painéis: “A formação deveria ser necessária e obrigatória para todos os intervenientes. É exactamente aqui que começa a maior deficiência, se calhar, ter-se-iam resolvido muitos dos problemas de bloqueio da acção executiva” (F-10). Foi, ainda, particularmente enfatizada a ausência de formação no domínio informático (tanto mais que a tramitação do processo se prevê informatizada), o que dificulta a interacção com os solicitadores de execução, com reflexos na marcha do processo. “Desde a simples abertura de um requerimento que é enviado telematicamente pela nossa aplicação informática GPESE. Eu tenho de enviar o documento via informática pelo GPESE e, passados dez, quinze dias, ainda não obtive resposta. Tenho que pegar no telefone, pegar no processo e dizer assim: «olhe, vocês abriram o requerimentozinho em que eu estou a pedir o levantamento de sigilo bancário», ou estou a pedir isto, ou estou a pedir aquilo, «ai, enviou Uma reforma sem condições? 135 isso, nós não sabemos, a nós não chegou, nós não abrimos» e tenho que estar ali horas ao telefone com o funcionário de justiça, quase que a ensiná-lo como é que tem que entrar no computador” (S-2). O depoimento seguinte de um funcionário judicial coloca em evidência, não só a falta de formação dos funcionários judiciais para operar com os meios tecnológicos, mas também do próprio desenvolvimento do programa H@bilus. “Há uma falta de investimento na formação em novas tecnologias. Hoje há dois concursos para escrivães e não há uma única referência a conhecimento de novas tecnologias. Eu não peço mais funcionários, peço mais tecnologia e tecnologia ao serviço de quem a usa. O problema é que o sistema do H@bilus está ultrapassado. As pessoas que estão a trabalhar no H@bilus saíram dos tribunais há 10 anos e estão a trabalhar nisso como se os problemas fossem os mesmos. O Centro de Formação não dá formação adequada aos funcionários judiciais. Eles chegam à sala de audiência e nem sabem que equipamento é que lá está. Os inspectores também fazem a inspecção sempre em papel pois nenhum tem preparação para ver os processos electronicamente e a informação que conta é a que está no sistema” (Ent.3). 2.3. A formação dos magistrados Foram vários os magistrados judiciais entrevistados a exigirem formação contínua, não só para os agentes de execução, mas também para eles próprios. “Esta reforma devia exigir formação, naturalmente, para os agentes de execução, mas também para outros agentes, nomeadamente, para os funcionários e para os juízes. Porque nós, também, temos dificuldades” (Ent.26). 136 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma O mesmo argumento foi defendido por um juiz presente num dos painéis: “Formação conjunta, porque, efectivamente, a formação conjunta e integrada permite, no fim de contas, ter um conhecimento melhor. Conjunta, ou seja, com todos os intervenientes: funcionários judiciais, magistrados, advogados. É evidente que há sempre um padrão de formação exclusiva do próprio solicitador de execução” (P-6). Foram vários os exemplos trazidos pelos funcionários de justiça demonstrativos da dificuldade de os juízes “lidarem” com o novo modelo da acção executiva: “Os processos são muitas vezes conclusos ao juiz. Mas, isso resulta da falta de formação e da dificuldade de interpretação da lei. Vem um requerimento, não se sabe o que se fazer, conclui-se ao Sr. Juiz. Depois, o Sr. Juiz também não teve formação sobre o novo regime da acção executiva e profere um despacho que nós não entendemos” (Ent.85). Foi, assim, consensual a ideia de que vários dos problemas desta reforma decorrem de carências de formação. Uma das consequências mais evidenciadas é a prática de procedimentos muito heterogéneos, alguns dentro do mesmo tribunal, na tramitação dos processos, quer por parte da secção de processos, quer por parte do juiz. Consideramos, por isso, que a nova reforma deve incorporar um plano de divulgação, informação e formação adequada para todos os agentes judiciais. Uma reforma sem condições? 3. 137 Os juízos de execução como instrumento da reforma No que concerne à organização judiciária, a reforma da acção executiva de 2003 criou, como já referimos, dois novos tipos de unidades judiciárias: a secretaria de execuções e o juízo de execução. O Decreto-lei n.º 38/2003, de 8 de Março, no seu preâmbulo, refere que “[n]os casos em que tem lugar, a intervenção jurisdicional far-se-á através de magistrados judiciais afectos a juízos de execução e só através dos magistrados do tribunal de competência genérica quando não sejam criados esses juízos com competência específica. Visa-se assim conseguir maior eficácia e consequente celeridade na administração da justiça (…)”. Em 13 de Setembro de 2003, foi criada a Secretaria-Geral de Execução das Varas Cíveis, dos Juízos Cíveis e dos Juízos de Pequena Instância Cível de Lisboa. Em Outubro de 2004, a Portaria n.º 1322/2004, de 16 de Outubro, declarou instalados os primeiro e segundo Juízos de Execução da Comarca de Lisboa e o primeiro Juízo de Execução da Comarca do Porto. Quase um ano depois, em Setembro de 2005, foram instalados o terceiro Juízo de Execução da Comarca de Lisboa e o segundo Juízo de Execução da Comarca do Porto. Em Março de 2006, foram declarados instalados os juízos de execução das comarcas de Guimarães e Oeiras e, em Dezembro, o Juízo de Execução da Comarca da Maia. Todas estas alterações à organização judiciária relacionadas com a acção executiva, de 2003 a 2007, tiveram, no olhar dos vários operadores judiciários, consequências importantes no modo como a reforma foi sendo assimilada. Ora, para a maioria dos agentes judiciais ouvidos, são identificados dois tipos de problemas no âmbito da organização judiciária. Por um lado, o facto da reforma da acção executiva ter entrado em vigor sem que as unidades orgânicas especializadas (juízos e secretarias de execução), previstas pelo próprio legislador, estivessem instaladas. De facto, apenas cerca de um ano após a entrada em vigor da reforma foram criados dois juízos em Lisboa e um no Porto, agravado pelo facto de não estarem, na opinião destes operadores, apetrechados de meios logísticos adequados. Por outro, a criação de mais 138 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma juízos de execução é referida como uma condição essencial da eficácia e eficiência da reforma, pelo menos em certas comarcas. Aliás, para um membro do Conselho Superior da Magistratura, os principais obstáculos à efectivação da reforma relacionam-se com “haver poucos funcionários nas secretarias e de não haver tribunais de execução… isto começou só com um, depois no Porto foi também instalado o segundo, agora há mais dois ou três. O facto do país não estar minimamente coberto por tribunais de execução e de não haver funcionários adstritos a secretarias de execução que levem a que a reforma funcione na plenitude”. Refere, a este propósito, que “é necessário assentar claramente em quantos juízos de execução serão de instalar, em todo o país ou parte dele, e qual a sua proximidade relativamente à actuação do solicitador de execução” (P-1). No mesmo sentido, um magistrado do Ministério Público referiu, também, que os problemas da organização judiciária, “deveriam ter sido abordados e solucionados antes da reforma entrar em vigor”. Deveriam ter sido definidas várias condições prévias da reforma ao nível da organização judiciária: “[Se] vamos ter as execuções só em tribunais de competência genérica? [Se] deverá haver juízos de execução? Quais são as competências dos juízos de execução? Onde é que eles vão ser implementados? Isto tinha obviamente que ser estudado e definido antes. Não é depois de a reforma entrar em vigor que, à medida que os problemas vão surgindo, se vai mais ou menos atabalhoadamente colocar uns “diques” para tentar resolvê-los” (P-2). No entender deste magistrado, é necessário questionar se se justifica: “(…) a implementação de juízos de execução para todo o país? A nível de círculo judicial? Ou a nível mais restrito, apenas se justificando nas grandes comarcas?” (P-2). Uma reforma sem condições? 139 Entende também que: “(…) por outro lado, é necessário ter em conta, ao instalar os juízos de execução, que – em matéria de execuções por custas, coimas e multas – serão os funcionários dos juízos de execução que vão ter de fazer todas as diligências externas (penhoras, vendas, etc.), de modo a dimensionar adequadamente os quadros de pessoal de cada juízo de execução” (P-2). Como vimos, um dos propósitos da reforma ao criar os vários juízos de execução foi também o de tornar mais eficiente e célere a actividade dos vários órgãos jurisdicionais, através da transferência dos processos executivos que se encontrassem pendentes nas varas cíveis, nos juízos cíveis e nos juízos de pequena instância cível das comarcas onde os juízos de execução haviam sido criados. Contudo, para os operadores judiciários, na prática os “(…) juízos de execução nasceram e estão a nascer todos afundados. O de (…) recebeu, no início, 15 mil processos logo. Efectivamente, nestas condições não há viabilidade para eles serem recuperáveis a médio ou longo prazo” (P-14). Um funcionário reforça esta ideia, dizendo que: “Quando foram instalados os juízos de execução em Março. É verdade que recebemos logo uma batelada de três, quatro mil processos. Lógico será dizer que aquilo encalhou logo à nascença. (…) [A]inda se encontram nos juízos cíveis, do primeiro ao quinto juízo cível, uma média de 1.000 processos, e das varas vieram todos. O que é certo é que, e é aqui que eu acho que tem estado mal a criação do juízo dos novos tribunais, recebe-se tudo o que vem dos outros sítios. Porque, se não houvesse esse reencaminhamento dos processos e se começasse com processos novos (…). Com a tramitação nova, toda a gente aqui chega a esta 140 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma conclusão, nós não precisávamos de andar a mexer no processo a não ser passados dois ou três meses ou meio ano. E o processo iria tramitar do princípio ao fim” (F-3). Também um solicitador refere que: “(…) o tribunal de (…), também por decisão do juiz, uma vez que ia ser instalado um juízo de execução, parou os processos todos. E tem lá, pelos vistos, um ano de processos por abrir” (S-3). Um advogado defendeu, igualmente, que a actividade dos vários órgãos jurisdicionais não se tornou mais eficiente porque “[a]gora há trabalho a mais para o juízo de execução e a menos para os juízos cíveis” (Ent.20). Toda esta situação de atraso na criação dos juízos de execução, aliada à transferência imediata de processos, foi também referida como, ela própria, geradora de entorses e de dificuldades. Um magistrado judicial refere que: “As acções executivas pendentes nas Varas Mistas e nos Juízos Cíveis estão à espera, paradas, há mais de um ano, porque os colegas, quando souberam que iam criar um juízo de execução, suspenderam as execuções” (Ent.17). Uma das opiniões mais recorrente sobre as unidades orgânicas de competência especializada para a acção executiva, quer juízos, quer secretarias de execução, é a de que, embora tenham sido criadas unidades especializadas, ainda não o foram em número suficiente, nem lhes foram atribuídos os recursos humanos necessários. Considera-se, por isso, que: Uma reforma sem condições? 141 “A inversão na tendência de criação de juízos de execução foi uma machadada na acção executiva” (Ent.5). A insuficiência de recursos humanos foi, sobretudo, enfatizado pelos funcionários judiciais. A referência à desadequação dos recursos humanos e às necessidades foi feita por um funcionário judicial nos seguintes termos: “Falta de recursos humanos para, ao criar-se estruturas daquelas, não dotar logo de material humano para fazer face ao volume de trabalho existente. Porque é impossível. E depois, chega-se ao extremo de dizer “temos as autuações paradas, vamos contratar pessoas para fazer a autuação” e depois de a autuação estar mais ou menos em dia, essas pessoas vão-se embora. É o caso dos contratados que estiveram a fazer a autuação em Lisboa. Depois de essas pessoas terem conseguido pôr em dia as autuações, retirá-las e depois querer que as coisas continuem em dia, isso é impossível! Eu, numa ou duas reuniões que tive com a senhora Directora-Geral da Administração da Justiça, apresentei-lhe esta situação” (F-7). 142 4. A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma As “flutuações” na definição da competência dos tribunais São também apontados como problemas da reforma as “flutuações na definição de competência dos tribunais” de execução. A Lei n.º 42/2005, de 29 de Agosto, que clarificou o artigo 102.º-A da LOFTJ, determinou que os juízos de execução têm exclusivamente competência para processos de execução de natureza cível e para execuções por dívidas de custas cíveis não atribuídas a tribunais de competência especializada. Os conflitos de competência em razão da matéria foram especialmente sentidos na comarca de Lisboa. Em Junho de 2005, encontravam-se pendentes, no Tribunal da Relação de Lisboa, conflitos de competência referentes às acções que eram antes apreciadas pelas varas criminais, pelos juízos criminais e de pequena instância criminal. Também, os juízos de execução do Porto se declararam incompetentes para o conhecimento de certas execuções, nomeadamente as de custas criminais e laborais181. Esta situação foi referida por vários entrevistados, originando um atraso considerável na tramitação daqueles processos. “Nós entendíamos que para alguns processos não éramos competentes e remetíamos para a pequena instância criminal, designadamente aquelas acções executivas com base na aplicação de coimas e outras decisões administrativas e eles entendiam que também não eram competentes” (Ent.25). 181 Acrescia o problema de nestes juízos se verificar um atraso de cerca de três meses e meio na distribuição, em razão da falta de pessoal e do tempo dispendido pela autuação dos processos que deram e davam entrada por correio electrónico. Esta situação decorria da omissão de criação do quadro de pessoal, impedindo, deste modo, o concurso e colocação de oficiais de justiça, de procurador e de funcionário do Ministério Público (GPLP. 2005: 12-13). O mesmo ocorria na Secretaria-Geral de Execução de Lisboa, onde se registava um atraso de um ano sobre a data da distribuição dos processos, uma manifesta insuficiência do espaço onde se encontravam instalados estes juízos, e o facto da decisão sobre os conflitos de competência material dos juízos de execução poder reflectir-se na pendência do tribunal e eventual prescrição de um número considerável de processos de execução de coimas (GPLP. 2005: 14). Uma reforma sem condições? 143 “Restringíamos a nossa competência à área cível. E, aliás, um ano depois, acabou por haver uma alteração legislativa no sentido que entendíamos. Portanto, essa também foi uma questão que ficou ultrapassada” (Ent.26). Foi-nos referido, ainda, que: “(…) as flutuações na definição de competência dos tribunais são catastróficas. Veja-se, por exemplo, a limitação da competência dos juízos de execução às execuções cíveis, remetendo-se à pequena instância criminal as restantes execuções, por coimas, multas, etc. Só que, como tal alteração não foi feita atempadamente, levou ao avolumar de um número desmedido de execuções, criando um sério risco de prescreverem as próprias coimas, e arrastando a tal imagem catastrófica de ineficácia, em que nem o Estado consegue cobrar os créditos de direito público e sancionatórios de que é titular” (P-2). No que respeita à alteração das regras de competência territorial, operadas pela Lei n.º 14/2006, de 26 de Abril, com o objectivo de impedir a concentração dos processos de massa, obrigando a uma maior dispersão territorial dos mesmos, alguns funcionários judiciais entrevistados, especialmente da comarca de Lisboa, referiram que a alteração operada não foi suficiente. Defenderam que a regra do domicílio do executado deveria ser adoptada também quando o título executivo fosse uma sentença, permitindo, assim, abranger as sentenças proferidas em processos declarativos entrados antes da alteração operada pela Lei n.º 14/2006, de 26 de Abril: “Apesar da alteração da Lei 14/2006, quanto às competências, nós sofremos aqui com centenas de sentenças proferidas por tribunais da pequena instância, juízos cíveis e varas, dos quais, como são processos antigos, os executados não moram em Lisboa, nem na 144 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma área metropolitana. Porque é que a sentença tem de ser executada na comarca onde a decisão foi dada?” (Ent.32). “É um título executivo. A soberania dos tribunais é para o território nacional, porquê é que tem que ser no tribunal da comarca onde foi requerida?” (Ent.33). “Vamos estar durante muitos e muitos anos a executar sentenças de pessoas que não pertencem aqui, porque era o regime anterior” (Ent.34). “No caso de execuções por custas, é uma quantidade delas. Lisboa e Porto vão andar, durante muitos anos, a sofrer com a legislação anterior” (Ent.35). Uma reforma sem condições? 5. 145 A falta de recursos humanos, de infra-estruturas e de organização dos solicitadores de execução Além das carências de formação dos solicitadores de execução, foram, também, mencionados outros factores relativos aos solicitadores de execução que dificultaram, e ainda dificultam, o eficaz e eficiente funcionamento da acção executiva. Na opinião de Paulo Pimenta, um dos problemas da reforma da acção executiva residia, quer no número insuficiente destes profissionais em Portugal e no desequilíbrio na sua distribuição, quer no apetrechamento ainda incipiente dos meios que dispunham para o cabal desempenho das suas funções. Nos termos do actual regime, ao solicitador de execução compete praticar actos anteriormente da competência do funcionário judicial e do juiz, o que leva a uma concentração de tarefas cuja prossecução se torna de difícil concretização, atendendo ao facto de que parte do serviço tem de ser efectuado pessoalmente pelo solicitador de execução, surgindo, assim, um forte desequilíbrio quantitativo entre a estrutura logística que assegurava o regime anterior e aquela que está ao serviço do actual sistema (Pimenta, 2004). Também para os operadores judiciários entrevistados e participantes nos três painéis, a falta de recursos humanos, de infra-estruturas e de organização dos solicitadores de execução constituem importantes factores de bloqueio no actual modelo de acção executiva. Mas, foram vários os solicitadores de execução que nos referiram que a instabilidade profissional associada à falta de estabilização do novo modelo de acção executiva desincentivou o investimento em estratégias de adaptação dos solicitadores de execução, designadamente em recursos materiais e humanos. “[Houve] uma instabilidade geral que deu origem a uma insegurança em nós todos. A grande maioria de nós – então, em Lisboa e Porto, isso foi marcante – hesitámos permanentemente sobre que espécie de investimento é que vamos fazer em termos de funcionários e de organização do nosso escritório. Em Lisboa e Porto, não havia 146 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma processos. Eu lembro-me que nós, em Lisboa, tivemos funcionários, depois despedimo-los porque não tínhamos processos, depois fomos outra vez atrás dos funcionários porque afinal abriram os processos (…) E, portanto, esta instabilidade permanente da solução leva a que ninguém saiba o que é que vai fazer para o futuro. Temos uma insegurança muito grande nesta matéria” (S-5). De facto, um dos problemas mais evidenciados é precisamente o baixo número de solicitadores de execução inscritos, incapaz de responder ao volume da procura. Numa tentativa de atenuar este problema, em Abril de 2006, no âmbito do Plano de Acção para o Descongestionamento dos Tribunais, foi introduzida na lei a possibilidade de o exequente poder escolher um solicitador de execução de qualquer comarca do país, alargando, assim, a competência territorial desses agentes de execução182. No entanto, foram vários os operadores judiciários entrevistados que referiram que o número de solicitadores de execução, em determinadas zonas do país, continua a não ser suficiente para responder à procura efectiva, factor que é especialmente salientado nas comarcas de pequena dimensão. “Na nossa comarca, temos poucos solicitadores. Para o trabalho que há são poucos solicitadores. Actualmente, a lei prevê a nomeação de um solicitador de uma outra comarca e de um outro círculo judicial. No meu entender, essa solução não é muito boa por causa das despesas que traz para os exequentes. Relativamente aos solicitadores de execução desta comarca, se destituirmos um para nomear outro, eles são tão poucos, que a inércia que imputamos a um já imputámos ao outro, num outro processo, necessariamente” (Ent.83). 182 Cf. Lei n.º 14/2006, de 26 de Abril. Uma reforma sem condições? 147 Este problema foi colocado em evidência por vários operadores judiciários, provocando atrasos significativos na tramitação dos processos e dificultando a interacção entre exequente e agente de execução. O elevadíssimo volume de processos pendentes, há vários anos, em alguns tribunais é um claro sintoma desta situação. E é referenciado em todas as comarcas. “Em Coimbra, tínhamos 7 solicitadores de execução em 15 de Setembro de 2003. A maioria deles tem milhares de execuções!” (Ent.63). Também na comarca de Viseu: “Há aí alguns solicitadores de execução com mais de mil processos por ano! Se houvesse mais profissionais nessa área, já o serviço era mais distribuído. Eles têm muito trabalho para a formação em processo que têm” (Ent.87). Também um dos magistrados judiciais participante num dos painéis considera: “(…) eu tenho ido a alguns encontros com solicitadores e, efectivamente, eles têm uma pendência muito grande que não conseguem reduzir. E chegam a números brutais com uma capacidade em termos de funcionamento interno insuficiente para esse número de processos” (P-6). No mesmo sentido, para um funcionário judicial: “Porque o problema está aí, é evidente. Os solicitadores estão, neste momento, cheios de execuções e não as cumprem. Não as fazem. (…) Mas se, efectivamente, o solicitador de execução, o novo interveniente no processo, estivesse devidamente preparado, com 148 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma escritórios apetrechados, tivesse capacidade e tivesse o conhecimento do funcionamento do que é uma acção executiva, do que é a penhora, do que são, enfim, todas essas situações, da venda, etc., de tudo aquilo que está subjacente à acção executiva, e tivesse capacidade funcional e capacidade até organizativa dos seus escritórios para dar uma resposta, bem, a situação teria sido adiada.” (F-1). Mas há quem considere que a falta de capacidade de resposta dos solicitadores de execução decorre, essencialmente, do elevado número de actos processuais actualmente da sua competência. É essa a opinião de um dos advogados da comarca de Coimbra: “Olhando para as tarefas do solicitador de execução à luz da lei, isto é assustador e não pode funcionar porque o solicitador de execução procede às citações, apreende os bens, administra-os. Depois é ele que decide sobre a venda. Até pode ser, nos termos da lei, o encarregado da venda. Tem que promover os registos e resolver os problemas registrais daí decorrentes. Tem, ainda, de informar o advogado da tramitação do processo e dar resposta, bem como informar o tribunal do estado do processo. Não é possível um escritório dar vazão a tanto trabalho. Porque é humanamente impossível!” (Ent.67). Também para um outro advogado: “Em Vila Franca de Xira, em qualquer um dos três juízos cíveis, o primeiro acto do solicitador demora em média 9/10 meses e, mesmo assim, é depois de ser notificado pelo tribunal. Aliás, já houve uma reunião entre os solicitadores e o Presidente do Tribunal e chegaram à conclusão que é humanamente impossível cumprir o prazo do relatório e estipulou-se que seria de três meses. Mas, ao fim dos três meses nunca há relatórios!” (Ent.95). Uma reforma sem condições? 149 Associado ao elevado volume de trabalho foi, também, mencionado por diversos agentes judiciais a falta de meios e de modelos organizacionais por parte dos solicitadores de execução que lhes permitam eficazes condições de exercício da profissão. “Eles partiram para isto convencidos de que isto era o El Dorado e não têm meios. Ia-se ganhar muito, mas não se investiu nada. Um dos problemas concretos está nas penhoras. Uma das apostas da reforma era retirar os bens ao executado. Os bens, como sabemos, só podem ficar com o executado com o consentimento do exequente. O solicitador devia ter meios para retirar. Não tem. Em 90 e muitos por cento dos processos executivos, neste momento, os fiéis depositários são os executados, sem o exequente ter dito seja o que for. Portanto, também não tinham meios a vários níveis. A esmagadora maioria de destituições de solicitadores que eu profiro resultam do facto de eles não responderem a duas notificações do tribunal para esclarecerem em que estado é que está a penhora. E eu acho que há solicitadores que não respondem porque não chegaram a abrir as cartas, porque não têm meios sequer para abrir as cartas. Há uma enorme falta de meios” (P-5). Um escrivão de direito, interveniente num dos painéis, salienta, também, a falta de capacidade técnica e de logística da generalidade dos escritórios de solicitadores de execução. “Eu tenho um exemplo, em relação à criação dos solicitadores, comparando duas cidades do interior. (…) Nós, na primeira, não tínhamos solicitador de execução. Pura e simplesmente, por não haver. Há sim uma secção de serviço externo com dois funcionários, e eles é que fazem o serviço externo. Na outra, existem solicitadores de execução. Eu chego à conclusão que na primeira, que tem mais ou menos pendentes 400 a 500 execuções nos vários juízos, as coisas funcionavam bem. Em média o serviço externo tinha entre 150 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma dois a três meses de atraso, alguns até são feitos de imediato, dependendo dos casos mais complicados ou não, que é mesmo assim, também os meios para realizar as penhoras não são os melhores. Na segunda têm mais cerca de cinquenta por cento de processos executivos pendentes entre 600 e 700. Porquê? Porque estão solicitadores de execução a executar o serviço, e com vários meses de atraso até anos, mas porque realmente não têm capacidade. Muitos ficaram logo atolados ao fim de três, quatro meses e não têm capacidade de resposta” (F-2). São os próprios solicitadores de execução que reconhecem a necessidade de investimento num escritório apetrechado e solidamente organizado para um correcto desempenho das funções: “Acima de tudo é preciso uma boa organização de escritório. O solicitador de execução ou está na rua a fazer penhoras ou está no escritório a fazer citações prévias” (Ent.19). A nossa investigação permitiu, contudo, identificar uma tendência para uma melhor organização da profissão. Existem vários exemplos de escritórios de solicitadores de execução com uma boa organização: “Eu tenho 14 funcionários e 2 mil processos por ano. Somos quatro sócios. Temos um orçamento de 60 mil contos por ano no escritório, de despesas, investimentos imobiliários, salários e tudo. (…) De facto, é preciso ser meio tolo e dizer «vamos avançar para isto, que eu acredito que isto funcione». Porque a imagem que me dão é completamente diversa. Os colegas, o que me dizem é «vocês são tolos». Eu continuo a acreditar, mas, de facto, a imagem que temos é sempre esta sensação absoluta de insegurança” (S-3). “De há uns meses para cá, tem-se notado um melhoramento. Alguns solicitadores de execução já têm uma estrutura que lhes permite dar Uma reforma sem condições? 151 resposta. Noto, de facto, uma resposta mais célere da sua parte. Está a funcionar bastante melhor do que no início da reforma” (Ent.42). No sentido de resolver o problema da escassez de solicitadores de execução, do excesso de volume de trabalho e da falta de condições materiais e organizacionais dos seus escritórios, foram avançadas, por diferentes operadores judiciários, algumas propostas de solução. Assim, no entender de vários advogados entrevistados, a transferência da prática de alguns actos judiciais mais burocráticos para a responsabilidade do exequente ou do respectivo mandatário aliviaria o volume de trabalho dos solicitadores de execução e tornaria o processo executivo mais célere. Um advogado da comarca de Guimarães defende essa ideia: “Os solicitadores de execução só deveriam praticar os seguintes actos: citações, deslocações ao local e penhora de bens móveis. Os restantes actos competiriam ao exequente (anúncios, registo da penhora, etc.), como aliás era no sistema antigo” (Ent.20). Para um advogado da comarca de Lisboa, a lei deveria contemplar a possibilidade de avocação do processo por parte do exequente, decorrido um certo prazo e após verificação da inacção do solicitador de execução no respectivo processo: “Para criar alguma concorrência entre os solicitadores, deveria existir um mecanismo de avocação do processo, por parte do exequente, quando decorrido um determinado prazo, 3 meses, por exemplo, sem que o solicitador tenha cumprido as suas tarefas. E até admitiria, no caso de não as cumprirem, haver concorrência entre a secretaria e os solicitadores de execução. Neste momento, isto não seria viável em determinados tribunais, mas noutro seria porque há 152 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma secretarias em que os funcionários têm mais vocação e disponibilidade que os solicitadores” (Ent.95). Há, ainda, quem defenda o alargamento do exercício da profissão a advogados. Esta é, contudo, uma solução rejeitada por muitos advogados: “Vejo com alguma apreensão estender o problema das execuções à classe dos advogados! A classe de advogados é uma classe que é especial. Ter um colega ou um ex-colega, que foi advogado e que se vai dirigir a um local para fazer uma penhora, não quero” (Ent.65). A grande maioria considera que a inscrição na Ordem dos Advogados deveria ser factor suficiente para a inscrição como solicitador de execução. No entanto, também afirmam que o exercício da profissão de agente de execução deve ser incompatível com o exercício da advocacia: “A condição de acesso dos advogados à profissão de agente de execução deveria passar pela inscrição na Câmara dos Solicitadores e sem possibilidade de poderem exercer cumulativamente a advocacia. Os solicitadores de execução têm que ter uma veste de imparcialidade. Os advogados se cumularem as duas funções vão ser maus advogados e maus solicitadores de execução” (Ent.21). “Abrir a licenciados em direito com estágio na Ordem dos Advogados parece-me uma boa ideia. Mas não podiam ser mandatários do exequente. O que é muito difícil de controlar. Pode criar situações muito complicadas” (Ent.22). No que diz respeito aos solicitadores de execução, a maioria dos entrevistados não se opõe a este alargamento, apenas defendem a aplicação Uma reforma sem condições? 153 do regime de incompatibilidades e a frequência dos cursos de formação nas mesmas condições dos solicitadores: “Se me perguntar se eu tenho medo que os advogados possam aceder à profissão de solicitador de execução, eu respondo que a minha estrutura, nenhum advogado a vai montar. Mas, o meu problema é que, enquanto classe, e quando andei sete anos a lutar por isto, é dizer «andámos a trabalhar para outros agora se aproveitarem!». (…) Mas, agora, ele quer ser advogado para as acções que lhe interessa e ser solicitador de execução para as outras que lhe interessa” (S-3). “Penso que devia haver uma formação específica para quem quisesse ser agente de execução. Quem quisesse ser agente de execução, para além de ser solicitador, para além de ser advogado, tem que ter uma formação específica. Só assim se conseguia assegurar que a reforma pudesse ser bem executada” (Ent.28). É, ainda, de referir que alguns agentes judiciais sugeriram que o alargamento da base de recrutamento para o exercício desta profissão abrangesse outros profissionais da justiça. “Há outras profissões muito próximas: os oficiais de justiça, os notários, licenciados também em Direito…” (S-1) “Mas a profissão de agente de execução também poderia ser aberta aos funcionários judiciais, saindo eles dos quadros, e aos notários” (Ent.57). 154 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma A possibilidade, já existente, da entrada de advogados com a inscrição suspensa para o exercício da profissão de solicitador de execução foi referida por um solicitador de execução participante num dos painéis: “(…) a Câmara de Solicitadores abriu a porta à entrada dos advogados. Um advogado que queira ser solicitador de execução é tão simples quanto isto: inscreve-se no estágio da Câmara, a Câmara reconhece-lhe o estágio, reconhece-lhe os três anos de exercício, faz o curso de seis meses ainda como advogado e, quando estiver pronto para se inscrever como solicitador de execução, suspende a inscrição na Ordem e é solicitador de execução” (S-3). E há, ainda, quem defenda a criação de parcerias entre advogados e solicitadores: “Na minha opinião, penso que os solicitadores de execução deveriam ter a possibilidade de trabalhar com os advogados, em parceria, com a mesma independência que o advogado tem quando trabalha com outro colega. A minha independência aqui não é colocada em causa, não seria também a do solicitador de execução. Acho que o interesse do solicitador de execução no prosseguimento da execução era diferente se tivesse junto de um advogado e entendesse o exequente como seu cliente. Não “veste a camisola” e não trata com tanto afinco o seu trabalho” (Ent.4). O eventual alargamento do exercício da profissão a advogados enfatiza a questão do controlo e disciplina da profissão. Diga-se, aliás, que uma maior exigência de um controlo mais eficaz do exercício da profissão de solicitador de execução foi, frequentemente, mencionado por vários agentes judiciais. “O maior problema é a estrutura de controlo da profissão. É uma profissão que tem alguma fé pública e, por isso, é preciso que ela Uma reforma sem condições? 155 seja controlada, quer no plano formal, quer no plano material. É essencial saber se quem tem mil processos tem contacto telefónico permanente, se tem funcionários, se tem controlo de pagamentos, se tem depósito de valores recebidos, se existe um controlo dos dinheiros recebidos. A qualidade do serviço é garantia da manutenção dessa fé na prestação do serviço. E, por isso, quando se entregou à Câmara dos Solicitadores o controlo de uma profissão que ela própria gera e alimenta, gerou-se um efeito perverso. Não pode ser a Câmara dos Solicitadores a controlar o exercício da profissão! Pode controlar deontologicamente a profissão, mas não pode ser nem angariadora, nem estruturadora da profissão” (Ent.98). Para alguns, a solução passa pela criação de uma entidade independente de controlo e disciplina da profissão de agente de execução. “Ao ser alargado a base de recrutamento dos agentes de execução, deve haver um órgão próprio fiscalizador da sua função que não seja a Ordem dos Advogados. Poderia ser uma Câmara dos Solicitadores de Execução. E que fosse responsável, até, pela formação de quem quisesse aceder a esta profissão” (Ent.27). 156 6. A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma A disjunção entre a informatização de procedimentos prevista e a prática A necessidade, em geral, de reforçar os tribunais com infra-estruturas tecnológicas ajustadas às suas carências, bem como a insuficiência de meios informáticos e electrónicos disponíveis nos tribunais para a tramitação da acção executiva, são outros factores de bloqueio referidos por vários operadores judiciários. Desde a promulgação da reforma da acção executiva, que tem sido questionada a efectivação prática da articulação entre o processo executivo a tramitar no tribunal e o processo executivo nos escritórios dos solicitadores de execução. A rapidez e a eficácia das comunicações entre tribunal (juiz e secretaria) e solicitadores é uma das principais preocupações manifestada por vários operadores, dada a repercussão que essa articulação teria no exercício das funções dos vários intervenientes e, assim, na efectivação da reforma. Para além da fundamental articulação entre tribunal e solicitador, a falta de agilização e o funcionamento inadequado dos meios de comunicação electrónica entre os vários intervenientes processuais (exequente, tribunal e solicitador de execução), e entre estes e os detentores das informações essenciais à efectivação das penhoras (nomeadamente as conservatórias de registos e as demais repartições públicas) também foram aspectos mencionados por vários operadores judiciários como possíveis entorses ou bloqueios à efectivação da reforma. Por exemplo, Lebre de Freitas entendia que a opção legislativa da utilização de meios telemáticos entre a secretaria judicial e o solicitador de execução como forma de concretizar aquele propósito requeria, obrigatoriamente, um forte investimento em meios informáticos, bem como um adequado domínio desses meios por parte de todos os intervenientes processuais (Freitas, 2005). Também no VI Congresso dos Advogados Portugueses foi levantada a questão da falta de eficiência na utilização do sistema informático para Uma reforma sem condições? 157 tramitação da acção executiva, por insuficiência de recursos humanos e da sua adequada formação, geradora atrasos na distribuição de processos183. Igualmente, no III Congresso dos Solicitadores realizado a 11 e 12 de Novembro de 2005, foi colocada a questão da necessidade urgente de implementação prática dos diversos protocolos assinados entre a Câmara dos Solicitadores e várias instituições públicas184. O recebimento do requerimento executivo Uma das fases em que o melhoramento dos meios informáticos foi determinante e que, no entender de muitos operadores entrevistados, é susceptível de melhoramentos é a do recebimento do requerimento executivo. De acordo com a lei, o processo comum de execução inicia-se com a remessa do requerimento executivo para a secretaria do tribunal. A entrega do requerimento executivo é feita através de formulário electrónico, disponível para mandatários registados, no site www.tribunaisnet.mj.pt, através da aplicação Habilus.NET (artigo 3.º, n.º 1 do Decreto-Lei 200/2003, de 10 de Setembro, e Despacho n.º 7195/2004, de 25 de Março, do Director-Geral da Administração da Justiça). Depois de processado o envio por transmissão electrónica, o exequente imprime uma cópia do requerimento executivo para entrega na secretaria judicial como recibo e cópia de segurança (artigo 5.º da Portaria n.º 985-A/2003, de 15 de Setembro, e artigos 150.º e ss. do CPC). A entrega de requerimentos executivos em suporte de papel é, nos termos do preâmbulo e do artigo 3.º, n.º 4 do Decreto-Lei n.º 200/2003, de 10 de Setembro, efectuada quando a parte não haja constituído mandatário, por o patrocínio não ser obrigatório. Contudo, nos casos em que a parte está 183 Cf. Agrupamento de Delegações de Santarém. 2005. «Comentário ao actual regime da acção executiva». VI Congresso dos Advogados Portugueses. In http://www.oa.pt/Conteudos/Artigos/detalhe_artigo.aspx?idc=31559&idsc=30348&ida=31110 (Abril de 2006). 184 Cf. III Congresso dos Solicitadores. Conclusões da 2ª Secção. «O solicitador e o processo executivo». In http://www.solicitador.net/pub/CONCLUSOES_SEa.pdf. (Maio de 2006). 158 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma obrigada a entregar electronicamente o requerimento e o não faça, está sujeita ao pagamento imediato de uma multa (artigo 146.º do CPC)185. Apesar da lei, desde Setembro de 2003, prever o preenchimento automático do requerimento, só em Março de 2004 foi efectivamente estabelecido o procedimento on-line de preenchimento (Despacho n.º 7195/2004, de 25 de Março, do Director-Geral da Administração da Justiça). Todavia, de acordo com as “17 Medidas para Desbloquear a Reforma da Acção Executiva”186 só “a partir de 30 de Julho de 2005, passou a ser possível entregar o requerimento executivo, de forma electrónica, apenas através da aplicação informática H@bilus, deixando de ser possível enviá-lo por e-mail”. Estes hiatos causaram, no entender de alguns dos nossos entrevistados, problemas devido à necessidade de adaptação constante (no inicio da reforma em 2004 e em 2005) a novas alterações de procedimento. Apesar de muitos dos problemas referenciados terem sido ultrapassados, várias deficiências e lacunas são, ainda, apontadas pelos agentes judiciais. Um magistrado judicial entende que o actual requerimento executivo é demasiado extenso, dificultando a sua leitura e compreensão: “O formulário do requerimento executivo é uma aberração jurídica. Tenho algumas dificuldades, muitas vezes, para o ler porque é muito papel, quando podiam escrever, como antigamente, em meia página. E agora tem de ir 5 ou 6 páginas” (Ent.81). Também para alguns operadores judiciários, quer a aplicação, quer o formulário, podiam ser melhorados. Um advogado da comarca de Lisboa levanta esse problema: “Os formulários têm algumas deficiências formais. Por exemplo, a listagem dos tribunais não está completa. Há comarcas que têm 185 Cf. artigo 3.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 200/2003, 10 de Setembro, e artigos 1.º a 3.º da Portaria n.º 985-A/2003, de 15 de Setembro. 186 Cf. http://www.gplp.mj.pt/home/concluidos/rae/17Medidas.pdf (Janeiro de 2007). Uma reforma sem condições? 159 juízos e não consta lá a indicação dos juízos. Também identifico uma grande lacuna no que diz respeito à acção executiva para entrega de coisa certa. Não existe o item para se identificar o bem a entregar. Não há um item para se dar um valor à acção. O único item do formulário do requerimento executivo, em que consta a indicação do valor é a liquidação da quantia exequenda. Eu não tenho quantia exequenda porque eu não quero o pagamento de um valor. Eu quero é a entrega de uma coisa, mas ela não tem que ser um valor! O requerimento tem, de facto, grandes lacunas!” (Ent.4). Por seu lado, um juiz refere que o número de caracteres máximo no preenchimento informático de alguns itens do requerimento executivo é demasiado limitado, não permitindo a exposição de todos factos. Dá o exemplo do item referente à liquidação da obrigação exequenda: “Julgo que o requerimento executivo é muito limitado. O espaço para alguns itens, como, por exemplo, para a exposição dos factos na parte da liquidação da obrigação, não chega para expor o que se quer. Eu tive uma situação em que se a execução tivesse vindo escrita sem ser com esta limitação, já não tinha havido, sequer, possibilidade de o executado ter deduzido oposição. Na verdade, faltava qualquer coisa no requerimento, mas não havia lá espaço para se expor a fundamentação” (Ent.83). Um secretário judicial entrevistado relata-nos o procedimento inicial do processo executivo, avançando com algumas soluções de agilização e automatização, que considera de fácil implementação: “Primeiro, o requerimento chega electronicamente à pasta de recepção da secção central. Aí, imprime-se em papel para verificar a conformidade do requerimento com as exigências legais, o que requer alguma especialização do funcionário. Feita a verificação, o funcionário dá entrada ao documento colocando-lhe o carimbo de 160 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma entrada. Depois, coloca ambas as versões (electrónica e em papel) do requerimento noutra pasta para fazer a distribuição nos dias designados por lei (o que, hoje em dia, já não faz sentido porque podia e devia haver distribuição todos os dias). Após a distribuição, imprimem-se umas etiquetas correspondentes ao número do processo. Contudo, o funcionário tem de andar a procurar o processo correspondente para colocar a etiqueta correspondente e todo este trabalho podia ser feito automaticamente. Após essa operação, entrega os papéis nos respectivos juízos e faz a entrega do protocolo electrónico. Na secção, o funcionário faz a autuação, ou seja, imprime a capa, uma a uma, de todos os processos que lhe foram distribuídos (neste caso, eu acho que podia haver um automatismo para imprimir as capas todas distribuídas). Em regra, só depois é que o advogado apresenta a cópia de segurança e comprovativo de pagamento da taxa de justiça e há um novo registo de entrada (…). O funcionário vai a outro programa para registar os dados do pagamento da taxa de justiça, nomeadamente o número identificador de pagamento (NIP). Neste caso também podia ser automático o preenchimento do NIP se fosse obrigatório no requerimento executivo electrónico. Após a escolha do solicitador de execução, o sistema notifica-o automaticamente sem necessidade de intervenção humana. O solicitador de execução aceita a nomeação directamente para a pasta de recepção do funcionário respectivo, sem qualquer intervenção da secção central nem necessidade de carimbo de entrada. Por fim, imprime-se a nomeação, fotocopia-se o título executivo e envia-se o para o solicitador de execução. Posteriormente ao envio do título executivo para o solicitador de execução todas as comunicações deste ao processo são feitas à secção directamente e por via electrónica sem qualquer intervenção da secção central” (Ent.3). E mostra como a tramitação ainda assenta muito no papel: Uma reforma sem condições? 161 “Se, por qualquer razão, o processo vai ao juiz, o juiz faz o despacho num processador de texto, que não está na aplicação. O advogado corresponde-se com o tribunal em papel que tem de ser registado na secção central e enviado para a secção. Também todas as comunicações para fora do tribunal são feitas em papel que se imprime, vai para a secção de expedição e daí para o correio. Mas há uma grande decepção com a forma como a utilização das novas tecnologias de informação foi desenvolvida. O tribunal deixou de ter que introduzir dados no computador, mas continuou a tratar o documento electrónico como se fosse papel” (Ent.3). De facto, quanto à tramitação do requerimento executivo foram avançadas várias críticas, mas também sugestões que poderiam evitar desperdícios e agilizar a tramitação. Uma das principais críticas refere-se à falta de automatismo do H@bilus. Sobre este assunto um funcionário refere: “O sistema informático dos tribunais, o H@bilus, não assume automaticamente todos os campos do requerimento executivo, o que implica que os funcionários os tenham que preencher à mão. Uma das ideias da informatização do requerimento executivo para o H@bilus era a de que os dados introduzidos pelas partes fossem utilizados directamente pela secretaria. Contudo, o que acontece é que o exequente preenche aqueles campos todos e envia o requerimento electronicamente. E, depois, a secretaria tem que estar a meter o NIF, o BI. Por exemplo, não há hipótese de pôr o Número de Identificação para Pagamento de Custas (NIPC)” (Ent.36). Esta opinião é confirmada por outros funcionários judiciais: “A secretaria tem, depois, de introduzi-los todos outra vez. Tem que ser tudo introduzido novamente. Se todos os campos viessem 162 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma preenchidos e se se permitisse a importação de dados seria um grande avanço. Diminuiria em, pelo menos, 40% o nosso trabalho” (Ent.34). “A nível prático, o que está feito em termos informáticos é rudimentar e serve muito pouco. O problema é que a informação enviada não fica lá. Há determinados dados que não ficam no sistema. Têm que ser preenchidos pelo funcionário. É quase como transferir a informação de um fax para um computador e pouco mais podemos fazer” (Ent.32). “Estamos a aproveitar 20% das hipóteses. Só aproveitamos os dados das partes. E isso tem a ver com a base de dados do H@bilus. A aplicação utilizada pelo exequente é extra-H@bilus. Só passa a ser H@bilus quando utilizado pelo funcionário” (Ent.38). Uma proposta de solução, apresentada por um escrivão de direito, no sentido de agilizar a aplicação informática do requerimento executivo e, deste modo, aliviar o trabalho do funcionário de justiça na tramitação da acção, seria a possibilidade de existir uma maior validação automática dos elementos constantes do requerimento previstos no artigo 810º, nº 3 do CPC: “Na entrada do requerimento inicial, na minha opinião, até se podia fazer um pouco mais. Penso que o que vou dizer não é novo. O próprio sistema informático que gera o requerimento executivo poderia validar muitos dos elementos que constam do 810.º, nº3 e que fundamentam a recusa do requerimento pela secretaria, à semelhança do que já acontece com a validação das declarações electrónicas para o IRS. Por exemplo: a obrigatoriedade do total preenchimento do requerimento; a indicação do valor e do título executivo; indicação do tribunal competente; a nomeação do agente Uma reforma sem condições? 163 de execução; a nomeação de bens a penhorar; a indicação do número de identificação do pagamento da taxa de justiça inicial, o NIP. Há muitas coisas que poderão ser validadas de forma automática. Tal como está, não é possível apreciar todos os elementos que fundamentam a recusa do requerimento inicial, porque ele é distribuído sem todos esses elementos, os quais são juntos mais tarde, com a cópia em suporte de papel” (F-10). Há quem critique também a falta de outros automatismos, mais relacionados com a facilitação do trabalho depois do recebimento do requerimento executivo: "O programa H@bilus (…) [n]um acto processual, por exemplo, de distribuição de processos, (…) bastaria carregar-se numa tecla. Os processos distribuídos nesse dia, seriam todos autuados nesse dia, e nós temos que o fazer um por um… (…) Portanto, poderia haver actos que poderiam estar no próprio H@bilus, em que se carregava numa tecla e então fazia tudo de uma forma mais automática…” (F-8). Assim, a falta de um procedimento informático compreensivo e integrado resulta, no entender de muitos operadores, em maiores dificuldades e contradiz a pretendida agilização dos procedimentos. Vários escrivães referem, a este propósito: “Há já uma dificuldade emergente, da parte informática, por não estar adaptada, nem adequada à funcionalidade que se pretende” (Ent.33). “Se nós pudéssemos imprimir o e-mail directamente do sistema e que é o que foi distribuído, mas não podemos. Temos que ir tirar fotocópia porque o e-mail não está funcional. O que lá aparece, no 164 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma computador, não está assinado pelo mandatário. O que vai à distribuição não é assinado. Mas o solicitador não vai às diligências se o requerimento executivo não estiver assinado. Temos de mandar cópia do suporte físico devidamente assinado do requerimento executivo e do título executivo para o Sr. Solicitador poder proceder às diligências” (Ent.32). “E não temos o título executivo digitalizado e não temos o resto. Isso tem que ser fotocopiado e enviado tudo por carta” (Ent.39). Uma outra questão, levantada com alguma insistência, é a referente à impossibilidade de os juízes efectuarem os seus despachos directamente no H@bilus, o que, no entender de muitos operadores, é essencial. “Ajudaria [se os magistrados tivessem H@bilus], no sentido de que, se o despacho estiver no sistema, quer o advogado, quer o solicitador podem consultá-lo. Para além disso, a nossa notificação, que hoje tem que levar a cópia do despacho, poderia ser telemática com o ficheiro anexo do despacho” (F-7). Esta opinião é confirmada por outro operador entrevistado. “Para fazermos uma notificação ao Sr. solicitador de um despacho judicial temos de o enviar por carta. Os despachos são todos dactilografados ou feitos à mão. Não temos o H@bilus para os Srs. magistrados. No momento em que tivermos o H@bilus para os Srs. magistrados e quando eles fizerem os despachos todos no H@bilus, é fácil, tecnicamente, anexar o ficheiro com o despacho e remete-lo ao solicitador de execução por via electrónica” (Ent.36). Uma reforma sem condições? 165 A Associação Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP), sobre este problema, refere que uma vez que o módulo dos magistrados ainda não se encontra implementado no sistema H@bilus, o transporte dos despachos judiciais para esse sistema deveria ser facilitado, por forma a que os mesmos pudessem ser notificados aos intervenientes por via telemática, sem prejuízo de ficar no processo um despacho em papel (ASJP, 2006). Apesar de todas as insuficiências referidas, o sistema H@bilus foi defendido como um dos instrumentos essenciais do sistema de justiça. “Nos tribunais, temos três sistemas informáticos neste momento. Temos o H@bilus, que está nos tribunais, temos para as custas um programa das custas e temos um sistema feito para os Tribunais Administrativos e Fiscais. Eu conheço os três. O H@bilus é o único que funciona a 100 por cento, consegue introduzir qualquer alteração, qualquer notificação o que se faz eficaz e rapidamente, sem [custo] para o ministério. O das custas está parada, estão lá uma série de falhas, mas acho que para se fazer aquilo custa uma fortuna e, portanto, vai ficar assim. Aquele que está nos Tribunais Administrativos e Fiscais, que é o SITAF, funcionou pessimamente. Tem tido alguns melhoramentos, tem tido alguns acompanhamentos. Hoje faz também já o essencial, portanto, o SITAF faz o essencial. As diferenças que existe entre o SITAF e o H@bilus, no essencial, em termos de disponibilidade, eles são iguais; em termos de informação processual, o H@bilus está muito melhor. O H@bilus, neste momento, já comporta texto integral e, portanto, melhorar o texto integral é a solução mais simples que se poderá fazer dentro do H@bilus” (F-4). 166 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma A falta de articulação (informática) do tribunal judicial com os Serviços do Ministério Público O Governo referia, em Julho de 2005, nas “17 Medidas para Desbloquear a Reforma da Acção Executiva”187, que o envio do requerimento executivo pelo Ministério Público obrigava o oficial de justiça a inserir manualmente no sistema os dados que daquele constam. Contudo, foram efectuados testes no Tribunal da Comarca de Fafe, para que, a partir de 15 de Setembro de 2005, o Ministério Público passasse a apresentar os seus requerimentos executivos através da aplicação informática H@bilus. Durante os meses de Setembro e Outubro de 2005 estava projectada uma formação naquela aplicação informática aos magistrados do Ministério Público. O objectivo final era “tornar obrigatório, até ao final do ano [de 2005], a entrega do requerimento executivo por via do [email protected]”. “Há uma circular da Direcção-Geral da Administração da Justiça que obriga que todas as comunicações, todos os requerimentos executivos sejam feitos electronicamente” (F-11). Foi referido, igualmente, que: “(…) a certidão que vai servir de título executivo a uma conta, a uma multa, já é enviada electronicamente para o Ministério Público” (F-3). E que: “Quando no processo há custas em dívida, o processo vai electronicamente para a secretaria do Ministério Público, o Ministério Público recebe electronicamente e manda para o magistrado respectivo. O magistrado electronicamente preenche e manda depois para a secretaria” (F-8). 187 Cf. http://www.gplp.mj.pt/home/concluidos/rae/17Medidas.pdf (Janeiro de 2007). Uma reforma sem condições? 167 Na prática, parece, contudo, ainda, existirem, pelo menos nalgumas comarcas, alguns problemas. Eis alguns depoimentos: “No que respeita aos processos de execução por custas, o Ministério Público (MP) é notificado da falta de pagamento das custas e o processo vai, fisicamente, com vista ao MP. O MP notifica a secção para remeter os dados electronicamente (só nomes e moradas). A secretaria envia os dados electronicamente e o MP instaura um processo: abre, atribui número e distribui. É aberto processo electrónico ao MP e este preenche o requerimento executivo. Depois, vai à secção central dar entrada como se fosse um papel que vem de fora. E todas as comunicações posteriores com o MP são feitas como se fossem comunicações com o exterior, em papel, vai à secção central que imprime, regista entrada, distribui, imprime etiqueta, cola etiqueta e remete para o serviço externo. Por causa destas perdas de tempo, as execuções por custas no crime estão a prescrever” (Ent.3). Outro funcionário refere que: “Não existe qualquer comunicação entre as secções de processos e o próprio Ministério Público a não ser a chegada…” (F-9). A comunicação entre a secretaria e o MP é, assim, considerada muito deficiente. “A conclusão electrónica não funciona (…) Por exemplo, (…) entram oito, nove execuções por custas: essas oito, nove execuções por custas, o Ministério Público, ali de (…), são as varas, são os juízos, é a pequena instância, tudo a despejar para ali, preenchem os requerimentos executivos à mão. Não há comunicação electrónica. Quer dizer que obriga a estarem as pessoas na secção que está a fazer a distribuição a introduzir todos aqueles dados” (F-7). 168 7. A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma O acesso às bases de dados A dificuldade de acesso às bases de dados que permitem conhecer, por parte dos solicitadores de execução, se existem ou não execuções pendentes contra o mesmo executado, a identificação civil, a residência e a situação profissional e patrimonial do executado, é, unanimemente, reconhecida como um dos principais factores de bloqueio ao eficaz andamento dos processos executivos. 7.1. O registo informático de execuções Na fase da penhora, compete ao agente de execução promover a sua realização, estabelecendo a lei que as diligências para a sua feitura devem ser iniciadas pela consulta do registo informático de execuções188. O solicitador de execução tem acesso a este registo sem necessidade de autorização judicial, mas dependendo sempre de um requerimento dirigido à Secretaria189. Resulta do trabalho de campo, que há vários tribunais que enviam ou disponibilizam, em simultâneo com o envio dos duplicados do requerimento e do título executivo, a informação constante no registo informático das execuções relativamente ao executado de cada processo concreto e ainda o despacho do juiz que permite o acesso a algumas bases de dados. Um escrivão de direito participante num dos painéis confirmou a prática desse procedimento: “Na prática, sempre que envio cópia do requerimento executivo, tenho, também, enviado, cópia do despacho, se houver consulta na base de dados e autorização judicial para ele requerer a consulta à base de dados. Faço isso, porque falei com a juiz e a juiz deu um despacho. Depois assina todos os despachos e eu envio, por cada 188 Cf. artigo 832º, n.º 2 do CPC. Cf. artigos 6º, n.º 1, al. c) e 10º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 201/2003, de 10 de Setembro, e Despacho n.º 7194/2004, de 25 de Março. 189 Uma reforma sem condições? 169 processo, envio já todos os dados de que o solicitador precisa para começar a fazer a penhora” (F-8). No entendimento de alguns funcionários de justiça e magistrados entrevistados, a consulta do Registo Informático de Execução tem permitido alguma diminuição do volume de acções executivas pendentes nos tribunais porque permite verificar a inexistência de bens penhoráveis. Contudo, foram apontadas, ainda, algumas deficiências funcionais. A principal resulta da falta de informação e desactualização destas bases de dados, nem sempre devidamente carregadas pelos funcionários, como é, aliás, reconhecido: “Dá trabalho actualizar as bases de dados e falo contra nós. Se tivéssemos, pelo menos, o cuidado de registar todas as acções. Nem todas lá estão! Por outro lado, não há informação para as registar lá!” (Ent.87). Acresce que a sua criação terá deixado “de fora” muitos processos. “É recente, é de 2003, só se aplica às execuções de 2003. Portanto, eu posso ser um devedor com 10 execuções ao abrigo do regime antigo, e não estou lá registado. No fim de contas, há muita informação que não está lá” (P-6). Contudo, apesar de ser considerado um importante instrumento na definição da estratégia do processo, a grande maioria dos funcionários referiu a sua sub-utilização, em especial por parte dos exequentes. “Foi criado o registo informático das execuções que, afinal, tem pouco uso. O exequente tem que fazer uma pesquisa, tem que pedir o certificado e ver se o executado já tem muitas execuções ou não. [Dever-se-ia] obrigar o exequente a fazer a consulta prévia do registo informático, pois andamos nós ali a actualizar o registo informático e, depois eles metem as execuções, quando realmente 170 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma já sabemos que o executado não tem bens. Aliás, o Ministério Público também o devia fazer e também não o faz” (F-2). Há, ainda, quem defenda uma maior utilização destas bases na definição de créditos incobráveis. “Ao constar no registo informático de execuções que, numa outra execução, foi determinado que o executado não tinha bens, haveria a possibilidade de a empresa deduzir os impostos a que tem direito” (S-8). Diga-se, ainda, que a dificuldade de acesso às bases de dados, em especial por parte dos solicitadores de execução, leva ao florescimento de bases de dados privadas, como, por exemplo, a basegeral.com., muito utilizadas quer por exequentes, quer por solicitadores de execução. “Quanto às consultas às bases de dados das execuções, alguns exequentes consultam-nas, nós consultamos na basegeral.com, é um site pago, mas conseguimos ver todas as acções. Agora se formos ao tribunal, só conseguimos ver as execuções que correm no respectivo tribunal” (Ent.19). “(…) temos (…) uma base ilegal de processos judiciais. A basegeral.com, em que pagamos sessenta euros por ano e dá-nos muito jeito, porque conseguimos descobrir as acções que estão pendentes contra aquele executado, conseguimos ver se tem acção de insolvência, conseguimos ver as execuções que ele tem… e esta é on-line! (…) Outra: temos a Coface. Não sabemos o número de contribuinte da pessoa, não sabemos a morada, então vamos à Coface, metemos o NIF da pessoa ou metemos o nome da entidade e é muito mais fácil do que obter no RNPC” (S-3). Uma reforma sem condições? 171 Muitos dos operadores, em especial os advogados e os solicitadores de execução, consideram fundamental que se crie um acesso directo e mais expedito, por parte do solicitador de execução e do mandatário do exequente, ao registo informático de execuções. “O mandatário deveria ter a faculdade de, depois de autuado o processo e ordenado o seu prosseguimento (quando há lugar a despacho liminar), poder consultar além das bases de dados disponíveis informaticamente, poder, também, aceder ao registo informático de execuções relativamente aos executados na execução que patrocina. Esta consulta deveria ser possível sempre que se entenda, quer pelos mandatários, quer pelos solicitadores de execução, sem necessidade de requerimento e de forma directa e informatizada” (Ent.9). 7.2. O acesso às bases de dados que permitem conhecer a identificação civil, a residência e a situação profissional e patrimonial do executado O solicitador de execução pode consultar as seguintes bases de dados: as bases de dados da Segurança Social e dos Registos Comercial, de Pessoas Colectivas e Automóvel, de acesso directo; as bases de dados das Conservatórias do Registo Predial e da Direcção-Geral dos Impostos contendo informação respeitante a bens imóveis, através de requerimento a apresentar nos respectivos serviços; e as bases de dados do Registo Civil190 e da Direcção-Geral dos Impostos, esta protegida pelo sigilo fiscal e pelo regime da 190 Cf. artigo 833.º do CPC. É de referir que, desde Julho de 2005, para possibilitar uma penhora mais célere e eficaz e com menores custos, se estabeleceu o acesso electrónico dos solicitadores de execução aos registos da Segurança Social; aos registos de Identificação Civil; ao Ficheiro Central de Pessoas Colectivas; ao Registo de Automóveis, a título definitivo; ao Registo Comercial; e ao Registo Predial. Esta medida concretizou-se através da celebração de cinco protocolos entre a Câmara dos Solicitadores e a Direcção-Geral dos Registos e Notariado (três a 5 de Julho de 2005 e dois a 22 de Julho e um protocolo entre o Ministério da Justiça e a Segurança Social no dia 12 de Julho desse ano). 172 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma confidencialidade, 191 autorização para as quais é necessário despacho judicial de . De acordo com a opinião da generalidade dos operadores judiciários entrevistados ao longo do trabalho de campo, o enquadramento legal, a heterogeneidade da prática judiciária e de procedimentos, quer das entidades judiciárias, quer de outras entidades com as quais os solicitadores de execução se têm que articular, designadamente a Segurança Social, a Direcção-Geral de Contribuições e Impostos, as conservatórias do registo e as entidades bancárias têm vindo a criar dificuldades e custos para aqueles agentes no seu acesso àquelas bases de dados. Aquela situação está a provocar nalgumas comarcas uma sobrecarga de trabalho nas respectivas secções de processos, porque os solicitadores de execução, alegando a dificuldade e demora no acesso a algumas bases de dados requerem que alguma da informação pretendida seja solicitada pelo tribunal192. “Dizem-nos que quando solicitam a informação junto das respectivas entidades, ficam à espera muito tempo da resposta. Costumam dizer-nos: «para o processo andar mais depressa, é melhor que seja o tribunal a fazer a consulta»” (Ent.85). “Os solicitadores de execução pedem-nos que as buscas sejam feitas na base de dados do tribunal. Nós fazemos e remetemos. Mas, na verdade, eles podiam, com o despacho que defere, fazer eles próprios as buscas nos seus programas” (Ent.18). E, ainda, um juiz: 191 192 Cf. artigo 833.º n.º 3 do CPC. Cf. Documento n.º 1 do Anexo E. Uma reforma sem condições? 173 “Os solicitadores de execução têm invocado que têm tido dificuldades em consultar as bases de dados dessas entidades directamente. Nos meus processos têm vindo pedir essa consulta através da base de dados do tribunal” (Ent.82). Foram vários os agentes judiciais que defenderam a necessidade de agilização de acesso às bases de dados e que, em geral, devem prescindir de despacho do juiz. Todavia, o controlo dos pedidos de acesso às bases de dados é um controlo meramente formal, provocando a prática frequente de actos jurisdicionais burocráticos e inúteis: “Os actos de acesso às bases de dados são inúteis: o solicitador de execução tem que fazer um requerimento; vai à secretaria; o funcionário procura o processo, junta o papel; o juiz despacha e vai a notificação; é um controlo meramente formal. Para que é que eles têm que requerer? Os requerimentos de acesso às bases de dados vêm e nós deferimos de chapa” (Ent.40). As bases de dados do Registo Civil e da Segurança Social O acesso às bases de dados do Registo Civil é fundamental para obter alguma informação que não conste do requerimento executivo que é frequente não constar, como por exemplo, o número do bilhete de identidade do executado ou a data de nascimento, no caso das pessoas singulares. Aqueles dados são, por sua vez, essenciais para o acesso a outra informação, designadamente da segurança social. O acesso àquelas bases depende de prévio despacho do juiz, no entanto, nalguns tribunais existe um despacho de provimento para facilitar esse acesso por parte do solicitador de execução. Um juiz e um solicitador de execução participantes num dos painéis confirmam esta situação: “Em relação à base de dados da Direcção-Geral de Registos e Notariado, arranjamos a seguinte solução. Penso que, hoje, já têm 174 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma acesso à base de dados do escritório do solicitador de execução. Têm esse acesso, ou com a identificação do despacho ou com a identificação do provimento. Para facilitar a vida, nós, pura e simplesmente, no tribunal de (…) demos um provimento e depois mandamos cópia para a Câmara de Solicitadores” (P-6). “Temos tribunais, como (…) e (…), se não estou em erro, que permite, através de um provimento, ao solicitador de execução, consultar as bases de dados que estão disponíveis, nomeadamente o registo civil, a identificação civil, sem necessidade de despacho” (S-1). No que se refere às bases de dados da Segurança Social, na opinião da generalidade dos operadores entrevistados, é necessário agilizar o seu acesso. Nalgumas comarcas, os solicitadores de execução consideram que é frequente o sistema ficar muito lento ou sem possibilidade de acesso e a informação não é disponibilizada de forma completa (por exemplo, no que se refere aos descontos no salário ou nas pensões). Além disso, se há zonas do país onde a informação é disponibilizada pela Segurança Social, num curto período de tempo; noutras comarcas, como é o caso de Lisboa, a mesma informação, via fax, pode demorar largos meses, apesar de a lei indicar que a informação deve ser disponibilizada no prazo de 10 dias. A título de exemplo, vão nesse sentido, a intervenção de dois solicitadores de execução: “A reforma assentou numa permissão de acesso às bases de dados por via informática e o facto é que ainda hoje, em Dezembro de 2006, temos acesso ao registo automóvel, identificação civil, RNPC e, mais recentemente, mas com muitas dificuldades ainda e incongruência de dados, à Segurança Social” (S-1). Uma reforma sem condições? 175 “Existem alguns atrasos nas comunicações entre entidades: a Segurança Social em Lisboa está com um ano de atraso para responder a pedidos de solicitações sobre a existência de salários ou pensões” (Ent.2). As bases de dados do Registo Automóvel, Registo Comercial, Registo Nacional das Pessoas Colectivas e Registo Predial No que diz respeito às bases de dados do Registo Automóvel, Registo Comercial e Registo Nacional das Pessoas Colectivas, exige-se, também, uma maior agilização do acesso à informação e do registo da penhora de bens. Citam, entre outros, os seguintes exemplos: “Por exemplo, se não tiver o B.I. dos executados não consigo consultar o Registo Automóvel e se não tiver a data de nascimento daqueles não consigo obter informações junto da Segurança Social” (Ent.9). “As comunicações com a Conservatória de Registo Predial são feitas de forma manual. Se se pretende o registo de um imóvel, tem que se ir ao respectivo site, imprimir o modelo, preenchê-lo e metê-lo no correio – ainda se está obrigado a preencher o modelo que eles querem. Depois, temos de enviar por carta o requerimento para lá e esperar que eles, depois, nos enviem a certidão” (Ent.86). “No meu tribunal, cada distribuição que recebemos de 70 processos, 8, 9 são execuções por custas. E, dessas 8, 9 execuções por custas, nós temos uma dificuldade enorme, quer para saber de bens, quer para fazer a penhora, quer para o registo automóvel, quer para as conservatórias do registo predial. Porque as comunicações electrónicas não funcionam com as conservatórias” (F-7). 176 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma As bases de dados da Direcção-Geral dos Impostos O acesso às bases da Direcção-Geral dos Impostos levanta vários problemas. Desde logo, porque são dados, em geral, considerados como abrangidos pelo sigilo fiscal e, como tal, exigindo prévio despacho do juiz para a sua obtenção. Um dos problemas muito destacado por vários solicitadores de execução resulta do facto de não ser possível o acesso à informação centralizada: “muitas das vezes, ainda sem termos feito uma única penhora, já temos o processo recheado de uns 15 ou 20 requerimentos e cartas com pedidos de informação acrescidos das respectivas respostas. Com a agravante de os serviços fiscais se recusarem a dar informações a nível central, apesar de terem um serviço informático nacional e obrigarem o solicitador a requerer a certidão sobre a existência de imóveis em cada uma das repartições de finanças onde suspeite poder existir um prédio penhorável!” (Resende: 2005). No que se refere ao despacho judicial, resulta do trabalho de campo que existem procedimentos muito heterogéneos. Se para alguns juízes, o requerimento é sempre deferido em despacho tabelar, para outros, o requerimento para acesso àquelas bases de dados tem que ser devidamente fundamentado. Um dos dados, também considerado abrangido pelo sigilo fiscal, é o número de identificação fiscal. Dado que é possível aceder à base destes dados a partir do tribunal, alguns tribunais tentaram agilizar o seu acesso aos solicitadores de execução. “Nós temos um país em que o próprio pedido de NIF à Administração Fiscal está abrangido pelo sigilo. Há solicitadores que vêm pedir essa informação através do tribunal. Essa competência está definida para o escrivão de direito da secção. Só os escrivães de direito e o secretário é que têm acesso à palavra-passe para acesso à base de dados fiscal” (P-6). Não deixa, contudo, de implicar uma sobrecarga para os tribunais e um desperdício de recursos humanos: Uma reforma sem condições? 177 “Na fase inicial, em que lidavam com essa dificuldade, com o simples despacho de autorização, depois, em vez de irem às Finanças, iam ao tribunal, porque na Secção Central há um computador com essa base de dados. Quem fazia a pesquisa era um funcionário, tirava essa informação, imprimia e dava ao solicitador de execução. Quantos aos elementos, era uma forma de simplificar. Mas, o problema é que as solicitações começaram a aumentar de tal maneira que tínhamos de ter um funcionário em privado para essa função. O problema é que essa password só é conferida, como bem disse a colega, aos secretários e aos escrivães de direito. Eu não posso ter um escrivão de direito sentado a fazer as solicitações, é um problema de recursos” (P-6). O depoimento de um magistrado judicial mostra a regra quanto à exigência de requerimento fundamentado e as dificuldades dos solicitadores em obter o acesso aos dados constantes daquelas bases. “Acho que há aí uma imensidão de perversões que resultam dessa situação. Eu tenho dado já milhentos despachos em que procuro explicar qual é a minha posição sobre o assunto, considero que se tem de ter esgotadas aquelas situações mínimas que são permitidas ao solicitador de execução, portanto, “venham lá dizer isto, o que é que fizeram e, a partir daí, eu aprecio a questão”. Agora, aparecemme as situações mais variadas. Aparecem-me as tais chocas que me vão dando umas lições de cidadania sobre que mal vai a sociedade em que há sigilo. Aparecem situações em que vem o relatório do 837.º no qual se vê que as diligências de buscas têm exactamente a mesma data do ofício em que vêm requerer o levantamento do sigilo e há outros que lá percebem a coisa e lá dizem »bem, consultámos esta e aquela bases de dados e não deu nada, portanto, autorize lá». A verdade é que isto é uma situação que acaba por criar incidentes processuais inúteis, porque, de cada 178 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma vez que uma pessoa diz que não, o processo anda para trás e para a frente. São notificações, é trabalho que se perde para toda a gente e, na verdade, parece-me que uma previsão legal acerca das condições e do tipo de informação que as Finanças poderiam conceder ao solicitador de execução no âmbito da sua actividade resolveria o assunto sem grandes problemas.” (P-7). A exigência de um requerimento devidamente fundamentado não é só feita por parte do tribunal, mas também por parte da Repartição de Finanças193. “Nos termos do artigo XPTO, (…) proceder à consulta do património do executado. Agradeço ou solicito que seja autorizada a consulta a: primeiro, património imobiliário; segundo, declarações do anexo J de rendimentos de; imposto de circulação automóvel, se há veículos (…). Vou discriminar tudo, porque se o despacho… e, atenção a uma coisa, ainda me arrisco a ter um despacho do juiz a dizer “autorizado” e junto este despacho às Finanças e a resposta é «o despacho não vem fundamentado», porque a lei fiscal diz que o despacho tem que ser fundamentado” (S-3). Apesar de existirem serviços de finanças onde aqueles bloqueios não se fazem sentir, os solicitadores de execução reclamam um acesso mais ágil e eficaz. “Com o devido respeito, qualquer funcionário das Finanças chega ao seu computador e tem lá uma mascarazinha de todos os sujeitos passivos, com um quadradinho que diz "bens susceptíveis de penhora". Eu só queria aquele quadradinho, não queria mais nada. E isto, deixe-me dizer: o 833.º, n.º 1 é muito claro. As informações devem ser prestadas, não sendo necessário despacho judicial. 193 Cf. Documento n.º 2 do Anexo E. Uma reforma sem condições? 179 Estamos a falar de bens patrimoniais. Eu, graças a Deus, não tenho essa dificuldade, porque efectivamente entendi-me e dialoguei e, na altura em que tive dificuldades, o que é que eu fiz? Fiz um pedido às Finanças, as Finanças indeferiram e comuniquei aos autos. Entretanto dialoguei com a Repartição de Finanças a chamar à atenção para o artigo 519.º do CPC (dever de colaboração e cooperação judiciária) e, quiçá terão recepcionado algum ofício do Tribunal, o que é certo é que, entretanto, passei a obter a informação desejada” (S-8). As dificuldades de acesso ao conhecimento de outros bens levam a que, na prática, se comece, de imediato, em muitas execuções pela penhora de bens móveis. Um solicitador de execução interveniente num dos painéis confirma a prática quase generalizada do recurso a esta medida que acaba por ser mais “drástica” para o executado: “A grande questão, e esta questão é talvez sociológica, é esta: nós entrámos nesta reforma a acreditar que (…) o processo de penhora seria um processo fundamentalmente informático, moderno (…) e demorámos uns meses, um ano, ano e meio, a perceber que nada disto funcionava e que a única maneira que tínhamos de obter sucesso nos processos executivos era fazer o que era mais violento e aquilo que devia ser a última coisa a fazer, pelo menos em termos morais, que é entrar pela casa das pessoas adentro, arrombar-lhe a porta se necessário e ver o que é que está dentro da casa. Ou seja, nós estamos absolutamente proibidos de ir ver o que é que a pessoa declarou ao fisco, estamos absolutamente proibidos de ir ver o que é que a pessoa tem no banco, mas nada, praticamente nada, nos cria dificuldades a entrar dentro da casa da senhora, arrombar-lhe a porta e ver tudo o que está dentro de casa. Tenho que ver a mesinha de cabeceira para ver quais são as suas contas bancárias, se necessário for, porque isso, aí já temos autorização, desde que a 180 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma gente a peça ao senhor juiz, autorização para penhorar os bens móveis da casa e que todos os juízes, tirando raras excepções, dão autorização” (S-5). Há, ainda, quem defenda que o acesso às bases de dados em geral deveria ser, também, concedido aos advogados, mandatários do exequente, possibilitando-lhe, deste modo, decidir a estratégia do processo: “O acesso aos dados deve ser permitido ao advogados logo após a distribuição do processo, sendo emitida uma credencial, à semelhança do que acontece actualmente com os solicitadores de execução, para que possam dirigir-se às entidades que entendam e solicitarem a informação necessária. Deverá incluir-se aqui a possibilidade de consultar os elementos fiscais dos executados, não só porque o fisco tem a base de dados mais completa e actualizada de todas as entidades, mas também porque se o executado tem dívidas fiscais logo se percebe da viabilidade da execução (privilégios creditórios...)” (Ent.9). A possibilidade do levantamento do sigilo fiscal, no âmbito de um processo concreto, a requerimento do solicitador de execução, mas prescindindo-se de despacho do juiz, tem sido um dos temas em discussão entre os operadores judiciários. Embora a maioria dos agentes entrevistados considere que o despacho do juiz é um despacho meramente burocrático, a possibilidade da sua dispensa suscita posições divergentes: de um lado, aqueles que consideram que no actual quadro legal é possível o acesso, se não a todos, pelo menos à maioria dos dados, sem despacho; do outro, os que consideram que o actual quadro constitucional exige sempre despacho prévio do juiz. É neste último sentido a posição de um magistrado do Ministério Público, presente num dos painéis. Uma reforma sem condições? “O acesso a 181 quaisquer elementos sujeitos à reserva ou confidencialidade tem problemas de constitucionalidade. É que mesmo os funcionários judiciais, nos termos do 519º do Código de Processo Civil, para acederem a dados em regime de reserva ou confidencialidade têm necessidade de obter uma dispensa judicial do sigilo. Qualquer norma que inove nesta área, para além dos problemas materiais que inevitavelmente coloca, teria que ter autorização legislativa, sob pena de evidente inconstitucionalidade orgânica” (P-2). Embora considere que há dados que, mesmo no actual âmbito legal, não devem estar abrangidos: “Quanto ao Número de Identificação Fiscal, acho, de facto, estranho que, no nosso sistema, seja de qualificar como um dado confidencial. Portanto, admito que haja aí algum exagero. Porém, o acesso à declaração de rendimentos não será viável por parte de alguém que não é sequer funcionário público, sem autorização judicial” (P-2). Mas considera que, no actual quadro legal, o juízo de ponderação exigido ao juiz do processo deve ser bem formulado e estruturado consoante o tipo de interesses subjacente no processo: “Isso é um problema que tem a ver com a definição do sigilo fiscal. O nosso legislador entendeu que os dados fornecidos ao Fisco são dados, em princípio, confidenciais e reservados para fins estritamente fiscais. É um problema estrutural, vendo-se com dificuldade que o solicitador, só por si, deva ter acesso a dados cobertos por um regime de confidencialidade. Considero que o juiz deve ter um papel decisivo, que consiste em formular um juízo de ponderação, tendo em conta a relevância dos interesses que estão em causa: se for uma dívida extremamente avultada ou, por 182 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma exemplo, uma dívida de alimentos, que tem a ver com a realização de direitos fundamentais, parece-me que não deverá haver qualquer dúvida em autorizar a quebra de determinados sigilos, quando necessária. Agora, por exemplo, em acções de pequeno valor, em que sejam credores/exequentes as típicas entidades comerciais que inundam os tribunais com as suas cobranças, já me parece discutível a legitimidade de quebra do sigilo… É precisamente a formulação desse juízo de ponderação que está por trás da exigência de intervenção judicial” (P-2). Para outros intervenientes, o actual quadro legal deve ser mantido, não só por razões de ordem constitucional, mas, também, pelos interesses a proteger. “Eu não me inclinaria para haver alterações no sentido de dispensar o despacho liminar no sigilo fiscal e no sigilo bancário, para já, porque, temos limitações de natureza constitucional. E acho que é um caminho que não se deve seguir nesse sentido” (P-6). Mas, para outros agentes judiciais, o regime legal deve ser alterado de modo a permitir um acesso directo por parte dos solicitadores de execução. “Em termos de alteração de lei, penso que os solicitadores de execução deviam ter direito de acesso directo à base de dados da Direcção-Geral dos Impostos. A lei devia ser alterada nesse sentido. A lei faz depender de despacho, até a consulta do nome completo, a data de nascimento, a filiação. O despacho judicial é totalmente dispensável. Até para a penhora de saldos bancários. No fundo, o que nós autorizamos é penhorar os saldos” (Ent.27). Uma reforma sem condições? 8. 183 A realização da penhora 8.1. A penhora de depósitos bancários e a questão do sigilo bancário Nos termos da lei, a penhora de depósitos bancários é precedida de despacho do juiz e deve ser feita, preferencialmente, por meio electrónico194. Nesta matéria levantam-se duas questões: a questão do sigilo bancário e a questão da penhora por via electrónica. Quanto à primeira, trata-se de uma matéria sujeita a regulamentação complexa e divergentes interpretações, entendendo-se, em geral, que estão sujeitos a segredo o nome dos clientes, as contas de depósito e os seus movimentos e outras operações bancárias, prevendo a lei derrogações daquele princípio geral. Quanto à segunda, com vista a agilizar procedimentos para a obtenção de informação e para a penhora de depósitos bancários, em 2003, foi assinado um protocolo entre o Ministério da Justiça, a Câmara dos Solicitadores e a Associação Portuguesa de Bancos. Contudo, na prática, a penhora continua a não ser possível por aquela via. Na verdade, foram vários os problemas levantados pelos operadores judiciários entrevistados, quer quanto à consulta dos depósitos bancários, quer quanto à sua penhora informática. Para alguns, tal como para o levantamento do sigilo fiscal, o acesso à informação relativamente aos saldos bancários, terá sempre que ser precedido de autorização judicial, por estar subjacente um direito constitucionalmente protegido: “O Tribunal Constitucional tem entendido que o sigilo bancário faz parte da reserva da vida privada. (…) O acesso às bases de dados tem sido um ponto que tem preocupado a Câmara de Solicitadores. 194 Cf. artigo 861º-A do CPC. 184 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma Se se tratar de bases que não estão abrangidas por um regime de reserva ou de confidencialidade, é evidente que o solicitador pode e deve ter acesso, sem necessidade de intervenção do juiz (registo predial, registo automóvel). Agora, quando se tratar de matérias que se situam no âmbito da reserva da vida privada das pessoas, a situação é mais complicada não se vendo muito bem como é que, por exemplo, o solicitador de execução poderia quebrar o sigilo fiscal ou o sigilo bancário sem uma intervenção legitimadora do juiz. Dirse-á que tal intervenção, em muitos casos, é meramente tabelar: mas, de qualquer maneira, é uma garantia mínima de que a quebra da reserva de vida privada dependeu, em concreto, de uma valoração ou ponderação judicial” (P-2). Resulta, contudo, do trabalho de campo, que a intervenção do juiz é, na grande maioria das situações, meramente burocrática. É esta a opinião de um magistrado judicial: “(…) noto que há uma série de estrangulamentos. Por exemplo, a questão da autorização para a penhora dos depósitos bancários parece-me um formalismo perfeitamente burocrático. A regra do sigilo bancário está definida, é na medida em que se autorize a penhora até ao montante da execução e respectivas despesas, mas isso normalmente faz com que a maioria das execuções vão logo ao juiz à cabeça para evitar que venham, no momento o seguir ao envio do processo ao solicitador de execução, para autorizar, que é um despacho perfeitamente formal” (P-7). No mesmo sentido, um outro juiz: “A lei faz depender de prévio despacho judicial a penhora de saldos bancários, que, na prática, parece-me que é dispensável porque nunca vamos indagar nada de especial antes de deferir. Nós, Uma reforma sem condições? 185 apenas, dizemos «autorizo que notifique para penhora». Não estão ali questões de sigilo. O solicitador, pura e simplesmente, notifica a entidade bancária e ela, se lá tiver algum saldo, alguma coisa daquela pessoa faz a penhora. No fundo, para o juiz trata-se de uma burocracia” (Ent.30). A mesma opinião é defendida por vários funcionários de justiça entrevistados: “Antes de tudo, é necessário que se defina o que é sigilo bancário: se é o extracto, se é a penhora da conta. Porque eles vêm pedir o levantamento do sigilo bancário para penhorar a conta. Ora não faz sentido de pedir o levantamento do sigilo bancário para penhorar. Basta fazer-se a penhora. Depois, se não houver saldo, o banco informa” (Ent.38). No que concerne à execução da penhora de depósitos bancários, a generalidade dos solicitadores de execução entrevistados considera o procedimento moroso e caro, verificando-se uma clara disjunção entre a previsão legal e a sua prática. Hoje, o pedido de informação tem que ser feito por escrito e está sujeito ao pagamento de uma taxa. Eis alguns depoimentos ilustrativos das dificuldades sentidas pelos solicitadores de execução: “Actualmente, quando alguém nos requer a penhora de todas as contas bancárias, nós, em teoria, teremos que fazer 56 cartas. (…) Fazemos 56 cartas, recebemos 56 respostas, pagamos 56 vezes 9 euros, isto partindo do princípio que todos levam a mesma coisa, recebemos 56 recibos e, portanto, demos origem a qualquer coisa como 220 cartas no sistema e, por sorte, na maioria dos casos, estas 56 cartas são a dizer que não há nenhum dinheiro ou que a conta bancária está encerrada ou que só tem 10 euros… «olhe, só tem 10 euros, mas tenho de lhe pagar 18 pela penhora», 19 e tal… (…) Portanto, os resultados da penhora bancária, excepto quando 186 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma há uma informação assim «há uma conta no local» (…) absolutamente segura, são muito maus” (S-5). “Quanto à penhora de saldos bancários, paga-se 8,90 euros por cada banco e por cada executado. Os bancos, se forem vários executados, mandam um só ofício, mas ainda assim cobram 8,90 euros por cada executado. Idealmente, nós devíamos poder pedir informação ao Banco de Portugal se o executado tem conta no banco (só pedido de informação), sem notificação do banco em causa, só depois é notificávamos os bancos. Da forma como está, o processo fica caríssimo. Além de que só temos êxito em 20% dos processos porque há fuga de informação, os bancos avisam as pessoas, e não há como provar estas ilegalidades” (Ent.19). Um advogado da comarca de Lisboa salientou, também, a morosidade da penhora de depósitos bancários nas acções que já patrocinou: “Após ter sido deferido a dispensa do sigilo, a obtenção da informação sobre os saldos bancários demora muito tempo. Normalmente, enviam-me um fax a dizer «nesta data, solicitámos a dispensa do sigilo bancário» e depois demora 6 meses ou mais” (Ent.4). Além da demora e da sua onerosidade, o actual procedimento, na prática, não logra os objectivos legais de evitar os actos de levantamento antecipado ou de transferência de saldos. “A verdade é que este tipo de penhora tem muito pouco êxito. São poucos os casos de sucesso. Talvez porque os bancos avisam os seus clientes” (Ent.89). Uma reforma sem condições? 187 Este argumento é confirmado por dois escrivães de direito, participantes num dos painéis: “Aliás, os casos de sucesso são aqueles em que o exequente indica concretamente o banco e o nº da conta, pois faz-se logo a penhora” (F-10). “Não há tanto sucesso nas penhoras das contas bancárias quando se faz a solicitação ao Banco de Portugal porque eles enviam aos outros bancos, avisam o cliente. Se tiverem o número de conta quando se faz a penhora, é possível ter alguma taxa de sucesso, porque vai logo ao banco. O problema está na comunicação entre o Banco de Portugal e as outras entidades bancárias, portanto, todos os outros bancos. A partir do momento em que eles fazem difusão, é fácil ao banco, em determinados clientes, alertá-los para «olhe, levante agora e venha cá amanhã ou depois para…»” (F-7). A generalidade dos agentes judiciais defende a agilização do protocolo em vigor e a dispensa de despacho prévio do juiz. Num documento apresentado pela Associação Sindical dos Juízes Portugueses, em 2006, uma das propostas de solução seguia essa orientação nos seguintes termos: “A penhora de saldos bancários deveria deixar de depender de prévio despacho judicial, sendo obrigação do solicitador de execução informar o Tribunal das instituições bancárias que notificou nos termos do art. 861º-A do CPC, prestando as instituições a informação ao Tribunal, sem prejuízo de depositarem o saldo penhorado em conta do solicitador de execução. Ao Tribunal competiria informar o solicitador de execução do resultado das diligências” (ASJP. 2006). 188 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma 8.2. As dificuldades da penhora electrónica de bens imóveis e de móveis sujeitos a registo No que diz respeito à penhora de bens imóveis e de móveis sujeitos a registo, a lei estabelece que ela seja, em regra, realizada por comunicação electrónica à conservatória do registo predial competente195. Contudo, decorre do trabalho de campo que o suporte documental em papel continua a ser o único meio de realização da penhora. O problema da falta de operacionalidade e de agilização na utilização das comunicações telemáticas foi levantado por vários intervenientes nos painéis. Eis o depoimento de um escrivão de direito: “As penhoras telemáticas não funcionam. (…) Porque eles faziam o registo na conservatória da penhora do imóvel ou do carro ou de qualquer coisa e, depois, na apresentação da conservatória vem lá a data do registo, porque ele entrando hoje, independentemente de vir a ser efectuado daqui a dois meses, o que conta é a data de entrada do registo. E o solicitador só depois é que vai fazer “a posteriori” o auto de penhora. E depois, quando é que ele o faz? Quando a conservatória lhe remete a certidão de ónus e encargos e é essa disparidade de datas que às vezes tem relevância para o 851.º. Porque ele às vezes está até registado, ou quando o efeito depois já não é tão prático, porque, naquele entretanto, há outras penhoras que se fazem. Até, às vezes os exequentes podem dizer que não querem a penhora ou até desistir do registo do bem. Porque são logo à volta de cem euros cada registo e isto acaba por mudar tudo, não é? Mas, fundamentalmente, a falta de comunicação que existe da parte deles, que, quando nós somos o agente de execução, acontece precisamente a mesma coisa” (F-3). 195 Cf. artigos 838º e 851º, ambos do CPC. Uma reforma sem condições? 189 8.3. Os depósitos públicos Nos termos da lei, a penhora de coisas móveis deveria ser, em geral, realizada através da remoção dos bens para um depósito público, onde estes iriam permanecer até serem vendidos196. Ora, uma das críticas feita pelos agentes judiciais, aquando da entrada em vigor do novo regime da acção executiva, refere-se à não existência de depósitos públicos que pudessem receber os bens móveis penhorados, evitando, assim, a nomeação do executado como fiel depositário do bem penhorado197. Neste sentido, Lebre de Freitas considera “incompreensível que, do norte a sul do país, não [houvesse] depósitos públicos que recebam os bens móveis penhorados” (Freitas, 2005). A criação e entrada em funcionamento de um primeiro depósito público ocorreu a 15 de Setembro de 2005, em Vila Franca de Xira. Devido à inexistência de depósitos públicos, um advogado chamou a atenção para o problema do controlo da penhora de bens móveis, quando ocorrem sucessivas penhoras sobre o mesmo bem: “Há uma situação que tem acontecido com alguma frequência. Diz respeito ao controlo da penhora dos bens móveis. Nos bens imóveis há um controlo que é o registo. Nas penhoras de bens móveis, quando não há remoção, tenho-me deparado com situações anómalas de penhoras sucessivas sobre bens móveis que já estão penhorados. Há alguém que acaba por ir lá e leva-os. E só muito mais tarde é que nos damos conta que o bem penhorado já não existe. Portanto, seria necessário fazer-se esse controlo” (Ent.60). 196 Cf. artigo 907.º-A do CPC. É de referir, também, a publicação da Portaria n.º 512/2006, de 5 de Junho, que veio aprovar o regulamento do depósito público e da venda em depósito, regulamentação então inexistente desde a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 38/2003, de 8 de Março, o qual previu a possibilidade de ser efectuada venda em depósito dos bens penhorados.In http://www.mj.gov.pt/sections/destaques/destaques-jt/medidas-paradesbloquear/downloadFile/attachedFile_f0/MAExecutiva.pdf?nocache=1136654818.01 (Abril de 2006). 197 190 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma Para os vários operadores judiciários só a efectiva remoção de bens móveis no processo executivo é passível de ter um efeito dissuasor imediato: “Se os bens fossem removidos, passados dois dias, os executados iam pagar. Na verdade, a penhora sem remoção é inócua porque o executado não sente a penhora. Se houvesse depósitos públicos, não tenho dúvidas que os exequentes removeriam” (Ent.41). Na prática, continuam a ser referenciadas dificuldades na remoção dos bens móveis, que, de acordo com alguns dos agentes judiciais entrevistados, resulta da falta de depósitos públicos em todo o país. Um solicitador de execução descreve, assim, a sua experiência pessoal quando tem de penhorar bens móveis: “«(…) havendo penhora de bens móveis, o depositário é o agente de execução». (…) Removo: vai para o meu escritório, ou vai para a minha fábrica enquanto exequente. E o solicitador de execução, tem que ficar depositário? Não, o 839.º, n.º1, também diz que poderá ser o executado se o exequente assim o entender. «Não, não, os bens vão comigo e quem fica depositário é o agente de execução». É uma situação horrível. Como é que o solicitador de execução pode remover bens? Não é possível! Não tem depósitos! E a responsabilidade do solicitador de execução existe, porque decorre da lei. Portanto, o solicitador de execução deve ter, efectivamente, uma cautela, e não remover, porque é responsável, mesmo que não seja ele a dizer «é o depositário o solicitador de execução ou é o exequente»” (S-8). Esta opinião é confirmada por um outro solicitador de execução: “Devia existir locais próprios para depositar coisas com valor (por exemplo, ouro). Temos que alugar cofres no banco e isso onera o processo. Na verdade, o meio mais eficaz na execução é proceder a Uma reforma sem condições? 191 remoções. Se houvesse mais depósitos públicos, faziam-se mais 30% a 40% de remoções” (Ent.50). Contudo, parecendo contrariar estas posições, verifica-se uma subutilização do depósito público de Vila Franca de Xira: “(…) nós temos em Vila Franca de Xira um depósito que está lá às moscas, não tem nada lá dentro. E investiu-se no depósito de Vila Franca de Xira, foi quase inaugurado com pompa e circunstância, e que está agora às moscas. Portanto, não há penhoras de bens móveis” (F-4). Além, das dificuldades materiais na remoção de bens móveis, vários solicitadores de execução salientaram, também, os elevados custos para o exequente. “Eu tento não fazer muitas remoções porque não temos armazéns públicos e depois levanta-se a questão de onde depositar os bens e quem nomear fiel depositário. Podemos arrendar um armazém particular, mas isso encarece muito o processo, é uma sobrecarga demasiadamente onerosa para o exequente” (Ent.89). “Temos muitas penhoras de bens móveis; geralmente não há remoção porque os exequentes não querem, em primeiro lugar porque não têm onde pôr os bens e, em segundo lugar, porque fica um encargo muito grande” (Ent.19). No âmbito da penhora de bens móveis, foi também referenciado o problema de existirem interpretações divergentes quanto à nomeação do fiel depositário. Nos termos legais, o exercício dessa função cabe, em geral, ao solicitador de execução, salvo se o exequente consentir que seja nomeado o 192 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma próprio executado198. Parece, no entanto, existir entendimentos diferentes quanto à figura do fiel depositário: “É uma das questões permanentemente controversas, com interpretações muito diferenciadas de juiz para juiz. Por exemplo, eu tenho um juiz que entende que o exequente nunca pode ser o fiel depositário, tenho uma juíza ao lado que entende que deve ser sempre, tenho outro que acha que deve ser sempre o solicitador de execução – mesmo que os bens fiquem na posse do exequente – que é ele, o solicitador de execução, o fiel depositário e ele que trate de ver se o exequente guarda bem os bens ou não e se tem seguro. Portanto, aparecem interpretações muito disparatadas e, realmente, a falta dos depósitos públicos é um ónus que complica” (S-5). 198 Cf. artigo 839º do CPC. Capítulo IV Bloqueios normativos de um processo burocrático e complexo Introdução No Capítulo anterior demos conta de um conjunto de problemas e bloqueios de ordem material com que se confrontou a nova acção executiva. Mostrámos como continuam por criar muitas das condições materiais necessárias para um eficaz funcionamento do modelo legalmente previsto. Agregamos neste Capítulo os vários problemas que a nossa investigação permitiu identificar resultantes do próprio regime legal, quer no que se refere à interpretação de algumas normas, quer à omissão ou inadequação da sua previsão legal. Trata-se, pois, de problemas para cuja solução é necessária a alteração da lei em vigor. O primeiro ponto pretende, desde logo, colocar em evidência a disjunção, em geral, entre a previsão legal, os objectivos da lei e a sua prática. 194 1. A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma Uma desjurisdicionalização de efeito contrário – mais trabalho e maior complexidade? A “excessiva jurisdicionalização e rigidez” eram dois dos factores considerados como principais bloqueios do regime processual anterior (cf. preâmbulo do Decreto-Lei n.º 38/2003, de 8 de Março). Um dos objectivos confessos da reforma da acção executiva centrou-se, por isso, na necessidade de simplificação, agilização e desburocratização do meio processual adequado para o cumprimento coercivo dos direitos das partes. Tais objectivos, em linhas gerais, passavam pela criação de um modelo novo que “sem romper a sua ligação aos tribunais, atribuiu a agentes de execução a iniciativa e a prática dos actos necessários à realização da função executiva, a fim de libertar o juiz das tarefas processuais que não envolvem uma função jurisdicional e os funcionários judiciais de tarefas a praticar fora do tribunal” (cf. preâmbulo do Decreto-Lei n.º 38/2003, de 8 de Março). No actual paradigma do processo executivo, o juiz continua a exercer, na sua plenitude, para determinados actos, o poder jurisdicional. Perde a direcção formal do processo executivo, mas não o seu controlo, que pode ser prévio – o juiz verifica se pode ter lugar a execução – ou a posteriori – o juiz constitui instância de recurso dos actos e das omissões do agente de execução e decide todas as questões que este, as partes ou os funcionários judiciais lhe submetam no decurso do processo (Freitas, 2004a). Ainda segundo Lebre de Freitas, “torna-se possível que uma execução se inicie, se desenvolva e termine sem qualquer intervenção judicial: basta que, não se tratando de caso em que o controlo prévio é exigido, a penhora não incida sobre depósito bancário ou bem imóvel, nenhum credor reclame para além do exequente e a venda e os pagamentos se façam sem oposição ou problema a resolver; o processo dará entrada na secretaria e nele ficarão a constar os actos praticados, mas a realização destes está a cargo do solicitador de execução” (Freitas, 2004a). Foram relatadas por todos os operadores judiciários várias situações em que a execução se inicia, desenvolve e termina sem qualquer intervenção Bloqueios normativos de um processo burocrático e complexo 195 judicial, embora não com a exacta extensão que Lebre de Freitas equaciona em termos abstractos. De facto, foi-nos referido existir uma percentagem razoável de acções executivas que, não necessitando de despacho liminar, terminam sem qualquer intervenção judicial, normalmente, não em resultado de uma penhora e venda bem sucedidas, mas sim de um acordo de pagamento no acto de penhora de bens móveis na residência/sede do executado, sob a “ameaça” de remoção. Mas estes casos que são relatados como de relativo sucesso, sem grandes entorpecimentos na tramitação do processo, não são vistos pela maioria dos entrevistados como regra. Para a maioria dos agentes judiciais, a desjurisdicionalização dos actos não alcançou a pretendida simplificação do processo e a libertação do juiz de actos meramente formais. Essa apreciação é transversal às várias comarcas onde foi realizado o trabalho de campo, independentemente do volume processual, do grau de especialização e/ou especificação do tribunal, bem como da localização da comarca. Assim, um magistrado judicial realça que o novo regime da acção executiva veio introduzir a prática de mais actos por parte do juiz, que estavam anteriormente excluídos das suas funções, não só por se referirem a uma nova tramitação, mas ainda, e sobretudo, por alguns deles se circunscreverem no anterior âmbito de intervenção mais autónoma dos funcionários judiciais199: “Não se melhorou a eficácia das cobranças das dívidas, o processo é mais caro para as pessoas, e apesar de ter havido desjudicialização, há muita intervenção. Nalguns casos, há mais trabalho do que na reforma anterior. O processo devia tramitar sem a intervenção do juiz, mas nem sempre assim acontece. Por exemplo, quando o exequente não junta a aceitação do solicitador de execução que nomeou, temos de intervir, e muitas vezes aquele nem responde. Além disso, os solicitadores requerem consulta às bases de dados, o que carece de despacho judicial. Na reforma 199 Cf. Documento n.º 3 do Anexo E. 196 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma anterior, os funcionários judiciais consultavam tudo, sem necessidade do juiz intervir. Por outro lado, temos processos que avançam sem grande intervenção do juiz e mais tarde, quando intervimos, verificamos que foram praticados actos que poderiam levar à nulidade de todo o processo. Por exemplo, tenho um processo em que a execução era para entrega de coisa certa e o solicitador, erradamente, procedeu ao pagamento em quantia certa. Muitas vezes o requerimento executivo está errado, mas só o verificamos numa fase mais avançada do processo, em que o exequente já liquidou a provisão do solicitador, e este já praticou algum acto. Nestes casos, não vale a pena anular processo” (Ent.7)200. Um dos magistrados judiciais entrevistados, actualmente a exercer funções num juízo de execução, considerando que a reforma não conseguiu libertar o juiz de actos não jurisdicionais, atribui esse facto à falta de preparação dos vários intervenientes do processo executivo: “A reforma não tem conseguido tirar trabalho ao juiz. Eu tenho que fazer o meu trabalho e o dos outros. Apenas 10% a 15% dos actos são actos de fundo e prendem-se com o artigo 840.º, as dispensas de sigilo e as vendas. Há também actos de emendas dos actos dos solicitadores de execução: citações mal feitas; penhoras abaixo do salário mínimo. Mais de metade do expediente é este. A grande vantagem desta reforma foi ter-nos tirado o trabalho das vendas. A ideia da reforma era introduzir um agente de execução que conhecesse o terreno e um juiz que só interviria quando estão em causa direitos, liberdades e garantias” (Ent.17). 200 Cf. Nota 177. Bloqueios normativos de um processo burocrático e complexo 197 Este mesmo magistrado, apesar de reconhecer que o processo lhe é concluso para despacho em situações em que não haveria necessidade para o fazer, entende que esse procedimento é importante: “Actualmente com o H@bilus, há uma tendência da secretaria para abrir conclusão sempre que vem um papel. Sempre que vem um papel, abrem conclusão. Eu não controlo as conclusões, nem quero controlar. Esta rotina de abrir conclusões sempre que vem um papel é má, mas também preciso controlar algumas coisas, como, por exemplo, os pagamentos. Tem que haver conhecimento ao processo dos pagamentos efectuados. É importante que na comunidade haja a ideia que o tribunal funciona” (Ent.17). O procedimento adoptado por este tribunal é confirmado pelo funcionário judicial: “Vão mais de 100 processos por dia ao juiz e ele despacha-os no próprio dia” (Ent.18). Outros funcionários judiciais relataram realidades semelhantes nos seus tribunais, em que a intervenção do juiz nos processos continua muito intensa: “O que me parece é que o espírito que esteve por detrás da legislação, que era desonerar os senhores juízes de despachos de mero expediente… aquilo que eu vejo pelo meu Tribunal, os processos quase têm de ir todos ao senhor juiz, porque eles são quase todos indevidamente tramitados” (F-3). “É precisamente o que está a dizer, é visto e conclusão, visto e conclusão desses processos” (F-2). 198 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma Para um outro magistrado, o problema reside na ausência de implementação prática das intenções da reforma: “Não podemos continuar a passar dois terços do nosso trabalho diário com as execuções. Agora, o que era importante era pôr este sistema a funcionar para tornar a nossa intervenção restrita a questões verdadeiramente essenciais” (P-4). Apesar de a mudança de paradigma que a reforma da acção executiva pretendeu imprimir não ter atingido os seus desideratos, alguns dos entrevistados continuam a entender ser positivo o caminho para um aprofundamento da desjurisdicionalização: “… eu concordo, que genericamente todos concordamos, com a mudança de paradigma e decerto até não nos oporemos a um aprofundamento do paradigma no sentido da desjurisdicionalização, no fundo, da semiprivatização da execução” (P-1). Alguns entrevistados, na sua maioria advogados, defenderam, no entanto, que a intervenção do tribunal e, em especial de um magistrado judicial, é vital. “Mas não é possível dispensar o tribunal. Eu penso que não é possível porque os tribunais são a imagem da justiça, é a imagem que representa a justiça e é nela que as pessoas depositam a sua confiança. E, se calhar, nós temos uma justiça que está mais abalada por que se retirou essa importância à justiça, descrebilizouse os juízes, os funcionários e os advogados. Se nós encontramos um novo paradigma para a acção executiva segundo o qual nós vamos ter uma execução em que não intervém o tribunal eu digo já que não estamos a falar de justiça. Estamos a falar de uma outra coisa qualquer que não é justiça” (Ent.90) “Eu penso que se não há tribunal metido no assunto passamos a ter uma qualquer agência de cobrança de créditos. Por isso, penso que Bloqueios normativos de um processo burocrático e complexo 199 o tribunal deve ser tido em conta para haver uma credibilidade da justiça” (Ent.91). Um advogado defendeu que é importante desburocratizar, mas que essa desburocratização deve ser feita dentro do próprio tribunal: “O tribunal judicial tem que existir, mas pode ser desburocratizado de maneira a que o processo seja mais célere. Sem o tribunal as próprias pessoas põem em causa o próprio acto, a legitimidade, a autoridade, a competência… Penso que o tribunal tem que funcionar como o local onde se centram as coisas e, depois, a partir daí desburocratizar” (Ent.93). Mas, também, os solicitadores de execução consideram que o seu trabalho está imerso numa excessiva carga burocrática, decorrente não só da necessidade de resposta permanente ao tribunal dos relatórios de diligências, mas, ainda de outros actos, como os relativos à conta dos processos. Eis alguns relatos em que é evidenciado o peso dessa burocracia: “O excesso de trabalho dos solicitadores levou à burocratização destes. Por exemplo, há um excesso de burocracia com a conta dos processos. Cada Ministério tem regras diferentes para os juros. Há interpretações muito diferentes quanto ao cálculo da conta. O artigo 805.º do CPC manda a Secretaria fazer o cálculo dos juros, mas não faz, quem o faz são os solicitadores de execução” (Ent.1). “O envio dos relatórios, entope-nos em termos de correio. Os procedimentos são burocráticos” (Ent.50). “A burocracia introduzida no sistema leva a que dificilmente se consiga fazer uma tramitação célere e o solicitador é afogado por 200 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma burocracia, por respostas a relatórios, não tem tempo para mais nada, vive aterrorizado pela questão dos prazos, da resposta às multas e não sei quê, e a única coisa que o preocupa… já não o preocupa cobrar o crédito, não o preocupa satisfazer o exequente ou o mandatário do exequente. O que o preocupa é que o juiz não o multe, que não seja destituído, que não tenha um processo disciplinar e vive afogado numa burocracia de papéis. Resposta a papel, papel, papel, passando a ser uma espécie dum braço do sistema burocrático que existia antigamente. Com uma agravante: é que o sistema burocrático que existia antigamente não é responsável – porque se o juiz se enganar, ele é irresponsável; se no tribunal o oficial de justiça fizer um engano qualquer, ele é irresponsável indirectamente, embora não seja totalmente, mas é indirectamente – o solicitador sabe que é responsável civilmente e perante a Câmara de Solicitadores, podem-lhe tirar a carta de solicitador… portanto, este sistema tem realmente uma série de questões com as quais não contávamos” (S-5). “Eu sou de uma comarca grande e queria dizer o seguinte. Eu trabalhei durante cerca de quinze anos no âmbito anterior à reforma, no processo executivo antes da reforma, e a carga burocrática era a mesma, senão até mais reduzida do que hoje em dia” (S-9). Um outro solicitador de execução chama a atenção para o facto de que a sobrecarga de actos meramente burocráticos impostos a estes agentes os impede de realizar os actos verdadeiramente importantes da acção executiva: “O solicitador de execução tem agendas que custam 3 mil, 4 mil contos por ano. Nós temos secções, temos tribunais em que o impacto das execuções é de 80% das acções. E hoje têm o mesmo número de funcionários, o mesmo número de juízes, e que afectam 80% do seu tempo a mandar notificações ao solicitador a dizer “Sr. Bloqueios normativos de um processo burocrático e complexo 201 solicitador, diga-me como está o processo”. No mês seguinte, “como é que está o processo, como é que está o processo?”. E o solicitador, há um tempo… e eu, ponho aqui isto desta forma: para mim, as multas são um custo de actividade. É um custo de exercício: tenho a renda, tenho o telefone e tenho as multas, porque eu já decidi que eu não posso responder a todas. Não tenho tempo para conseguir responder a todas as missivas que o sr. juiz dá. E qual é o problema nisto? É que não respondo a umas que são absolutamente inusitadas e também não respondo a outras que são absolutamente pertinentes. De facto, entrámos nesta perversidade. Mas eu prefiro ter o custo de exercício e dizer “olha, custa-me por mês X contos em multas”. Boas festas. Umas destituições, a Câmara com processos disciplinares, mas eu, o que é que vou fazer? Ou paro com os processos e torno-me no burocrata que o sistema está a criar, que é o burocrata da resposta. Ou seja, desde que eu responda a dizer que estou aqui, estou vivo, o sistema está contente comigo. Se eu penhorei, se não, se fiz bem ou mal, não interessa, o que interessa é que eu diga que existo. E ninguém previu isto. O 833.º, n.º 3, ou o 837.º do Código de Processo Civil, ninguém o previu. Nós perdemos horas, dezenas de horas, a discutir como é que se penhorava um avião e um barco, tivemos comissões da Câmara de Solicitadores e do Ministério preocupadas em saber como é que se penhora um barco e uma avioneta… quer dizer, podemos fazer milhares de penhoras… o 837.º passou, ninguém leu aquilo, ninguém previu o impacto que aquilo ia ter no processo” (S-3). A excessiva burocratização da acção executiva afecta, ainda, os funcionários judiciais, que, com excepção dos actos externos, referiram que a nova acção executiva trouxe um acréscimo de actos: 202 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma “Sim… nalguns casos, não está mais simplificado, porque, por exemplo, nós mandávamos uma certidão ao exequente e ele fazia o registo da penhora. Agora, isso cai-nos tudo a nós. Demora muito mais tempo a fazer as comunicações, não precisa é de andar o expediente para trás e para a frente, mas alguns actos ainda demoram mais tempo do que demoravam. Só que demoram na secção, não demoram é no cômputo geral do seu tempo” (F-2). Para um outro funcionário judicial, a reforma da acção executiva deixou no tribunal todos os actos burocráticos, duplicando processos e procedimentos: “O tirar as execuções do tribunal, aparentemente, pareceu uma grande vantagem porque íamos tirar a parte difícil e íamos pô-la nos solicitadores de execução. Ao fim e ao cabo, era a parte que se aproveitava. Mas, ao fazer uma reforma destas, acabámos por ficar dentro dos tribunais com a tramitação toda. Porque o processo entra no tribunal, é registado no tribunal, tem que ter a sequência de todos os actos. Tem que se fazer um registo das pessoas, etc., Tem depois que se fazer um registo da penhora no sistema informático. Quer dizer, ficámos dentro dos tribunais com todos os actos, excepto os actos externos. Tudo o resto está cá. O solicitador de execução fica limitado a essa parte, que é a parte de fazer os actos externos, ou seja, as citações e as penhoras de bens móveis. Porque as penhoras de imóveis era um registo. Quem fazia o registo da penhora era o exequente; nos automóveis era a mesma coisa; nas penhoras de créditos e direitos era feito por notificação. Aqui, a única vantagem que eu vi foi retirar efectivamente o serviço externo dos tribunais. Se era para fazer uma reforma destas, tínhamos um modelo que, para mim, é exemplar, que é o modelo das Finanças. Na execução das Finanças, quem tramita, por lei, é o chefe da repartição de Finanças. Não tem lá nenhum juiz, não tem ninguém, portanto, é o chefe da repartição de Finanças que instaura a própria Bloqueios normativos de um processo burocrático e complexo execução, que tramita a execução, e, quando se põem as partes declarativas, vão para o Tribunal Administrativo e Fiscal reclamações de créditos, impugnações, etc. (…) Quando vi a execução, e a estudei, e tive de estudá-la, aquilo que me fez sentir foi: nem saiu, nem ficou. Quer dizer, temos um trabalho, o grosso do trabalho, que é o registar e supervisionar. E viu-se os milhares de processos que a secretaria de execuções de Lisboa teve para registar, a bronca que aí se viu e que se acumulou. (…) É o tribunal a abrir processos, é o solicitador a abrir processos. Até aqui, tínhamos um processo que estava no tribunal. Agora, temos dois. Temos o do tribunal e o do solicitador de execução” (F-4). 203 204 2. A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma A necessária clarificação dos papéis dos intervenientes na acção executiva Um dos bloqueios que foi apontado com maior veemência pelos vários operadores judiciários foi a indefinição que resulta da lei do papel de cada um dos intervenientes da acção executiva, o que, só por si, induz a procedimentos muito diferenciados. “Agora, relativamente à lei nova da acção executiva, ela efectivamente padece de alguns erros e creio que o facto da indefinição dos papéis de cada um dos intervenientes é um deles. Eu se calhar cometo uma heresia entre juristas, mas acho que, sinceramente, leis processuais não devem ter conteúdos abertos. As leis de conteúdo processual devem simples e claras, de forma a que toda a gente as perceba e saiba com o que está a lidar. Os juristas que façam interpretação do direito substantivo. Agora, uma lei destinada a regular a execução do património do devedor e a obter um pagamento a final não tem que estar sujeita a 20 interpretações diferentes. Não faz sentido que um juiz duma porta decida de determinada maneira e na outra decida de outra completamente diferente. É preciso também haver algum bom senso – sem querer com isto fazer crítica nenhuma aos juízes, até porque eu também sou obrigado a interpretar a lei e, portanto, também posso cometer algum disparate nisso – mas é preciso ter algum bom senso e perceber o que é que estamos aqui efectivamente a tratar, na maior parte das situações que se colocam e estão sujeitas à nossa interpretação, e ver se, de facto, não há um sentido útil na norma que possa ser encontrado e que seja minimamente consensual. Eu, da experiência que tive nos juízos de execução, posso dizer que a maior parte do tempo que lá passei naqueles dois anos, eu e os meus colegas, nem sequer foi a despachar processos. Era a tentarmos, precisamente, interpretar a lei num sentido que fosse de acordo com as sensibilidades de qualquer um dos seis que lá estava naquela altura e que permitisse formular um despacho único ou, pelo Bloqueios normativos de um processo burocrático e complexo 205 menos, que todos passássemos a despachar no mesmo sentido. Esse foi o grande esforço, porque, efectivamente, ninguém se entende numa lei destas” (P-10). “No texto da lei não está clarificado quem faz o quê, por isso há actos que são feitos em duplicado, como por exemplo, as notificações (pelo solicitador e pelo tribunal)” (Ent.1). “Eu só estou num juízo de execução há três meses e devo dizer que ainda agora ando à procura de soluções e a tentar definir qual é o papel de cada um dos intervenientes processuais na acção executiva. A lei estabelece princípios gerais em termos de qual é a função de cada um, mas depois isso colide um pouco com a prática das soluções que existem para as partes. Eu noto, por um lado, que, por parte dos intervenientes, há uma certa tendência para usar o processo para se comunicarem entre si. Portanto, o exequente quer que a coisa ande mais depressa – faz requerimentos ao processo; o solicitador de execução não sabe o que é que há-de fazer – manda o relatório, requer qualquer coisa para ver o que é que acontece; o executado não gosta de qualquer coisa - dirige-se ao juiz, independentemente de o assunto ter ou não ter fundamento. Nós passamos muito tempo à volta destas questões que não estão previstas e temos que dizer alguma coisa, nem que seja “primeiro dirija-se à pessoa à qual deve dirigir-se»” (P-7). Esta realidade é reforçada por um outro magistrado para quem o tribunal se tornou uma “caixa de correio” das comunicações entre as partes: “Hoje eu sinto-me um pouco, em muitos processos, como uma caixa de correio. É o solicitador de execução que dirige uma comunicação 206 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma ao tribunal que é dirigida ao exequente e o exequente que dirige uma comunicação ao tribunal que é dirigida ao solicitador de execução. O tribunal acaba por funcionar como depósito de correio entre intervenientes que deveriam estar em comunicação permanente” (P-6). Também para um outro magistrado não é explícito na lei quem deve praticar determinados actos, destacando em especial os actos relacionados com a penhora: “Com isto tudo, as execuções vão parando e, depois, não houve de início uma indicação que devia ser dada: há uma separação total entre o trabalho do solicitador, o do juiz e até do exequente. Então, o exequente, por exemplo, continua a indicar bens à penhora e vem o juiz e diz “isto não é nada comigo”. Nunca se sabe o entendimento do juiz ou do solicitador de execução e não há um encontro, até porque eles não podem seguir um entendimento só porque trabalham com vários juízes e nós trabalhamos com vários solicitadores de execução e continua a haver uma série de dúvidas, na prática, sobre quem é que deve efectuar determinado acto. Por exemplo, o levantamento das penhoras a final. Eu, à cautela, agora, embora não elabore uma sentença de extinção, porque não sei como o processo está – o solicitador de execução é que me tem de vir dizer “está tudo pago, notifiquei e ninguém reclamou”, - à cautela, eu vejo se alguma penhora foi feita e ordeno o levantamento. Mas há muitas dúvidas, porque noutros casos se entende que o solicitador de execução tem o poder e o dever de fazer esses levantamentos. Continua a haver muita dúvida e muita cabeça a pensar, sem um acerto, pelo menos nalgumas situações, de clarificação da norma” (P-4). Bloqueios normativos de um processo burocrático e complexo 207 Considera que esta situação se reflecte em mais trabalho para o juiz, mais complexidade e, por vezes, mais morosidade: “(…) os processos continuam a vir muitas vezes ao juiz e, por vezes, as situações não são mais simples, porque é mais rápido ordenar a penhora de um imóvel e antes disso ver se está tudo em ordem, se está registado, se o imóvel está em nome do cônjuge, se está em nome do próprio, etc., do que depois, quando finalmente, como é agora, só quando vêm as reclamações e vamos fazer uma sentença de graduação de créditos é que vamos ver. Isso é onde está tudo mal. Portanto, acabamos por lidar com despachos bastante mais complexos do que anteriormente, porque anteriormente nós tínhamos um controlo total sobre o processo. Assim que qualquer coisa não estava bem, de imediato mandávamos repetir. Não se avolumavam eventuais erros. E ainda constatando algum erro, conseguimos resolver a situação só naquele processo. Corremos sempre o risco de voltar a haver novas penhoras ilegais, o que acontece a toda a hora. Penhorar, por exemplo, o rendimento mínimo garantido ou rendimento social de inserção é habitual por aí, quando a lei diz expressamente que é impenhorável. Claro que se fôssemos nós a ordenar, isso já não acontecia. De qualquer modo, entendo que o concretizar da penhora não tem realmente que ser feita por um funcionário judicial. O que talvez fosse importante é que cada acto praticado pudesse de imediato ou num curto espaço de tempo ficar a constar do processo, como acontece, por exemplo, de cada vez que o solicitador vai consultar o registo automóvel – aparece-nos uma cópia de todas as consultas que ele fez. Se em relação a todos os actos do solicitador pudesse aparecer também uma cópia, para o processo estar minimamente actualizado, isso também tornaria mais eficaz o nosso controlo e o despacho atempado, nomeadamente das reclamações de créditos, porque há muitos elementos que…” (P-4). 208 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma Alguns advogados referiram ter dificuldades em saber a quem devem dirigir determinados requerimentos, se ao tribunal ou ao solicitador de execução. Os depoimentos seguintes reflectem essa “desorientação”: “Eu ainda continuo sem saber se muitos actos ou requerimentos têm de ir a despacho do solicitador. Não sei se hei-de pedir ao juiz se ao solicitador. Isso acontece-me quase diariamente. Principalmente quando há reclamações ou falta de cumprimento da lei pelo solicitador de execução. É muito difícil saber se se faz um requerimento ao juiz que despacha no sentido de se fazer certa diligência, ou se se pede ao solicitador de execução” (Ent.51). “Nós tivemos agora uma situação dessas no escritório em que a solicitadora dizia que estava à espera da juíza e a juíza dizia que isso era da solicitadora. E andaram ali, não sei quantos meses com o cheque lá” (Ent.52). “Eu acho que o principal problema, neste momento, é que ninguém sabe quem é que manda no processo de execução. Acho que nem os próprios juízes sabem. Não se sabe quando é que o juiz despacha, quando é que o solicitador toma a iniciativa e, depois, há solicitadores que nos dizem o que se passa com o processo e há outros, que quando questionados, não nos respondem” (Ent.53). “Em termos legislativos, eu não sei como é que se faz a articulação entre o solicitador de execução e o juiz. Não sei a quem é que hei-de pedir ou informar. Isto não está articulado” (Ent.20). Também o depoimento que se segue, de um advogado, mostra a necessidade de maior concretização na definição de papéis dos vários intervenientes: Bloqueios normativos de um processo burocrático e complexo “Há uma grande dificuldade de interacção 209 entre tribunais, solicitadores de execução e advogados. Eu preciso de saber, quando o solicitador me envia um fax a dizer para eu informar, em 10 dias, se tenho conhecimento de todos os bens, a quem é que eu respondo? Tenho que dar conhecimento ao tribunal? E depois o tribunal diz-me que, por exemplo, o processo não foi à conta porque não foi feito nada. Mas eu tenho que fazer alguma coisa no tribunal? Pensei que era o solicitador que tinha que dar conhecimento. Mas se envio também para o tribunal tenho despachos de alguns juízes a dizer: «Por favor, sob pena de multa, não volte a enviar comunicações para o tribunal, mas sim para o solicitador». Os tribunais não são coerentes. Eu, de facto, pelo sim pelo não, envio para o tribunal um requerimento a dizer que nesta data foi enviado este mesmo requerimento para o solicitador. Mas estamos a duplicar trabalho e não era essa a intenção da reforma” (Ent.4). No mesmo sentido, um funcionário judicial afirmou que o exequente continua a dirigir-se ao tribunal e não ao solicitador de execução: “Eu penso que tem de ser clarificada a desjudicialização. Essa é que tem que ser clarificada. E tem que ser clarificada por isto: quem tem que dar o impulso à acção executiva? É o exequente ou é a secretaria? É que, ali, o exequente instaura a execução, é comunicado ao solicitador e – eu vejo em 99,9% dos processos –, a partir daquele momento, o exequente dirige-se ao tribunal, e não ao solicitador. Ora, temos que ver quem é. E depois há isto: continua a ser um princípio do processo civil que o impulso pertence às partes. Mas, se passou para o solicitador, a parte tem que perguntar ao solicitador como está a acção. E depois tem que vir ao tribunal dizer «senhor juiz, o solicitador não me resolve a questão»” (F-11). 210 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma A fase da venda é, também, uma das fases em que se regista alguma ambiguidade no que respeita aos actos que devem ser praticados pelo solicitador de execução ou pelo juiz: “Outra questão relaciona-se com a decisão da venda por valor inferior ao estabelecido por força do artigo 889º nº 2 do CPC. Frustrando-se a venda por propostas em carta fechada e tendo sido nomeado encarregado da venda para a negociação particular, a quem cabe decidir pela aceitação de propostas inferiores àquele valor? E quem deve ser notificado para se pronunciar? A quem cabe controlar a acção do encarregado da venda quando este não é o agente de execução? Ao juiz ou ao agente de execução? Ou a ambos?” (Ent.9). Há, ainda, quem tema que esta indefinição de papéis possa levar a uma exorbitação dos poderes do solicitador de execução: “A lei deu muito poder ao solicitador e retirou margem de manobra aos advogados e têm surgido questões complicadas ao nível dos executados precisamente porque os solicitadores não sabem quais os poderes que têm e até onde podem ir, muitas vezes exercem mesmo verdadeiras situações de coacção sobre os executados, muitas vezes ultrapassam as suas competências… e se vamos tirar a intervenção do tribunal, então, vamos ter muitas mais dessas situações!” (Ent.95). A relativa desjurisdicionalização do processo executivo, no sentido de libertar o juiz de execução de determinadas tarefas e de modo a reduzir a sua intervenção apenas aos actos do processo em que podem estar em causa direitos e garantias fundamentais das partes ou terceiros, levanta alguns receios, colocando-se em causa a competência do solicitador de execução. Bloqueios normativos de um processo burocrático e complexo 211 Para alguns dos agentes judiciais entrevistados, a regra da supressão do controlo judicial prévio da legalidade de determinados actos do processo executivo pode resultar na prática de actos ilegais e na consequente avalanche de reclamações e impugnações por parte do exequente e do executado. É o caso da eliminação do controlo judicial liminar da penhora que pode possibilitar a prática de penhoras ilegais, uma vez que o quadro normativo dos regimes de impenhorabilidade é complexo e diversificado; da inexistência do despacho liminar de admissão das reclamações de créditos, pelo qual se verificava a existência e o alcance do título executivo, bem como a qualidade do credor privilegiado e a tempestividade da reclamação; e da não intervenção do juiz de execução na determinação da venda (Soares Gomes, 2005). Este entendimento foi também defendido pela ASJP num Documento de Reflexão apresentado, em Julho de 2006, pelo Gabinete de Estudos e Observatório dos Tribunais201. Na verdade, até à remessa do processo ao juiz para despacho liminar, ou para o solicitador de execução para citação prévia ou penhora (primeiro acto processual relevante), compete ao oficial de justiça proceder a uma análise do requerimento executivo, que implica verificações várias de alguma complexidade. Nos termos dos artigos 150º e 150º-A do CPC, esta triagem processual só pode ser realizada depois da junção aos autos da cópia de segurança do requerimento inicial, do título executivo, da procuração, dos demais documentos necessários e do comprovativo de pagamento da taxa de justiça inicial ou comprovativo de formulação de pedido de apoio judiciário. Só a partir desse momento é que o funcionário fica na posse de todos os elementos que lhe permitem recusar o requerimento executivo, aferir da necessidade de sujeição a despacho liminar, ou remessa ao solicitador de execução para citação prévia ou para penhora. O facto de ter de aguardar a apresentação de 201 Cf. ASJP. Julho 2006. Relatório preliminar sobre a avaliação dos bloqueios verificados na “reforma da acção executiva” e propostas de adequação para a eficiência dos sistema. In http://www.asjp.pt/comunicados/executivo_relatoriopreliminar.doc (Setembro de 2006). 212 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma tais elementos, implica a paragem do processo, pelo menos, durante os cinco dias posteriores à data da sua distribuição, acrescendo-se o prazo de junção de tais elementos ao processo. De acordo com o Documento acima referido da ASJP, a solução poderia passar pela entrada do requerimento na secção “pela via informática (que efectuaria a apreciação da competência territorial e a rejeição do requerimento, com indicação do tribunal competente para aquela circunstância), com indicação do número de identificação de pagamento da taxa de justiça inicial (campo já existente, mas cujo preenchimento não é obrigatório) e dos demais elementos que dele já constam, bem como com a indicação do solicitador de execução” (ASJP: 2006). 2.1. Os actos do juiz e o poder de controlo do processo Alguns problemas detectados na relação processual entre o juiz e o solicitador de execução estão relacionados com o poder geral de controlo do processo executivo que a lei confere ao juiz e à incerteza com que tal poder é definido pela lei do processo. De acordo com Mariana França Gouveia “tem-se assistido, pois, em diversas comarcas do país a alguma dificuldade de relacionamento entre juiz e solicitador de execução. Por um lado, porque o magistrado, embora adira à ideia de lhe ser retirado trabalho considerado menor, tem dificuldade em lidar com alguém que, dirigindo os seus processos, não lhe está hierarquicamente subordinado, mantendo-se como profissional liberal. Por outro, a inexperiência e alguma falta de cuidado dos solicitadores de execução, nomeadamente nesta sua relação com o juiz, titular dos processos, causam atritos e reacções, por vezes excessivas de ambas as partes” (Gouveia: 2004b). Esta opinião é corroborada por um juiz de direito ao entender que “nalgumas situações, o legislador foi longe de mais na intenção de aliviar o juiz de execução da carga burocrática que assumia na execução e, noutras Bloqueios normativos de um processo burocrático e complexo 213 situações, poderia ter ido mais longe na clarificação de algumas questões que se têm vindo a colocar na prática dos tribunais” (Fialho: 2004). Alguns magistrados entrevistados rejeitam, como princípio, a necessidade de um controlo constante do processo por parte do juiz. Consideram, no entanto, que a existência de uma norma legal que lhes dá competência para o controlo do processo impede que o juiz se distancie mais da tramitação do processo: “A lei diz que o juiz tem o poder de controlo do processo e de fiscalização. Ora, o poder de controlo e de fiscalização implica ter que saber o que é que se passa no processo. E implica ter documentos. E implica ser informado” (Ent.31). “Se a lei deixar de dizer, nós deixamos de nos preocupar com isso” (Ent.30). Contudo, para alguns agentes judiciais, é importante a existência de uma norma legal geral que preveja o poder de controlo e fiscalização por parte do magistrado judicial: “Eu acho que é importante existir essa norma geral” (Ent.29). Mas, a maioria dos operadores judiciários considera que esta indefinição legal de saber em que é que se traduz concretamente o poder de controlo do juiz tem provocado, na prática, um controlo meramente burocrático e aparente do andamento dos processos executivos. “Controlo que, no fundo, não é controlo… quer dizer, é um controlo meramente formal porque pode vir a indicação de que fizeram aquela diligência e aquela e aqueloutra e eu não tenho lá documentado no processo. Não sei se será também, em termos processuais, uma boa prática de «junte cá documentos 214 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma comprovativos daquilo e daqueloutro». Se tiver dúvidas, fico com a dúvida para mim. Notifico o exequente e vamos ver se isto avança! Porque se não ainda vamos encher o processo mais…” (Ent.84). “Têm surgido queixas [no CSM], designadamente da Câmara de Solicitadores, que já por mais de uma vez colocou essas questões, que um faz assim, outro faz assado. Também é compreensível que, numa fase inicial, de mudança brutal de paradigma, as pessoas não percebam bem o processo… Nós estávamos habituados a ser os donos do processo e a controlar tudo. Controlar, entre aspas, porque efectivamente, de facto, acabava por não haver controlo, que é o controlo das garantias, e que, no fundo, acaba por ser tabelar. E é essa ideia que, se calhar, todos temos de que nos compenetrar: só faz sentido um controlo quando for real e efectivo. Quando for só meramente burocrático, melhor será que deixe de existir e que sejam as próprias partes, o exequente e o executado, a fazê-lo. Quando o exequente ache que o solicitador de execução não está a ser diligente e o executado quando acha que ele não está a respeitar os seus direitos, deve colocar a questão” (P-1). Em geral, defende-se que é importante manter-se o poder de controlo do juiz, mas em termos diferentes dos actualmente previstos. Realçando-se o controlo processual meramente burocrático do actual funcionamento do processo executivo, chama-se a atenção para o facto de os processos não estarem devidamente documentados: “…bastava que, se por acaso eu fosse consultar o processo, estivesse lá uma cópia só para saber o estado do processo. Saber que, pelo menos, foi efectuado isto, isto e aquilo. Não é para proferir despacho sobre o acto. Era só que o processo que nós temos em mão correspondesse ou estivesse minimamente actualizado face ao estado real do processo. Por exemplo, em relação ao pagamento: Bloqueios normativos de um processo burocrático e complexo 215 passam-se meses! O solicitador recebe uma quantia directamente e passam-se meses sem dar conhecimento ao processo. Nós só sabemos porque vem o executado dizer “mas eu já paguei”. «Levante a penhora», «qual penhora?, não há penhora nenhuma, não há dinheiro, não há nada». Está a perceber? Era importante, já que o processo permanece aqui, porque também se poderia optar por, eventualmente, o processo estar com o solicitador e só vir ao juiz quando se levantasse alguma questão susceptível de despacho judicial, mas, actualmente, o processo está connosco, mas, na prática, não está, porque não está actualizado. Eu não digo que o processo estar no solicitador fosse o melhor. O que eu estou a dizer é que, neste momento, bem pode estar lá porque nós não controlamos, só controlamos muito a posteriori quando alguém se vem queixar de que pagou e de que… claro que eu preferia que o processo estivesse cá com os elementos actualizados. O despacho inicial, eu, se calhar, não o dispensaria, porque nós, ao fim e ao cabo, vamos fazê-lo cada vez que o processo tem algum acto” (P-4). A falta de documentação dos processos de execução é também apontada por um outro magistrado: “Depois, há outra dificuldade que eu noto em relação ao relacionamento entre os solicitadores de execução e os tribunais, que é na questão do controlo do processo. Acho que a ideia de desjudicializar é boa, em princípio, agora, às vezes também se torna uma fonte de problemas. Em regra, tenho de pedir ao solicitador de execução que me envie os papéis relativos às penhoras, às notificações, à citação do executado e, agora, em regra, também começo por decidir as reclamações de créditos, decidindo os incidentes de justo impedimento do Ministério Público, que recebe as certidões de dívida da Administração Pública, chega ao processo e 216 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma não faz a mínima ideia do que é que foi penhorado ou porquê, se háde ou não reclamar e em que condições. E parece-me que há aí também uma certa falta de clareza em termos de o que é que o solicitador de execução pode e deve fazer sem ter que estar a dar explicações ao processo e aqueles actos em que, em princípio, deveria, desde logo, documentar no processo, que me parece que seriam os actos que têm natureza processual: a citação dos executados, a situação dos credores, as penhoras… São situações que, em princípio, as partes têm alguma expectativa de, se quiserem consultar o processo, de poderem saber o que lá se passa e, na realidade, isso não acontece” (P-7). Outra consequência da indefinição legal concreta do “poder de controlo do juiz” traduz-se na existência de práticas muito diferenciadas entre tribunais ou mesmo entre secções de um mesmo tribunal. Este facto é realçado pelos funcionários judiciais: “(…) o processo fica na prateleira. Mas o escrivão não vai deixar o processo ficar na prateleira a vida inteira. Quer dizer, passa-se um mês, dois, três meses, o solicitador não diz nada ao processo – o escrivão tem de controlar isso. O escrivão é fiel depositário dos seus processos, tem de os controlar. Aqui, é confrontado logo com uma situação: leva-o para o senhor juiz ou não leva o processo ao juiz. Há juízes que dizem “sim, senhor, traga cá o processo, que eu já vou aqui dizer «notifique o senhor solicitador para em dez dias vir juntar um relatório ou vir fazer isto ou vir fazer aquilo»” (F-4). E, há juízes que “obrigam” o escrivão a levar todos os actos a despacho do juiz: “Para mim, é assim: eu primeiro disse-lhe que não fazia porque não era assim que estava na lei. Só cumpriria se me desse um provimento, e assim o fez. Porque entende que o solicitador não Bloqueios normativos de um processo burocrático e complexo 217 cumpria em conformidade. Eu também concordo. Também acho que há situações em que aquilo, de facto, não está em conformidade. (…) Vai tudo ao juiz. Os processos entram, vão ao juiz, o cumprimento entra, vai ao juiz… vai tudo ao juiz! Praticamente, a execução, é tramitada à moda antiga, como eu digo. (…) Tem mais trabalho, tem mais pendências no primeiro do que em todas as outras, não há dúvida nenhuma. O primeiro juízo demora mais a cumprir” (F-5). Enquanto que, para outros, o papel do juiz é assumido muito diferentemente: “No meu caso pessoal, o juiz, no fim do mês, quando lhe apresento a estatística, ela não quer saber das execuções. As execuções comuns aumentam: «ah, isto não é nada comigo». E, quer dizer, por um lado, acho muito bem, porque eu só lhe “abro conclusão” quando tem mesmo de ir concluso. O processo, depois da entrada na secretaria, vai para o solicitador de execução e pronto. O que acontece muito é que o processo fica parado muito tempo e nós temos muito serviço. Além das execuções, temos muitos processos de outras espécies e, realmente, há quase uma incapacidade de controlar todas as execuções” (F-8). Um outro magistrado corrobora a existência de procedimentos muito heterogéneos, embora considerando que a “necessidade” de intervenção do juiz é, actualmente, menos intensa. “No início, talvez por falta de confiança, não só da nossa parte (secretaria), como da parte do juiz, houve a necessidade de uma maior intervenção do magistrado. Acho que foi isso. Agora, decorridos estes três anos, com alguma auto-formação e provavelmente mais consciência da desjudicialização dos actos, 218 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma penso eu, os processos deixaram de ir tantas vezes ao juiz, para ficarem a cargo, não só da secção, como do solicitador, que será de facto, aquilo que se pretende da reforma. Existem 6 Juízos Cíveis e são 6 maneiras diferentes de tramitar o processo executivo. Mesmo entre juízes, há aqueles que não largam mão dos autos. Não foi possível qualquer reunião entre todos para se encontrar algum consenso na prática dos actos” (F-10). Diga-se, ainda, que para alguns magistrados, a intervenção oficiosa do juiz nos processos executivos é a única forma de obter um andamento mais célere dos mesmos: “Eu sinto necessidade de intervir mais porque os processos não andam… e, depois vem cá o senhor inspector «e como é que é?»” (Ent.79). Mas, a necessária definição concreta do controlo processual por parte do tribunal também é sentida pelos funcionários. Um funcionário judicial, a trabalhar actualmente nas inspecções, dá conta da existência de algum receio junto dos funcionários relativamente a uma possível inspecção do funcionário: “Os magistrados têm o poder de controlar o processo, aliás, a lei o diz, portanto, devem intervir assim. Eu, por mim, inspector, logo no princípio da execução, fui confrontado, por escrivães a perguntarem “senhor inspector, o meu juiz não quer lá ver os processos – os processos estão parados na prateleira – senhor inspector, o que é que eu faço?” Porque, senão, amanhã eu vou lá para fazer a inspecção, e estão lá os processos que entraram no dia 17, 18 ou 19 de 2003. Estamos em 2006 e não têm nada a ver com o processo, não tem lá nada. E o escrivão tinha lá aqueles montinhos de papéis – já não chamarei processos – na prateleira sem fazer nada. «Se eu os levo para o juiz, o juiz não os quer». Eu arranjei uma solução simples para isso: ele mensalmente faz uma lista das execuções Bloqueios normativos de um processo burocrático e complexo 219 pendentes e dá conhecimento ao juiz. Portanto, o juiz fica em cima da secretária com a lista dos processos que entraram e que estão pendentes. Em vez de ser a mera estatística ou o mero mapa estatístico, que muitos juízes também não se interessam muito em ver” (F-4). O relatório mensal do solicitador de execução Nos termos do artigo 837.º, n.º 1 do CPC, o solicitador de execução deverá, quando não tiver conseguido penhorar bens suficientes no prazo considerado razoável pela lei, enviar ao exequente, à secretaria de execução e à Câmara dos Solicitadores um relatório com a discriminação de todas as diligências efectuadas e do motivo da frustração da penhora. Na prática, apenas o tribunal, no âmbito da competência geral de controlo que a lei confere ao juiz, exige a elaboração deste relatório, não tendo sido mencionado por nenhum dos advogados entrevistados que requeriam aos solicitadores de execução os citados relatórios. Quanto à exigência do tribunal, detectamos situações diferenciadas, no mesmo tribunal, dependendo do juízo e respectiva secção de processos. A título de exemplo, numa comarca com quatro juízos, dois juízes referiram que a sua secção notifica oficiosamente o solicitador de execução para vir aos autos juntar o relatório, enquanto que dois outros referiram que não notificam o solicitador de execução, mas sim o exequente para dar impulso ao processo: “A obrigação de informar o tribunal de 30 em 30 dias é excessiva. A lei diz que o juiz tem que controlar o andamento. Acho que este artigo devia desaparecer. Quando desaparecer não faço mais nenhuma notificação sem o exequente requerer. Um outro juiz diz: eu na prática já o fiz desaparecer; eu notifico o exequente para vir dizer o que tiver por conveniente; se nada disser, não faço nada. É frequente o exequente não dizer nada durante mais de 6 meses. O exequente quando faz as primeiras diligências sabe logo que dali 220 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma não leva nada e, nestes casos, depois já não se dá ao trabalho de fazer mais nada” (Ent.40). “(…) a secretaria insiste duas vezes oficiosamente para apresentar relatório; depois abre conclusão e a juíza notifica sob cominação de multa. Nada dizendo, aplica-se multa. Depois notificam o exequente e normalmente o exequente pede a destituição. Às vezes aparece logo o exequente a pedir a destituição” (Ent.43). Outros juízes afirmam que notificam o exequente para vir aos autos dizer o que tiver por conveniente; se nada disser, não aplicam multa ao solicitador de execução nem volta a insistir e ficam os autos a aguardar o disposto no artigo 51.º do Código das Custas Judiciais. Noutra comarca, o magistrado referiu que procedia da seguinte forma: “Para a aplicação de multa sigo o seguinte procedimento: primeiro notifico para em 10 dias apresentar relatório; depois notifico para em 10 dias apresentar relatório sob pena de condenação em multa (2 UC); depois, condeno em multa e notifico para apresentar relatório sob pena de aplicação de nova multa e destituição. Só destitui um solicitador de execução a pedido do exequente, porque não o conseguiam contactar. Eu tenho que ter algum controlo dos processos e pressionar os solicitadores de execução para mostrar que o tribunal está atento” (Ent.17). Esta disparidade de procedimentos também resulta do seguinte depoimento: “(…) em cada juízo, cada escrivão fala directamente com o juiz e marcamos um prazo, três meses – já não são mais os trinta dias que Bloqueios normativos de um processo burocrático e complexo 221 a lei diz para apresentar o relatório – três meses ou mesmo seis meses para o processo ficar à espera de alguma coisa, à espera de relatório. Se eles não apresentam o relatório, notificamos o mandatário nesse momento. Primeiro, notificamos mais uma vez oficiosamente, sem ir ao juiz, o solicitador de execução para apresentar o relatório. Ao fim dos dez dias, se não diz nada, então vamos para o 51.º” (F-8). Foram vários os agentes judiciais que, como já se referiu, chamam a atenção para a carga burocrática exagerada que a elaboração mensal deste relatório impõe, quer para os solicitadores de execução, quer para o tribunal, especialmente sentida em tribunais com um elevado volume processual. Alguns magistrados entrevistados referiram, no entanto, que acabam por exercer algum controlo no processo “apenas” quando lhes é dirigida alguma solicitação: “(…) uma coisa é pedir o relatório e dizer «notifique nos termos do artigo 837.º para apresentar relatório», ou fazer o que eu faço muitas vezes quando me vêm pedir uma diligência ou o executado vem pedir algo «diga ao solicitador para me vir informar das diligências que realizou». Que na prática é quase pedir-lhe o relatório… Portanto, muitas vezes nós temos a necessidade de saber o que fez…” (Ent.24). Esta situação é, também, referenciada por funcionários judiciais dos juízos de execução de Lisboa, que consideram que a notificação oficiosa ao solicitador de execução para junção do relatório de diligências era impraticável, referindo que só notificam se o processo, por algum motivo, lhes for parar à mão: “Fiz isso ao princípio, fiz. Agora não…” (Ent.32). 222 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma “Quando nós tocamos no processo, por algum motivo… Se tocarmos no processo. Se ele nos cair à mão… Nós não vamos à procura dele” (Ent.35). Esta é uma realidade também de uma outra comarca: “(…) de 30 em 30 dias o solicitador de execução devia dizer qualquer coisa, o que não acontece; nós é que temos que controlar os prazos, mas não temos hipótese de controlar isto tudo; normalmente quando o exequente vem dizer alguma coisa é que notificamos” (Ent.18). Nas comarcas em que é referenciada a rotina de notificar o solicitador oficiosa e periodicamente, para a junção do relatório de diligências, a esmagadora maioria dos entrevistados afirmou que esse acto é meramente burocrático, não representando um efectivo controlo do processo por parte do tribunal: “[Um dos actos mais burocráticos] É perguntar ao solicitador «esclareça o que é que se passa». São os actos que mais praticamos nas acções executivas. E o despacho a condenar em multa e ordenar a substituição e a dar a comunicação, mais nada” (Ent.24). “Não temos nenhuma forma de controlo efectivo. Não temos nenhuma forma de controlar, efectivamente, quais são as diligências que foram realizadas no processo” (Ent.23). Bloqueios normativos de um processo burocrático e complexo 223 2.2. A intervenção do exequente e a (não) vinculação da indicação de bens à penhora Nos termos do artigo 810.º, n.º 3, alínea d) do CPC, o exequente deverá, sempre que possível, indicar os bens do executado, bem como o seu empregador e contas bancárias. No entanto, tal indicação não é, por um lado, obrigatória, sendo possível ao exequente apresentar requerimento executivo sem indicação de bens e; por outro, não é vinculativa para o agente de execução. Prevendo a lei que o agente de execução, previamente à realização da penhora, deverá realizar todas as diligências úteis à identificação ou localização de bens penhoráveis, inclusive consultas às diversas bases de dados (artigo 833.º, n.º 1 do CPC), devendo começar a penhora pelos bens cujo valor seja de mais fácil realização e se mostre adequado ao montante do crédito do exequente (artigo 834.º, n.º 1 do CPC). Para alguns autores, a aplicação prática do artigo 812.º-A, n.º 1, alínea d) do CPC202 leva ao seu insucesso e apresenta uma disfuncionalidade técnica, em virtude da escolha do objecto da penhora ser atribuição do agente de execução203. Isto é, de nada servirá qualquer indicação de bens penhoráveis no requerimento executivo por parte do exequente, atendendo a que essa função compete ao agente de execução (Pimenta, 2004). Esta falta de vinculação que resulta da lei origina alguma disparidade nos procedimentos adoptados pelos vários solicitadores de execução e constitui factor de tensão entre exequente e o solicitador de execução. Alguns, procuram executar, em primeiro lugar, a penhora dos bens indicados pelo solicitador. Outros, desconsideram o constante no requerimento executivo e iniciam as diligências tendentes à localização de bens a penhorar: 202 Prevê o acesso à penhora imediata sem despacho liminar nem citação prévia quando o título executivo respeitar a uma obrigação pecuniária vencida de montante não excedente à alçada da relação, não podendo incidir sobre imóvel, estabelecimento comercial, direito real menor que sobre eles incida ou quinhão em património que os inclua. 203 Na lei não consta nenhuma norma a determinar que a definição do objecto da penhora é atributo do agente de execução. 224 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma “Nós atendemos ao que está no requerimento executivo. A primeira abordagem é por aí. Só procedemos a diligências subsequentes depois de se averiguar o que se requereu no requerimento executivo” (Ent.50). “Numa primeira abordagem, fazemos alguma pesquisa na base de dados da Segurança Social (para os executados pessoas singulares) e no Registo Automóvel. Há processos que são muito rápidos; quando os mandatários indicam os bens é muito rápido. Em alguns casos, inicio a penhora pelos bens nomeados” (Ent.19). Para alguns entrevistados, a indicação de bens à penhora deveria ser obrigatória para o exequente e vinculativa para o solicitador de execução. “Em 65% dos processos não há bens para penhorar. Os exequentes deveriam ser obrigados a indicar bens à penhora, e se não o fizessem o processo extinguir-se-ia” (Ent.7). “(…) antes da reforma, o exequente tinha sempre que indicar bens à penhora. O que é que acontecia? Chegava à secretaria e havia o despacho a mandar fazer a penhora e o oficial de justiça tinha prazo para a fazer. Chegava das duas uma: os bens que o exequente indicava ou existiam ou não existiam. Não existindo, notificava-se o exequente. E ele então vinha dizer «vou indicar outros» ou ficava calado. Se vinha indicar outros, voltávamos a ir à procura daqueles bens. Se ficava calado, ia à conta do [art.º 51º do C.C.J], seguia, [artº 285º do C.P.C] e o processo terminava. A menos que, amanhã, o exequente voltasse a indicar bens e o processo prosseguia. Agora, no novo sistema, o exequente não é obrigado a indicar bens penhoráveis. Portanto, o solicitador de execução é que os procura. Logo aqui, há falta de impulso do exequente que poderia indicar os Bloqueios normativos de um processo burocrático e complexo 225 bens a penhorar, mas como o solicitador acaba por escolher aqueles que ele quer… Eu, como auxiliar de justiça, não podia escolher. O exequente indicava os bens, o juiz mandava penhorá-los e eu tinha que ir tentar penhorar aqueles bens. Hoje, não. Quer dizer, com esta facilidade do agente de execução escolher os bens, vem depois o exequente perguntar: «então, mas não penhorou», «ah, ainda anda a ver dos bens». Portanto, isto é um entrave, um travão no actual regime” (F-4). Esta posição foi também assumida por um solicitador de execução: “(…) 85% do tempo deste processo é com burocracias, especialmente a procurar bens. Seria muito mais simples se os bens viessem indicados no requerimento executivo, mas em 60% dos processos não vêm” (Ent.9). A maioria dos operadores judiciários entrevistados defendeu que o agente de execução deveria estar vinculado aos bens nomeados à penhora pelo exequente, relegando para momento posterior as diligências tendentes à localização de outros bens. Os depoimentos que se seguem, de vários operadores, reflectem essa posição: “Na indicação de bens à penhora, essa indicação devia começar no exequente e devia ser vinculativa para o solicitador de execução e não aquilo que efectivamente acontece hoje de poder ser a ele a fazer a opção” (P-14). “(…) antigamente, e estamos muitas vezes a falar de quantias pequenas, a primeira coisa que o exequente pedia era a penhora de bens móveis. Porquê? Porque o funcionário do serviço externo ia lá a casa e as pessoas para não ficarem sem a mobília pagavam… 226 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma Mas, isso impunha uma alteração legislativa, no sentido da vinculação…” (Ent.28). “Os solicitadores vão logo para as penhoras dos bancos e é o que eles querem fazer… é as penhoras… Porque é o mais fácil! Não tem que se deslocar” (Ent.29). “Regra geral, o solicitador não segue a indicação dos bens nomeados para penhora. Entendemos que a lei devia prever a obrigatoriedade do solicitador de penhorar os bens indicados” (Ent.11). “Na penhora de bens, os solicitadores seguem uma rotina. Não seguem a indicação feita pelo exequente” (Ent.13). “Os solicitadores de execução deviam vincular-se à identificação dos bens feita pelo exequente” (Ent.21). Há, ainda, quem chame a atenção para os efeitos perversos que tal situação pode induzir, com reflexos na duração dos processos. “Nos casos em que o exequente indica os bens, como não é vinculativo para o solicitador de execução, ele anda ali o tempo que quiser porque anda à procura de bens. E, depois, vem o senhor advogado dizer que «não, eu quero que penhore este e aquele» e os solicitadores a dizerem «não, eu não quero trabalhar com aquele advogado». Porque eles não querem estar sujeitos a indicação por parte do exequente de quais os bens a penhorar. Se há exequentes que não os indicam, também há aqueles que os indicam. Mas como Bloqueios normativos de um processo burocrático e complexo 227 não é vinculativo para o solicitador de execução, ele faz uma quantidade de diligências desnecessárias” (F-7). Considera, por isso, que: “O exequente deve ser obrigado a indicar os bens a penhorar e o solicitador deve começar por aqueles. Porque é uma forma de haver uma relação mais estreita entre o que o exequente diz e o que o solicitador faz. Então, para que é que vale a pena o exequente indicar se o senhor solicitador não lhe liga nenhuma? É que o exequente indica os bens, o solicitador não liga nenhuma e os bens vão-se embora. E, depois, quem é responsável? Se fosse na nossa altura, eu sei quem era. Agora, não faço a mínima ideia. Portanto, o exequente indica bens à penhora e o solicitador está vinculado a começar por aqueles bens. Porque aí permite-me pedir ao solicitador responsabilidade pela sua não actuação nesse sentido. A partir do momento em que não se vincula o solicitador a qualquer tipo de bem, nós não lhe podemos perguntar por onde é que começou ou deixou de começar. Se tiver a indicação e a obrigatoriedade de começar por aquele bem em especial, acho que muitos deles iriam acabar por insuficiência de bens, porque a bola passava para o exequente a solicitar-lhe que indicasse outros. E o exequente aí não tem indicação e prefere acabar com a execução. Agora, estamos ali sempre com uma pescadinha de rabo na boca: será que tem, será que não tem, não chegamos a lado nenhum!” (F-7). Para alguns dos entrevistados, a falta de vinculação dos agentes de execução aos bens nomeados pelo exequente introduziu no sistema um défice de gestão dos processos por parte deste agente processual, que deve ser corrigido: 228 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma “Mas, para mim, o fundo da questão é a actual falta de poder de gestão por parte do exequente…” (Ent.26). “(…) antes o exequente dizia «eu quero aquilo»,«realizou-se ou não se realizou?», «se se realizou e não cobre a quantia exequenda, quero a seguir a penhora de…» e agora saiu do controlo do exequente” (Ent.32). No mesmo sentido, um funcionário judicial considera: “(…) devia ser dada ao exequente maior capacidade de intervir no processo, ter uma maior intervenção no impulso processual. Porque, neste momento, o exequente vê-se de mãos atadas sem poder, digamos, impulsionar o processo, de modo a que ele possa terminar com maior rapidez” (F-6). Para um magistrado do Ministério Público, a reunião no mesmo agente do poder de nomear bens à penhora e de decidir sobre os mesmos pode até gerar alguns problemas de abuso de poder: “Ora, não faz sentido a decisão ser de um inferior daquele que requer. Estamos perante uma subversão do sistema. E até o pedido do exequente pode ser alterado pelo solicitador. Os solicitadores não estão preparados, nem em termos de quantidade, nem de preparação. Mas, também, aquele que executa a penhora não pode ser o decisor, trata-se de uma situação que potencia a corrupção. Que já existia nas insolvências” (Ent.6). Bloqueios normativos de um processo burocrático e complexo 3. 229 O controlo da actividade do solicitador de execução A principal inovação da reforma da acção executiva, foi, como já deixámos dito, a criação de uma nova figura processual: o agente de execução (em regra solicitador de execução) a quem, segundo o disposto no artigo 808.º, n.º 1 do CPC, compete “efectuar todas as diligências do processo de execução, incluindo citações, notificações e publicações”. A este profissional “cabe efectuar, em regra, todas as diligências do processo de execução, sob o controlo do juiz, nessas diligências cabendo os actos executivos fundamentais (penhora, venda, pagamento) e os que são perante ele instrumentais (incluindo citações, notificações e publicações). Nem sempre nele havendo despacho liminar (é, pelo contrário, regra estatística a da sua dispensa) e só excepcionalmente ocorrendo despacho de penhora (é o caso da penhora do saldo de depósitos bancários e o daquela que implique entrada na casa de habitação do executado) e despacho determinativo da venda (é o caso da venda antecipada de bens e, em regra, da venda por proposta em carta fechada), o desenvolvimento do novo processo executivo está, em larga medida, dependente dos critérios do agente de execução, designadamente no campo da penhora (onde lhe cabe actuar segundo um princípio geral de adequação ou proporcionalidade) e da venda (sobre cujo valor-base lhe cabe decidir)” (Freitas, 2004b). As funções do agente de execução são desempenhadas, em regra, por um solicitador de execução (artigo 808.º, n.º 2, 1.ª parte do CPC). O solicitador de execução pode definir-se como profissional liberal independente, que, nos termos quadro legal em vigor, se poderá considerar sujeito a um múltiplo controlo ou dependência: processual, no que respeita ao juiz; profissional e deontológico, quanto à respectiva Câmara dos Solicitadores; e fiscalizado ainda pelo exequente, que pode pedir a sua destituição judicial, com base em justa causa, nos termos do artigo 808.º, n.º 4 do CPC. Este múltiplo controlo é realçado por um solicitador de execução: “O primeiro controlo que é feito – porque o processo é judicial – é feito pelo juiz. Existe a possibilidade de o próprio juiz destituir o 230 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma solicitador e, a partir daí, o que é que acontece? É aberto automaticamente um processo disciplinar na Câmara dos Solicitadores. É um processo automático, que, efectivamente, terá que ser revisto também” (S-1). No entanto, ao longo do nosso trabalho de investigação, podemos constatar a existência de muitas dúvidas quanto a um controlo efectivo da actividade funcional do solicitador de execução. Por um lado, alguns operadores judiciários alertaram para o facto de o poder de controlo do juiz ser bastante limitado. Por outro, uma parte substancial dos operadores foram de opinião que também o exequente possui um âmbito de actuação limitado que não lhe permite fiscalizar convenientemente a actividade do solicitador. Por último, outros operadores, na sua maioria advogados, defenderam que também a Câmara dos Solicitadores não tem tido uma actuação diligente no sentido de fiscalizar aquela actividade. “Actualmente, os solicitadores ficam “em roda livre”, pois o juiz não pode dar directivas concretas. Também não estão devidamente organizados na sua Ordem. O auto-controlo destes profissionais liberais continua a não existir. A solução existente, à face da lei, é o exequente pedir a destituição do solicitador de execução. Mas é necessário que este pague preparos de novo” (Ent.6). Alguns magistrados judiciais referiram precisamente que a maioria das destituições de solicitador de execução que já ordenaram se prendia com a ausência de resposta ao tribunal na entrega do relatório referido no artigo 837.º do CPC, o que foi confirmado pelos solicitadores de execução entrevistados e pela Câmara dos Solicitadores. “Temos duas situações. Primeiro: participações directas feitas por mandatários para as secções regionais deontológicas competentes. Uns denunciam a negligência do solicitador ou toda a actuação que possa ser alvo de acto disciplinar, de tutela disciplinar por parte da Bloqueios normativos de um processo burocrático e complexo 231 Câmara. Mas essas não são muitas. O que nós temos muito, sim, são provenientes dos tribunais. Destituições que, muitas das vezes, não são a pedido das partes, mas é o tribunal a destituir oficiosamente porque não responde ao 837.º” (S-1). Para alguns autores, o juiz apenas pode ordenar como sanção a destituição do solicitador, quando este agir de forma dolosa ou negligente ou violar de forma grave o seu dever, constituindo a actuação negligente do solicitador de execução apenas uma infracção disciplinar, de acordo com o Estatuto da Câmara dos Solicitadores. Assim, defendem que ao juiz está vedada, a possibilidade de, por exemplo, aplicar multas aos solicitadores de execução (Meneres, 2004). No entanto, como já referimos supra, verificámos que, na prática, existe, em algumas comarcas, uma tendência de aplicação de multas ao solicitador de execução quando este agente não responde atempadamente às solicitações do tribunal. Mas, quanto à eficácia desta “sanção”, as opiniões divergem. Para alguns magistrados, não tem qualquer efeito prático: “(…) eu acho que as multas não os assustam porque eu ouvi dizer, e isto são conversas de bastidores, que são pagas pela Câmara dos Solicitadores. Alguma coisa se passará porque, de facto, só no meu juízo são muitas…” (Ent.83). “E não é 1 UC. Eu começo logo por 3. E há colegas que já vão nas 6 UC. Mas as multas não os assustam” (Ent.82). “A maior parte das vezes, nem há o cuidado de dar nenhuma justificação… pura e simplesmente, notificação e silêncio. E por isso é que tinha uma ideia que tinha de haver qualquer coisa. Este senhor não faz nada, portanto, de onde vem tanto dinheiro?! E a 232 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma mim vieram-me dizer que era a Câmara dos Solicitadores que paga” (Ent.83). Outros magistrados, contudo, entendem ser este o meio adequado de “sancionar” a actuação negligente do agente de execução, defendendo que a destituição do solicitador deveria estar reservada apenas à Câmara dos Solicitadores: “Não acho que a destituição devesse ser tarefa do juiz. Eu acho que era da Câmara. O poder disciplinar deveria ser da Câmara dos Solicitadores” (Ent.25). “Não podemos utilizar a destituição a todo o momento, se não já não tínhamos solicitadores nos processos. E, portanto, acho que, pelo menos, o mecanismo da multa …” (Ent.24) "O artigo 519.º podia, aqui, ser ou não aplicado para multar o Solicitar de Execução que, várias vezes notificado, nada diz” (Ent.31). A acção de controlo efectuada pelo tribunal é colocada em causa pelos solicitadores de execução. Consideram, não só que algumas falhas dos solicitadores se devem à ausência de ferramentas adequadas ao exercício da sua função, mas também que, em parte, as destituições ordenadas pelo tribunal não respeitam o princípio do contraditório: “Eu diria que, dando-nos as ferramentas e dando-nos a capacidade, ninguém tem que ter medo do controlo. Ou seja, o controlo que seja o mais efectivo, o mais abrangente, o mais alargado possível. O que é preciso é que as ferramentas estejam cá todas, para que as pessoas possam responder. E que esse órgão de fiscalização tenha Bloqueios normativos de um processo burocrático e complexo 233 um conhecimento efectivo do que é o terreno. Ou seja, não sejam teóricos deste processo, mas que sejam motivos disciplinares” (S-3). “E este controlo é feito pelas secções deontológicas, que efectivamente têm e tratam o processo com as regras estatutárias apertadas que temos e que aplicam subsidiariamente as regras do Código Penal e do Processo Penal. E, portanto, há que ouvir as pessoas interessadas. Muitas das vezes, os solicitadores são destituídos sem fundamento ou seja, que eu saiba, qualquer despacho judicial tem que ser fundamentado. Também existe o direito ao contraditório e à defesa do solicitador, mas, muitas das vezes, não existe. Existe aqui uma violação do contraditório e também não digo, que quando é dado a alguns solicitadores, se calhar, não respondem, já é um problema de quem não responde, e nós apanhamos depois do lado de cá. Com o envio do ofício do tribunal a comunicar a destituição do solicitador, obrigatoriamente, nós temos que abrir processo disciplinar. E, a partir daí, face à averiguação do processo…” (S-1). Mas, para alguns advogados, é precisamente a ausência de controlo por parte da Câmara dos Solicitadores que está em causa: “A Câmara dos Solicitadores não responde às nossas solicitações” (Ent.21) “A Câmara dos Solicitadores no início foi incansável na ajuda; mas, depois, perderam o comboio. Não exercem qualquer controlo” (Ent.20) Resulta, assim, que tanto os solicitadores de execução como os restantes operadores judiciários, embora por razões diversas, colocam em causa os 234 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma actuais mecanismos de controlo da actividade do solicitador de execução. As soluções avançadas pelos vários operadores judiciários foram bastante díspares. Alguns autores defendem que o controlo da actividade do solicitador de execução por parte do Estado deveria ser similar à figura francesa que lhe deu origem: o huissier de justice. Consideram que “apesar de serem profissionais liberais, são nomeados, controlados e fiscalizados pelo Estado, ficando sob a tutela do Ministério da Justiça (…). Já entre nós, o Estatuto dos Solicitadores e o articulado do Código do Processo civil não prevêem qualquer espécie de controlo fora do âmbito de cada processo onde o solicitador intervém”, não tendo, deste modo, sido salvaguardada a possibilidade de o Estado sindicar quer o processo disciplinar, quer os respectivos efeitos que se encontram sob a alçada dos órgãos internos dessa profissão jurídica (Geraldes, 2004). Um solicitador de execução defendeu que o controlo da actividade destes agentes de execução poderia ser reforçado, nomeadamente através de uma maior intervenção do Ministério Público: “Na minha opinião, a solução passa pela intervenção, em especial, do Ministério Público. Se nos dão muito mais poderes, além de o juiz poder verificar sempre que lhe surgir um incidente em contraditório num processo, poderá ser o Ministério Público” (S-5). Quanto a esta matéria, a opinião da maioria dos operadores parte de duas posições radicalmente diferentes: aqueles que entendem que a melhor forma de controlo passa pelo próprio exequente, devendo caber a este a nomeação e destituição livre do solicitadores; e aqueloutros que se opõem frontalmente a tal posição. Para aqueles que defendem a primeira solução, consideram que ela irá também permitir aprofundar as relações de confiança e proximidade entre agente de execução e exequente: Bloqueios normativos de um processo burocrático e complexo 235 “Eu acho que, se calhar, mais valia que os exequentes pudessem nomear livremente, e destituir livremente” (Ent.22). “Talvez, assim, houvesse um melhor relacionamento entre os solicitadores e os exequentes. E quando as coisas correm bem o exequente não tem motivos para pedir a destituição” (Ent.24). “Ele desempenha as funções que a lei lhe atribui… mas, para além disso, ele não é um funcionário do Estado, ele não é um funcionário do processo, propriamente. Ele age no sentido de fazer aquele processo prosseguir e conseguir alcançar o objectivo do exequente, portanto, na prática, ele trabalha ao lado do exequente” (Ent.21). “Nomeava, era aquela pessoa… confiava nela. Se deixasse de confiar, destituía… O Tribunal só tinha que ter conhecimento” (Ent.30). Em sentido contrário, Paulo Pimenta defende mesmo que a própria possibilidade de nomeação do solicitador de execução pelo exequente levanta a questão da imparcialidade e independência do solicitador de execução, isto é, da sua actuação no processo ficar condicionada, uma vez que se pode vir a estabelecer uma certa proximidade entre o solicitador de execução e o exequente. Segundo este autor, aquele deve sempre tratar qualquer interveniente processual com isenção, equidistância e imparcialidade e agir segundo os ditames legais e com critérios objectivos (Pimenta, 2004). Nenhum dos operadores entrevistados assumiu uma posição tão radical. Não obstante, alguns defenderam que a possibilidade de destituição livre poderia por em causa a própria génese e os princípios pelos quais se deve pautar a função do agente de execução. Um solicitador de execução reafirma esta posição com o seguinte exemplo: 236 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma “Há um conflito de génese aí que é o seguinte: quando vendemos, entre aspas, esta nova especialidade, esta solução, vende-se dizendo “o solicitador de execução vai ser um agente de execução independente das partes”. Os primeiros conflitos que nós temos com os exequentes são quais? É a senhora mandatária que vem apresentar um processo de execução exigindo que penhorássemos um cavalo lusitano puro-sangue para receber 300 euros. E a minha colega, que tinha o processo, começa a arranjar o veterinário, o carro para a remoção do cavalo, etc. Quando me fala nisso… “um cavalo? Cobra 300 euros. Mas não há outras coisas. Tu vais mas é recusar. O cavalo parte uma perna, nós vamos ter de pagar uma indemnização enorme. Tu não te metas nisso, nós vamos arranjar outra solução”. E então, lá faz um mail à Sra. advogada a dizer que o cavalo não pode ser. Então a senhora nomeou à penhora os pneus do Ferrari, porque ele tinha um Ferrari. Ao telefone: “mas que é que a Sra. quer fazer disto.”, “é que ele deve-me, além dos 300 euros - porque eu tenho um documento - ele deve-me mais 5 mil e eu quero ver se o envergonho de forma a que ele me pague tudo”. Portanto, esta noção de necessidade de alguma independência do agente de execução face aos excessos e aos momentos em que o exequente se tenta aproveitar da fraqueza do executado para exigir mais do que aquilo a que tem direito, ou seja, indo ao âmago da questão, a diferença entre um cobrador de fraque, que não quer saber da legitimidade ou não da dívida e só quer cobrar, e o agente de execução tem que estar aqui. O agente de execução tem que verificar a legitimidade do procedimento, a legitimidade da dívida, ser regulado, e não pode ser alguém que só tem como seu único objectivo satisfazer o seu cliente exequente” (S-5). “Acho que é perigoso. (…) Pode é torná-lo mandatário” (P-11). Bloqueios normativos de um processo burocrático e complexo 237 “Deixa-o demasiado dependente do exequente” (P-7). Um outro magistrado judicial assumiu uma posição mitigada: “(…) A revogação livre por parte do exequente, a ideia não me repugna muito. Se estabelecêssemos um mecanismo de dez dias de oposição ao solicitador para demonstrar que era infundada a revogação, isto é, inverter o ónus da prova, o solicitador é que tinha de vir provar que tinha actuado com diligência. O exequente dizia “senhor juiz, não quero mais este solicitador de execução”, notificado, passados dez dias, ele não diz nada, então está resolvida a questão. Em dez dias, ele tinha que demonstrar que tinha sido diligente e que o exequente não tinha o menor fundamento para a destituição. E aí o juiz dizia: “tem efectivamente razão, o senhor até actuou bem, pese embora o tempo decorrido”. Fazendo a demonstração, o juiz não admitia a revogação, mantinha-o no exercício das funções” (P-5). Alguns advogados defenderam, ainda, que a solução poderia passar não pela livre destituição do solicitador de execução e nomeação de um outro em sua substituição, mas pela possibilidade de devolução da competência para o prática dos actos da competência do solicitador de execução ao mandatário do exequente: “O relatório não funciona! O relatório não é para o tribunal é para o exequente. Ele só tem que o entregar no tribunal. Assim, decorridos 3 meses sem informação ao processo, diga-se, ao exequente com conhecimento ao processo, o exequente notificava o solicitador que a situação se invertia e que iria proceder à prática dos actos, terminando a intervenção dele no processo. A consequência seria a devolução dos actos ao exequente” (Ent.91). 238 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma “Eu acho que é uma belíssima sugestão porque não vejo outra alternativa” (Ent.93). Bloqueios normativos de um processo burocrático e complexo 4. 239 A inexistência de prazos peremptórios Todos os intervenientes referem que alguns dos atrasos dos processos executivos se devem a sucessivos incumprimentos, por parte das várias entidades, dos prazos fixados na lei. Assim, os solicitadores de execução referem que as entidades obrigadas a fornecer informações não cumprem o prazo de 10 dias previsto no artigo 833.º, n.º 2 do CPC e que o tribunal não cumpre o prazo subsidiário de 10 dias, previsto no artigo 160.º, n.º 2 do CPC para proferir os despachos no âmbito da acção executiva. Os funcionários judiciais e os magistrados judiciais, por seu turno, afirmam que os solicitadores de execução não cumprem os prazos fixados para a realização dos actos da sua competência e para a junção do relatório e da documentação aos autos. Há, por isso, uma posição maioritária no sentido de uma solução que obrigue ao cumprimento estrito dos prazos previstos na lei. Para tal, como referem dois solicitadores de execução: “Se olhar para o panorama judicial e disser: «temos 500 solicitadores e temos uma média de 500 a 1000 processos por solicitador, o solicitador que tenha 1000 processos tem que ter capacidade de resposta para os 1000». Agora, não tem capacidade de resposta para 5 mil. Mas isso é ele que tem de ter a consciência de não monopolizar o mercado” (S-3). “Mas, com uma condição: que os prazos sejam peremptórios para toda a gente. Que a Segurança Social, ao fim de 10 dias, ou qualquer entidade, ao fim de 10 dias, se não responder, pague uma multa” (S-6). Segundo um solicitador de execução, a existência de prazos peremptórios para o solicitador de execução poderia provocar um estreitamento e maior confiança nas relações entre exequente e solicitador de execução: 240 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma “Se o processo não é do tribunal, o grau de confiança entre o exequente e o solicitador de execução será cada vez maior. Como é evidente, se o mandatário, o exequente, entregou um processo ao senhor solicitador de execução, para citação, ou para qualquer outro tipo de acto, e, na sua relação, o solicitador de execução não cumpriu um prazo peremptório sem nenhuma justificação, isso dálhe a liberdade e legitimidade para, imediatamente, ser destituído automaticamente ou até por uma destituição por acordo, do género: “eu não sou capaz por não sei o quê” e acordam a destituição… Hoje em dia, uma das coisas extremamente curiosas é que, se eu e o mandatário não nos entendermos, ele tem que me destituir, pedindo uma destituição ao juiz e, ainda, tem um processo pelo meio, apesar de estarmos os dois de acordo” (S-5). No que diz respeito à junção de documentos ao processo relativa aos actos que o solicitador de execução praticou (citações, notificações, penhoras), é levantado o problema prático de não se encontrar previsto qualquer prazo específico, bem como a respectiva sanção para o incumprimento deste dever. Para Alexandra Rocha, “tal tem dado origem à prolação de vários despachos que têm de vir a ser anulados, porque há actos que já haviam sido praticados pelos solicitadores de execução, mas cuja documentação estes não haviam ainda juntado ao processo no momento em que os despachos foram proferidos e que os prejudicam. Acontece até, frequentemente, darem entrada em Juízo oposições à execução ou reclamações de créditos, sem que do processo executivo conste ainda a realização das respectivas citações” (Rocha, 2005). Bloqueios normativos de um processo burocrático e complexo 5. 241 Mais oposições à execução – o processo executivo transformado em processo declarativo? É percepção de alguns operadores judiciários que houve um aumento, ao longo dos últimos anos, do número de oposições à execução: “Agora, ultimamente, tem havido uma série de oposições” (Ent.83). “Tem aumentado o número de oposições. Em quase todas as oposições pede-se a suspensão. Não com caução, mas, quando o título executivo é uma letra, com a impugnação da assinatura, pedese a suspensão da execução” (Ent.81). Este aumento é atribuído a duas causas diferentes: por um lado, ao crescimento da crise económica, utilizando-se as oposições com objectivos dilatórios como forma de protelar a penhora e venda de bens; e, por outro, ao alargamento do número de títulos executivos. Para alguns operadores entrevistados, o objectivo de simplificação e desjurisdicionalização do processo executivo vê-se gorado pela necessidade de um controlo intensivo de alguns títulos executivos. Esta opinião foi manifestada tanto por magistrados judiciais, como por solicitadores de execução. “Também temos vindo a constatar que há muitas oposições à execução com fundamento, devido ao alargamento dos títulos executivos” (Ent.70). “Há certos títulos executivos que, se calhar, têm necessidade de uma intervenção judicial para lhes dar uma legitimidade” (S-5). “Eu diria assim: há títulos executivos que não deveriam ser títulos executivos” (S-3). 242 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma “Se não fossem executivos, o problema estava resolvido. Um dos mais notórios é talvez o das actas dos condomínios. (…) É talvez um dos títulos executivos mais injustos, que tem aspectos mais imorais... ainda por cima, com a penhora imediata do imóvel, às vezes, as pessoas quando percebem, já não têm nenhuma capacidade de reagir. Aproveitando-se muito do imigrante ignorante, é dos títulos que nos levanta mais problemas. Como é evidente, o solicitador de execução sente-se muito mais confortável quando vai fazer uma execução com um título com uma grande legitimidade. Vou fazer uma penhora relativamente a uma sentença, em que o indivíduo já sabe que foi condenado, em que já sabe que tem que lá estar à espera, a ver se a justiça não funciona, para não pagar. É uma coisa completamente diferente de quando se vai levar uma acta de um condomínio que resolveu que se ia fazer determinada obra luxuosa, que o obrigam a pagar uma coisa com que ele não estava de acordo e para a qual nunca foi ouvido” (S-5). “E temos outro problema que é um excesso de títulos executivos. É tudo título executivo” (P-11). Alguns magistrados referem que o resultado do alargamento do número de títulos executivos está a ter como consequência o aumento do número de incidentes declarativos enxertados na instância executiva: “O que se passa com os títulos executivos é que nós andamos aqui a discutir, em sede executiva, acções que deviam ter sido discutidas na acção declarativa” (Ent.24). “E cada vez mais. É que cada vez alargam mais…” (Ent.25). Bloqueios normativos de um processo burocrático e complexo 243 “Mas discutimo-las em sede de oposição à execução… Andamos um passo à frente. Mas depois andamos a discutir, na própria acção executiva, uma coisa que poderia ter sido esclarecida na acção declarativa” (Ent.27). “Temos o problema do novo alargamento dos títulos executivos. Continuando neste caminho, com a lei que temos neste momento, a nível de títulos e a nível de lei processual, a acção executiva vai-se tornar cada vez mais incomportável porque as questões declarativas vão-se assoberbando, vão-se complicando, vão-se suscitando novas questões declarativas nos tribunais executivos e cada vez é mais difícil compatibilizar isso com as funções que nós temos na acção executiva e, depois, surgem as funções que temos que desempenhar nos apensos declarativos que se suscitam” (Ent.31). Ainda segundo aqueles operadores, esta situação tem reflexos na organização judiciária, em especial, naquelas comarcas em que existem juízos de execução: “Os juízos cíveis deixaram de ter execuções, mas os juízos de execução passam a ter acções declarativas…” (Ent.29). “…e em termos executivos… acho que foi simplificar aquilo que não é simples. Nalguns casos justificava-se tendo em conta, quer o título executivo, quer o valor da acção. Mas, noutros casos, temos coisas bastante complicadas. E com valores astronómicos… a seguirem a forma de processo sumário” (Ent.28). Além do “desequilíbrio” do modelo de organização judiciária, na opinião daqueles magistrados, a forma processual para tramitar as oposições à execução, muitas vezes, não é adequada: 244 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma “…e uma coisa algo incompreensível… Eu penso que tem a ver com a tramitação das oposições à execução. Agora, não obstante o valor ou o título executivo, seguem todas a forma sumária ainda que… sem haver mais articulados após a contestação” (Ent.29). “É preciso ver que temos oposições muito simples e até decididas logo em saneador sentença, e temos cada vez mais questões factualmente e juridicamente muito complexas. Para mim é algo incompreensível, é como se o exequente tivesse intentado uma acção declarativa e seguisse a forma de processo ordinário…” (Ent.28). “A forma de processo sumário não se adequa a acções onde estão em causa milhões” (Ent.29). Bloqueios normativos de um processo burocrático e complexo 6. 245 A tramitação processual: alguns problemas 6.1. O despacho liminar e/ou citação prévia A reforma da acção executiva de 2003 alterou, desde logo, a fase inicial do processo, adoptando regras novas para o recebimento e encaminhamento da acção. Assim, após a recepção do requerimento executivo, continua a manter-se a regra da penhora sem necessidade de prévio despacho judicial para a execução de sentença e para o requerimento de injunção no qual tenha sido aposta fórmula executória, alargando-se, agora, esta regra às acções em que o título executivo é uma decisão arbitral ou um documento particular com determinadas características204. Não há, portanto, lugar a despacho liminar, nem a citação prévia do executado, nos termos do artigo 812.º-A, n.º 1 do CPC, começando a execução, nestes casos, pela penhora. Nos restantes casos, o processo é concluso ao juiz para despacho liminar, podendo o juiz proferir quatro tipos de despachos diferentes: despacho de indeferimento, quando seja manifesta a falta ou insuficiência do título executivo, caso a secretaria judicial não tenha recusado o requerimento com este fundamento205; despacho de remessa do processo ao tribunal competente, nos casos de incompetência relativa de conhecimento oficioso; despacho de aperfeiçoamento, uma vez que o juiz continua, ainda, a poder convidar o exequente a suprir as irregularidades detectadas no requerimento executivo, 204 Segundo o disposto no artigo 812-A.º, n.º 1 do CPC, não há lugar a despacho liminar nas execuções baseadas em decisão judicial ou arbitral; requerimento de injunção no qual tenha sido aposta a fórmula executória, documento exarado ou autenticado por notário, ou documento particular com reconhecimento presencial da assinatura do devedor, desde que o montante da dívida não exceda a alçada do tribunal da relação e seja apresentado documento comprovativo da interpelação do devedor, quando tal fosse necessário ao vencimento da obrigação ou excedendo o montante da dívida a alçada do tribunal da relação, o exequente mostre ter exigido o cumprimento por notificação judicial avulsa; qualquer título de obrigação pecuniária vencida de montante não superior à alçada do tribunal da relação, desde que a penhora não recaia sobre bem imóvel, estabelecimento comercial, direito real menor que sobre eles incida ou quinhão em património que os inclua. 205 Cf. artigo 812.º, n.º 2 do CPC. 246 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma bem como a sanar a falta de pressupostos206; ou um despacho a ordenar a citação do executado para pagar ou para se opor à execução207. Resulta, assim, do novo regime normativo que, nesta fase inicial do processo executivo, foi conferido à secretaria judicial um papel decisivo no encaminhamento do processo, uma vez que é esta que pode identificar as execuções em que há, ou não, lugar a despacho liminar – fazendo, nesses casos, o processo concluso ao juiz para que profira despacho. Ou, se assim, não considerar, pode passar o processo, de imediato, para a fase da penhora. Ora, este controlo por parte da secretaria levanta alguma apreensão por parte de certos magistrados que consideram que, apesar de a secretaria poder sempre suscitar a intervenção do juiz de execução quando surgirem dúvidas ou situações anómalas, este controlo prévio não garante a detecção de falhas processuais ou materiais do processo executivo em causa, em virtude desta actuação exigir, por vezes, alguns conhecimentos jurídicos especializados e gerais relacionados com conceitos, princípios e institutos jurídicos bastante complexos, podendo vir a provocar a prática de actos inúteis e consequentes demoras no processo (Fialho: 2004). Além disso, é também considerado por alguns operadores judiciários que este novo paradigma da acção executiva exige “um melhor apetrechamento técnico-jurídico do funcionário judicial e uma nova cultura de gestão do processo, em substituição da actual cultura do processado” (Soares Gomes, 2005). De acordo com a opinião deste magistrado, o controlo liminar da regularidade do requerimento executivo por parte da secretaria judicial, no que diz respeito à falta de exposição de factos, à manifesta insuficiência do título executivo apresentado, à falta de qualificação e insuficiência dos requisitos de exequibilidade do próprio título pressupõe o domínio de conhecimentos técnicojurídicos sedimentados por parte dos funcionários de justiça, sob pena de 206 207 Cf. artigo 812.º, n.ºs 4 e 5 do CPC. Cf. artigo 812.º, n.º 6 do CPC. Bloqueios normativos de um processo burocrático e complexo 247 poder vir a se traduzir num acréscimo de trabalho para o juiz de execução (Soares Gomes, 2005). Um outro magistrado expressa a mesma opinião ao entender que o alargamento dos títulos executivos à generalidade dos documentos particulares, já resultante da reforma de 1996, e a falta de controlo prévio num conjunto de execuções (artigo 812º-A, n.º 1, alíneas c) e d) do CPC), provocam o recurso abusivo à acção executiva por não possuir as condições básicas para o seu cabal prosseguimento. Associado a este problema, surge também o risco de a secretaria judicial, por falta de formação e preparação técnica, não conseguir percepcionar as falhas processuais ou materiais do processo, levando à instauração e prossecução de acções executivas sem os necessários pressupostos básicos, ou a uma intervenção judicial posterior, nos termos do artigo 820º do CPC, com a consequente morosidade judicial (Geraldes, 2004). Para muitos entrevistados, esta fase inicial tem levantado grandes problemas, fruto de uma excessiva complexidade da tramitação adoptada e da variedade de caminhos possíveis para a acção executiva. “A redacção da lei está intrincada para chegar a estas três conclusões: A execução pode começar por três formas, pelo despacho prévio, pela citação, pela penhora” (F-4). “A sensação que tenho é que o regime processual é extremamente complexo e, portanto, vai ser um factor de perturbação e de acrescida litigiosidade. No dia em que se começar a ter que interpretar normas como aquela que regula a penhorabilidade subsidiária (artigo 828.º) ou aplicar o esquema complicadíssimo da fase liminar, com numerosas tramitações alternativas, surgirão seguramente dúvidas e questões a dirimir jurisprudencialmente. Não se quis assentar naquilo que, para mim, é óbvio: tem que haver dois tipos de processo executivo: a execução das pequenas dívidas, com uma tramitação altamente simplificada, e uma execução normalizada 248 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma para os litígios mais complexos. Portanto – e em balanço final – são quatro os grandes “dramas” da reforma da acção executiva: Um – inevitável – que deriva da criação inovadora de uma figura que nunca tinha existido entre nós; outro, que se podia ter evitado, que foi avançar precipitadamente, na implementação da reforma, com uma ausência total de condições práticas; outro, o problema da articulação da reforma da acção executiva com o figurino judiciário, que exigia também ideias claras desde o princípio; e, finalmente, o repensar da tramitação de alguns pontos da acção executiva, que me parece, de facto, extremamente complexa e que vai gerar conflitos jurisprudenciais durante, provavelmente, muitos anos, até que se consigam clarificar suficientemente os regimes legais” (P-2). Um magistrado judicial enuncia, assim, as diferentes questões que se levantam nesta fase, para as quais avança com algumas soluções: “(…) No que respeita ao despacho liminar é no sentido de acabar-se com esta situação em que hoje um oficial de justiça tem de percorrer mais de 20 etapas (o colega dizia há bocado 25) para as quais não tem preparação jurídica, não tem preparação para fazer essa triagem devidamente e com algumas adaptações no preenchimento dos campos informáticos no sentido de o sistema recusar ou não recusar, conforme esses dados sejam fornecidos, seria susceptível a supressão do despacho liminar. Se não for para todos, pelo menos é de pensar seriamente naquelas que sejam os mais simples e, portanto, eventualmente, jogar dentro desta base. Outra perspectiva é na ideia de citação prévia e da penhora imediata. A proposta que nós fazemos é que todas as execuções começariam pela penhora de bens, desde logo, não haver citação prévia. Ficariam suspensas com o recebimento da oposição e, caso o executado pretendesse obter o levantamento da penhora sobre algum dos bens, prestaria caução no valor dos bens” (P-14). Bloqueios normativos de um processo burocrático e complexo E justifica, assim, a sua posição: “O que se refere no documento é que, pela experiência prática, a prévia citação não se traduz numa protecção substancial dos interesses de qualquer uma das partes, inclusivamente pode dar lugar é precisamente a que o executado acabe por sonegar os bens através da citação. Das duas, uma: ou nós entendemos que os títulos executivos devem ter alguma credibilidade e alguma força e, portanto, vamos discutir eventualmente se o título executivo deve ter o alargamento que tem hoje – e essa é outra questão – ou, a partir do momento em que nós sustentemos que há um título executivo, ele deve ter a credibilidade mínima suficiente para que possa funcionar imediatamente com uma penhora e sem uma citação. Podemos depois discutir é outro aspecto: se a falta de despacho liminar não permite haver controlo do título executivo e, portanto, por esse aspecto, não estaremos a executar património sem um controlo mínimo. Eu aí o que digo é que, se o solicitador de execução tem que servir para alguma coisa, além da devida formação que tem de lhe ser dada, uma das coisas que tem de servir é para fazer um devido controlo deste título executivo, se ele tem sentido ou não. E, para aquelas situações em que se venha a verificar manifesta falta de título executivo, tem que haver correspondência em termos de custas respectivas, quer para a parte, quer eventualmente em termos de responsabilidade do solicitador de execução em termos disciplinares perante a tal autoridade de execução que nós propomos. Isto é a forma de co-responsabilizar todos os intervenientes e o próprio poder político legislativo, desde logo, em dizer “título executivo é alguma coisa que deve ter algumas garantias, que deve imediatamente determinar a possibilidade de executar o património do devedor”. Porque aquilo que vem sendo feito sistematicamente é andarmos a transferir problemas de uma área para outra. Antigamente, as acções declarativas estavam num aumento exponencial e o legislador resolveu o problema: “vamos 249 250 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma transformar muitas coisas em título executivo” e passou quase tudo a ser título executivo. O resultado é: as acções declarativas estão a baixar drasticamente, mas as acções executivas estão a disparar. Isto é andar a saltar as coisas de um lado para o outro” (P-14). Também Paulo Pimenta defende que estas quatro formas de tramitação possíveis da fase inicial da acção executiva vieram complicar algo que estava já completamente assimilado na prática forense (Pimenta, 2004). Um magistrado referiu que, especificamente em comarcas de grande volume processual, o esquema processual da fase inicial do processo executivo constitui um forte bloqueio: “…eu sou um adepto da abolição total e simples do despacho liminar. Isto porque trabalhei num universo com 200 mil acções… o despacho liminar ao juiz não custa nada. Agora, este sistema que existe actualmente, em que umas estão sujeitas a despacho, outras não estão, implica para o funcionário que tenha o processo à sua frente a realização de 25 operações de raciocínio. Portanto, não é só detectar as 6 situações que estão ou não sujeitas a despacho liminar. Ele tem de fazer essas 25 operações de raciocínio e confirmá-las nos papéis. Isto é uma coisa avassaladora em 200 mil processos, independentemente do valor da acção. Este é só um dos critérios entre vários outros. Logo, é extremamente penoso para quem está a fazer essa triagem, para já, fazê-la bem e, depois, fazêla eficazmente no universo processual que lhe é dado. Eu acredito que, numa comarca que receba 100 execuções por mês, essas 25 operações a multiplicar por 100 sejam assimiladas no trabalho dos funcionários. Agora, ainda que estejamos a falar de funcionários que sejam altamente especializados naquela função – pela prática, não porque alguém lhes tenha dado formação para isso –, mas, ainda que estejamos a falar de funcionários altamente especializados nisso, é um trabalho perfeitamente hercúleo só para decidir para Bloqueios normativos de um processo burocrático e complexo 251 onde vai aquele processo. Se vai para o solicitador directamente ou se vai para o juiz. Da experiência que eu tive nos juízos de execução, esse era o principal bloqueio da acção executiva. Mas também devo dizer que, da experiência que tive nestes dois anos, não sei se não irei encontrar outros bloqueios lá mais para a frente, porque a maior parte das acções ainda não passaram da nomeação. Como disse há pouco, eu não fiz uma única venda…” (P-10). Mas, se há quem entenda que o despacho liminar devia ser definitivamente abolido, há também quem defenda o alargamento do despacho liminar a todos os processos Para alguns magistrados, o alargamento da obrigatoriedade de despacho liminar a todas as acções executivas traria vantagens, nomeadamente permitindo a correcção de eventuais irregularidades numa fase bastante inicial do processo. As razões apontadas são as seguintes: “Para corrigir aquilo que foi andando sem ser corrigido atempadamente ou no momento inicial. E, depois, é mais difícil fazer a correcção do que foi erroneamente realizado” (Ent.81). “Acho que, mesmo nas acções executivas, o despacho liminar é importantíssimo! Há muita coisa que nós, logo de início, podemos cortar. Mesmo nas acções declarativas. Muitas das vezes, o processo chega-nos e nós pensamos que é para saneador e o processo está de tal maneira embicado… já tem não sei quantos articulados que não devia ter… e há muitas questões de competência territorial que no despacho liminar podemos corrigir” (Ent.82). “Agora, no despacho liminar, há coisas que eu posso não ver, às vezes também há coisas que me passam, mas há outras que são 252 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma flagrantes. E vemos! As ilegitimidades, incompetências e muitas outras coisas… Acho que o despacho é muito importante. Eu sei que nos dá trabalho mas…” (Ent.83). “Por um lado (…) evita ao juiz ter que voltar a fazer a análise toda, porque não está lá nenhum despacho a dizer «isto está bem». Ou, se entretanto mudo de comarca, eu sei lá se o juiz anterior alguma vez viu aquilo com atenção. Até porque nós mantemos o conhecimento oficioso de todas estas questões em relação ao título executivo, desde que não haja oposição à execução. Penso que era uma segurança. A partir daí, reconhecido este valor e que a execução está a prosseguir correctamente contra o verdadeiro devedor, parece-me que o papel do juiz será mais secundário e mais dependente de alguma irregularidade que possa ser invocada pelos interessados. Não prescindiria do despacho inicial” (P-4). E, conclui: “Ao fim e ao cabo, nós acabamos por ter de fazer essa análise sempre que nos vêm pedir uma autorização, por exemplo, para levantamento do sigilo bancário. Eu não faço isso sem ir ver o título executivo, sem ir ver se está tudo correcto. Se eu fizesse o despacho inicial, eu já não precisava, de cada vez que eu tenho de despachar, ir voltar a fazer esta análise toda, porque actualmente, eu quando volto a ver o processo, passados 1, 2 ou 3 anos, eu não sei se já fiz este raciocínio mental e se está tudo em ordem. Se houvesse este despacho inicial, bastava ver: eu mandei citar, está tudo em ordem. Tinha essa confiança que, realmente, a execução estava a prosseguir contra a pessoa correcta, que era título executivo, etc. Ao fim e ao cabo, não é um despacho que demore assim tanto tempo e é um raciocínio que temos de fazer vezes e vezes sem conta cada vez que o processo nos vem” (P-4). Bloqueios normativos de um processo burocrático e complexo 253 Esta posição também foi defendida por alguns funcionários judiciais: “Em segundo lugar, face ao défice de formação que mencionei, desde logo na apreciação das questões suscitadas nos artigos 812 e 812-A, penso que o despacho liminar deveria ser obrigatório em todas as execuções, evitando assim, a anulação, pelo juiz, de actos já praticados, em momento posterior, quando no processo venha concluso por um outro motivo. Sim, porque aí o juiz sanava muitas questões não perceptíveis para nós por falta de formação. Acontece que, muitas vezes, os processos, acabam, numa fase posterior, por serem conclusos ao juiz e este profere despacho liminar anulando os actos já praticados. Assim, o juiz daria o despacho liminar em todos os processos e estes só teriam, em princípio de voltar para um qualquer acto cuja intervenção venha a ser suscitada” (F-10). “Pelo menos o senhor juiz teria por obrigação verificar a validade do título. Porque nós não temos a formação específica que têm os senhores juízes para verificar, não é?” (Ent.87). Um magistrado chamou a atenção para o facto de o despacho liminar ser importante nas comarcas em que exista um julgado de paz: “Eu concordo com a colega relativamente à introdução do despacho liminar. E eu iria mais longe: a introdução do despacho liminar em todas as execuções. Eu tenho uma experiência particular: no … há julgado de paz. Dispensamos também nas sentenças do julgado de paz e nós temos muitas situações de inexequibilidade de título do julgado de paz. Ainda a mais recente que eu tive era uma sentença do julgado de paz que condenava um determinado indivíduo a prestar contas, quando há um processo especial de prestação de contas. É a situação mais evidente de falta de título. Penso que se 254 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma tem de fazer uma análise séria de algumas normas. Algumas delas, aliás, já estão levantadas e mais ou menos discutidas. Têm que ser mexidas. Noutras é, efectivamente, uma questão de procedimento. Procedimentos que têm de ser delineados, delimitados” (P-6). Mas, para um outro magistrado, apesar de realçar a importância do despacho liminar, considera, contudo, que a sua existência não impede a ocorrência de irregularidades posteriores: “Um despacho liminar era capaz de evitar que fossem surgindo uma série de problemas. Mas, se eu vir que o solicitador fez mal a citação, continuamos na mesma. Porque aí, às vezes, não é tanto a montante mas é mais a jusante que as coisas aparecem, não é tanto em termos da citação e do despacho liminar. Mas, não era descabido. Sobretudo para vir complementar, algumas vezes, o requerimento executivo. Para tornar as coisas mais correctas” (Ent.84). Na opinião de Paulo Pimenta, no que diz respeito, em especial, às execuções não antecedidas de qualquer tramitação declarativa, em que ocorre a penhora imediata, sem despacho liminar, nem citação prévia, o artigo 812.ºA, n.º 1, alínea c) do CPC208 viola o princípio contraditório, uma vez que surge a possibilidade da penhora de bens do executado ser realizada de forma imediata sem que este tenha tido a possibilidade de se defender previamente. 208 Estabelece o artigo 812º-A, n.º 1, alínea c) do CPC que “sem prejuízo do disposto no n.º 2, não tem lugar o despacho liminar nas execuções baseadas em: c) Documento exarado ou autenticado por notário, ou documento particular com reconhecimento presencial da assinatura do devedor, desque que: o montante da dívida não exceda a alçada do tribunal da relação e seja apresentado documento comprovativo da interpelação do devedor, qual tal fosse necessário ao vencimento da obrigação; execedendo o montante da dívida a alçada do tribunal da relação, o exequente mostra ter exigido o cumprimento por notificação judicial avulsa”. Bloqueios normativos de um processo burocrático e complexo 255 Como já referimos, a opinião sobre estas questão suscita opiniões opostas, com vários operadores, incluindo magistrados, a defender a abolição do despacho liminar: “Devia ser abolido o despacho liminar. Os indeferimentos liminares que tenho são raríssimos, quase todos são por incompetência territorial (e isto porque os meus funcionários são muito ciosos da competência territorial). Além disso, é um contrasenso haver despacho liminar quando há citação prévia e não haver nos processos em que a agressão para o executado é maior, ou seja, nos processos de menor valor em que se começa logo pela penhora” (Ent.40). 6.2. A citação do executado no acto da penhora O novo regime da acção executiva prevê que, não havendo lugar a citação prévia, o executado deverá ser citado no acto da penhora, ou, não estando o mesmo presente, nos cinco dias posteriores (artigo 864.º, n.º 2 do CPC). Alguns magistrados referiram que, quando se trata de penhora de vencimentos, essa obrigatoriedade de citação nesse prazo gera algumas confusões: “No caso de, por exemplo, uma penhora de vencimento, eu tenho o solicitador que envia a notificação à entidade patronal para fazer a penhora. A primeira notificação é no sentido da penhora. Ora, a entidade patronal, muitas vezes, o que responde é que essa pessoa já nem trabalha lá. Portanto, eu tenho um executado citado no sentido que lhe foi efectuada uma penhora…” (Ent.25). “…uma penhora de vencimento e não tenho penhora de vencimento nenhuma. Sendo que o próprio Solicitador, nos termos da lei, deve enviar, conjuntamente, um auto de penhora que ele não pode fazer porque não sabe qual é que é o valor do vencimento que foi 256 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma penhorado. A lei, aqui, ela própria tem uma falha, tem uma incongruência. Manda fazer coisas que não são possíveis fazer, pelo menos antes do tempo” (Ent.30). 6.3. A advertência ao citando em caso de citação em pessoa diversa Segundo o disposto no artigo 808.º, n.º 1 do CPC, cabe ao solicitador de execução efectuar todas as diligências do processo de execução, incluindo citações e notificações. No entanto, o artigo 241.º do CPC continua a prever que, no caso de haver citação em pessoa diversa do citando, deverá ser a secretaria a realizar a advertência ao citando. Ora, este regime de citação tem originado algumas incongruências e entropias no procedimento de alguns tribunais: “(…) era importante que os prazos de apresentar a informação no processo, para o juiz cumprir, fossem feitos em tempo útil. Um exemplo flagrante é o cumprimento do artigo 241.º nas citações. No âmbito dessas práticas, o artigo 241.º tem uma norma que diz que é a secção que, em 2 dias úteis, faz a notificação de que a parte foi citada. Quando o solicitador entrega o expediente de citação três ou quatro meses depois, quando não é mais, como é que se cumpre o artigo 241.º?” (P-6). “Isso tem que ser alterado, porque a imposição é no sentido de que, se a citação for efectuada em pessoa diversa do citando, depois tem que se enviar uma carta registada para casa e o Código do Processo Civil ainda diz que quem envia esta carta é a secretaria. Porquê? O que eu tenho entendido é que, agora, não faz sentido ser o tribunal a enviar essa carta, porque nem sabe exactamente em que condições é que foi citado e só tem conhecimento da citação meses depois. Isso tem que ser alterado” (P-4). Bloqueios normativos de um processo burocrático e complexo 257 6.4. A citação do executado na execução para entrega de coisa certa Também no que respeita às execuções para entrega de coisa certa, em especial, nas acções de despejo, na opinião de alguns entrevistados registamse incongruências legais que determinam uma morosidade desnecessária do processo: “A execução de uma sentença de despejo implica uma dupla morosidade: o senhorio além de não receber rendas, não pode arrendar futuramente. Nos termos do 933.º, há sempre citação do executado. Tinha aqui um processo que andava há dois anos para citar o executado. Dispensei nos termos do 812.º-B, n.º 4, que apliquei subsidiariamente (deveria estar consagrado expressamente, devia haver uma clarificação legal)” (Ent.17). “Outro problema e não se deve generalizar, é que o legislador criou o solicitador para todas as execuções. Eu acho que há execuções em que não faz qualquer sentido o solicitador de execução. Por exemplo, para entrega de coisa certa porque é que o tribunal não pode dizer que seja o mandatário a fazer a diligência? Há muitos tipos de execuções em que não tem sentido. No RAU, nas acções de despejo, há lá uma parte que o legislador só complicou por causa do solicitador, porque quis adaptar o solicitador de execução e complicou o regime. Nós detectámos uma incongruência quando intentámos a nossa primeira acção de despejo, sob a nova lei, uma acção declarativa de despejo e entrega de imóvel, e agora começa uma nova acção executiva para entrega de coisa certa, com citação do executado e não sabemos do executado há não sei quanto tempo. Quer dizer que o imóvel vai ficar à espera mais um ano ou dois até que se consiga citar o executado” (Ent.54). 258 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma 6.5. A apensação e a sustação das execuções O Código de Processo Civil consagrou a possibilidade de organização de um processo de execução único contra o devedor ou vários devedores litisconsortes, cumulando execuções ainda que fundadas em títulos diferentes, quer judiciais, de formação judicial ou extrajudiciais, desde que, com tal cumulação, não se verifique a incompetência absoluta em alguma das execuções; as execuções cumuladas tenham o mesmo fim; e que não corresponda a alguma delas forma de processo especial diferente (artigo 53.º, n.º 1 do C.P.C.). O legislador possibilitou, ainda, já no âmbito do anterior regime e que se manteve com a actual reforma, a cumulação de execuções posterior à propositura de uma acção executiva, desde que a inicial não tenha ainda sido julgada extinta, por iniciativa do exequente (artigo 54.º do CPC). Mas, na opinião de alguns operadores judiciários, a possibilidade de apensação de várias execuções só cria confusão na tramitação dos processos: “Só funciona se houver uma das partes, nomeadamente, o exequente a dizer “eu tenho outro processo” ou “eu sei que existe outro processo, então, faça lá o favor de apensar”. Porque por nossa iniciativa acho muito difícil concretizar-se. Porque nós não temos os meios para saber que existe a outra execução e que é suposto apensá-la. Eu, pelo menos, ainda não consegui perceber como é isso se podia fazer. Caso contrário nós não temos acesso a essa informação” (Ent.30). “O registo informático de execuções diz que está pendente e diz se já tem penhora. Portanto, conseguimos saber se já tem penhora. Mas, quer dizer, fora isto não conseguimos saber mais nada” (Ent.31). “Apensação igual a confusão” (Ent.27). Bloqueios normativos de um processo burocrático e complexo 259 “A apensação só serve para confundir. Não tem conteúdo prático aqui nas execuções. Ao nível das execuções não me parece que tenha sentido prático. Não se ganha nada com as apensações. Aliás, deve ser também por isso que o regime das apensações não está a ser praticamente utilizado e deve ser geral” (Ent.28). De facto, de acordo com alguns funcionários judiciais, o regime da cumulação das execuções não é utilizado na prática: “O certificado que nós lhe enviámos tem essas informações se houver pendentes outras execuções doutros tribunais. Eu, no meu juízo, nunca me pediram, porque nós, ao enviarmos o certificado, sabemos que o executado tem pendentes outras execuções no país e eles não vão requerer a remessa do processo para apensação. Do meu conhecimento, nunca fazem isso. Nunca aconteceu o solicitador de execução nos vir dizer que tem conhecimento de uma execução pendente. Nós não temos conhecimento de nada disso” (F-8). Para um magistrado, este regime revela-se mesmo dispensável, uma vez que o Código de Processo Civil já prevê um outro regime próprio para a penhora do mesmo bem em duas acções distintas: “O processo executivo já tem resposta para a duplicação de penhoras, para as reclamações de créditos. Se há duas execuções, a primeira que foi penhorada susta-se e outro reclama lá. Eu acho que o processo executivo já dá resposta a essa temática” (Ent.28). Na opinião de Isabel Meneres Campos, o artigo 871.º do CPC relativo à pluralidade de execuções sobre os mesmos bens tem uma redacção pouco clara, surgindo questões de ordem prática ainda por esclarecer, nomeadamente “teria sido útil prever que, casos a primeira penhora viesse a 260 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma ser levantada ou a primeira execução se extinguisse por qualquer causa, a execução sustada poderia prosseguir quanto aos bens penhorados”; o mesmo se verifica quando estejam pendentes duas execuções sobre os mesmos bens, correndo uma de acordo com o regime anterior e outra de acordo com o actual regime, levando a que, na prática, haja execuções a correr em simultâneo sobre os mesmos bens (Campos: 2004). 6.6. A penhora de veículos automóveis No âmbito do anterior regime da acção executiva, a penhora de veículos automóveis realizava-se mediante a apreensão do veículo e dos seus documentos, devendo, posteriormente, com base no auto de penhora, realizarse o registo da mesma209. Actualmente, prevê-se que a efectiva apreensão do veículo automóvel e a sua imobilização deverá ser posterior à realização do registo da penhora na competente conservatória do registo automóvel210. Alguns entrevistados referiram que esta alteração legal impossibilita ao agente de execução certificar-se da existência efectiva do veículo automóvel, redundando, com alguma frequência, em situações em que o exequente, depois de proceder ao pagamento do registo da penhora de um veículo automóvel, não tenha forma de o encontrar para proceder à sua venda. “(…) o processo antigo, neste ponto, acho que funcionava melhor. É aquela questão de agora o registo se fazer primeiro e só depois se fazer a apreensão do veículo – que, depois, ou não aparece ou aparece em condições que não são as esperadas. E isto acarreta custos para o exequente” (Ent.89). “Isso é outro erro do processo executivo. É que, agora, inverteu-se. Pede-se a penhora do veículo automóvel, pede-se o registo da 209 210 Cf. artigos 848.º, n.º 5 e 838.º, n.º 5, ex vi artigo 855.º, do CPC, na anterior redacção. Cf. artigo 851.º, n.ºs 1 e 2 do CPC. Bloqueios normativos de um processo burocrático e complexo 261 penhora, e, depois, é que se vai saber do veículo. Quando, muitas vezes, o veículo já não existe” (Ent.87). “É que, às vezes, o carro já está encostado, sem portas…” (Ent.85). “Já nem tem valor comercial. Ou o veículo já foi vendido, até… E está aquele triste a pagar o registo” (Ent.86). Outra questão que se coloca na penhora de veículos automóveis, prendese com a exigência, por parte das autoridades policiais, de despacho judicial para o auxílio na apreensão dos veículos automóveis, o que não está previsto na lei e, segundo os intervenientes entrevistados, tal posição se deverá à falta de reconhecimento conferido à profissão de solicitador de execução: “Mesmo depois de terem feito a penhora, por comunicação à conservatória, continuam a querer apreender o veículo quando a lei diz que têm é que lhe por selos e apreender os documentos. Depois a comunicação e a forma de efectivar esta apreensão dos documentos, a lei diz que pode ser através de uma autoridade administrativa ou policial mas, também, se suscitam questões na prática porque a polícia exige um despacho judicial no sentido de determinar que eles vão apreender os documentos… que também seria dispensável. A lei, pura e simplesmente, poderia culminar, para todos os efeitos, que o Solicitador pudesse, ele próprio, comprovando que aquele veículo está penhorado, pedir o auxílio à polícia…” (Ent.24). “Mas o Solicitador poder, pode. A polícia é que não lhe liga nenhuma” (Ent.26). 262 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma “A lei devia ser clara no sentido de permitir esta comunicação, de forma a que a polícia não pudesse recusar” (Ent.25). “Temos casos relativos à penhora que não estão clarificados. Por exemplo, na penhora das viaturas móveis, os juízes entendem que é uma competência do solicitador. Mas tenho de obter despacho judicial porque as policias o solicitam sempre” (Ent.9). 6.7. A necessidade de despacho judicial prévio para o recurso ao auxílio da força pública: garantia ou bloqueio? No exercício das suas funções, os solicitadores de execução são coadjuvados por diversas entidades, entre as quais as autoridades públicas de segurança (PSP e GNR, dependendo da competência territorial de cada uma delas). Nos termos dos artigos 840.º, n.º 2 e 848.º, n.º 3 do CPC, o solicitador de execução, para a efectivação de penhora de bens móveis ou para a entrega efectiva de bens imóveis penhorados, sempre que as portas estejam fechadas, seja oposta resistência à entrada ou haja justificado receio de que tal se verifique, pode requerer ao juiz que determine a requisição do auxílio da força pública. Uma grande parte dos operadores entrevistados defendeu a desnecessidade de despacho judicial para a requisição de auxílio de força pública por parte dos solicitadores, invocando, por um lado, que se trata de um acto que incute maior morosidade ao processo, potenciando a sonegação de bens, e, por outro, que se trata de um despacho meramente burocrático. “A responsabilidade da penhora de bens móveis, como em qualquer outra, é sempre da responsabilidade do solicitador de execução, a quem compete analisar os factos e transmiti-los ao Juiz. Com os factos que lhe são transmitidos, o juiz decide do uso da força pública. Justifica-se a necessidade de despacho para a sua requisição? Quanto tempo se perde e quanto trabalho desnecessário Bloqueios normativos de um processo burocrático e complexo 263 se desperdiça com este procedimento? Não seria suficiente uma comunicação ao Tribunal, para que conste, feita pelo agente de execução, de que irá requisitar a força pública, dispensando-se o despacho? Compreende-se que estas e outras alterações legitimem algum receio, mas será que são justificados? Não será possível encontrar uma forma mais flexível de o agente de execução se socorrer das autoridades?” (Ent.9). Quanto ao despacho do juiz, a maioria diz que se trata, em regra, de um despacho tabelar. “Quanto ao auxílio da força pública: nós deferimos sempre e tem que ser assim; quando a acção começa com a penhora, se o solicitador de execução vai lá e não consegue entrar, o executado já fica avisado. Não faz sentido depois voltar com a polícia. Já ninguém apanha os bens” (Ent.40). Mas, para alguns solicitadores, a experiência é outra: “Para o auxílio da força pública, o juiz indefere se não tentarmos lá ir antes. É um disparate, temos que lá ir para depois voltar para trás. Quase que nos obriga a mentir e dizer que já lá fomos. Os oficiais de justiça tinham a possibilidade de requerer logo o auxílio da força pública. Nós também devíamos ter” (Ent.50). Considera-se, por isso, que se trata de um acto que deve dispensar o despacho judicial: “Não faz sentido termos que vir embora da diligência para pedir despacho de auxílio de força pública e depois voltar ao local. Eu é que devia ver o grau de dificuldade no acto da diligência. Devia ser como os funcionários que podiam chamar a polícia” (Ent.19). 264 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma “Devia dispensar-se o juiz dos actos de auxílio da força pública” (Ent.17). Alguns solicitadores de execução e magistrados judiciais referiram, ainda, além da exigida fundamentação de alguns juízes, alguma falta de colaboração das entidades policiais, facto atribuído à falta de legitimidade que é conferida aos solicitadores comparativamente com os funcionários judiciais: “Em primeiro lugar, o exercício desta actividade na “rua” é muito complicado. É necessário uma grande dose de sacrifício. … No entanto, em algumas comarcas há uma maior abertura à cooperação quer por parte dos tribunais, quer por parte da GNR. Relativamente à PSP não temos uma boa experiência. Por vezes, precisamos de informações para encontrarmos o executado e a PSP, ao contrário da GNR, não coopera. Por outro lado, a PSP requer sempre despacho judicial para apreender os veículos penhorados e o juiz indefere porque não é necessário. A GNR coopera na localização dos executados para procedermos à citação e à penhora. Normalmente os juízes só deferem o auxílio da força pública se o requerimento for bem fundamentado. Só em 5% dos casos é que utilizamos a força pública” (Ent.78). “Aqui, na prática (nos grandes centros urbanos), eles não conseguem fazer, praticamente, penhora de bens móveis sem levarem a polícia e a polícia não está disposta a isso” (Ent.29). “Eu só iria acrescentar um problema que todos os juízos aqui tiveram e que entretanto não tenho tido, não sei se os solicitadores já resolveram a questão directamente junto das autoridades policiais. Mas, quando era para a apreensão de veículos e aposição de selos… vinham pedir, muitas vezes, a intervenção do juiz para Bloqueios normativos de um processo burocrático e complexo 265 requisitar a autoridade policial para fazer esse serviço. Era meu entendimento que não tinha que haver despacho nesse sentido… nada obrigava a isso. Eles chegam a juntar documentos das forças policiais a dizer que não faziam sem despacho judicial, a alguns dei o despacho para agilizar, outros resolveram directamente junto da autoridade policial… E, entretanto, não têm vindo pedir! Suponho que a questão esteja resolvida…” (Ent.83). 6.8. O problema do excesso de privilégios creditórios e a possibilidade de reclamação em todas as acções executivas Em íntima relação com o problema da desarticulação entre o Código de Procedimento e Processo Tributário e o Código de Processo Civil, que analisaremos infra, está a questão dos privilégios creditórios e das reclamações de créditos. No âmbito do regime anterior à reforma da acção executiva, o Código do Processo Civil previa que, feita a penhora, deveriam ser citados para a execução o cônjuge do executado, quando a penhora recaísse sobre bens imóveis que este não pudesse alienar livremente, ou quando a penhora incidisse sobre bens comuns do casal e o exequente requeresse a sua citação; os credores com garantia real, relativamente aos bens penhorados; as entidades referidas nas leis fiscais com vista à defesa dos possíveis direitos da Fazenda Nacional; e os credores desconhecidos211. No entanto, estabelecia-se a possibilidade de o juiz poder dispensar a convocação daqueles credores quando a penhora incidisse sobre vencimentos, abonos ou pensões ou quando, estando penhorados bens móveis, não sujeitos a registo e de reduzido valor, não constasse dos autos que sobre eles incidissem direitos reais de garantia212. Todos os credores citados213, independentemente do valor dos 211 212 Cf. artigo 864.º, n.º 1 do CPC, na redacção anterior à reforma da acção executiva. Cf. artigo 864.º-A, n.º 1 do CPC, na redacção anterior à reforma da acção executiva. 266 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma seus créditos, poderiam reclamar créditos no âmbito da acção executiva a correr, desde que fossem titulares de garantia real sobre os bens penhorados e o pagamento daqueles créditos incidisse sobre o produto destes214. O novo regime da acção executiva veio, por um lado, alterar o leque de credores a citar após a penhora e, por outro, abolir a possibilidade de dispensa de citação dos demais credores, alterando, no entanto, as situações em que não é admitida a reclamação de créditos. Assim, com a reforma da acção executiva, o agente de execução deverá, no prazo de cinco dias contados da realização da última penhora (ou, sendo penhorados abonos, vencimentos ou salários, concomitantemente com a notificação ao empregador do executado de que deve reter determinada quantia a penhorar) proceder à citação do cônjuge do executado, quando a penhora tenha recaído sobre bens imóveis ou estabelecimento comercial que o executado não possa alienar livremente, ou sobre bens comuns do casal, para deduzir oposição à execução ou à penhora, para declarar se aceita a comunicabilidade da dívida, ou para requerer a separação dos bens do casal; dos credores que sejam titulares de direito real de garantia, registado ou conhecido, para reclamarem o pagamento dos seus créditos; as entidades referidas nas leis fiscais, com vista à defesa dos possíveis direitos da Fazenda Nacional; e o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, com vista à defesa dos direitos da Segurança Social215. Citados os credores, são admitidos a reclamar os seus créditos na acção executiva a correr termos, no prazo de 15 dias216, todos aqueles que gozem de 213 Havendo dispensa de citação dos credores, aqueles que fossem titulares de uma garantia real sobre os bens penhorados poderiam, em todo o caso, reclamar espontaneamente o seu crédito na execução, até à transmissão dos bens penhorados (artigo 864.º-A, n.º 2 do CPC). 214 Cf. artigo 865.º, n.º 1 do CPC, na redacção anterior à reforma da acção executiva. 215 Cf. artigo 864.º, n.ºs 2, 3 e 4 do CPC. 216 Desapareceu com a nova redacção a prorrogativa dada à Fazenda Pública quando sua reclamação de créditos era feita pelo Ministério Público. Nesta situação, o prazo de reclamação de créditos era de 25 dias e não o prazo geral de 15 dias. A redução do prazo para reclamação de créditos, pelo que nos foi dado a conhecer no trabalho de campo realizado e das entrevistas feitas aos vários intervenientes, tem originado algumas situações de extemporaneidade das Bloqueios normativos de um processo burocrático e complexo 267 garantia real sobre os bens penhorados, sendo que o pagamento dos respectivos créditos se fará pelo produto daqueles. O actual regime da acção executiva não admite, no entanto, a reclamação do credor com privilégio creditório geral, mobiliário ou imobiliário217, quando a penhora tenha incidido sobre bem só parcialmente penhorável, nos termos do artigo 824.º, renda, outro rendimento periódico, ou veículo automóvel; ou sendo o crédito do exequente inferior a 190 UC218, a penhora tenha incidido sobre moeda corrente, nacional ou estrangeira, depósito bancário em dinheiro; ou sendo o crédito do exequente inferior a 190 UC, este requeira procedentemente a consignação de rendimentos, ou a adjudicação, em dação em cumprimento, do direito de crédito no qual a penhora tenha incidido, antes de convocados os credores. Deste modo, o legislador aboliu, por um lado, a possibilidade de dispensar a citação dos credores para reclamarem créditos, existente no regime anterior, mas, por outro, reduziu, no caso de credores com privilégios creditórios gerais, as situações em que há possibilidade de reclamarem os seus créditos. Esta solução, no entanto, tem merecido algumas críticas dos intervenientes da acção executiva, originando, segundo alguns entrevistados, situações nefastas para o sucesso e eficácia das acções de reduzido valor. Por um lado, defende-se que, em execuções de reduzido valor, as citações aos demais credores são, despiciendas, dando origem a actos sem consequências, mas que induzam a acção executiva a uma maior morosidade. “O disparate que existe neste momento de termos de notificar ou citar as Finanças, a Câmara Municipal, a Segurança Social e a reclamações de crédito da Fazenda Pública, devido à deficiente articulação entre os serviços de finanças e os serviços do Ministério Público. 217 Com excepção dos privilégios creditórios dos trabalhadores (artigo 865.º, n.º 4 do CPC). 218 A Unidade de Conta processual (UC) é igual a um quarto remuneração mínima mensal mais elevada garantida aos trabalhadores por conta de outrem, devendo ser automaticamente actualizada tendo por referência a remuneração mínima que tiver vigorado no dia 1 de Outubro do ano anterior (artigos 5.º e 6.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 212/89, de 30 de Junho, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 323/2001, de 17 de Dezembro). Em 2006, a remuneração foi de € 385,90 (Decreto-Lei n.º 238/2005, de 30 de Dezembro). Por conseguinte, o valor da unidade de conta processual para o triénio 2007/2009 é € 96,00. 268 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma Capitania da Alfândega para saber se alguém deve algum dinheiro e se, eventualmente, ali o Sr. Manuel não pagou o custo de uma tabuleta que pôs na porta dele à Câmara Municipal ou porque, há não sei quantos anos, não pagou os direitos alfandegários do contentor que ele trouxe de Moçambique. Na grande maioria dos casos, nas Câmaras Municipais eles têm uma pasta onde arquivam isto, nem sequer verificam nada” (S-5). “A Câmara de … diz assim: «eu não sei porque é que o senhor nos notifica disto, porque nós não temos nada para reclamar»” (S-3). “É um disparate absoluto. Gastamos milhões com isto” (S-5). Por outro lado, entende-se que, dando a possibilidade de citação dos restantes credores, as reclamações de créditos que podem daí advir esmagariam qualquer possibilidade de o exequente ver o seu crédito ressarcido, inibindo-o de recorrer a tribunal para a realização coactiva do seu direito. Esta crítica surge ainda associada à ideia de ser necessário garantir alguma prevalência ao credor mais diligente que dá impulso à acção executiva. “Anteriormente tinha-se dado um passo, a meu ver, importante, que era o 864º-A, que permitia ao juiz dispensar a reclamação de créditos em determinadas situações. Era uma norma, a meu ver, muito bem feita e que era justa. Voltou-se atrás – deixou de haver essa possibilidade e estamos a fazer outra vez o que se entendeu aqui há uns anos que não fazia sentido. Isto é, em execuções de pequeno valor, estarmos a chamar o Estado, a Segurança Social ou o Fisco, que vem ali com reclamações brutais que esmagam o exequente. O exequente perde qualquer vontade e qualquer hipótese de recuperar o seu capital” (P-3). Bloqueios normativos de um processo burocrático e complexo 269 “O exequente anda à procura do dinheiro do executado e depois vem o Fisco e diz: «olha… aqui estou eu!»” (Ent.32). “Depois, o executado, por vezes, quando toma conhecimento do processo, já tem estas penhoras todas feitas, já tem as reclamações todas feitas e, quando quer pagar, já não tem 400 ou 500 euros para pagar – tem, suponhamos, 800 euros de custas da acção executiva e tem 2, 3, 4 mil euros de custas das reclamações de créditos que, entretanto, vão chovendo. E ainda se corre o risco dos reclamantes, Segurança Social e Finanças, virem requerer o prosseguimento do processo para pagamento dos seus créditos, quando, entretanto, o título executivo de mil e tal, ele lá conseguiu pagar. Os processos ficam aqui, pendentes quase que para sempre, a partir de uma pequena dívida. Concordo aqui inteiramente com o colega em que devia voltar a instituir-se a possibilidade que existia no anterior Código, de, até um determinado valor dos bens, dispensar a reclamação de créditos. Claro que no caso de bens móveis, não sujeitos a registo, devia ser dispensada a convocação de credores” (P-4). E, relativamente aos créditos do fisco, considera que: “As Finanças têm os seus meios, se calhar, mais expeditos do que os nossos e penduram-se numa execução nossa que, por nós, terminava por ali. E esmagam o exequente, apesar daquela possibilidade de redução dos 50%. Mas, de qualquer modo, o problema manter-se-á se o executado conseguir pagar voluntariamente a quantia exequenda. E ficamos nós ali com aquele menino, aquele gigante nos braços depois da quantia exequenda estar paga. E, entretanto, o que tem vindo a acontecer é que nestas imensas execuções em que são nomeados bens à penhora essas, 270 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma sim, tornam-se muito demoradas. No meu juízo, ainda não vendemos um único imóvel” (P-4). Um magistrado do Ministério Público referiu, no entanto, que, na sua comarca, existe uma acção concertada entre o Ministério Público e a Direcção de Finanças no sentido de fazer um juízo de oportunidade relativamente às reclamações de créditos a apresentar: “O que têm feito as Finanças aqui de (…), também em articulação com o Ministério Público, é fazer um juízo de oportunidade relativamente ao pagamento da taxa de justiça inicial. Uma vez que o Estado não está isento do pagamento, conjugou-se uma actuação concertada no sentido de, em determinadas situações de montantes de bens manifestamente baixos, não ser paga a taxa de justiça que, desde logo se reflecte nas reclamações de créditos apresentadas que diminuem substancialmente” (P-12). Alguns entrevistados referiram, ainda, que as garantias conferidas aos créditos do Estado redundam numa desresponsabilização destas entidades na cobrança célere dos seus créditos: “É uma coisa completamente disparatada. Mais, para as Finanças, isto é uma forma de as desresponsabilizar. Os únicos que ainda aparecem com as reclamações de créditos, é o Fisco e, às vezes, a Segurança Social, mas muito raramente – é uma forma de desresponsabilizarem, de dizerem assim: “como se alguém for penhorar os bens ali à senhora X, tem que primeiro nos avisar, quando nos avisarem, nós vamos lá. E, portanto, não temos que andar com o processo. Não temos que nos preocupar, nós estamos seguros”. Isto é uma forma desresponsabilização do Estado” (S-5). extremamente grave de Bloqueios normativos de um processo burocrático e complexo Ainda “contra” os privilégios creditórios do Estado: “Num país que pretende credibilidade na justiça, crescimento económico e a confiança dos cidadãos, o Estado deve tentar, em igualdade de circunstâncias, cobrar as suas dívidas. As empresas que consomem os seus recursos na tentativa de cobrar o que lhe é devido vêem os seus esforços logrados. Nenhuma empresa dispõe dos meios técnicos e humanos, das bases de dados e do poder que este possui para levar a cabo com êxito e rapidamente a cobrança de dívidas. Só por falta de organização e de uma boa gestão o Estado não cobra as suas dívidas. Estou certo que se este privilégio terminasse o próprio Estado ganharia com isso; forçosamente, tornar-se-ia mais competitivo e atento. Com uma outra dinâmica. Na certeza de poder ser ultrapassado, estes assuntos seriam tratados com maior cuidado e responsabilidade, criando-se mais e melhor justiça. Veja-se a quantidade de entidades que a al. c) do nº 3 do artº 864º do CPC obriga a citar (ex vi arts. 6º e 7º do Dec. Lei nº 433/99 de 26 de Outubro – Aprova do Código de Processo e Procedimento Tributário)! Os privilégios creditórios são de facto um entrave à cobrança de dívidas das empresas e contribuem para a morosidade de uma acção executiva” (Ent.9). “(…) o outro problema é o dos privilégios creditórios, porque eu acho que, até em termos rigorosamente económicos, a Segurança Social nem precisava de ter aqueles privilégios mobiliários e imobiliários gerais. Eu acho que não precisava. Que fossem mais eficazes e que registassem hipotecas judiciais. Mas a verdade é que, com este sistema todo – e reparem que houve uma solução no tempo do Ministro Laborinho Lúcio que foi inovadora que era, com a declaração de falência, acabavam os privilégios, e agora no Código da Insolvência volta-se atrás” (P-11). 271 272 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma Alguns entrevistados defenderam que devia ser possível a citação dos restantes credores em momento posterior à da citação do executado, permitindo-se, em consequência, a dispensa daquela citação quando a quantia exequenda tivesse sido paga: “(…) citam o executado e fazem a convocação dos credores em simultâneo. (…) a meu ver, está mal. Ou seja, primeiro não deixam a possibilidade do executado pagar de imediato, evitando esta catadupa de reclamações e, depois, o executado, no prazo da oposição, também pode dizer “alto lá, este imóvel não é meu, é da minha mulher, peço a sua substituição por outro, porque eu tenho o direito de indicar outros bens em substituição”. Penso que não se perdia nada e que se ganhava em termos do nosso trabalho, se a convocação dos credores passasse para um momento posterior à citação do executado e ao prazo de oposição à penhora” (P-4). 6.9. A fase da venda A partir da entrada em vigor da reforma de 2003, o agente de execução tem um papel fundamental na fase da venda, tendo assumido as funções que incumbiam ao juiz, passando este a ter uma intervenção menor219. Assim, compete ao agente de execução, ouvidos o exequente, o executado e os credores com garantia sobre os bens a vender, decidir sobre a venda, que poderá revestir uma das seguintes modalidades: venda mediante proposta em carta fechada; venda em bolsas de capitais ou de mercadorias; venda directa a pessoas ou entidades que tenham direito a adquirir os bens; venda por negociação particular; venda em estabelecimento de leilões; venda em depósito público. 219 Cf. Preâmbulo do Decreto-Lei n.º 38/2003, de 08 de Março. Bloqueios normativos de um processo burocrático e complexo 273 À abertura das propostas em carta fechada continua a presidir o juiz da execução220, quando o bem a vender é imóvel ou quando, tratando-se de um estabelecimento comercial de valor consideravelmente elevado, ele próprio, solicitado para tanto pelo agente de execução, exequente, executado ou credor com garantia real, o determine221. A primeira nota que ressaltou do nosso trabalho de campo foi a exiguidade do número de processos em que se chegou à fase da venda. “São poucos os processos com solicitador de execução que chegaram à fase da venda. Não há assim tantos!” (Ent.69). “Eu nunca tive nenhum. E como não há, não há ainda essa percepção. Só daqui a uns anos é que poderemos ter essa percepção quando isso começar a avançar. Agora ainda não temos excelência para dizer assim: «há aqui uma venda». Não há histórico, apesar de estarmos já com três anos de reforma” (Ent.68). No entanto, apesar de a maioria dos entrevistados ter referido que o número de vendas no âmbito da nova acção executiva é muito reduzido, foram apontadas algumas dificuldades ao novo regime. Para alguns entrevistados dever-se-ia dar preferência à venda por negociação particular em vez da venda por proposta em carta fechada: “O processo devia ser mais célere. No que respeita às vendas, o Código deveria privilegiar a venda por negociação particular e não a venda por proposta em carta fechada” (Ent.10). “A venda por negociação particular apenas pode ser efectuada nas situações previstas no artigo 904º. Não se verificando aqueles 220 221 Cf. artigos 893.º e 876.º do CPC. Cf. artigo 901-Aº. do CPC. 274 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma pressupostos (o que acontece na maioria dos casos), a venda deve efectuar-se através de propostas em carta fechada (assim parece…) Portanto, a generalidade das vendas implicam gastos elevados, quer com honorários do agente de execução, quer com publicações, mesmo quando os bens penhorados são de reduzido valor porque, mesmo dispensando-se os anúncios, muitas vezes os encargos podem ser superiores ao produto da venda. Tudo indica que o agente de execução não pode logo decidir como modalidade da venda a “negociação particular”. E quanto a esta modalidade, é importante referir que o exequente vive da faculdade de requerer à secretaria que nomeie pessoa idónea para proceder à venda, o que representa atirar para outrem um encargo que deveria ser da sua única e exclusiva responsabilidade porque é este quem dirige e tem interesse na execução” (Ent.9). Em sentido contrário, um magistrado judicial chamou a atenção para o valor elevado de alguns bens móveis, que reclamariam um regime idêntico ao dos bens imóveis, com venda mediante proposta em carta fechada: “(…) eu não compreendo é porque é que a venda por propostas em carta fechada está reservada aos imóveis, porque é que se não pode ou não se devem vender bens móveis por propostas em carta fechada quando sabemos que há bens móveis de valor elevadíssimo” (P-5). Alguns advogados chamaram ainda a atenção para a falta de controlo que a lei confere às partes (exequente e executado) sobre o valor da venda dos bens: “Eu, nos casos que conheço em que houve vendas e em que o solicitador foi encarregado da venda, esta foi sempre feita com preços absolutamente arbitrários, para não dizer, enfim, Bloqueios normativos de um processo burocrático e complexo 275 achincalhantes, com prejuízo do exequente e do executado – alguém ganhou pelo caminho, presumo eu!” (Ent.58). “Mas antes respeitava-se a norma que mandava notificar o executado do projecto de venda e, portanto, da oferta que havia e de quem era o comprador. E o executado podia aparecer a dizer “calma que eu tenho melhor!” Hoje, não. Embora, para mim, continue a ser nulidade essa falta de citação. E alguns tribunais têm aceite que há aqui um atropelo de uma formalidade legal que torna nula a venda, mas a venda já está feita e, depois, tenho que ir atrás do bem a casa do terceiro. E, então, eu, por exemplo, tenho uma questão em Viseu que dura há 4 anos! Ainda vem do tempo da lei anterior, mas a regra é a mesma, em que estou atrás de um bem que valia 4 mil contos e foi vendido por 500. Num processo, eu apresentei um requerimento, do lado do exequente, a indicar pessoas que queriam comprar os bens e o valor que davam, face a uma notificação da solicitadora de execução, e isso foi para o processo, mas veio-me, outra vez, outra comunicação e ainda ela conseguiu baixar mais o preço. Depois, tive que fazer um requerimento… porque eu acho que os juízes não olham. Tive que fazer um requerimento a dizer «tenho melhores compradores, por melhor preço». E aí o juiz percebeu que teria que agir” (Ent.56). Alguns advogados defendem, por isso, o aumento dos poderes de intervenção do juiz nesta fase da acção executiva: “Não se devia tirar o papel do juiz… era de o aumentar. Ele decidir… fazer um controlo directo…” (Ent.56). 276 7. A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma A desarticulação do processo executivo com outros diplomas conexos Um outro bloqueio, frequentemente apontado por vários operadores judiciários, refere-se à desarticulação entre o actual Código de Processo Civil e outros diplomas conexos, ao considerarem que as alterações à tramitação do processo executivo não estão devidamente reformuladas e plenamente adequadas nos outros códigos ou legislação conexa, originando, por vezes, dúvidas de difícil resolução prática e jurisprudencial. 7.1. A desarticulação com a legislação laboral O diploma que aprovou a reforma da acção executiva contemplou algumas alterações ao Código de Processo do Trabalho, que prevê um regime próprio para as execuções laborais. No entanto, tais alterações circunscreveram-se, tão-somente, à adequação ao registo informático das execuções, mantendo inalterado o regime específico, especialmente no que se refere às execuções fundadas em sentença. A manutenção destas normas legais tem levantado problemas nas execuções que correm nos tribunais do trabalho, originando, inclusive, interpretações diferentes, no que respeita às repercussões do novo regime da acção executiva nas execuções laborais. Um magistrado sintetiza da seguinte forma os bloqueios que têm ocorrido com as execuções laborais: “Neste momento, no âmbito da acção executiva laboral estão em vigor dois diplomas: o Código de Processo do Trabalho, cujo capítulo do processo executivo não foi revogado e o novo regime da acção executiva do Código do Processo Civil, que alterou as normas para as quais remete o Código de Processo do Trabalho, nomeadamente, após a dedução da oposição à penhora, como dispõe o n.º 7, do seu artigo 91.º. Esta alteração legislativa no processo executivo civil tem sido objecto de diferentes interpretações nos Tribunais do Trabalho, já Bloqueios normativos de um processo burocrático e complexo 277 que uns estão a aplicar o Código de Processo do Trabalho, repristinando as normas do Código de Processo Civil a seguir à fase da oposição à penhora e outros estão a aplicar, pura e simplesmente, o Código de Processo Civil, admitindo o requerimento executivo tal qual consta do seu artigo 810.º. Sucede que nos Tribunais do Trabalho, em que é aplicado apenas o Código de Processo Civil, as penhoras estão, na grande maioria dos casos, paradas, porque a maior parte dos trabalhadores não tem dinheiro para pagar ao solicitador de execução. E se é verdade que o regime do apoio judiciário prevê o pagamento de remuneração do solicitador de execução designado, ele não tem funcionado, porque o trabalhador só saberá que vai precisar desse apoio, se o devedor não cumprir a sentença nos 10 dias posteriores ao trânsito em julgado da mesma. E, portanto, a questão que se coloca é esta: no âmbito do Direito do Trabalho, como sabem, o rendimento salarial do trabalhador tem natureza quase alimentícia – o legislador assim o considerou –, mas o crédito laboral está a ser tratado ao mesmo nível do crédito comercial, do crédito de dívida civil ou de qualquer outro crédito. Além disso, no âmbito dos acidentes de trabalho, os créditos provenientes do direito às prestações estabelecidas na Lei dos Acidentes de Trabalho são inalienáveis, impenhoráveis e irrenunciáveis. E se a lei atribui tal natureza jurídica aos créditos laborais, como é que nós poderemos enquadrar este tipo de créditos, na fase executiva, ao nível dos outros créditos – do consumo, da dívida civil, etc.? Considero que a reforma executiva do DL n.º 38/2003 não acautelou esta situação e devia tê-lo feito. Limitou-se apenas a alterar dois artigos do Código de Processo de Trabalho única e simplesmente por causa do registo informático, nada mais. Portanto, acho que 278 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma deve ser esclarecida cabalmente esta situação, nomeadamente, qual a tramitação a seguir após a oposição à penhora. Quem diz no Direito do Trabalho, diz no Direito de Família e Menores. Os créditos têm a mesma natureza. No âmbito dos acidentes de trabalho, a questão ainda é mais grave, porque, o Fundo de Acidentes de Trabalho só garante o pagamento das prestações que forem devidas pela entidade empregadora se o motivo de incapacidade económica for objectivamente caracterizado em processo judicial de falência/insolvência ou processo equivalente, isto é, a acção executiva. Mas se for aplicado o processo executivo do Código de Processo Civil, tal como está, demorará muito mais tempo do que se for aplicado o Código de Processo de Trabalho, cuja tramitação é muito mais célere e eficaz. Tenho por experiência profissional, que na grande maioria das acções executivas laborais, o executado vinha pagar logo que o funcionário judicial chegasse à porta para efectuar a penhorar dos bens nomeados ou em prazos relativamente curtos, um, dois, três dias. Era rara a execução que chegava à fase da venda. Portanto, o sistema funcionava. Desde que fosse ordenada a penhora e o funcionário judicial lá fosse ou comunicasse, muitas vezes telefonava à parte, porque a conhecia, e ela vinha pagar. O processo executivo do Código de Processo do Trabalho é um processo expedito. Aliás, a proposta da Associação Sindical vai um pouco nesse sentido: o processo executivo inicia-se com a nomeação dos bens à penhora, porque, quando é notificada a sentença, o réu é notificado, não só da sentença, mas para juntar documento comprovativo do pagamento da dívida, sob pena de, passados dez dias, se iniciar o processo executivo com a nomeação de bens à penhora, ou com o requerimento a pedir ao tribunal averiguação oficiosa da existência de bens do devedor. Penso que este é um processo expedito, até porque na última reforma do processo Bloqueios normativos de um processo burocrático e complexo 279 executivo laboral foi diminuído para 10 dias – era de 30 – o prazo para o devedor vir juntar documento comprovativo do pagamento. Agora, a próxima alteração legislativa devia definir, com clareza, a aplicação integral do processo executivo do Código de Processo do Trabalho, porque há por aí muitas penhoras “paradas” nos Tribunais do Trabalho, com claro prejuízo para os trabalhadores, alguns deles acidentados no trabalho” (P-8). A necessidade de previsão de um regime especial para as execuções fundadas em sentenças laborais é defendida pela maioria dos advogados entrevistados, que defendem a repristinação do regime anterior: “Deveria existir procedimentos diferenciados para as execuções de âmbito laboral e para as execuções de alimentos” (Ent.16). “Eu faço, fundamentalmente, direito do trabalho e no direito do trabalho as coisas eram diferentes. As acções executivas nos tribunais de trabalho se fundadas em sentença condenatória tinham uma tramitação simplificada. O próprio tribunal se encarregava e encarrega, isso continua no Código de Processo do Trabalho, se não aparecer recibo de quitação dado pelo trabalhador, para uma eventual condenação da entidade patronal, o próprio tribunal toma a iniciativa de notificar o advogado do Autor: «diga se há bens, indique bens para se promover já a execução». Há digamos que um início oficioso da execução. E, então, fazia-se apenas o requerimento a dizer: «sim, conhecemos uma carrinha, temos ali um imóvel, temos ali a conta, penhore-se». E mais, há uma disposição do Código de Processo de Trabalho que diz que a parte pode requerer que o tribunal faça averiguações se não souber da existência de bens. Ora bem, essa execução depois era promovida pelos tribunais, pelos funcionários judiciais, e havia do próprio tribunal e dos próprios funcionários uma certa atenção a este tipo de créditos, enfim, 280 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma atendendo aos interesses em jogo e as coisas andavam. Tirando aquelas que emperravam… Hoje, foi tudo para o mesmo saco! Inclusive, mantendo nós as mesmas disposições do Código de Processo do Trabalho, que não foi adaptado…” (Ent.59). No mesmo sentido, um advogado diz que: “A verdade é que isso tem sido muito discutido, já há decisões, inclusive, do Supremo dizendo «pois, isto é a regra especial do Código de Processo do Trabalho, mas não é dispensável o requerimento executivo inicial, no modelo estabelecido». Portanto, já nem sequer podemos cumprir o Código de Processo do Trabalho que é uma simples notificação dos bens à penhora. Não, tem que se fazer o processo todo para ir para o tribunal. E vai para o tribunal e o tribunal não faz nada! Ou para o solicitador de execução que também já não faz nada… Portanto, este processo executivo, chamemos-lhe de uma forma grosseira, é um processo especial com um tribunal, também, grosseiramente, chamemos-lhe especial, que tinha uma tramitação especial… Hoje vai para o saco de todas as execuções do solicitador de execução e, não creio, que os solicitadores de execução estejam preocupados se aquela execução que tem é por salários de quem precisa de dinheiro para comer ou de quem precisa do dinheiro porque vendeu produtos e tem direito a receber o seu dinheiro ou outros casos” (Ent.62). A falta de articulação entre o novo regime da acção executiva e o processo executivo, previsto no Código de Processo do Trabalho, é também referida pelos solicitadores de execução como um handicap da reforma, chamando-se, ainda, atenção para a falta de formação inicial nesta área. Bloqueios normativos de um processo burocrático e complexo 281 “Faltou claramente também formação na parte final da reforma, quando nos imputaram as execuções do Tribunal de Trabalho. Não demos formação no primeiro curso, só demos no segundo curso…” (S-5). “Não é “não demos formação”, desculpa, o problema é tão simples quanto isto: no Código de Processo do Trabalho não está prevista a aplicação do solicitador de execução!” (S-3). “Com a reforma foi também esquecido este diploma legal. O mesmo não foi adaptado à figura do agente de execução e deveria ser igualmente revisto” (Ent.9). Os solicitadores de execução entrevistados indicam, ainda, dois problemas acrescidos relacionados com as execuções laborais: a falta de garantia de pagamento dos seus honorários e a ausência de bens, na maioria dos casos. No que respeita ao primeiro dos problemas enunciados, alguns solicitadores de execução afirmaram que a maioria dos exequentes beneficiam de apoio judiciário e que o Instituto de Gestão Financeira e Patrimonial do Estado não lhes disponibiliza as verbas necessárias ao desenvolvimento do processo executivo. “…nós não podemos, em processo de trabalho, alterar os bens que são nomeados à penhora. E se me mandam carregar mobília nesse contrato, eu não a posso trazer às costas! E digo: “o tribunal que me disponha meios para a remoção”. E o juiz responde-me assim: “senhor solicitador, não compete ao juiz saber das disponibilidades financeiras do Estado, por isso, faça o favor, dirija-se directamente ao Instituto de Gestão Financeira do Ministério da Justiça”. O processo está parado no meu escritório há dois anos e meio, porque 282 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma o Instituto de Gestão Financeira do Ministério da Justiça não responde” (S-6). “Era necessário que, ao corrigirmos a reforma, se fizesse um estudo especializado para as questões do Trabalho. Dever-se-ia proceder a uma harmonização com as regras do processo executivo e tomar ali certas opções. Os processos são quase todos com apoio judiciário, os tribunais não têm verba. Sempre que se pede dinheiro para qualquer coisa, ficam a aguardar o momento oportuno em que haja verba, mas depois o ónus do atraso passa para nós…” (S-5). No que respeita ao segundo problema, alguns solicitadores referiram que a acção executiva é usada apenas como forma de obter a declaração de ausência de bens, a fim de endereçar o pedido ao fundo de garantia salarial, dirigindo-se, assim, a empresas que deveriam ser objecto de declaração de insolvência, chamando-se a atenção para o facto de muitos processos laborais serem contra empresas que já não existem. “É estranho, porque a grande maioria dos processos que nos chegam são decisões de há 3, 4 anos, que andam por lá perdidos. De repente, instauram a execução e quando telefonamos para o Tribunal do Trabalho, é o próprio funcionário a dizer “essa empresa, estamos fartos de saber que está falida, não tem nada!” Mas ninguém faz o pedido de falência e temos de fazer a execução…” (S-5). São elucidativos desta situação os seguintes depoimentos: “O maior problema é que as execuções do Tribunal do Trabalho, na verdade, são insolvências não assumidas, porque ninguém quer assumir o ónus de chamar insolvência àquilo. Portanto, instauram execuções umas em cima das outras. Já toda a gente sabe que a Bloqueios normativos de um processo burocrático e complexo 283 empresa não tem nada, mas o Ministério Público não quer ter o trabalho de abrir o processo de insolvência. Poucos são os casos em que o processo corresponde, na verdade, a uma tentativa de cobrança. Como nem o Tribunal do Trabalho, nem o Ministério Público conseguem ir para a insolvência, não o fazem. E, portanto, a melhor maneira de resolver essas situações é recorrer à execução. E depois, chegamos ao fim, e o que é preciso é que o solicitador apareça a dizer que não há bens” (S-5). “A maior parte é para o fundo de garantia salarial. Há muitos advogados que nos dizem: «diga já que não tem nada, porque é só para fazer o requerimento para o fundo de garantia»” (S-3). 7.2. A desarticulação com o Código do Registo Predial Um dos diplomas que sofreu alterações com a reforma da acção executiva foi o Código de Registo Predial que passou a prever a possibilidade de registo da penhora com base em comunicação electrónica impulsionada pelo agente de execução222, embora como resulta da nossa investigação, a prática não corresponde ainda ao legalmente previsto. Manteve-se, no entanto, o regime anteriormente previsto para o cancelamento do registo de penhora, nos termos do qual aquele “nos casos em que a acção já não esteja pendente, faz-se com base na certidão passada pelo tribunal competente que comprove essa circunstância e a causa, ou ainda, nos processos de execução fiscal, a extinção ou não existência da dívida à Fazenda Pública”223. O novo regime da acção executiva deixou de prever o despacho de extinção da execução, passando a ser incumbência do agente de execução declará-la extinta, assim que haja pagamento integral da quantia exequenda. A 222 Cf. artigo 48.º, n.º 1 do Código de Registo Predial, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 38/2003, de 8 de Março. 223 Cf. artigo 58.º, n.º 1 do Código de Registo Predial. 284 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma inexistência deste despacho de extinção da acção executiva tem causado, nos casos em que exista uma penhora de um bem imóvel registada e tenha havido pagamento voluntário, sem recurso à venda judicial, uma incerteza no procedimento para o cancelamento do registo da penhora, dando origem a procedimentos diferenciados, quer por parte dos tribunais e dos agentes de execução, quer por parte das conservatórias do registo predial. Assim, do trabalho de campo realizado podemos constatar que persiste alguma incerteza quanto aos procedimentos e documentos necessários para proceder ao cancelamento da penhora, com a oposição das conservatórias de registo predial em realizar aquele cancelamento quando apenas promovido pelo solicitador de execução. “No que respeita ao levantamento das penhoras, faltou alterar o Código de Registo Predial. Alguns conservadores dizem que é necessário despacho judicial para o levantamento, o que não faz sentido, uma vez que o solicitador tem poderes para tal. Isto gera situações complicadas com o solicitador a pedir ao juiz um despacho judicial para o levantamento das penhoras e o juiz a recusar por entender que não é necessário” (Ent.1). “(…) só queria salientar, embora já tenha sido dito, a burocracia e algumas incongruências legislativas, do próprio texto legislativo e de outros conexos, nomeadamente, onde se diz que não precisa, para penhorar, da autorização do juiz; para levantar a penhora em sede de registo predial, já há necessidade de autorização… não foi articulado com o 119.º. Portanto, há aqui alguma falta de articulação entre outros textos legislativos conexos e, fundamentalmente também, que é a nossa grande dificuldade, e, agora, quase humanamente impossível, que é a prática procedimental, ou seja, que procedimento é que eu vou ter, perante o tribunal de Guimarães, ou de Lisboa, ou de Cascais, ou de Setúbal…” (S-1). Bloqueios normativos de um processo burocrático e complexo 285 Registamos, assim, situações muito díspares. Alguns juízes continuam a proferir despachos de extinção da execução, não só porque tal lhes é exigido, mas, ainda, fruto da indefinição legislativa quanto a esta matéria. Noutras comarcas, o tribunal emite certidão, com base nos documentos apresentados pelo agente de execução que atesta o pagamento da quantia liquidada e a extinção da instância. Num terceiro grupo de circunscrições, as próprias conservatórias do registo predial procedem ao cancelamento do registo de penhora, bastando-se com o impulso do agente de execução. Eis alguns depoimentos ilustrativos das diferentes situações: “O Código do Registo Predial não foi actualizado. Para o levantamento das penhoras é necessário despacho judicial, e é possível um juiz entender não o fazer por não ter sido a penhora ordenada por ele” (Ent.6). “(…) temos aqui desadequação de lei, e um exemplo flagrante é, por exemplo, o cancelamento da penhora relativamente a imóveis. Havendo venda, o cancelamento da penhora é feito oficiosamente pelo agente de execução. Não havendo venda, tem que haver despacho judicial. Porquê? Porque não houve aqui uma adequação entre o Código de Processo Civil e o Código de Registo Predial. E o que é que vale para os conservadores? É o Código de Registo Predial. Para os conservadores, é indiferente que tenha lá sido colocada uma figura que esteja à frente da execução que se chame solicitador de execução. Desde que esteja lá, no artigo do Código de Registo Predial, que é por despacho judicial, para eles tem que ser por despacho judicial. E hoje ainda continuamos a ter isto: colegas que ainda dão sentenças de extinção” (P-6). “O problema põe-se em levantar a penhora. Quem é que cancela a penhora? O juiz não tem que despachar! Aliás, a nossa juiz não despacha. E porque só há despacho de cancelamento na venda? 286 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma Isso é uma lacuna e está mal. E porquê? Porque não alteraram o Código de Registo Predial. Não alteraram o artigo 58º. Nos casos de pagamento, não há despacho para levantar a penhora! E, então, recusam. Nós temos tentado, de boa vontade, como a execução está extinta, passar-lhe uma certidão a dizer que está extinta por pagamento, que o solicitador é X, a quantia exequenda é esta, não há nada a pagar… Manda-se essa certidão” (Ent.85). “Quem faz o levantamento das penhoras? A lei não é clara e põe-se o problema de saber quem é que tem que pagar. Aqui as conservatórias procedem ao levantamento oficioso, mas há outras que não. Se penhora fosse feita electronicamente deveria ser mais simples o cancelamento” (Ent.17). A necessidade de definição legislativa, quanto a esta matéria, é reclamada pelos diferentes agentes, até porque muitos conservadores exigem despacho do juiz. Esta clarificação é, ainda, defendida por alguns autores, pela necessidade de evitar conflitos que possam provocar delongas no processo (Fialho: 2004). Acresce que continuam a existir práticas muito diferenciadas quanto a esta matéria, mesmo dentro de um mesmo tribunal. A título de exemplo, numa das comarcas analisadas, dois juízes referiram que, por uma questão de simplificação, elaboravam o despacho para cancelamento da penhora. No entanto, um outro referiu que não elabora tal despacho: “Eu faço… se é um processo que fica parado!” (Ent.81). “Eu também… para que é que vou andar… Não me parece que haja essa necessidade, … mas não vale a pena estarmos a criar um atrito e a prolongar um processo…” (Ent.84). Bloqueios normativos de um processo burocrático e complexo 287 “Relativamente ao levantamento da penhora, tenho tido essa guerra no meu juízo. Um solicitador vem-me pedir um despacho a ordenar o cancelamento dos registos e eu achar que decorre da lei que não tem que se fazer, não tem que haver despacho. Mas, tem havido conservatórias que têm recusado o cancelamento pedido pelo solicitador. E juntaram um parecer da Direcção Geral dos Registos e Notariado, onde penso que se que dizia precisamente o contrário, acho que não sustentava a posição deles… basta uma certidão das peças processuais” (Ent.83). Foi, também, referenciada a incompatibilidade do novo regime da acção executiva com o artigo 119.º, n.º 1 do Código do Registo Predial224, na medida em que surgiram dúvidas sobre quem deve proceder à citação do titular inscrito, se o solicitador de execução ou o funcionário de justiça, e no que se refere à prática do acto de remessa da certidão para a Conservatória de Registo Predial ou Automóvel, se entender que este acto só pode ser praticado pelo juiz de execução, em prejuízo da reforma da acção executiva visar precisamente aliviar o juiz da prática de actos de natureza burocrática. Deste modo, é referida a necessidade de se alterar o artigo 119.º do Código do Registo Predial de acordo com a concepção subjacente ao novo regime da acção executiva, isto é, que os actos relacionados com a penhora e a execução são, em geral, da competência do agente de execução (Fialho: 2004). Esta questão foi também levantada por uma solicitador de execução entrevistado: “Era bom olhar para os artigos 13º e 58º nº 1 do Código do Registo Predial, e para o parecer aprovado pelo Conselho Técnico da Direcção Geral dos Registos e Notariado em 29/09/2004, publicado 224 Dispõe o artigo que “havendo registo provisório de arresto, penhora ou apreensão em falência de bens inscritos a favor de pessoa diversa do requerido ou executado, o juiz deve ordenar a citação do titular inscrito para declarar, no prazo de dez dias, se o prédio ou o direito lhe pertence”. 288 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma no Boletim nº 9 dos Registos e Notariado de Outubro de 2004 (II Caderno). Já agora, também o artigo 119º do supra referido Código. Quem sabe que o solicitador de execução para citar no termos daquele preceito legal tem que o requerer ao Tribunal? E quanto tempo se espera, em média, por esse despacho? Não terá também o executado direito ao cancelamento rápido e simples da penhora após o pagamento?” (Ent.9). Em matéria de arresto, um juiz refere, ainda, a necessidade de uma clarificação legislativa no que diz respeito à entidade competente para a execução desse procedimento cautelar225, uma vez que a lei determina que as diligências a realizar no âmbito dos procedimentos cautelares não são realizadas pelos agentes de execução, mas pela secretaria judicial sob a dependência funcional e directa do juiz, apenas lhe sendo aplicado as disposições relativas às formalidades da penhora, o que, na prática, pode levar a algumas confusões (Fialho: 2004). 7.3. A desarticulação com o Código de Procedimento e Processo Tributário Nos termos do artigo 218.º, n.º 3 do CPPT, “podem ser penhorados pelo órgão da execução fiscal os bens apreendidos por qualquer tribunal, não sendo a execução, por esse motivo, sustada nem apensada”. Ora, esta prerrogativa do Estado é vista pelos vários intervenientes como excessiva, principalmente face à extensão dos privilégios creditórios existentes, referindo-se que esta solução contende com as limitações existentes na lei para a admissibilidade da reclamação de créditos do Estado, pondo mais uma vez em causa o sucesso da execução impulsionada por um exequente diligente. 225 Nos termos do artigo 406.º CPC, ao arresto aplicam-se as disposições relativas à penhora, em tudo quanto não contrariar o disposto quanto ao regime privativo deste procedimento cautelar. Bloqueios normativos de um processo burocrático e complexo “Não há articulação entre com o CPPT, porque as penhoras da Fazenda Pública não se subordinam a penhoras anteriores” (Ent.2). “A acção executiva está mal e hoje tal como, desde sempre, há um problema complicado que é o da execução fiscal, porque esta, aparentemente – não sei se isto é encenação – é mais eficaz. Por outro lado, nunca houve força política para arranjar uma solução coordenada, porque o Ministério das Finanças não se preocupa com o resto e quer os seus privilégios, quer andar para a frente. Não se importa que haja insolvência, para ele os processos continuam a andar e serve-se primeiro quem anda mais rápido. Este é um problema de base que envenena as situações” (P-11). Esta opinião é partilhada com alguns advogados: “No caso de haver uma penhora anterior sobre o mesmo bem no âmbito de uma execução fiscal, não há sustação (tal como sucederia na situação inversa, nos termos do 871º CPC), uma vez que o CPPT não prevê tal possibilidade” (Ent.68). “Se nós tivermos um processo executivo e se houver uma penhora anterior da Fazenda, o juiz suspende-nos a execução com base no art. 871º. Se as Finanças tiverem um processo, cuja penhora é posterior à nossa, não suspendem porque o CPPT não prevê o art. 871º… a sustação da acção executiva. Ora, isso pode significar que o bem esteja a ser vendido no processo executivo e no processo de execução fiscal. Portanto, essa é uma questão que tem que ser, devidamente, clarificada. Assim como nós vamos reclamar às Finanças se for a primeira penhora, também as Finanças têm que vir reclamar ao nosso processo se o nosso processo for a penhora 289 290 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma porque depois há graduação e a graduação é que vai definir quem é que vai receber” (Ent.58). Bloqueios normativos de um processo burocrático e complexo 8. 291 O atraso nos pagamentos ao exequente: falta de controlo da contacliente do solicitador de execução ou dificuldades interpretativas? A necessária clarificação Nos termos dos artigos 112.º e 124.º do Estatuto da Câmara dos Solicitadores, os solicitadores de execução deverão ter em instituição de crédito conta à sua ordem, com menção da circunstância de se tratar de contas-cliente de solicitador de execução, na qual todas as quantias recebidas no âmbito do processo de execução (desde que não destinadas ao pagamento das tarifas liquidadas) devem ser depositadas. Assim, contrariamente ao que acontecia no âmbito do regime da acção executiva anterior, as importâncias pagas pelo executado, bem como as provisões para honorários e despesas não são depositadas à ordem do tribunal. Esta solução tem levantado uma grande controvérsia, em especial entre advogados, que reclamam contra a morosidade no pagamento das quantias exequendas depositadas na conta-cliente do solicitador de execução. Eis alguns depoimentos ilustrativos destas “queixas”: “Mas isso é vários. É vários! Que não recebem o dinheiro, que já foi cobrado… que a execução até já está extinta e continua a não ter o dinheiro. Que, ainda, não receberam nada!” (Ent.85). “Hoje, os depósitos são feitos em nome do solicitador em conta cliente. Mas é um bem próprio sobre o qual ele tem disponibilidade total. E esta questão dos depósitos é um problema complicado. E pergunta-se: «porquê tanto tempo para pagar? Aquilo há-de estar a render alguma coisa em algum sítio»!” (Ent.59). “(…) o último dinheiro que eu recebi de uma execução demorou seis meses e meio a ser-me entregue desde a data em que conta foi enviada para o processo…Dizem que não fazem a conta porque não tem tempo de a fazer. Porque só entregam o dinheiro depois da 292 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma conta feita. No meu caso concreto, estava a conta feita, o processo estava dado por extinto, já havia sentença de extinção do processo” (Ent.63). Apesar de nos termos do n.º 5 do artigo 124.º do Estatuto da Câmara dos Solicitadores se prever que “os juros creditados pelas instituições de crédito resultantes das quantias depositadas na conta-cliente de solicitador de execução são entregues proporcionalmente aos terceiros que a eles tenham direito”, registámos, por parte dos advogados, uma grande desconfiança em relação à existência destas contas-cliente: “Os interesses são múltiplos. Só que, quando era pelo tribunal, se houvesse juros, eram para a própria conta. Ali se houver é para o próprio Solicitador porque ele não vai remunerar, depois, o exequente. Portanto, eles têm interesse em dilatar o pagamento” (Ent.64). “O problema é que o depósito devia estar à ordem do juiz do processo. E nunca, digamos, na conta pessoal dele. Então é obrigar a que as contas-cliente não vençam juros” (Ent.63). Também um magistrado judicial registou a sua preocupação em relação a este aspecto: “Outro dos problemas concretos que eu acho que existe é o da entrega do dinheiro da quantia exequenda à pessoa do solicitador e não por depósito no processo. Isso, a meu ver, tem alguns efeitos práticos graves e também um efeito de imagem de falta de autoridade do Estado. Efeitos práticos: já tive um caso concreto dum solicitador que se demonstrou, e ele próprio reconheceu que assim era, que tinha recebido do executado um dinheiro, mas não entregava ao exequente apesar de sucessivas notificações. Isto até Bloqueios normativos de um processo burocrático e complexo 293 nos levanta problemas processuais, que eu na altura fiquei a perguntar-me… os colegas diziam-me “crime de desobediência, notifica, notifica”. Alto, tudo bem: e a questão cível? Como é? O executado pagou a quem devia pagar. O que é que faço à questão cível? Eu não quero saber da questão penal. Para mim, antes de mais, é uma questão cível. Outro problema que tenho é a demora na entrega do dinheiro. Está demonstrado que foi pago, mas vão arrastando. Já tive mais que um ofício dos solicitadores a dizer “Sr. Juiz, vou já entregar, de momento não tenho disponibilidade”. Não tem disponibilidade? Mas ele já recebeu o dinheiro. Eu estou convencido que há solicitadores, neste momento, a fazerem aplicações de capitais com os dinheiros que lhes são confiados. Posso estar redondamente enganado, mas eu estou absolutamente convencido disso, porque é a única explicação para alguém ter recebido e não poder entregar no dia a seguir. Não vejo outra explicação” (P-5). No mesmo sentido, alguns funcionários judiciais disseram: “E depois os descontos bancários, os vencimentos, isso cai tudo na conta deles e está tudo a render” (F-6). “Porque é que os senhores solicitadores começam a penhora pelos vencimentos e pelas contas bancárias? (…) É mais fácil e o dinheiro começa a entrar nas contas deles. E juros disso? Quem se responsabiliza?” (F-7). Os solicitadores de execução entrevistados rejeitam aquelas posições, defendendo que a conta-cliente do solicitador de execução obedece a regras próprias devidamente controladas pela Câmara dos Solicitadores: 294 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma “A conta-cliente tem regras próprias. A Câmara tem um controlo efectivo das contas. Mas, a questão que está aqui a levantar não é, neste momento, exactamente da responsabilidade da Câmara. É da responsabilidade do juiz do processo, porque é ele que tem o controlo, é responsabilidade do exequente e do solicitador de execução” (S-1). Por outro lado, defenderam que alguns atrasos que se verificam referemse a diferentes interpretações que alguns tribunais fazem, no que respeita ao momento em que é possível proceder ao pagamento ao exequente: “Hoje em dia, a formulação do Código das Custas tem uma série de interpretações muito díspares de tribunal para tribunal. Temos tribunais que entendem que todo o dinheiro recebido é para ser depositado em depósito autónomo na Caixa Geral de Depósitos. Mas, a grande maioria dos tribunais tem aceite a prática de o dinheiro ser depositado na conta do solicitador de execução, sendo o solicitador de execução que faz a conta. Tem havido, contudo, muitas divergências sobre qual é o momento para se entregar a quantia em dívida ao exequente. Há quem entenda que esse momento é só depois de feita a liquidação, de ter ocorrido o prazo de reclamação, isto é, só depois da extinção do processo para ver se ninguém vem reclamar. Há, também, quem entenda que – e, essa tem sido a prática que começou a ser generalizada pela maioria dos solicitadores – o pagamento deve ser efectuado logo que o solicitador receba, desde que não haja reclamações de créditos pelos credores institucionais, que já foram citados, e desde que não haja nenhuma hipoteca, nenhuma situação de dúvida nessa matéria. Devem pagar, pelo menos, a quantia exequenda ao exequente e ficar o acerto de contas para a fase final da liquidação. Tem havido alguma divergência nesta matéria e Bloqueios normativos de um processo burocrático e complexo 295 alguma conflitualidade nisto. A sensação que eu tenho é que, progressivamente, o pó tem caído e têm-se acertado os pormenores. É o solicitador de execução [que gere a conta-cliente]. Até agora, que eu saiba, não houve nenhuma reclamação de uso indevido da conta-cliente por parte do solicitador de execução. Ele tem lá dinheiro, mas está com alguma insegurança quanto ao que é que faz com o dinheiro. Muito pensam desta forma: “eu vou já pagar-lhe, não vou pagar, e se agora me chega uma reclamação de créditos, depois sou eu o responsável; e se tenho que pagar um IMI, porque houve uma venda do imóvel, depois as Finanças vêm dizer-me que eu é que tenho de pagar o IMI, que eu é que sou responsável” (S-5). Acresce que sobre esta matéria: “(…) há juízes que têm entendimentos diferenciados e que, por despacho, dizem para não entregar e, nos casos em que se entregou a quantia exequenda atempadamente, mandam devolver e responsabilizar” (S-1). Reconhece-se, contudo, que: “(…) há alguma conflitualidade com mandatários relativamente ao problema dos pagamentos. Uns por não cumprirem as normas e outros, mais por parte dos solicitadores de execução, que, face a estas decisões contraditórias dos juízes, sentem alguma insegurança e preferem que haja um despacho do juiz a dizer “pague”. Portanto, precisávamos de uma clarificação legislativa sobre isso.” (S-5). No mesmo sentido, um outro solicitador de execução: 296 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma “(…) há muitos solicitadores que têm muito medo de dar esse pagamento. Já tive várias colegas a dizer que o advogado o está a pressionar porque quer que ele lhe pague, mas tem medo de efectuar esse pagamento, porque tem algumas dúvidas. Ou porque está a receber notificações do tribunal a dizer assim: “há custas por pagar do processo que suspendeu”. Também se tornou uma prática habitual dos tribunais, remeterem para os senhores solicitadores as custas que não querem cobrar. Ou seja, aquelas custas que não há forma de serem recuperadas. Tenho dezenas e dezenas de notificações que têm de chegar à quantia exequenda na aplicação, e eu vou dizer: “a quantia exequenda é esta, mais o crédito reclamado”, o qual não sei bem se é legal ou ilegal reclamar, nem é do próprio processo, é doutros processos. Mas, acabo por metê-lo lá e depois o executado desconta no momento da liquidação da responsabilidade” (S-3). Para obviar a tais divergências interpretativas, alguns solicitadores referiram que, em alguns casos, entregam directamente a quantia exequenda ao exequente, sem a depositar na conta-cliente, levantando-se, contudo, a questão do pagamento de honorários no caso de pagamento voluntário: “Há uma divergência muito grande quanto ao pagamento voluntário e ao pagamento coercivo. Há duas vertentes teóricas. Uma diz que alguém que pague num processo executivo, paga sempre coercivamente. E há outra que diz que, coercivamente, é quando resulta de penhora ou da venda, ou seja, da adjudicação ou da venda dos bens. Ora, para mim, isso é que é pagamento coercivo. Ou seja, se eu fiz a penhora e o executado me vem pagar, este dinheiro não tem nada a ver com o tribunal, isto é, o tribunal não tem que ser ouvido para o pagamento do que quer que seja, porque o executado pagou voluntariamente. Pagou, eu guardo o dinheiro e Bloqueios normativos de um processo burocrático e complexo 297 entrego ao exequente. Eu pago ao exequente. Entrego ou pago ao exequente e abro um auto a dizer…” (S-3). E, acrescenta: “A determinados exequentes, posso dizer assim: “como já sei que ele não me vai pagar os meus honorários, que estão pagos directamente ao exequente, que são custas da parte dele que ele vai ter que me pagar a mim, então à cautela, muitas vezes, seguramos o dinheiro”. Diferente será se eu vou sozinho fazer a execução, o dinheiro vai para conta. e considero essa execução como um pagamento voluntário. Entrego, depois, ao exequente a quantia e digo ao senhor juiz que foi paga a execução. Não exponho pormenores a dizer se me foi paga a mim ou ao exequente, porque senão vou cair nesses problemas…” (S-3). Um solicitador de execução refere, ainda, que a rapidez com que se fazem os pagamentos depende, também, da relação estabelecida com os mandatários dos exequentes: “A vantagem que há pouco frisei de trabalhar com determinados mandatários resulta muitas vezes, pelo menos, no chamado pagamento a prestações, na penhora de vencimentos. Todos os meses, eu pago aos diversos exequentes através da conta do mandatário” (S-4). 298 9. A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma A tabela remuneratória do solicitador de execução: uma prática muito diferenciada O regime de remuneração e reembolso das despesas do solicitador de execução no exercício da actividade de agente de execução é estabelecido pela Portaria n.º 708/2003, de 4 de Agosto, com as alterações introduzidas pela Portaria n.º 436-A/2006, de 5 de Maio. Como princípio geral, a Portaria dispõe que “o solicitador de execução tem direito a receber honorários pelos serviços prestados, bem como a ser reembolsado das despesas realizadas que devidamente comprove”. No que diz respeito aos honorários, a Portaria estabelece um conjunto de tarifas fixas devidas pela prática dos vários actos susceptíveis de serem praticados pelo solicitador de execução. Além destes montantes fixos, a Portaria prevê, ainda, a existência de uma parcela remuneratória adicional em função do valor recuperado226 ou garantido227, bem como da fase processual em que o montante tenha sido recuperado ou garantido. Relativamente ao reembolso de despesas, a Portaria dispõe expressamente o direito do solicitador de execução ao “reembolsado das despesas necessárias à realização das diligências efectuadas no exercício das funções de agente de execução, desde que devidamente comprovadas”228. A interpretação desta Portaria é, no entanto, bastante díspar, não só de comarca para comarca, como ainda entre os solicitadores de execução de uma mesma comarca. De facto, do nosso trabalho de investigação resultou que a prática dentro de uma mesma comarca, relativamente aos honorários praticados é diferenciada, em especial, no que respeita aos pedidos de 226 Nos termos da alínea a), do n.º 3, do artigo 8.º, valor recuperado é o “valor do dinheiro entregue, o do produto da venda, o da adjudicação ou o dos rendimentos consignados”. 227 Valor garantido, por sua vez, é o “valor dos bens penhorados ou o da caução prestada pelo executado, com o limite do montante dos créditos exequendos” (cf. al. b), do n.º 3, do artigo 8.º). 228 Cf. artigo 10.º, n.º 1. Bloqueios normativos de um processo burocrático e complexo 299 provisão229 e ao pedido de reembolso das despesas. Foram vários os depoimentos nesse sentido: “Uns pedem € 20 outros pedem € 100. Eu também tenho os que pedem € 100. Não há critério. Não há especificação” (Ent.30). “A grande dificuldade que nós temos é explicar a esse cliente que à cabeça de uma acção executiva, quando muitas vezes já teve uma acção declarativa, teve que pagar taxa, advogado, etc, vai ter que pagar um valor ao solicitador de execução; valor esse que, e é das questões principais, não está a funcionar na reforma, e pode oscilar dos € 100 do solicitador de execução do rés-do-chão B para os € 600 do solicitador do rés-do-chão A” (Ent.4). “Eu vou-lhe dizer como é que as execuções funcionam no meu escritório… Eu dou entrada de uma execução, todos os colegas sabem disto, passado 5 dias tenho lá um pedido de provisão de €300. Há solicitadores de € 250 e outros de € 500! A tabela tem as mais variadas interpretações. O normal é…€ 350 a € 450” (Ent.57). “«Para início do processo, venho requer a V. Exa. o envio da provisão no montante x para honorários e despesas». E na minha comarca são € 250, € 300, € 350 e € 400” (Ent.60). “Na minha comarca penso que anda, mais ou menos, entre os € 200 e os € 300” (Ent.65). “Depende… mas, pelo menos, € 100 a € 150 pedem” (Ent.56). 229 Cf. Documentos n.º s 4, 5 e 6 do Anexo E. 300 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma “Em Castelo Branco, estamos no patamar dos € 200 e € 250 a € 400, independentemente do valor, uma vez que eles utilizam os modelos, que creio são padronizados ao nível nacional, pelo menos na nossa comarca são sempre os mesmos, em que eles, logo à partida vêm pedir provisão para registos prediais, para citação de credores desconhecidos… Pedem logo provisão para tudo… ” (Ent.60). “Eu recebi lá um pedido de 490 e tal euros para cobrar € 520, obviamente que não se pagou… E a execução está parada!” (Ent.63). Para um advogado entrevistado, resulta da sua experiência que nas comarcas mais pequenas os pedidos de provisão são mais elevados: “Da experiência que eu tenho tido é [nas comarcas mais pequenas que se pedem provisões maiores]. Porque depois cai-se no extremo das sociedades de solicitadores, que foram formadas, que têm imensos processos, dão-se ao luxo de pedir a provisão mais baixa, mas não dão importância aos processos” (Ent.4). Alguns advogados referiram, no entanto, que têm registado mais problemas nas notas de honorários e não tanto nos pedidos de provisão: “No pedido de provisão não há grandes problemas; rondam normalmente os 100 euros. Os clientes insurgem-se, mas está na lei. Nos restantes preparos é que há mais dúvidas. Não há uniformidade” (Ent.23). Bloqueios normativos de um processo burocrático e complexo 301 “Quando há acordo entre exequente e executado, sem intervenção do solicitador de execução, o solicitador de execução vem pedir honorários pelo resultado" (Ent.21). “Não tem a ver só com a provisão! Tem a ver com as contas. Com as contas finais que apresentam” (Ent.58). Também se questiona a acção da Câmara dos Solicitadores nesta matéria: “Eu ainda não obtive resposta a dois pareceres que pedi. Minto, pedi três e dois ainda não recebi. Um deve ter sido há um mês, o outro foi na semana passada. O primeiro que recebi, a Câmara dos Solicitadores deu-me razão para a questão, que tinha a ver com honorários. Deu-me razão de uma forma muito mitigada, dizendo que de facto entendia que não era bem assim que o solicitador devia agir, que devia insistir com ele, que não podiam ser esses honorários, porque de acordo com a tabela não parecia ser esse. De uma forma muito mitigada. Não há a assumpção de uma posição clara de que é abusivo o direito de provisão” (Ent.4). Alguns magistrados confirmaram esta “tensão” entre os mandatários que reclamam das contas apresentadas e os solicitadores de execução. Aliás, foram vários os juízes que nos referiram que esta é uma matéria que lhes ocupa bastante tempo. Alguns conhecem de tais reclamações, enquanto que outros afirmam ter pedido parecer à Câmara dos Solicitadores. É, contudo, consensual a opinião de que esta matéria não devia ser da competência do juiz. “Temos tido alguns problemas com os honorários (reclamações de pedidos de provisão e de notas discriminativas). Todas sem razão 302 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma do solicitador; quantas mais viessem mais seriam corrigidas” (Ent.42). “Não sou de aplicar multas por tudo e por nada, mas quando aparecem contas inflacionadas em que há reclamação do exequente, aplico multas” (Ent.17). “Eles [os advogados] vêm reclamar das despesas que não estão especificadas. Das tais despesas de provisão. É as tais despesas de comunicações, de expediente, despesas administrativas… portanto, o que eles pretendem é que haja uma concretização dessas despesas” (Ent.25). “São as despesas de expediente. As despesas de expediente em que uns pedem € 20 e outros pedem € 100” (Ent.31). “Eu tenho pedido parecer à Câmara dos Solicitadores. Ainda não recebi nenhum” (Ent.26). “Na maior parte dos casos a quantia em questão são € 20. Só que isso multiplica-se por milhares de processos que esta exequente tem. Aí está o grande problema…” (Ent.24). “Independentemente de tudo isto, eu acho que todos estamos de acordo que não deve caber ao juiz… essa decisão” (Ent.26). Questões similares surgem nos casos em que existe uma substituição do solicitador de execução. E, aparentemente, há alguma dificuldade em se saber a quem reclamar. Para os magistrados entrevistados não é matéria que esteja no seu âmbito de competência: Bloqueios normativos de um processo burocrático e complexo 303 “A mim foi um exequente que me veio levantar a questão porque foi substituído, já tinha entregue 200 e tal euros ao solicitador substituído e o solicitador não lhe devolvia o dinheiro. Será que a responsabilidade é minha? Parece-me que não!” (Ent.81). “É. Eu também digo isso…” (Ent.83). “(…) que resolvam com a Câmara dos Solicitadores ou entre a Câmara dos Solicitadores e a Ordem dos Advogados” (Ent.31). Um magistrado judicial defende que, nestes casos, deveria existir uma regulamentação semelhante à que existe para os advogados oficiosamente nomeados pelo Estado: “Para os advogados existe aquela Portaria que diz como é que se resolve. Para os Solicitadores, uma lei semelhante resolvia” (Ent.29). Ainda neste âmbito, é interessante o seguinte depoimento que obriga a reflectir sobre esta questão de forma mais abrangente: “Em relação à questão dos exequentes, há aqui um factor muito perverso, sobretudo nos exequentes de massa, ligados a alguns deles, mas na área do crédito ao consumo, pelo seguinte: nós temos que ir um bocado a montante para saber de que forma é que as execuções são encaminhadas para os escritórios de advogados. E as grandes discussões que surgiram no princípio e que agora estão mais ou menos esbatidas, mas que ainda são verdade no decorrer dos processos, e nós vamos ver porque é que alguns dos processos encravam, têm a ver com o facto de os mandatários contratarem a resolução de X execuções ao preço de X por cada execução. E o que é que acontece? Se nós pedimos 85 euros de provisão – que é o valor previsto até à fase da penhora, eventualmente –, os 304 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma mandatários dizem que só nos podem pagar 50. Isto porquê? E temos casos desses identificados…” (S-6). Bloqueios normativos de um processo burocrático e complexo 305 10. As custas de parte Nos termos do artigo 33.º, n.º 1 do Código das Custas Judiciais, as remunerações pagas ao solicitador de execução, bem como as despesas por ele efectuadas e os demais encargos da execução, constituem custas de parte, pelo que deverão ser suportadas pelo exequente e, posteriormente, exigidas ao executado, mediante apresentação de nota discriminativa, nos termos do artigo 33.º-A daquele diploma. Quando não haja pagamento voluntário daquelas quantias, o exequente pode “requerer ao Ministério Público que instaure execução por custas”. (n.º 6 do artigo 33.º-A do CCJ). Esta solução legal foi criticada por alguns magistrados: “Estes processos deveriam ser tramitados pelo solicitadores de execução, naqueles processos que não acabam na conta porque o executado não paga e, então, prossegue pelo Ministério Público. Continuarem a poder ser tramitadas pelos Solicitadores de Execução porque isso faria com que a secção ficasse aliviada de muitos processos. Aliás, os meus funcionários vieram-me pôr essa questão e, efectivamente, a maioria dos processos que eles tramitam são esses. São os que seguem por impulso do Ministério Público porque o executado não pagou as custas. E são eles, porque segue por impulso do Ministério Público, que as tramitam” (Ent.24). “(…) suscita-se a questão porque o Código das Custas prevê que deve ser o exequente a reaver do executado esse dinheiro. Mas, depois, como a lei não é muito clara, os exequentes querem vir, nesta própria acção, reaver dos executados e que entre na conta de processo o dinheiro que eles pagaram a título de custas de parte. A lei não o permite. Mas talvez o pudesse dizer de forma bastante mais clara. Designadamente, quando o processo acaba com o pagamento da quantia exequenda ao exequente, nós não temos 306 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma dinheiro no processo, mas o exequente vem aqui a dizer que quer que nós lhe paguemos as custas… o valor que ele despendeu. Portanto. Há aqui alguma incongruência e era bom, também que a lei, claramente, resolvesse estas questões” (Ent.31). Esta solução foi também criticada por um advogado: “Falemos da restituição dos honorários. Quem adianta os honorários são os clientes e, a final não há nenhum documento do tribunal, é ao exequente que incumbe pedir ao executado que lhe devolva os valores. E devolve! Eu tenho poucas situações que terminaram ainda. (…) Tive duas situações em que tive de solicitar e como havia mandatários, com mais insistência, menos insistência consegui o pagamento dos honorários. Eu tenho a certeza que o meu cliente no dia em que o executado não lhe pagar eu vou dizer “ então o senhor agora pega nesse documento, que é titulo executivo, e vamos instaurar outra acção executiva, contra o mesmo executado, na qual vai ter que pagar novos honorários a outro solicitador, vai ter de pedir outra vez a esse executado para honorários” (Ent.4). Um solicitador de execução chama, também, a atenção para o facto de o actual regime não salvaguardar os direitos dos agentes de execução: “A legislação em vigor não protege os honorários do agente de execução, isto é, não se encontra previsto qualquer mecanismo que impeça a execução de se extinguir quando aqueles honorários não estão pagos. Na verdade, os honorários do agente de execução são custas de parte, e, portanto, da responsabilidade do exequente, embora este possa “depois de pagos” exigi-los do executado. Contudo, sucede amiúde o exequente receber a quantia exequenda sem se preocupar com os encargos com o agente. Neste caso, a execução não prossegue contra o exequente nem contra o executado. Pagas as custas, (actualmente, em regra, as mesmas Bloqueios normativos de um processo burocrático e complexo são asseguradas com o pagamento do preparo inicial), nada impede a execução de se extinguir. O agente se pretender cobrar coercivamente os seus honorários terá que intentar uma acção contra o exequente!!! Isto é, mais um processo no sistema!” (Ent.9). 307 308 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma 11. Os custos da acção executiva: um problema de acesso à justiça? Muitos operadores defenderam que a reforma da acção executiva, aliada às alterações introduzidas pelo Código das Custas Judiciais, implicou um agravamento substancial do custo, especialmente para os exequentes, do recurso ao tribunal, o que terá levado a um progressivo afastamento dos tribunais, principalmente dos cidadãos e das pequenas empresas. Os depoimentos que se seguem mostram que a ponderação “custo-benefício” leva a que muitos exequentes desistam de cobrar “pequenas quantias”. “Já há uma ponderação do custo que isso implica à partida porque o solicitador de execução não pratica qualquer acto sem prévio pagamento da provisão. E a provisão, face a determinadas quantias exequendas, é uma quantia que tem alguma importância. Chega-se à situação de se ter de pagar uma quantia que é superior à quantia que é pretendida executar… e, suponho eu, que o advogado terá dificuldade de explicar ao cliente” (Ent.82). “Na minha perspectiva, agravou-se” (Ent.83). “Os custos do processo, quer com os honorários do solicitador, quer com os custos administrativos, por exemplo com as certidões conservatórias, deveriam ser mais baixos” (Ent.14). E referindo-se concretamente aos custos das informações bancárias: “É um factor de dissuasão. É que só 20 instituição a € 9 e tal são € 200 à cabeça…” (Ent.81). “Acho que as pessoas singulares não têm proposto acções executivas porque não acreditam no sistema, porque eles já são das Bloqueios normativos de um processo burocrático e complexo 309 credores e depois ainda têm que pagar taxa de justiça, provisão de solicitador, para depois não funcionar nada “ (Ent.41). “Chegámos à conclusão que execuções até 1000/1500 euros não compensam” (Ent.53). Alguns solicitadores salientaram, ainda, que o fim da limitação de competência territorial veio onerar os custos da execução a cargo, em primeiro lugar do exequente, e, posteriormente, do executado: “Em relação ao fim da limitação, há duas posições distintas: a perspectiva puramente cooperativa e uma outra que defende que os custos globais da acção aumentaram com as deslocações dos solicitadores de execução, reflectindo-se tal custo no executado, o que deixa a pergunta: o Estado deve ou não preocupar-se com isto? Ou deve deixar isto à liberalização?” (Ent.1). “Pode ter vantagens. Mas também é verdade que as custas do processo vão aumentar. Os exequentes têm que pagar as deslocações. Eu posso ir a Lisboa, mas têm que me pagar as deslocações. E isto vem onerar muito o processo” (Ent.89). Um funcionário judicial, que exerce as suas funções num juízo criminal e aí assume a qualidade de agente de execução, referiu que, para não onerar excessivamente o processo e o executado, não cumpre algumas disposições legais: “Olhe, entram-me 100 execuções. Eu (Juízos Criminais), não faço nada que a lei manda. Eu mando uma cartinha particular à pessoa: «queira comparecer no tribunal no prazo de 5 para resolver um problema». Ela vem ou telefona e eu digo-lhe. «quer pagar?» E ela 310 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma pagou voluntariamente, nem houve registos, nem houve apreensões, não houve nada… Não quer pagar, durante aquele prazo, então, aí… Estou a falar de coimas. Eu, em 100 dessas, mato 70 ou 80. Se eu fosse seguir a lei tinha a secção afundada com serviço! As pessoas coitadas, já lhes custa pagar € 100, € 300 ou € 400! Se eu fosse seguir à risca…eram os € 168, agora são € 211… mais a multa, depois, os € 79 que, neste caso, já não são cerca de € 80 do registo… Mais os pagamentos aos bancos das contas bancárias. (…) A pessoa vem ou telefona e eu digo-lhe: «o que é que se passa, pagou, acabou, morreu?»” (Ent.88). Capítulo V Os contextos sócio-económico e cultural como factores de bloqueio Introdução Foi consensualmente reconhecido que muitos dos bloqueios do processo executivo resultam de factores exógenos e endógenos ao sistema de justiça, cuja resolução não depende de medidas especificamente dirigidas ao processo executivo. São eles factores de ordem económica e cultural, de que damos conta neste Capítulo. Em primeiro lugar, como se pode ver pelas Estatísticas da Justiça, a grande maioria das acções executivas tem por objecto uma dívida e uma parte muito significativa tem, na sua base, um crédito ao consumo. O agravamento da situação económica das famílias e das empresas tornou mais difícil a cobrança destes créditos, mesmo depois de instaurada a acção executiva. Assim, uma percentagem considerável dos processos executivos mantém-se pendente nos tribunais, apesar de não ser possível identificar bens que permitam recuperar a quantia exequenda. Em segundo lugar, as rotinas e a cultura judiciárias, há largos anos instaladas, em que assentava o desempenho funcional dos operadores judiciários no âmbito da acção executiva (advogados, magistrados e funcionários judiciais), dificulta a adaptação de e a uma nova profissão: o solicitador de execução. A sua alteração exige uma outra atitude dos diferentes operadores judiciários para desempenha um papel crucial. cuja mudança a formação permanente 312 1. A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma A conjuntura económica e a ausência de bens a penhorar A ausência de bens a penhorar é referida pela maioria dos operadores judiciários entrevistados como sendo um factor de dilação de muitas acções executivas, impedindo ou adiando a satisfação do crédito do exequente e levando ao crescimento, por esta razão, dos processos pendentes. Para a maioria dos entrevistados e intervenientes em painéis, assiste-se a um “desaparecimento” generalizado do património, associado ao aumento exponencial do consumo e do recurso ao crédito, e ao crescimento do endividamento das famílias e das empresas. São vários os agentes judiciais que chamam a atenção para esta situação: “O número de execuções terminadas em que o exequente não recebe é uma percentagem muito grande. Sempre foi. Provavelmente, mais de 60% das execuções era dinheiro que não se cobrava” (F-4)230. “Agora, o que sucede é que, de uma observação muitíssimo empírica que eu pude fazer enquanto fui juiz de execução e que já podia fazer quando tramitava a acção executiva antiga, é que, hoje em dia, o património, pura e simplesmente, está a desaparecer. (…) Um sistema assente neste património começa, desde logo, a ser débil” (P-10). Considerando que esta realidade respeita tanto a pessoas colectivas como a pessoas singulares, esse magistrado retrata-a da seguinte forma: “Isto tanto sucede nas pessoas colectivas como sucede nas pessoas singulares. As novas formas contratuais permitem que uma empresa trabalhe pura e simplesmente sem ter qualquer tipo de património e, 230 Cf. Nota 177. Os contextos sócio-económico e cultural como factores de bloqueio 313 por outro lado, as pessoas singulares deixaram de ver no património uma fonte de investimento” (P-10). No que concerne às pessoas colectivas: “ (…) o acesso ao leasing e a todas essas novas formas contratuais fazem com que as empresas considerem que, do ponto de vista económico, é muito pouco vantajoso estar a adquirir património, seja para a sua sede, seja para as suas instalações fabris, seja para a compra de equipamento” (P-10). Nesse mesmo sentido, um dos advogados entrevistados refere o seguinte: “Os bens móveis, hoje, nas empresas são, sobretudo, adquiridos por leasings, portanto nunca são do executado” (Ent.80). No que concerne às pessoas singulares: “O que é certo é que, hoje em dia, a aquisição de património pelas pessoas singulares não é vista como uma forma de aforramento, como era antigamente. (…) Isto faz com que, hoje em dia, a maior parte das pessoas tenha uma casa onde vive, está altamente onerada por um empréstimo bancário; têm um carro, têm também uma reserva de propriedade sobre ele e está a ser pago há não sei quantos anos; e pouco mais têm. Acabaram-se os contadores da Índia, acabaram-se as baixelas de porcelana, acabou-se isso tudo e, hoje em dia, é tudo encarado de uma perspectiva muitíssimo mais funcional” (P-10). Um solicitador fala, ainda, da triagem a que procedem os “advogados interessados” antes de intentarem as execuções: 314 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma “O advogado interessado, antes de meter a execução, telefona ao solicitador a dizer assim: «olhe, tenho aqui dez execuções para propor, veja-me por favor se ele já é executado no vosso escritório». E eu vou ver e em (…) tenho a grande probabilidade de ele já ser meu executado. E eu vou dizer ao advogado «olhe, esse aí já nem vale a pena meter a execução, porque este homem já está ou insolvente, ou já está limpo de património, ou tem alguma coisa que, se calhar, vale a pena irmos lá outra vez, ou porque normalmente faz acordos de pagamento neste sentido»” (S-3). Considera-se, por isso, fundamental, actuar-se na fase pré-contenciosa, quer prevenindo o débito, quer avaliando a viabilidade da acção executiva. Vários advogados referem que, antes de intentar uma execução, efectuam uma avaliação prévia da situação patrimonial do executado e da viabilidade da acção, socorrendo-se, nalguns casos, de bases de dados privadas. Admitem, ainda, que, nos casos em que o capital em dívida é de valor reduzido (até € 2.500), aconselham os clientes a optarem pela via extra-judicial: “Até 500 contos (€ 2.500), eu digo ao cliente: veja lá se consegue fazer isto com o acordo, negociando já um pagamento faseado e evitando as execuções” (Ent.79). Para esse advogado, além da generalizada inexistência de património, regista-se, com frequência, a ocultação de bens móveis por parte dos executados, o que contribui para a frequente ausência de bens a penhorar: “Muitas vezes até têm, mas fogem com aquilo que têm” (Ent.79). E, com frequência, no caso de o executado ser uma empresa, e estando em causa a penhora de automóveis: Os contextos sócio-económico e cultural como factores de bloqueio 315 “Antes de entregarem os documentos, fazem a fotocópia autenticada dos mesmos. Depois, entregam os originais e ficam com a fotocópia autenticada e os veículos continuam a andar” (Ent.80). Há, ainda, quem acentue a “cultura” de incumprimento que se instalou entre nós. Referindo-se concretamente à falta de pagamento das custas judiciais, um interveniente num dos painéis afirma: “As pessoas não pagam. Nós vemos execuções por coimas… se formos a ver o que vem da Direcção-Geral de Viação que é despejado nos tribunais, é assustador. Não pagam. Criou-se uma cultura do incumprimento. O Ministério Público não inventa as execuções. As pessoas não pagam… a nível das custas, não as pagam” (P-3). No mesmo sentido, um outro magistrado diz que: “[Há um] número crescente de certidões executivas em matéria de custas não pontualmente pagas ao Tribunal Constitucional – o que é um indício seguro de que, neste momento, compensa às partes não pagarem o débito de custas” (P-2). Por isso, a generalidade dos operadores judiciários entende ser fundamental o desenvolvimento de mecanismos de prevenção do endividamento que leva ao incumprimento. “(…) tinha que haver aqui uma opção de política, não era uma intervenção dos operadores judiciários para controlarem este excesso desenfreado de consumo” (P-9). No mesmo sentido, chama-se a atenção, não só para a excessiva facilidade na concessão de crédito, mas, também, para as estratégias 316 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma empresariais e para o facto de as empresas já incorporarem no custo final dos produtos ou serviços prestados uma percentagem ponderada da perda do valor daqueles créditos: “Eles sabem que, se venderem 50 milhões de seguro, cinco milhões estão perdidos, não os vão cobrar. Se as execuções andarem por lá, e eles, no final, receberem meio milhão, é meio milhão que entra. Já é por fora, porque esse risco já está calculado. Quando eles calculam as taxas de juro, já têm em conta todo este cenário económico.” (…) “Os lucros dessas empresas são muito elevados e têm já em conta um valor de risco de forma a que, mesmo se a acção estiver pendente 50 anos, acabam por receber ao fim de 50 anos alguma coisa. Já faz parte do risco do negócio” (F-7). Além da dificuldade em encontrar bens susceptíveis de penhora, os intervenientes processuais referem que, da sua experiência, resulta que muitas vezes os bens penhorados têm um baixo valor, o que dificulta a sua venda judicial e, consequentemente, a cobrança do crédito. “Depois, coloca-se a questão da venda desse património. Ora, tendo em conta a facilidade de acesso ao crédito que há hoje em dia, o património apreendido judicialmente é muito pouco apetecível em termos de mercado. Não vale a pena estar a comprar a pronto um carro que foi penhorado, se for preciso, há dois anos, não se sabe em que estado é que está, que não oferece nenhum tipo de garantia de funcionamento e que tem de ser pago a pronto, quando a pessoa pode ir a um stand, comprar um carro novo, que vai pagar em cinco ou dez anos e que tem dois anos de garantia, pelo menos” (P-10). Este magistrado judicial acaba, assim, por concluir que: “(…) todo o sistema em que assenta a acção executiva, que é a apreensão de património, que é cada vez menos, e sua venda, que Os contextos sócio-económico e cultural como factores de bloqueio 317 é cada vez menos apetecível, é muito pouco eficaz, por razões que podem não ter nada a ver com o funcionamento da acção executiva em si, que são socioeconómicas” (P-10). As estratégias processuais, considerando o valor da dívida, também determinam a acção do Ministério Público na propositura das acções por custas, embora, como os depoimentos que a seguir apresentamos mostram, se verifiquem práticas muito diferenciadas, que consideramos deveriam ser uniformizadas. “O MP até € 130 não executa” (Ent.44). “O MP executa tudo. Se é exequível vai para a frente. Há aqueles que têm outro entendimento. Por causa de uma prestação de custas de 44€, que não foi paga, correu uma execução” (Ent.49). “Desde que não exceda os € 44.50, não instauram a execução” (Ent.47). “Por custas devidas inferiores a 100€ não instauram” (Ent.45). Uma magistrada do Ministério Público explica-nos o seu critério pessoal para instaurar execuções por custas, dando, ainda, conta da ausência de instruções hierárquicas quanto ao montante mínimo para instaurar as acções. “(…) eu tenho por critério, e também um pouco para não aumentar a litigância, digamos assim, no que respeita às execuções por custas, fazer sempre um juízo racional e de proporcionalidade, quer dizer, não instauro execuções por custas, por exemplo, de montantes até uma UC. É um critério que é meu, que eu adoptei, embora esteja a 318 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma ponderar seriamente aumentar esse montante, porque só as custas, neste momento, para uma execução são de 178 euros e não compensa ao Estado, porque terminam, de facto, por arquivamento condicional. Não compensa ao Estado estar a instaurar esta execução. E até para o próprio executado é complicado, vai depois pagar umas custas, por um montante irrisório, perfeitamente desproporcionadas e, portanto, em parte, parece-me que aí terá que haver algum cuidado nessa matéria. Não há instruções hierárquicas do Ministério Público nesse sentido e eu adoptei este critério. Sei que há colegas que têm, por exemplo, um critério de 100 euros. Eu entendi que a UC seria a unidade de referência para mim, 89 euros. Eu confesso que é um bocado discutível, porque eu arranjei este critério que é pessoal e é meu” (P-12). Os contextos sócio-económico e cultural como factores de bloqueio 2. 319 As acções executivas para recuperar impostos Resulta do estudo efectuado que uma parte significativa das acções executivas para pagamento de quantia certa que entram nos tribunais judiciais portugueses tem como único ou principal objectivo a recuperação de impostos, sobretudo de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA). Actualmente, o Código do IVA prevê a possibilidade de os sujeitos passivos de IVA deduzirem o imposto respeitante a créditos considerados incobráveis em processo de execução após o registo da suspensão de instância a que se refere a alínea c) do n.º 2 do artigo 806.º do Código de Processo Civil231 ou em processo de insolvência quando a mesma seja decretada232. Os sujeitos passivos de IVA podem ainda, sem necessidade de recurso a uma acção judicial, deduzir o imposto respeitante a outros créditos desde que verificadas as seguintes condições: “a) O valor do crédito não seja superior a (euro) 750, IVA incluído, a mora do pagamento se prolongue para além de seis meses e o devedor seja particular ou sujeito passivo que realize exclusivamente operações isentas que não confiram direito a dedução233; b) Os créditos sejam superiores a (euro) 750 e inferiores a (euro) 8000, IVA incluído, e o devedor, sendo particular ou sujeito passivo que realize exclusivamente operações isentas que não confiram direito a dedução, conste no registo informático de execuções como executado contra quem foi movido processo de execução anterior entretanto suspenso por não terem sido encontrados bens 231 Nos termos do artigo 806.º, n.º 2, alínea c) do CPC, o registo informático das execuções deverá conter, entre outros elementos, o rol de execuções suspensas por não se terem encontrado bens penhoráveis. 232 Cf. artigo 71.º, n.º 8 do CIVA, na redacção dada pelo artigo 60.º da Lei do Orçamento de Estado para 2007 (Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro). Anteriormente, e desde 1998, a redacção do mencionado artigo era a seguinte: “os sujeitos passivos poderão deduzir ainda o imposto respeitante a créditos considerados incobráveis em processo de execução, processo ou medida especial de recuperação de empresas ou a créditos de falidos ou insolventes, quando for decretada a falência ou insolvência”. 233 Cf. artigo 71.º, n.º 9, alínea a) do CIVA, na redacção dada pelo artigo 45.º, n.º 1 da Lei do Orçamento de Estado para 2006 (Lei n.º 60-A/2005, de 30 de Dezembro), que aumentou de € 349,16 para €750 o valor dos créditos cujo imposto é susceptível de dedução. 320 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma penhoráveis234; c) Os créditos sejam superiores a (euro) 750 e inferiores a (euro) 8000, IVA incluído, tenha havido aposição de fórmula executória em processo de injunção ou reconhecimento em acção de condenação e o devedor seja particular ou sujeito passivo que realize exclusivamente operações isentas que não confiram direito a dedução235; d) Os créditos sejam inferiores a (euro) 6000, IVA incluído, deles sendo devedor sujeito passivo com direito à dedução e tenham sido reconhecidos em acção de condenação ou reclamados em processo de execução e o devedor tenha sido citado editalmente236”. Nos termos do artigo 71.º, n.º 10 do CIVA, o valor global daqueles créditos, do imposto a deduzir, “a realização de diligências de cobrança por parte do credor e o insucesso, total ou parcial, de tais diligências devem encontrar-se documentalmente comprovados e ser certificados por revisor oficial de contas”, devendo fazer parte integrante do processo de documentação fiscal do sujeito passivo. Também o Código do IRC prevê a possibilidade de imputação dos créditos incobráveis nos custos ou perdas do exercício, mas apenas na “medida em que tal resulte de processo especial de recuperação de empresa e protecção de credores ou de processo de execução, falência ou insolvência, quando relativamente aos mesmos não seja admitida a constituição de provisão ou, sendo-o, esta se mostre insuficiente” 237. 234 Cf. artigo 71.º, n.º 9, alínea b) do CIVA, aditado pelo artigo 45.º, n.º 1 da Lei do Orçamento de Estado para 2006 (Lei n.º 60-A/2005, de 30 de Dezembro). 235 Cf. artigo 71.º, n.º 9, alínea c) do CIVA, na redacção dada pelo artigo 45.º, n.º 1 da Lei do Orçamento de Estado para 2006 (Lei n.º 60-A/2005, de 30 de Dezembro), que aumentou de € 349,16 para € 750, relativamente ao limite mínimo, e de € 4.987,98 para € 8.000, relativamente ao limite máximo, o valor dos créditos cujo imposto é susceptível de dedução. 236 Cf. artigo 71.º, n.º 9, alínea d) do CIVA, na redacção dada pelo artigo 45.º, n.º 1 da Lei do Orçamento de Estado para 2006 (Lei n.º 60-A/2005, de 30 de Dezembro), que aumentou de € 9.987,98 para € 6.000 o valor dos créditos cujo imposto é susceptível de dedução. 237 Cf. artigo 39.º do CIRC. Os contextos sócio-económico e cultural como factores de bloqueio 321 Apesar destas soluções legais, é convicção da grande maioria dos operadores judiciários que uma parte significativa das acções executivas tem como único objectivo a recuperação de impostos, em especial do IVA. Para alguns: “(…) para aí mais de 50%” (Ent.57). Enquanto que para outros: “Entre um terço e metade. E, destas, de facto, os clientes querem recuperar o IVA. Claro que não é só recuperar o IVA, queriam recuperar o capital, mas bem sabem que não têm outra forma” (Ent.4). E, acrescenta: “Tanto assim é que agora, com a Lei do Orçamento, eu tenho clientes que me disseram para desistir de tudo o que consiga, tudo o que se inserir nos requisitos da lei do orçamento para obter os benefícios de IVA e IRC. Tenho de dizer que alguns clientes têm desistido de imensos processos, ainda hoje recebi indicação de 50 para desistir” (Ent.4). No mesmo sentido, um magistrado judicial refere que: “No meu tribunal, 40% dos processos são para recuperação de créditos de IVA e IRS” (Ent.7). Neste contexto, há uma questão que foi levantada por alguns dos intervenientes nos painéis e que se refere à dificuldade em obter a certidão para efeitos fiscais, dado que há um diferente entendimento sobre quando a mesma pode ser passada. Eis três depoimentos que mostram essa heterogeneidade de procedimentos: 322 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma “O exequente tem que indicar bens à penhora. E, depois, tem de estar comprovado nos autos que não foram encontrados bens. Se não foram, tem de se dar ao exequente prazo para nomear outros bens. No fim do prazo do 51.º, o processo vai à conta. E o exequente terá de documentar que não procedeu ao acto de penhora porque não encontrou bens a penhorar – saldos bancários, bens móveis – para requerer a certidão. E só então eu emito a certidão de que nos autos não consta que tenham sido encontrados bens” (Ent.46). “Dificilmente comprovam que foram à conservatória, aos bancos, e não tendo esses dados, para mim é difícil passar uma certidão. (…) Então esgoto o prazo do artigo 285º. Mas, já passo a certidão naqueles casos em que, ao fim de 3 meses, vêm dizer que desistem da execução por não existirem mais bens e querem que o processo vá à conta. A partir daí, passo a certidão a dizer que nada consta” (Ent.44). “Se dizem que desistem da execução porque não conhecem bens, eu não passo certidão nenhuma. Se o solicitador fez constar dos autos que não foram encontrados bens, eu passo a dizer que até ao momento o exequente não encontrou bens. Se desiste da execução porque não encontrou bens e isso está devidamente documentado nos autos, então passo a certidão. Mas, muitas vezes, não a passo, aguardo um ano” (Ent.47). Mas, como já referimos, para muitos dos operadores judiciários é fundamental que o sistema preveja mecanismos mais eficazes e abrangentes que permitam a recuperação do IVA sem recurso à via judicial: Os contextos sócio-económico e cultural como factores de bloqueio 323 “Na minha opinião, a primeira medida tinha a ver não com a reforma da acção executiva, mas com a fase prévia, que era a possibilidade do credor poder obter um documento para recuperação do IVA, que não tivesse de passar pela via judicial. Acho que essa é uma medida urgente que tem de ser tomada” (Ent.4). Esta não é, contudo, uma posição consensual: “Esta questão de se arranjar soluções para, eventualmente, as empresas recuperarem o IVA, declarando prejuízos, e aqui estou a falar contra a corrente, se calhar, até dos meus colegas, são soluções que podem ser úteis como remendos para o momento e para as circunstâncias. Mas, são muito más em termos económicos. Não acredito que seja bom em termos económicos arranjarmos soluções para que as pessoas não paguem…” (S-5). Foi, ainda, referido por vários operadores judiciários entrevistados que muitos exequentes estão a começar a optar por instaurar processos de insolvência. “Está a acontecer instaurarem-se poucas execuções e recorrer-se ao processo de insolvência. Muita gente está a ir por aí, se calhar exageradamente” (Ent.52). Esta opção estará a ser cada vez mais frequente, não só em virtude dos bloqueios da acção executiva mas, também, por poder proporcionar uma maior facilidade na obtenção do pagamento pela pressão exercida sobre o executado. 324 3. A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma Uma nova profissão no processo executivo: as relações entre solicitadores de execução e os demais intervenientes processuais Como já referimos, uma das inovações centrais em que assentou a reforma da acção executiva foi a criação da figura do solicitador de execução. Ao solicitador de execução, sob fiscalização da Câmara dos Solicitadores e na dependência funcional do juiz da causa, cabe exercer todas as competências específicas de agente de execução e as demais funções atribuídas por lei. Como veremos, mais de três anos passados sobre o início da reforma, subsistem dificuldades de adaptação e de inter-relação entre os solicitadores de execução e os outros intervenientes processuais, que é fundamental ultrapassar. Um dos participantes num dos painéis fala das rotinas instaladas e do surgimento de uma “entidade alienígena” que não dispõe da cultura judiciária e da legitimidade pública dos funcionários judiciais: “(…) todos nós estamos agarrados inevitavelmente a rotinas, a princípios e a coisas que, sem discutir, achamos que são indiscutíveis. Por exemplo, os advogados. Já houve aqui várias catarses judiciais, mas os advogados, em geral, estão habituados àquele modelo do Alberto dos Reis. Não tenham dúvida. Pelo menos, os mais antigos e, depois, os mais antigos reproduzem nos mais novos que trabalham com eles. Querem o requerimentozinho, gostam é de ter o despachozinho, uma coisa de que se possa recorrer. É este tipo de coisa. (…). Assim como eu digo que os advogados gostam de um requerimento, os senhores juízes gostam de despachar. É assim. Agora aparece aqui um terceiro, uma entidade alienígena, que é o solicitador de execução. Temos aqui um fantasma de processo, mas, depois, a maior parte dos solicitadores não tem a máquina montada e, depois, não querem fazer execuções. Preferem fazer citações. Então, fazem-nas mal, mas as citações dão-lhes mais lucro. Esta coisa da execução é lidar Os contextos sócio-económico e cultural como factores de bloqueio 325 com as pessoas, ir a casa para tirar de lá coisas é uma coisa chata e há muita gente que não está preparada para isso. E não são funcionários, não têm a cultura da força pública, do poder público. É complicado” (P-11). Outro advogado refere-se à inter-relação entre profissões nos seguintes termos: “Há uma grande dificuldade de interacção entre tribunais, solicitadores de execução e advogados. Eu preciso de saber, quando o solicitador me envia um fax a dizer para eu informar, em 10 dias, se tenho conhecimento de todos os bens, a quem é que eu respondo? Tenho que dar conhecimento ao tribunal? E depois o tribunal diz-me que, por exemplo, o processo não foi à conta porque não foi feito nada. Mas eu tenho que fazer alguma coisa no tribunal? Pensei que era o solicitador que tinha que dar conhecimento” (Ent.4). Um advogado de uma grande comarca, tem uma outra perspectiva e diz que o solicitador de execução começou por querer ser imparcial, mas logo se deixou “instrumentalizar” por alguns mandatários, acabando por não ter condições para dar resposta aos processos a seu cargo, o que determinou uma relação tensa entre solicitadores e advogados: “Num primeiro momento, o solicitador sente-se «do lado de lá do balcão» e vê o tribunal e não vê mais ninguém. Ora, isto levou ao total alheamento da figura do exequente, que paga mas não lhe pede o trabalho, não o responsabiliza. E o solicitador de execução quis aparecer como imparcial. Mas, num segundo momento, quando os solicitadores já não tinham tanto trabalho, “encostaram-se” a alguns mandatários dos exequentes. Assim, nesta fase, eles foram “instrumentalizados” ao máximo, andaram à “míngua” e fecharam escritórios. Depois, quando os processos saíram das secretarias 326 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma (principalmente em Lisboa e no Porto), eles não tinham e não têm condições para os receber, nem sequer onde os colocar. Nos meios mais pequenos a situação ainda é mais grave porque a densidade de trabalho é mais reduzida e a capacidade de influenciar o solicitador era ainda maior” (Ent.92). Chama-se, também, a atenção para a questão da falta de credibilidade da figura do solicitador de execução, dando o exemplo da penhora de salários: “(…) se levar a chancela do tribunal a entidade patronal tem receio. Agora, vê lá um solicitador de execução a pedir que indique bens a penhorar e ele diz que não trabalha cá e acabou…” (Ent.67). A relação solicitadores de execução / magistrados Na perspectiva de alguns operadores, a reforma da acção executiva falhou porque não foi possível estabelecer, de forma eficaz, a inter-relação entre os diferentes intervenientes processuais prevista no espírito da reforma. Uma das consequências desta situação é a excessiva intervenção, na prática, do juiz no processo executivo: “O que eu acho que está aqui em causa é o seguinte: a reforma pressupõe uma intercomunicação e um diálogo entre todas as partes: entre o tribunal, os advogados e o solicitador de execução, mas não existe essa comunicação. O processo acaba por ser como que o “espelho” dessa própria falta de diálogo entre as partes. Entre os intervenientes processuais. Por isso, o juiz está, sistematicamente, a ser chamado a resolver situações e incidentes anómalos que, se houvesse comunicação entre as partes, entre os intervenientes processuais, não aconteceria. Porque é aí que a reforma falha, porque partiu de um princípio que na prática não existe. Por isso é que nós intervimos tanto. Porque quando uma Os contextos sócio-económico e cultural como factores de bloqueio 327 reforma tem um espírito que na prática não é aplicado, a reforma não pode ter sucesso” (Ent.24). No mesmo sentido, um solicitador de execução chama a atenção para o distanciamento que se verifica entre os tribunais, em especial entre os juízes e os solicitadores de execução, bem como a falta de momentos “institucionalizados” de formação entre os vários operadores judiciários: “Esta instabilidade é associada a outro aspecto: enquanto que, antes da reforma da acção executiva, o processo da penhora era tramitado por um escrivão, com uma certa proximidade em relação a quem assumia o ónus da responsabilidade ou irresponsabilidade, que era o juiz, nós hoje temos um distanciamento enorme face ao juiz. Grande parte dos nossos colegas não têm coragem de ir falar com o juiz e o juiz também não propicia esses momentos. Isso advém: por um lado, não temos sessões de formação conjunta entre os agentes neste processo, não há momentos institucionalizados… há momentos pontuais, na minha comarca eu fiz umas coisas com os juízes, com os oficiais de justiça, e tal, mas isso depende da nossa capacidade de iniciativa… mas não há momentos institucionalizados de formação, de troca de informações, entre os agentes, em cada um dos locais, e até entre os formadores de cada um deles. Ou seja, nós nem sequer, entre os nossos formadores, da Câmara de Solicitadores, os formadores dos juízes, os formadores dos funcionários judiciais ou da Ordem dos Advogados, temos interligação. Cada um de nós conta a história como muito bem entende, normalmente com um certo prazer em descobrir soluções absolutamente diferentes dos outros. Se os oficiais de justiça dizem que é assim, nós achamos que é ao contrário. Aparecem assim umas situações deste género. Mas hoje, falar com um juiz, para um solicitador de execução, é muito complicado. Conseguimos, quanto muito, fazê-lo no dia da abertura das propostas em carta fechada. E 328 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma o juiz e algumas secções resumem-se a uma actividade: controlar o solicitador de execução. Perguntar se o solicitador de execução fez e pouco mais fazem do que isto, verificar se ele cumpre os passos. O … é que usava uma expressão com muita piada: “há juízes e secções que se reduziram a ser a agenda do solicitador de execução” (S-5). Um juiz dá conta desse distanciamento entre solicitadores de execução e juízes, mas acentua a disponibilidade que manifestou e que nunca teve feedback por parte dos solicitadores de execução: “Nestes anos de reforma, o que lhe posso dizer é que a única vez que uma solicitadora demonstrou vontade de falar comigo no gabinete foi por causa de uma condenação em custas do incidente da destituição, porque achava que estava mal destituída. Nunca nenhum solicitador pediu para falar comigo para ouvir, da minha parte, aquilo que eu pudesse ter de bom para lhe transmitir, embora eu desse instruções à Sra. Escrivã no sentido de ela própria ir procurando transmitir práticas que se entendiam como adequadas e a minha disponibilidade para falar com os solicitadores. Nunca nenhum quis falar comigo acerca do como se há-de ou não fazer determinada coisa” (P-5). Há, de facto, comarcas em que registámos a preocupação, por parte dos juízes, de se reunirem com os solicitadores de execução da comarca: “(…) assim como existem comarcas onde não se consegue reunir com os juízes, onde os solicitadores, para uma reunião com o presidente do tribunal em que o presidente do tribunal chega a dizer “olhe, a reunião só não se faz porque há um dos nossos colegas juízes que entende que não se deve reunir com os solicitadores, por isso nós recusamos a reunião”, como há juízes que, quando se apercebem que entrou um grupo de solicitadores novos para uma Os contextos sócio-económico e cultural como factores de bloqueio 329 comarca, chamam os mais velhos e dizem “olhe, vamos marcar uma reunião aí com os seus colegas novos e com os outros seus colegas para eles se inteirarem da forma como nós funcionamos” (S-6). Um solicitador de execução evidencia o desconhecimento que, na sua opinião, os juízes e advogados têm sobre o funcionamento dos escritórios dos solicitadores de execução e, em geral, sobre o desempenho funcional da profissão: “O ideal seria que o senhor juiz do tribunal aceitasse participar em reuniões com os senhores advogados, com os senhores solicitadores, com os senhores funcionários, e que se discutissem aspectos práticos. Quando descobrimos que há muitos advogados que não sabem que têm de ter o seu mail actualizado, porque senão não recebem as comunicações, ou que desconhecem uma série de aspectos novos na reforma em termos de competências; ou quando descobrimos que o juiz tem uma perspectiva do solicitador que é quase diabolizada, porque nunca falou com ele. No outro dia, houve um juiz que entrou no meu escritório e que teve o seguinte comentário: «isto é pior do que uma secretaria». Ele não imaginava como é que o escritório de um solicitador de execução funcionava. Os processos são iguais, o sistema é igual… e ele começou a ver os processos e ficou muito admirado porque a estrutura acaba por ser uma reprodução da secretaria com algumas coisas diferentes e modernas ou com alguns atrevimentos relativamente àquilo que é a secretaria. Esta compartimentação, em que cada um segue o seu caminho, é extremamente negativa e leva às tais arrogâncias mútuas, tais como: «o senhor solicitador não faz o que eu quero, eu vou obrigálo, ele vai ver como é!». Por sua vez, o senhor solicitador diz: «não, eu sou um agente do Estado, eu sou um agente independente, portanto, também há-de ser como eu digo!» (S-5). 330 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma A relação solicitadores de execução / funcionários judiciais A grande maioria dos funcionários entrevistados e participantes em painéis tem uma percepção negativa sobre o desempenho funcional dos solicitadores de execução, que atribuem ao défice de formação. Mas, um dos problemas mais evidenciado no trabalho de campo está relacionado com o que podemos designar de dificuldade de adaptação à nova profissão. Um advogado refere-se à tensão existente entre aqueles profissionais: “Também é verdade que se constata que há uma má vontade da parte dos funcionários. Eles dizem «Isto foi-nos retirado, não queremos saber disso para nada… fica aí na prateleira!». Este problema também decorre do regime de remuneração” (Ent.67). Um solicitador de execução fala da resistência dos funcionários judiciais: “A relação com o tribunal não é muito boa, sobretudo devido aos senhores funcionários. Eles não gostaram das alterações da reforma e da criação da figura do solicitador. Parece que há um sentimento de recalcamento e resistência... E, por isso, criaram dificuldades acrescidas. Aliás, “apanhámos” muitas multas inicialmente, por exclusiva culpa deles” (Ent.89). Segundo um solicitador de execução, alguns funcionários judiciais, por vezes, dificultam o trabalho aos solicitadores de execução: “É só para nos apercebermos de coisas deste género, ridículas, como eu tive inicialmente e recebi uma destituição do tribunal de (…) que o funcionário embirrou que o solicitador, pelo facto de ter assinado um requerimento executivo, tinha que fazer cerca de 120 quilómetros para ir de propósito ao tribunal do (…) levantar os duplicados” (S-2). Os contextos sócio-económico e cultural como factores de bloqueio 331 “E para levantar despachos deferidos. Mandam uma carta registada a dizer para se ir lá levantar o despacho e a gente vai lá e está lá uma folha a dizer deferido” (S-6). Para um funcionário judicial, as penhoras não “andam” porque os solicitadores de execução apenas querem estar no “ar condicionado do escritório”: “Porque o problema, quanto a mim, das penhoras não andarem e, daí, nós, enquanto oficiais de justiça, virmos dizer que elas andavam melhor antes, é que nós andávamos na rua. Os senhores solicitadores não gostam de chuva nem de sol. Querem o ar condicionado do escritório. Eles não vão à rua. E os mandatários dos exequentes conhecem, porque há relações comerciais, conhecem a existência de bens na sede ou no domicílio do executado, deram determinados elementos quando fizeram o contrato, mas o solicitador só quer estar sentado na secretária. Não quer ir à rua. E este é o caso precisamente de um advogado que pressiona para que o solicitador faça determinadas diligências” (F-7). Este funcionário judicial enfatiza o facto de os litigantes se dirigirem ao tribunal para saber o estado do seu processo, ao invés de se dirigirem aos solicitadores de execução, o que potencia a percepção negativa sobre o desempenho funcional desses profissionais: “O pequeno litigante que não indica solicitador, porque não tem nenhum acordo com nenhum escritório de solicitadores, sujeita-se à nomeação de escala. E fica parado. Mas onde é que ele vai reclamar? Ao tribunal. E somos nós ali que temos, todos os dias, que enfrentar situações em que nos perguntem «como é que está o meu processo?» “Está no solicitador, o solicitador vai fazer isto, vai fazer aquilo… 332 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma Os senhores mandatários já chegaram à conclusão de que aquilo não funciona. E eu falo “aquilo”, Secretaria-Geral de Execuções de Lisboa. Então, em vez de estarem a receber os clientes no escritório, com esse tipo de situações, Rua Braancamp, número cinco: o Tribunal de Execuções. Vão lá pedir informações” (F-7). É, assim, consensual a opinião, quer por parte dos funcionários judiciais, quer dos solicitadores de execução, que há dificuldades de inter-relação entre estes dois grupos profissionais, dificuldades que, para muitos dos operadores entrevistados, são extensíveis aos outros intervenientes. É essa, por exemplo, a opinião de um dos escrivães de direito entrevistados: “(…) não há uma colaboração efectiva entre todas as entidades envolvidas neste processo, quer dos funcionários judiciais, quer dos próprios advogados. Estes têm a ideia que os solicitadores ganham muito dinheiro e os funcionários judiciais por vezes não colaboram” (Ent.72). Mas, para alguns solicitadores, o que há é falta de vontade dos funcionários judiciais em “colaborar”. Um solicitador de execução diz que, por exemplo: “(…) o tribunal de (…), neste momento, está a exigir aos nossos colegas que, para além de enviarem os documentos telematicamente, que vão lá entregar uma cópia em papel” (S-6). Mas, para outros, o principal problema decorre do facto dos solicitadores de execução não informarem o tribunal do estado do processo: Os contextos sócio-económico e cultural como factores de bloqueio 333 “Os solicitadores não informam o Tribunal sobre o relatório, não respondem à Secção, mesmo com multa. (…) Por vezes, os solicitadores nem informam quando citaram o executado” (Ent.70). Alguns funcionários judiciais “queixam-se” da dificuldade em controlar os prazos no âmbito da acção executiva: “Eu remeto para o solicitador. Ele fica lá com o expediente… Depois eles dizem que estão a aguardar e que foi dado conhecimento ao exequente. Mas não há prova nenhuma de que foi dado conhecimento ao exequente. E depois não sei como é que controlam o prazo. Antigamente, eu tinha o processo no juízo, eu tinha tudo controlado. Agora eu não sei, eu não faço ideia. Eu acho que se é para manter este modelo da acção executiva deviam-se aditar talvez uns artigos, de maneira que o solicitador mostrasse sempre que notificou o exequente. Não é só dizer «dei conhecimento». Mas dei conhecimento como? Em que termos, onde está a notificação? Eu não sei, pode ter dado conhecimento há um mês atrás, não sei a data em que deu conhecimento. Nem sei se deu se não deu. Nestas situações notifica-se o exequente daquilo que o solicitador veio dizer que deu conhecimento, mas para quê? Para eu ter um prazo?” (Ent.77). Um outro escrivão acentua, também, o facto de os solicitadores de execução não prestarem informações ao tribunal, o que significa um processo sempre incompleto no tribunal: “O processo executivo nem sequer tem a informação toda. Porque também há uma lacuna na lei – a lei obriga, apenas, a juntar as citações e pouco mais… E, mesmo essas, eles não juntam. Na lei há uma passagem que diz que a secretaria, diariamente, regista na 334 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma base de dados das execuções…. Mas é impossível! Eles não informam, não comunicam ao processo. O que é que se vai registar na base de dados?!” (Ent.86). Um juiz da mesma comarca corrobora a afirmação do escrivão de direito, salientando o silêncio dos solicitadores de execução, que conduz à aplicação de multa e mesmo à destituição: “A resposta, a maior parte das vezes, é o silêncio. Nem dizem nada! Nem sequer respondem com a advertência que são condenados em multa! E levam a multa. E, eventualmente, substituição e destituição e depois… voltamos ao mesmo. A multa nem sequer é um estímulo a que desempenhem a actividade, o que eu acho estranho” (Ent.82). Um escrivão de direito dá conta da sua experiência, e salienta a demora dos solicitadores na prática dos actos da sua competência, mesmo após a ameaça de sanção com multa, salientando, ainda, o desinteresse dos exequentes: “Desde que entra um título executivo, até que haja notícias do solicitador demora, em regra, mais de um ano. Mais de um ano com multa, muitas vezes. Eles não ligam nada. E o exequente, nesse tempo todo, não diz nada, não se manifesta. Muitas vezes vem ver o processo e telefona ao solicitador. Há um ou outro exequente que pede logo a destituição dele, mas não lhe resolve o problema. Acho que, neste momento, os exequentes quase que se convenceram que é assim mesmo. Os advogados vêm com requerimentos ao processo, mas eu notifico o solicitador, não vou mandar para o juiz. Mas, ao invés de estarmos com essa insistência toda com os solicitadores, devia dar-se conhecimento ao exequente” (Ent.47). Os contextos sócio-económico e cultural como factores de bloqueio 335 Um outro funcionário judicial enfatiza, também, esta desarticulação funcional entre o solicitador e a secretaria, considerando que a comunicação entre a secretaria, solicitador de execução e exequente não funciona eficazmente: “Com a implementação desta reforma-se pensava-se que os processos iriam sair dos tribunais. Teoricamente, era tudo bonito e tinha algumas vantagens, mas, de facto, as vantagens começaram a desaparecer. Os processos não saíram da secretaria e acumulam-se cada vez mais na secretaria e não sabemos até quando os processos poderão estar parados, por falta de impulso processual. Poderá o escrivão ficar com o processo parado, eternamente, por falta de informação da actividade do solicitador? Há falta de informação e de comunicação entre o solicitador e a secretaria. A comunicação tripartida entre secretaria, solicitador e exequente não funciona. Acho que deveria haver aqui alguma forma de permitir à secretaria ter um ponto de controlo para melhor gerir os prazos ou então, a desjudicialização deverá ser mais ampla, com maior autonomia do solicitador para tramitar todo o processo, reservandose a final, o controlo para a secretaria, a quem caberia proceder à liquidação final tendo em conta todas as verbas recebidas pelo agente de execução e à extinção do processo” (F-10). Mas, sendo estas posições maioritárias, pudemos, contudo, identificar casos de boas práticas, em especial em comarcas com menor volume processual. Um solicitador de execução fala da boa relação que mantém com o tribunal: “Aqui a relação com o tribunal é muito boa; sempre que há qualquer coisa telefonamos; os despachos são rápidos (10/15 dias)” (Ent.50). No mesmo sentido, um solicitador de execução de uma outra comarca salienta a boa relação com o juiz de execução: 336 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma “Nós agora estamos a trabalhar muito bem; a concertação com o juiz de execução foi muito boa” (Ent.19). Como já referimos, o problema do défice de formação, quer dos solicitadores de execução, quer dos funcionários judiciais, é sentido como um obstáculo ao desenvolvimento de um eficaz processo de boas práticas. Vai, nesse sentido, o seguinte depoimento: “Ali, uma das grandes dificuldades que eu noto no lidar com todos aqueles tribunais é que há uma grande mudança de funcionários e acho também muita falta de formação. Se nós temos, então eles não têm nenhuma. Quase me permite concluir isso. Desde a simples abertura de um requerimento que é enviado telematicamente pela nossa aplicação informática GPESE. Eu tenho de enviar o documento via informática pelo GPESE e, passados dez, quinze dias, ainda não obtive resposta. Tenho que pegar no telefone, pegar no processo e dizer assim: “olhe, vocês abriram o requerimentozinho em que eu estou a pedir o levantamento de sigilo bancário”, ou estou a pedir isto, ou estou a pedir aquilo, “ai, enviou isso, nós não sabemos, a nós não chegou, nós não abrimos” e tenho que estar ali horas ao telefone com o funcionário de justiça, quase que a ensinálo como é que tem que entrar no computador. Isso é horrível” (S-2). De acordo com um outro solicitador de execução, a Direcção-Geral da Administração da Justiça (DGAJ) fez um esforço de explicação da articulação do solicitador com o funcionamento do tribunal – “a única entidade que auxilia nesta matéria é a DGAJ”. De facto, a DGAJ, segundo o mesmo solicitador, terá auxiliado na elaboração de um manual distribuído aos funcionários judiciais, que estabelece um conjunto de regras concertadas entre os técnicos da Câmara dos Solicitadores e os técnicos da DGAJ, pois, como refere o solicitador, “havia um vazio em decidir quem é que faz o quê dentro do processo” (S-3). Os contextos sócio-económico e cultural como factores de bloqueio 337 A relação advogados / solicitadores de execução Mapeamos neste ponto as questões que o nosso estudo permitiu identificar como aquelas mais enfatizadas pelos operadores judiciários, que impedem uma relação mais virtuosa entre estes dois grupos profissionais: advogados, sobretudo, como mandatários dos exequentes, e solicitadores de execução. Para um juiz entrevistado, a relação entre o advogado do exequente e o solicitador de execução é a “pedra de toque da acção executiva: se as coisas funcionassem, a reforma era uma óptima ideia” (Ent.17). Para um advogado de uma grande comarca, é a atitude dos solicitadores que impede que haja uma boa relação entre advogados e solicitadores, opinião manifestada pela grande maioria dos advogados entrevistados: “É a própria atitude do solicitador que impede que haja uma colaboração efectiva. Eu acho que o solicitador olha para o advogado como sendo, primeiro, “uma Caixa Multibanco”, uma tesouraria. E não há espírito de colaboração. Era razoável que me pedisse a provisão se daqui a dois meses me desse notícias do processo. Não é razoável pedir-me provisão de € 200, € 300 ou € 400 e eu, passado um ano, não tenho notícias. Eu tento falar com os solicitadores e nem consigo conhecer-lhes a voz!” (Ent.98). Um advogado refere o desigual tratamento dos processos, com consequências negativas para o exequente: “Não pode haver um tratamento desigual das situações que são iguais. Um solicitador deve promover as execuções à medida que elas vão entrando. Imaginemos esta situação: o solicitador é notificado de que há um arresto de um bem do credor A; e há um arresto do mesmo bem do credor B. Nenhum escolheu solicitador, 338 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma mas o arresto do A foi tratado em primeiro lugar e o do B foi em segundo, no mesmo tribunal. Alguns solicitadores são mais lentos do que outros e alguns demoram meses a fazer o arresto. Às vezes já estão feitos os articulados da acção principal e depois é que é registado o arresto. Isto é uma coisa espantosa que nunca acontecia num processo como este. Isto acontece porque nós não temos qualquer controlo do processo executivo. Mas há um problema aqui de responsabilidade” (Ent.51). No que se refere à nomeação de solicitadores de execução, encontramos posições muito diferenciadas: por um lado, os advogados que assumem uma relação de trabalho privilegiada com determinado solicitador; por outro, aqueles que consideram que nenhum solicitador lhes merece essa “confiança”. Um advogado de uma comarca do norte do país confessa que não mantém uma relação de trabalho especial com nenhum solicitador de execução: “Nomeio normalmente mais do que um solicitador de execução. Não tenho uma relação de confiança com o solicitador de execução. Já mudei três ou quatro vezes de solicitador de execução, mas depois andamos em círculo” (Ent.23). Esta posição é confirmada por outros advogados: “Não nomeio solicitador de execução e recuso-me a nomear. Sujeito-me ao que há!” (Ent.68) Em sentido contrário, outros advogados referem que os advogados trabalham, preferencialmente, com um solicitador de execução: Os contextos sócio-económico e cultural como factores de bloqueio 339 “Os advogados não têm solicitadores de execução a trabalhar nos escritórios, mas trabalham mais amiúde com um ou outro solicitador de execução” (Ent.22). “Em 90% dos processos somos indicados pelo exequente; recebemos muitas execuções de fora da comarca. No mês de Dezembro fomos duas vezes ao Algarve. Muitas execuções são de bancos; às vezes distinguimos os exequentes, dependendo da urgência dos processos; o advogado telefona a explicar e nós avaliamos a situação” (Ent.50). Vai, no mesmo sentido, a percepção de uma solicitadora de execução de outra comarca do norte: “Para aí em 70% dos meus processos sou indicada pelo exequente. Os escritórios de advogados cada vez mais têm o seu solicitador de execução (Ent.19). Por sua vez, um juiz dá conta que há, também, solicitadores que pedem escusa à Câmara dos Solicitadores por não pretenderem trabalhar com determinado mandatário: “(…) temos solicitadores de execução que, em relação a um mandatário específico, e são vários, pedem frequentemente escusa à Câmara dos Solicitadores” (Ent.27). Mas, há quem tenha uma outra perspectiva. Segundo um escrivão de direito, os advogados ainda não perceberam a reforma da acção executiva: “Acho que os que menos perceberam a reforma da acção executiva foram os senhores. advogados. 340 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma Eu penso que o exequente (mandatário) não percebeu que com esta reforma da acção executiva tinha que ter muito mais relação com esta figura que foi criada. Não tenho dúvidas nenhumas que é essa a essência disso. Enquanto não perceberem que isso depende muito deles, do compromisso que eles tiveram com o solicitador… e ajudar o solicitador, porque eles chegavam aqui, metiam o processo e sabiam que o tribunal fazia tudo” (Ent.72). Resulta, assim, do trabalho de campo que há, de facto, um problema de articulação funcional entre o mandatário do exequente e o solicitador de execução que urge resolver. O depoimento que se segue de um solicitador de execução é ilustrativo desse “desencontro”: “Quando digo que tenho um advogado interessado no processo, o processo anda, e quando digo “interessado” não digo que o advogado me está a chatear para eu fazer. Estou a referir-me ao advogado que instrui o processo convenientemente, que falou com o cliente antes de fazer a penhora e sabe o que está a fazer, aquele advogado que trata 2.000 processos e não faz a mínima ideia do que é que se passa no processo. Então, a forma de demonstrar trabalho é isto. É: o senhor solicitador diz que não há bens e ele volta à carga, inventando as coisas mais estapafúrdias, de forma a que o Sr. solicitador demonstre mais trabalho no meio do processo. Isto é por necessidade absoluta dos que não estão interessados no processo, que só estão preocupados é na sua relação contratual com o cliente, que eu não sei qual é, não a conheço, não sei como é que é remunerado. Porque tenho outros advogados que me entregam processos absolutamente iguais – estamos a falar de letras, bancos a entregar execuções de letras – em que não tenho uma queixa, em que os processos andam e, quando eu lhes digo que não há bens, o advogado diz “sim, senhor solicitador, extinga- Os contextos sócio-económico e cultural como factores de bloqueio 341 me isso, que já não vale a pena”. Ou seja, nós temos exequentes e mandatários muito diferentes no meio disto, com relações contratuais entre eles a que nós somos completamente alheios. Já chegámos à conclusão que o solicitador de execução é o que está no meio, leva por todos os lados. Vamos fazer execuções, raramente o mandatário acompanha uma diligência. Muitas vezes, quem costuma vir habitualmente é o exequente, que vem acompanhar a diligência. E nós vamos fazer a penhora e eu digo assim ao exequente:”olhe, vamos lá então à casa dele que é na rua tal”. E diz-me o exequente: “Ah, mas ele já não mora aí há muito. Eu julgava que o Sr. solicitador tinha a outra morada”. Ou seja, a desarticulação que existe entre o solicitador e o advogado é proporcional à articulação que ele tem com o seu cliente. Ou seja, se ele está desarticulado com o cliente, se ele não ouve o cliente, se ele não percebe o que se está a passar, também não o consegue fazer passar a nós. Transmite-nos os dados que tem, que são de há três anos atrás. Quando o cliente lhe deixou a factura há três anos, deixou-lhe os dados. E, passados três anos, meteu a injunção, levou o seu tempo, andou, até que chegou ao solicitador. Quando chega ao solicitador, transcreve tudo o que tinha há três anos atrás. Não foi ter com o cliente para lhe perguntar qual é a realidade hoje em dia” (S-3). O mesmo solicitador de execução salienta, ainda, um outro problema, relacionado com os exequentes frequentes: “Para falar de questões de exequentes: há um colega que me delega execuções para …, uma dessas empresas de crédito ao consumo, em que a prática do nosso escritório passou a ser: eu notifico o mandatário a dizer «está marcada a penhora para dia 15», não digo a hora e peço para contactar com o nosso funcionário fulano a fim de combinar a hora da penhora, caso pretenda vir. Nunca sabemos 342 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma se querem vir, se não querem vir, se querem a penhora de móveis ou não. E a resposta dessa entidade é invariavelmente a mesma: «senhor. solicitador, vamos mandar lá uma empresa X saber se vale a pena fazer a penhora» e, por esse serviço que essa empresa X faz, cobram 250 euros. Ou seja, essa empresa que vai lá ver se vale a pena fazer a penhora ou não e cobra 250 euros. Mas não chego a concretizá-lo. É evidente que, a minha posição, agora, qual deverá ser? Não aviso da penhora, vou lá fazê-la, certo? E depois mando-lhe a nota de honorários. Eventualmente, o que é que vai acontecer? Essa empresa de crédito não vai gostar do que eu fiz. Nunca mais me vai mandar um processo. Vai dizer: «eu não mando para aquele solicitador, porque ele não faz como nós queremos que seja feito»” (S-3). Uma outra questão, também apontada por vários solicitadores de execução como geradora de tensão e de dificuldades de comunicação com os advogados, é o facto de estes, quando contactam os escritórios, apenas quererem falar com os próprios solicitadores e não com os seus funcionários. Eis como um solicitador vê a relação advogado / solicitador de execução: “Em relação à preferência que alguns exequentes/advogados têm por determinados solicitadores, não será por essa questão de acordos, porque oficialmente nunca podem ser feitos. A mim, propuseram-me isso e eu recusei completamente. Mas o que é que os leva a fazer muitas vezes esse tratamento privilegiado? É, não só a facilidade de se poder, isso sim, de acordo com o que o meu colega disse, definir um determinado valor de provisão – porque nós temos a certeza que, no final, com aquela gente não vamos ter problema em receber o resto –, como também o aspecto contabilístico, na forma de conversar, porque, não tendo reuniões, conseguimos dialogar por mail, por fax, e eles têm sempre resposta. Agora perdoem-me eu dizer isto, mas há advogados que só querem Os contextos sócio-económico e cultural como factores de bloqueio 343 falar com o solicitador, não querem falar com o empregado. Ora, o solicitador não está sempre no escritório, não pode lá estar sempre. Portanto, não sendo uma forma preferencial de tratar determinado exequente, é, digamos, uma forma que se arranja de dialogar bem com o advogado que representa o exequente. Eu não trato melhor os processos desta gente do que trato a dos outros. Eu tenho um agendamento e tenho que os tratar bem a todos. Depois temos aquela fasquia dos “avulsos”, digamos assim, que têm poucas execuções ou o problema do logradouro ou problema seja lá do que for e que tem um advogado que está sistematicamente, a insistir: «e isto?», «e aquilo?», «e aquele outro?» Não percebem que não pode ser como eles querem… ” (S-4). Por seu lado, os advogados, recorrentemente, salientam a pouca informação que dispõem sobre o estado do processo, já que os solicitadores de execução não lhe dão essa informação: “E, muitas vezes, nós queremos colaborar e temos informações que os nossos clientes nos fornecem, mas devido ao mau relacionamento que se está a verificar entre o advogado e o solicitador, e porque nós perdemos tanta margem no processo, que mesmo querendo colaborar, o solicitador não deixa. Adopta a posição de que é ele que tem que fazer e que não tem que receber informações ou ordens de ninguém. Nós telefonamos para os escritórios e não nos atendem, nós mandamos faxes e não nos respondem, e-mail e não temos resposta e andamos um ano à espera de informação” (Ent.96). Esta é uma opinião quase consensual entre os advogados: 344 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma “(…) nós temos, também, aqui, digamos, um outro factor que é a informação que o advogado deve transmitir ao seu cliente sobre o estado do processo. O advogado não tem, hoje, a partir do momento em que a execução lhe sai das mãos, não tem mais controlo sobre o processo, não o conhece. E, por mais que pretenda saber… é muito raro ter informação da execução para prestar ao cliente. E o problema é que mesmo quando pede ao solicitador ele não dá! Nem responde. Não dá. Em regra, não tem esse tipo de resposta. Isto é, ele não tem informação… Antigamente, íamos ao tribunal e tínhamos lá o processo. Hoje em dia, não temos acesso a nada. E se o solicitador nem sequer quiser responder, então, muito menos. Só temos uma possibilidade… pela via da destituição” (Ent.59). “Por telefone não vale a pena porque nunca estão!” (Ent.65). “Em … não temos acesso a eles. É muito difícil conseguir apanhálos” (Ent.69). Um advogado de uma comarca do norte enfatiza esta questão, cuja experiência relata assim: “O pedido de provisão é o único acto que é praticado atempadamente. A partir daí entramos num mundo de silêncio preocupante. Passam-se meses em que não sabemos o que acontece à execução (entre seis a doze meses). Em regra, o contacto com o solicitador de execução é extremamente complicado. Há um horário de atendimento do solicitador de execução (vem no papel timbrado). Procuramos fazer a ligação nesse horário, mas não nos atendem ou atende um funcionário que Os contextos sócio-económico e cultural como factores de bloqueio 345 nada sabe – os que têm uma estrutura organizada, porque há quem não tenha. Ter um solicitador privativo é muito perigoso. Geram-se situações muito complicadas. Não há isenção, não há independência funcional. Aqui na comarca isto não acontece. Mas há uma tendência natural para isso. Mas os solicitadores de execução dão prioridade a quem interessa (por exemplo, os bancos)” (Ent.21). Mas, essa não é a experiência de todos, conforme relata um advogado de uma outra comarca: “Depende do solicitador de execução. Por acaso, em …, a solicitadora com quem normalmente trabalho, agora atende-me sempre, desde que esteja no escritório. Tenho um bom relacionamento… já falei com outros colegas, também tem bom relacionamento com eles. Mas, há outros que não estão e mandam dizer que não estão e não nos dão conhecimento de nada. Eu tive uma citação para fazer durante mais de um ano e, entretanto, as pessoas desapareceram lá do sítio…” (Ent.58). No mesmo sentido, outro advogado refere que, em regra, não tem dificuldade em contactar os solicitadores de execução: “Eu consigo falar …, em regra, consigo falar. Quer dizer, depende dos solicitadores e dos respectivos escritórios” (Ent.68). A dificuldade em contactar os solicitadores e em saber qual o estado da execução, para informar o cliente, deteriora a relação do mandatário com o cliente. Um advogado relata, assim, a sua experiência profissional: 346 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma “Entre o momento em que há o pedido de provisão. Muitas vezes passados dois meses é-me enviado um fax a perguntar quais são os elementos do executado para se iniciarem as pesquisas. Eu coloquei no processo executivo tudo aquilo que sei. E isso levanos a uma questão importante, que é o solicitador de execução tem que saber muito mais que eu, porque tem acesso a bases de dados a que eu não tenho. Depois inicia-se normalmente um prazo em que há o envio de faxes por mim a perguntar do estado do processo, cerca de quatro meses a seguir à entrada do requerimento, quatro a seis meses. Eu não agendo um prazo, não consigo controlar todos esses processos. A partir daí contacto o solicitador, sempre por escrito, por fax - e ele não responde. Depois insisto por telefone quando já insisti ou uma ou duas vezes por fax, sendo que o contacto via telefone com o solicitador é uma tarefa muito difícil, porque nunca está, porque tem um horário de atendimento ao público, mas nesse horário nunca se consegue ligar. Não há um funcionário. Um dia tive uma situação de um cliente, que para este escritório é importantíssimo, e que tem uma acção com um valor de cento e tal mil euros, que veio do Tribunal Arbitral – o cliente queria saber nesse dia se estava alguma coisa já penhorada, queria saber como estava a acção executiva. Tentei durante todo o dia falar com a solicitadora, enviei faxes, ninguém me atendeu, e de dois em dois minutos tentei ligar durante 24 horas, enviei fax para contacto urgentíssimo até o dia seguinte, e nada. Os solicitadores de execução foram colocados nessa profissão sem perceberem que têm um escritório aberto e que têm clientes a quem têm de responder. E isso prejudica muitas vezes a relação do advogado com o cliente. Eu tive que terminar aquele dia a dizer «senhor Dr., eu não lhe consigo dizer absolutamente nada. Como é que é possível?»” (Ent.4). Os contextos sócio-económico e cultural como factores de bloqueio 347 Alguns advogados defendem, por isso, o controlo do processo pelo mandatário, isto é, o “regresso” do processo ao tribunal, onde poderia ser consultado: “É que o processo regresse quase na íntegra ao tribunal. Há coisas que sucederam e que conheci há pouco tempo, e que acontecem que é chegar ao fim do processo e descobrir que o executado não tinha sido citado, ou foi mal citado. Depois de todas as diligências, quando se estava a preparar para a venda dos bens, descobriu-se que o executado tinha sido mal citado. E o mandatário não conseguiu controlar essa situação, pois o processo não estava em nosso poder. No tribunal não o consultamos porque não está lá. Tentamos contactar o solicitador de execução e não conseguimos. É muito difícil saber quais os actos que já foram praticados. Fisicamente o processo não está à nossa disponibilidade” (Ent.51). Outro advogado fala da dificuldade em comunicar com os funcionários do solicitador de execução, por não dominarem, nem o processo, nem a terminologia jurídica: “O solicitador que tem quase todos os processos do meu escritório tem funcionários, mas liga-se para os funcionários, e são poucos os que conseguem dar alguma informação concreta ou que conseguem perceber a linguagem jurídica que, às vezes, nós usamos…” (Ent.56). Mas, há também, quem lembre que no lastro deste problema estão rotinas culturais que é difícil ultrapassar. “No início – acho que isso já não está a acontecer, felizmente –, acho que houve uma passividade dos advogados, que não reagiam 348 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma e que não fiscalizavam e que eles próprios não entravam em contacto directo com o solicitador e usavam sempre o juiz como um intermediário do diálogo, em vez de directamente procurarem resolver a questão, apurar o estado ou até comunicarem ao tribunal que não lhes tinha sido entregue a ele o relatório do 837º, o tal relatório dos 30 dias” (P-5). “Nas reuniões que a Ordem dos Advogados teve connosco, disseram-nos o seguinte: “quando nós colocamos a questão directamente ao solicitador de execução, ele não nos responde e, então, fazemos através do tribunal, porque assim pelo menos sabemos que há uma resposta”. Ora, isto, no fim de contas, não é um problema de lei. É um problema de mentalidade porque a lei tem lá as respostas. Para isto, estão lá as respostas, as comunicações telemáticas que não se utilizam, estão essas coisas todas. O problema é que não se utilizam esses mecanismos” (P-6). O desempenho funcional dos solicitadores de execução foi colocado em evidência pelos advogados que, em geral, consideram pouco diligente. Um advogado refere, por exemplo, que tem que fazer algum trabalho da competência dos solicitadores para agilizar o andamento dos processos: “(…) recebo zero das minhas execuções. Já me dispus a fazer o serviço e a preencher o registo e o solicitador só assina. Eu faço telefonemas, eu vou ao local, eu mando faxes, vou várias vezes ao escritório do solicitador com quem trabalho, que são para aí uns 10km no mínimo, e não é ele que vem ao meu escritório. Sou eu que tenho de lá ir. Vou lá com alguma frequência, se quero ver os meus problemas resolvidos. Perco o meu tempo” (Ent.53). Vão, no mesmo sentido, os depoimentos seguintes: Os contextos sócio-económico e cultural como factores de bloqueio 349 “Eu, no meu caso, vejo que eles não tomam iniciativa nenhuma. Eu, é que tenho de fazer tudo” (Ent.52). “Eu é que tenho que saber onde mora, eu é que vou com eles… As execuções em que eu consegui ter êxito fui sempre eu que contribui para isso. Os solicitadores não fazem nada. E o que eu consegui foi com base sempre no mesmo tipo de bens penhorados, os móveis da casa do executado” (Ent.92). Um advogado fala das vantagens em trabalhar com um solicitador de execução que colabore com o mandatário e dá conta da sua perspectiva sobre a “divisão” de trabalho no âmbito do processo executivo: “Eu penso que se deveria insistir na obrigatoriedade do solicitador reportar ao juiz e ao mandatário do exequente os actos que ele faz ou vai fazer. Eu continuo a pensar que o juiz deve ter, pelo menos, o controlo do processo. Eu apercebo-me, em alguns processos, que é o próprio juiz que vai instar e notificar o solicitador para lhe perguntar o que é que ele fez, até aquele preciso momento, uma vez que o processo lhe foi distribuído electronicamente em tantos do tal e ele esteve seis, sete, oito ou dez meses sem reportar acto nenhum. A fase fundamental do processo executivo que deveria competir ao agente de execução é a fase da penhora. A fase da venda eu entendo que deve ser controlada pelo juiz. E deve ser, de alguma maneira, controlada, também, pelo mandatário do exequente porque é quem defende os interesses do exequente. E do próprio executado, também… Pela minha experiência pessoal, se estivermos a trabalhar com um solicitador que colabora ultrapassadas…” (Ent.58). connosco, muitas questões são 350 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma Houve consenso, por parte dos advogados, quanto à possibilidade de mudança na relação advogado / solicitador de execução que a alteração da competência territorial dos solicitadores de execução veio implicar. “A competência do solicitador agora mudou. Agora já vou para qualquer sítio com ele, do norte a sul do país. Qualquer penhora que eu faça já vou com ele. Logo, noto aí uma grande diferença” (Ent.54). Embora se considere que essa “potencialidade” atinge, sobretudo, os advogados com muitas execuções. Nesse sentido, um advogado salienta que se apercebe de tratamento diferente por parte dos solicitadores de execução, em função do tipo de advogado e do montante das quantias exequendas: “Considero que os solicitadores tratam diferentemente os processos em função do tipo dos advogados e dos clientes. Por exemplo, são mais expeditos com os processos dos bancos. Entendo que os solicitadores são mais rápidos com determinados tipos de clientes e com os processos cuja quantia exequenda é elevada” (Ent.15). Para um funcionário judicial, os solicitadores de execução mais expeditos são os nomeados com maior frequência: “(…) logo de início, ao ser instaurada a execução, os próprios advogados dos exequentes escolhem o solicitador que mais andamento dá aos processos. Portanto, enquanto um é nomeado cem vezes, outros dois ou três, são nomeados numa terça ou numa quarta parte desses processos” (F-9). O esforço de boas práticas, atrás referido, também envolve, nalgumas comarcas, os advogados. Nesse sentido, um advogado da grande Lisboa dá conta do esforço da delegação da Ordem dos Advogados para, mensalmente, Os contextos sócio-económico e cultural como factores de bloqueio 351 articular com os magistrados e os solicitadores de execução, no sentido de porem fim à situação “caótica” em que estavam: “Na minha comarca, a Delegação tem estado a seguir, de muito perto, a situação da acção executiva porque, a dada altura, as pendências e as reclamações por parte dos colegas eram tantas que, em conjunto com o presidente do tribunal, começamos a fazer um esforço imenso e, neste momento, estamos a fazer quase todos os meses uma reunião entre o Presidente do Tribunal e, quando podem estar presentes, os restantes juízes dos cíveis, a Delegação, em representação dos advogados, e uma comissão que os próprios solicitadores de execução criaram para este acompanhamento. Foi uma medida que entendemos, em conjunto, tomar para estarmos em cima da situação. A situação estava tão caótica que nós sentimos essa necessidade. As coisas melhoraram, mas parece-nos que é uma “paz podre” porque, mensalmente, nós fazemos uma apreciação de como é que estão os processos, as pendências e quais são os problemas que estão a surgir. Quando eu falo em “paz podre” é porque é aquela situação em que basta desapertar um bocadinho o cerco que as coisas voltam ao mesmo, porque eles não têm como fazer! As justificações para o atraso no cumprimento das diligências são sempre as mesmas. São os milhares de processos que têm no escritório, são os milhares de processos que lhes entram no escritório por semana e é humanamente impossível, dado o número reduzido de solicitadores que existe, cumprir todas as solicitações. Agora, há uma queixa que entre os colegas é repetida. Começa-se a verificar que há uma grande dificuldade de relacionamento entre nós advogados e os solicitadores” (Ent.96). O depoimento seguinte ilustra a perspectiva com que muitos solicitadores vêem o desempenho funcional dos advogados nesta matéria: 352 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma “(…) podemos dividir isto em três géneros de mandatários: os mandatários que aceitam processos “às paletes” (…) e são tratados, normalmente, por estagiários que são contratados de uma forma perfeitamente proletária. Aqui há uns tempos, entrei num deles em que estavam 200 estagiários a escrever nos computadores, o patrono diz-me “aqui estão os meus estagiários” e nenhum deles levantou a cabeça para olhar para nós porque estão todos ali controlados ao minuto, como se fosse uma fábrica de confecções. Eu assisti a isto em Lisboa e ficamos constrangidos, porque eles só fazem minutas de execuções, tipo “chapa 5”. A … ou a … não fornecem um telemóvel a ninguém sem lhe perguntarem o número de contribuinte, o número de conta bancária, o número de fornecimento de energia eléctrica ou da água, exigem uma factura. Mas transcrever esses elementos do documento que a … mandou custa trabalho, custa tempo, portanto, não se transcreve, faz-se o mínimo possível. E depois não há um interesse em resolver processos, o profissionalismo é baixo. E, portanto, gerador de alguma conflitualidade. Depois, existem uns escritórios com bom profissionalismo, que tentam fazer que a execução funcione. E aí normalmente a conflitualidade é muito baixa. O escritório, também, vai seleccionando o solicitador com quem trabalha. Como é evidente, há solicitadores de execução bons, há solicitadores que são maus, e o escritório vai rapidamente começando a seleccionar. E depois, hoje temos 20 mil advogados. E depois há o advogado que tem duas ou três execuções por ano. Que não sabe tramitá-la, como este que vai ao Banco de Portugal e não sabe que há mais de três anos que não se pode ir ao Banco de Portugal. E depois telefona para o escritório a perguntar como é que se faz tudo e nos faz perder imenso tempo. Não sei se serei consensual, mas penso que também há aqui um ónus do solicitador de execução. Ou seja, nós ao recebermos todo Os contextos sócio-económico e cultural como factores de bloqueio 353 este encargo e todo este papel burocrático que recebemos, ganhamos alguma arrogância do Estado, no sentido de que nós temos é que responder aos processos, fugir às multas. E por isso não vamos perder tempo a atender advogados. O advogado que seja atendido pelo nosso funcionário porque o que eu tenho é que tratar dos processos…” (S-5). A realização da penhora é uma das fases cruciais do processo executivo. Para a maioria dos advogados e agentes de execução, a existência de uma boa relação de cooperação entre estes dois profissionais reflecte-se na eficácia da penhora e, consequentemente, no bom andamento do processo executivo. Encontrámos práticas muito diferenciadas. A maioria dos advogados entrevistados, exercendo a sua actividade em comarcas como Coimbra, Leiria ou Viseu, refere, por regra, que não acompanha os solicitadores de execução às penhoras. “Não acompanho essas pessoas” (Ent.69). “Eu não vou porque vou perder tempo e penso que não é necessário. E envio o cliente com todas as condições humanas e materiais para fazer a remoção, se for necessário” (Ent.57). “Não vou. Nem nunca me passou pela cabeça que pudesse ir! Nunca nos disseram… nem passa pela cabeça do solicitador que nós fossemos. Nunca me passou pela ideia que pudéssemos ir…” (Ent.66). “Não faz sentido eu ir… é a eles que lhes cabe fazer isso. A não ser, em casos excepcionais, em que se pode justificar a presença do advogado para resolver algum problema difícil… Antes, no sistema 354 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma antigo era o funcionário que ia fazia e a gente não se preocupava. Só íamos numa situação excepcional. Actualmente, as funções do funcionário foram delegadas no solicitador, portanto, a realidade é a mesma. Só vamos se se justificar por uma circunstância ou por outra” (Ent.68). “No meu escritório fomos duas vezes porque o solicitador disse «É preciso ir ao sítio x, arranje transporte que vamos buscar os bens»“ (Ent.58). “Não vou a nenhuma diligência de penhora, mas vai um representante do exequente” (Ent.21). Dizem, ainda, que, muitas vezes, não vão porque os solicitadores não os informam sobre a realização do acto. “Com a actual solicitadora com quem trabalho, ela notifica-nos sempre da data e se queremos acompanhar, podemos acompanhar. Já fui em algumas circunstâncias, noutras achei que não era necessário ir. E vão, normalmente, os exequentes com todos os meios para resolver a situação e, depois, até têm o trabalho de telefonar a dizer que o senhor quer pagar, não quer pagar, essas coisas… Com outras solicitadoras não sabemos quando vão fazer as penhoras, não nos dizem… portanto, nem os exequentes acompanham, nem tão pouco os advogados” (Ent.57). E, há, ainda, quem chame a atenção para a dificuldade que resulta do sistema de marcação de penhoras por alguns solicitadores, com várias penhoras marcadas para a mesma hora, no mesmo dia: Os contextos sócio-económico e cultural como factores de bloqueio 355 “As penhoras são marcadas assim: «Vimos por este meio comunicar que se encontram agendadas para as 9 horas do próximo dia… as seguintes penhoras…». Portanto, cinco penhoras, às 9 horas. Veja o trabalho de um escritório a marcar isto. E, então, como é que isto funciona? Manda-se um fax ou comunica-se ao cliente que se encontra agendada, a sua penhora, para as 9 horas. Mas que não se sabe se é às 9, se é às 10, se é às 10 e meia. Para estar contactável ele e a sua frota de transporte… Mas temos que pôr cinco pessoas em alerta para aquele dia, a partir das 9 horas porque o solicitador agendou cinco penhoras. Contactamos todos os clientes: «Olhe, acabamos agora de fazer uma», «Vamos sair agora não sei para onde», «Esteja em não sei quantos», telefonamos a outro, «Acabamos, agora, mais ou menos por volta do meio-dia». Portanto, isto em termos de organização é horrível” (Ent.56). Mas, há advogados que, em regra, acompanham os solicitadores de execução nas penhoras: “Sempre que é com remoção, o solicitador notifica, como é óbvio, da data da penhora, e já fui a algumas… Por regra eu vou. E, quando vou, não há da parte do solicitador qualquer imposição sobre o que é deve penhorar ou que demonstre que «sou eu que mando aqui… o senhor veio aqui porque quis!» Não, não é nada disso” (Ent.58). Um outro advogado refere que selecciona as penhoras que acompanha: “Vou em duas circunstâncias. A primeira é quando tenha a percepção que eles pagam, eu vou para tratar de trazer o dinheiro. Fica o problema ali logo resolvido. Até houve situações daquelas em que o solicitador tira logo a provisão dele, dá-me… e pronto. E é uma forma de encurtar problemas. E vou noutras circunstâncias, 356 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma quando tenho força policial. Porque quando não há força policial, muitas das vezes, quando a dívida é elevada ou mínima, também não se consegue receber e vai-se lá para nada. E a força policial é… excepcional. Por regra não existe. Portanto, eu acompanho as penhoras quando sei que daí pode vir alguma coisa… Selecciono as penhoras que acompanho” (Ent.59). Apesar de não acompanhar o solicitador, um outro advogado refere ter uma relação funcional com o solicitador que lhe permite o acompanhamento daquele acto. “Normalmente, ele avisa-me da penhora, da data e hora, e eu aviso o cliente, ele vai com os meios necessários para fazer a remoção, se for necessário, e eu estou, de alguma maneira, de aviso… já não foi a primeira, nem a segunda, nem a terceira vez que fui contactado pelo telefone para resolver o problema. E consegui resolvê-lo telefonicamente. Se, algum dia, for necessário ir lá e tiver disponibilidade para ir – se não estiver em julgamento – obviamente que vou. Desde que comecei a trabalhar com este solicitador procedo assim” (Ent.67). Os contextos sócio-económico e cultural como factores de bloqueio 4. 357 As comunicações entre os vários intervenientes no âmbito do processo executivo: a necessária automatização De acordo com o artigo 811.º-A, n.º 2 do CPC, a secretaria judicial deve notificar o solicitador de execução e utilizar meios técnicos que permitam a transmissão de quaisquer documentos, informações, notificações ou outras mensagens dirigidas ao solicitador de execução (artigo 2.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 202/2003, de 10 de Setembro, na redacção dada pela Lei n.º 14/2006, de 26 de Abril), no prazo de cinco dias (artigo 166.º, n.º 1 do CPC). O Despacho n.º 7196/2004, de 25 de Março, estabeleceu que a realização e gestão das comunicações por meios telemáticos entre a secretaria judicial e o solicitador de execução, e vice-versa, deverá ser efectuada através das aplicações H@bilus – instaladas nos tribunais judiciais de primeira instância e administradas pela Direcção-Geral da Administração da Justiça – e GPESE (Gestão Processual de Escritório de Solicitadores de Execução) – esta administrada pela Câmara dos Solicitadores e através da qual são recebidas e enviadas as comunicações relacionadas com os solicitadores de execução. Apesar da comunicação telemática, a secretaria judicial deve juntar aos autos uma reprodução em papel do conteúdo da comunicação efectuada por meios telemáticos, que deve ser assinada pelo oficial de justiça. Por seu lado, o solicitador de execução deve conservar no seu domicílio profissional, pelo prazo de 10 anos, os originais dos documentos cuja comunicação seja efectuada por meios telemáticos e, também, juntar aos autos os originais de quaisquer documentos respeitantes à efectivação do acto de citação (artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 202/2003, de 10 de Setembro). Como veremos, resulta, todavia, do trabalho de campo que a comunicação ente os diferentes intervenientes no âmbito do processo executivo é, hoje, muito burocrática e por si mesma geradora de atrasos, actos inúteis e sobrecarga de trabalho. Como ilustram os depoimentos que apresentamos neste ponto, no lastro desta ineficiência não estão problemas de ordem técnica, embora subsistam algumas insuficiências, mas estão, sobretudo, problemas que decorrem de 358 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma práticas e rotinas há muito instaladas e que revelam grande dificuldade em serem ultrapassadas. Para tal, não basta alterar a lei, é fundamental que existam condições técnicas que permitam uma eficaz e segura operacionalidade dos sistemas informáticos. Mas é, também, importante que os agentes judiciais compreendam os objectivos da reforma e o novo quadro de funcionamento, e que cooperem entre si nesse sentido. Os depoimentos que se seguem, de vários funcionários judiciais, ilustram esta situação e mostram, de facto, a existência de uma sobrecarga de trabalho inútil. “Numa execução de sentença, normalmente acontece que vem um fax, vem um e-mail e depois vem o original. Três versões para a mesma coisa. E nós temos de autuar o e-mail, a seguir vamos juntar o fax e, depois, vamos juntar o original. São três actos quando bastaria um. Mas isso acontece n vezes” (Ent.45). “Sim, nós, sempre que chega alguma coisa, temos de triplicar tudo: é o fax, a telemática e o original” (Ent.44). “O mesmo se passa com as comunicações telemáticas, porque o comunicarmos telematicamente não obriga à existência de suporte físico. Mas eu mando um e-mail com a informação sobre o estado da diligência e fico a aguardar que eles me informem. Muitas vezes telefono. Tiro uma cópia e fica documentado para o processo” (Ent.46). “(…) ainda há pouco tempo um exequente forneceu uma nova morada e eu fui a uma comunicação electrónica, pus lá «informar o Os contextos sócio-económico e cultural como factores de bloqueio 359 solicitador que o exequente através de requerimento forneceu a nova morada do executado». Cliquei lá na comunicação electrónica… Passado dois dias, telefonei. Coloquei dois ou três processos nessas circunstâncias de parte. E telefonei – isto quando arrancou o solicitador (em Maio deste ano), que antes não havia, liguei-lhe passados dois ou três dias e as comunicações não chegaram lá. E estava lá a dizer que era comunicação electrónica” (F-2). Outro funcionário explica: “Eu faço assim: meto num envelope e mando tudo normal, para confirmar que eles [solicitadores de execução] receberam, porque no fim temos de documentar que enviámos. Precisamos de uma confirmação de que ele, de facto, está a receber. Acabar com o suporte de papel, isso não funciona. Não basta dizer que se notificou, tem de se documentar” (Ent.48). Outros funcionários confirmam esta duplicação de trabalho. “Às vezes, mandam electronicamente, por fax e muitas vezes temos que mandar por carta porque temos que lhes mandar ou cópia do requerimento ou um duplicado de alguma coisa ou um despacho” (F-7). Para um outro funcionário, esta questão só se coloca quando é necessário enviar documentos: “Eu acho que não há problema, a não ser um único – porque já hoje fazemos comunicações telemáticas com os solicitadores. Pelo menos, aqui em …, acho que toda a gente faz comunicações telemáticas. Só há um problema: se for preciso mandar cópias, não podemos mandá-las telematicamente. Imaginemos que é preciso 360 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma mandar uma cópia, temos que mandar… nós fazemos, mandamos telematicamente e depois mandamos a carta. Estamos a duplicar um bocadinho, mas, para enviar, tem que ser mesmo por carta” (F-6). Outros funcionários salientam que o problema reside no facto de os solicitadores de execução não utilizarem o seu próprio sistema informático. “Alguns solicitadores, o que fazem é mandar um ofício a dizer ao advogado do exequente que vai praticar um acto… A nós ele nem precisa de nos dizer porque, electronicamente, cai no nosso processo. Se utilizarem o sistema informático deles, tudo o que eles lá processem é visto cá, automaticamente. O problema é que nem todos utilizam isso. Uns utilizam, outros não” (Ent.86). No mesmo sentido, um outro funcionário considera que: “Isso tem mais a ver com o solicitador de execução que manda telematicamente, via fax, por e-mail, ao balcão… o mesmo requerimento. Se há quatro executados, há quatro requerimentos. Se pedirem duas coisas diferentes para esse processo, vêm oito requerimentos, para o mesmo processo. Por outro lado, há a remessa da petição inicial por via electrónica, mas há, também, por outro lado, a obrigatoriedade de se apresentar o mesmo requerimento executivo em papel. Portanto, acho que há aí um contra-senso. Porquê estar-se a exigir o envio electrónico, que depois tem que se imprimir? E, depois, para quê a junção do requerimento executivo original? Quando cá cheguei, os funcionários puseram-me essa questão, e muito bem, porque eles estavam carregados de papel por todo lado. Para se juntar ao processo a mesma peça processual, um oficial de justiça gastava três vezes o mesmo tempo… Isto é caricato. Então, depois de uma reunião que tive com eles, fez-se uma ordem de Os contextos sócio-económico e cultural como factores de bloqueio 361 serviço, e eles não juntam senão aquilo que está na lei, o suporte físico” (Ent.34). Chama-se, ainda, a atenção para o facto de os autos de penhora não constarem do registo telemático: “Há alguns solicitadores que já o remetem telematicamente e nós já os conseguimos validar, mas a maioria não o faz” (Ent.18) Esta situação é confirmada por um solicitador de execução. “Usamos pouco o envio telemático. Normalmente é tudo em papel. Tenho feito poucas coisas telematicamente e devia fazer mais. O tribunal comunica sempre em papel, mas se formos ao GEPSE temos sempre uma cópia telemática” (Ent.19). Todavia, alguns funcionários afirmam entender a posição solicitadores de execução. “Eu acho que é também porque nós deixamos o processo três meses no armário até o irmos lá buscar outra vez. Não andamos sempre em cima dele. Se calhar, o medo deles é esse! Nós, como não vamos buscar, também não vamos ver ao H@bilus se entrou alguma coisa. Nós deixámos de tirar as listas do H@bilus diariamente… Quando se mexe no processo é que vamos ver o que lá está” (Ent.88). A comunicação por carta é, também, referida como uma estratégia: “Nós mandamos os duplicados pelo correio porque vimos que era muito mais fácil mandar por correio, em carta simples, mesmo depois de ter mandado telematicamente a informação, do que estarem eles a vir ao balcão e darem-nos uns 15 processos para dos 362 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma irmos buscar os duplicados ao armário. Isso foi uma forma que nós encontramos. Mandamos logo, numa carta simples, e vai tudo o que é necessário… e como temos que notificar o exequente… como está na lei, que deverá vir levantar ao tribunal, dar-nos-ia muito mais trabalho. Mais vale meter numa carta” (Ent.88). Para agilizar a comunicação entre os vários intervenientes e, em geral, a tramitação do processo executivo, são apresentadas várias soluções. “A obrigatoriedade das comunicações serem electrónicas e serem visíveis na aplicação informática, mesmo sem o suporte de papel, já simplificaria em muito o controlo do processo, evitando sanções aos solicitadores e a prática por parte da secretaria de actos “inúteis” como agora acontece, com a remessa do processo à conta nos termos do art. 51.º, n.º 2 do CCJ” (F-10). Um outro funcionário reforça esta ideia. “Eu iria mais longe (…). O requerimento executivo entra no tribunal, mas porque é que pára ali no tribunal? É só electrónico até entrar no tribunal, porque entra no tribunal, é impresso em papel e, a partir daí, já não é electrónico. Só é electrónico nas comunicações, depois, com o agente de execução. Porque não comunicações com o mandatário, com o advogado, também electrónicas? Porque não o requerimento executivo entrar no tribunal (…) com a taxa de justiça (…) [e] (…) ser automaticamente indicado ou nomeado por escala o solicitador [?]. Entrava electronicamente, era indicado e era designado. Depois, porque não o requerimento executivo, em vez de nós o imprimirmos no tribunal, na nossa secção, porque é que não é impresso para o solicitador e fica só no solicitador de execução? Porque é que nós havemos de ter um papel com o processo e o solicitador de execução ter outro em duplicado? É precisamente a mesma coisa” (F-8). Os contextos sócio-económico e cultural como factores de bloqueio 363 Mas há, também quem advirta para o problema da falta de articulação entre solicitador de execução e exequente: “Se houvesse concertação entre o agente de execução e o mandatário e a respectiva comunicação, era desnecessário andar [a secretaria] a perder tempo com aquele processo. (…) Através das comunicações telemáticas e dos relatórios que eles enviam para os tribunais. Resulta da lei que têm que dar conhecimento ao exequente. E não o fazem” (F-3). Quanto à comunicação com os mandatários, um funcionário refere que aquela poderia ser mais optimizada, mesmo no actual quadro, mas o principal problema é, reconhecidamente, a falta de informação relevante no H@bilus. “Quanto aos senhores mandatários, eles têm a possibilidade de chegar e consultar o processo através do H@bilus e não o fazem porque preferem pegar no telefone. E também porque as conclusões e os despachos, que é isso que lhes interessa, não estão disponíveis no sistema” (F-7). Foi, nesse sentido, a opinião de vários advogados. “A informação a que tenho acesso é deficiente. Porque eu chego ao H@bilus e não consigo saber algumas coisas. Dizem que entrou determinado requerimento, mas eu depois não tenho acesso ao requerimento, não está lá...” (Ent.79). 364 5. A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma A heterogeneidade de procedimentos nos tribunais Como já referimos, um dos problemas sentido por vários dos intervenientes resulta da existência de práticas procedimentais diferenciadas por parte do tribunal. Por vezes, no mesmo tribunal, os magistrados têm entendimentos diferentes quanto a aspectos concretos da tramitação processual, o que implica práticas díspares, provocando maior complexidade e morosidade no andamento dos processos executivos. A prevalência de uma cultura judiciária muito centrada numa perspectiva técnico-burocrática do processo induz à manutenção desta situação. Para modificar esta cultura não basta a alterar a lei. A formação pode desempenhar um papel central. Esta situação foi-nos confirmada por um elemento do Conselho Superior da Magistratura, que afirmou terem surgido “queixas” sobre a falta de homogeneidade de procedimentos nos tribunais: “Têm surgido queixas, designadamente da Câmara de Solicitadores, que já por mais de uma vez colocou essas questões, que um faz assim, outro faz “assado”. Também é compreensível que, numa fase inicial, de mudança brutal de paradigma, as pessoas não percebam bem o processo… Nós estávamos habituados a ser os donos do processo e a controlar tudo. Controlar, entre aspas, porque efectivamente, de facto, acabava por não haver controlo, que é o controlo das garantias, e que, no fundo, acaba por ser tabelar” (P-1). Um solicitador de execução fala das diversas práticas dos tribunais e das consequências para o desempenho funcional dos solicitadores d e execução: “Ao longo do país, portanto, nos 300 ou 400 tribunais que cá temos e nos não sei quantos mil juízos que temos, fazem-se interpretações diversas dessa mesma prática… da mesma maneira que os solicitadores optaram por práticas diferentes, os tribunais também adoptaram práticas diferentes. E isto é de tal maneira que o Os contextos sócio-económico e cultural como factores de bloqueio 365 solicitador e o advogado que proponha a acção executiva vai ter que saber qual é a prática daquele juiz naquele processo, vai ter que andar a saber, tribunal a tribunal, qual é a realidade daquele tribunal, como é que o juiz decide, como é que o juiz quer este processo. Tudo isto são pequenas entropias que entram no sistema. (…) A minha realidade é que eu lido com Braga, Guimarães, Barcelos, Amares, Vila Verde, Famalicão, e tenho de ponderar juiz a juiz. E já sei que há juízes que nem lhes peço, porque levo uma multa” (S-3). Um advogado refere o seguinte: “Se envio a comunicação para o tribunal, tenho despachos de alguns juízes a dizer: «Por favor, sob pena de multa, não volte a enviar comunicações para o tribunal, mas sim para o solicitador». Os tribunais não são coerentes. Eu, de facto, pelo sim pelo não, envio para o tribunal um requerimento a dizer que nesta data foi enviado este mesmo requerimento para o solicitador. Mas estamos a duplicar trabalho e não era essa a intenção da reforma” (Ent.4). Os escrivães de direito entrevistados numa comarca do interior referem práticas diferentes dos magistrados judiciais em relação às multas aplicadas a solicitadores de execução, concluindo que “não há uniformidade de critérios”: “Há entendimentos diferentes! Dentro de um tribunal um juiz tramita de uma maneira, outros já tramitam de outra. Nós trabalhamos de uma maneira, a colega ali já trabalha de outra… portanto, não há uniformização de critérios” (Ent.86). Concretamente, sobre as notificações e as desistências da instância, escrivães de direito dão conta que não há uniformidade de procedimentos quando deveria ser criado um “critério de trabalho”: 366 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma “(…) até aqui o 1º e 3º juízo não notificavam. O 2º e o 4º notificavam da extinção o executado e exequente, os credores e o solicitador. Acho que para essa situação se devia criar um critério de trabalho. Essa divergência também se verifica em outros procedimentos. Eu, oficiosamente, dependendo do trabalho, costumo insistir com o solicitador para saber quais as diligências que já foram efectuadas naquele processo e tenho o cuidado de mandar a segunda insistência passado um mês, dois meses. Á terceira é que faço conclusão ao juiz para se pronunciar sobre a falta de comunicação do solicitador naquele processo. A juíza por norma, sob pena de multa, insiste” (Ent.46). Outro escrivão da mesma comarca relata um critério de actuação distinto do descrito pelo colega: “Eu notifico primeira, segunda vez, e à terceira notifico o exequente e ele que venha requerer o que entender por conveniente. Fico a aguardar nos termos do artigo 51º” (Ent.48). Um outro escrivão de direito, ainda do mesmo tribunal, refere que opta pelo seguinte procedimento: “No meu caso, nas execuções que vão directas para a penhora, aguardo meio ano e, eventualmente, insisto segunda vez. Está acordado mais ou menos pela senhora juiz, independentemente do que a lei diz” (Ent.45). Os representantes da Câmara dos Solicitadores entrevistados, bem como a generalidade dos solicitadores, consideram fundamental que se definam critérios que permitam a uniformização de procedimentos nos vários tribunais, e referem que uns tribunais sancionam os solicitadores pela prática de certos actos, condenando-os em multa, outros sancionam-nos pela ausência da Os contextos sócio-económico e cultural como factores de bloqueio 367 prática desses mesmos actos, como é o caso da declaração de processo findo – num tribunal o juiz notifica o solicitador de execução para declarar o processo findo sob pena de multa, enquanto num outro tribunal o juiz aplica uma multa se o solicitador de execução declarar o processo findo. Para um magistrado do Ministério Público: “Cada juiz trabalha de sua maneira. (…) Eu sou procurador (…) nos Juízos Cíveis de (...), portanto, tenho a cargo cinco juízos cíveis e posso de facto aqui constatar que cada juiz trabalha de sua maneira. Eu trabalho com os cinco, já trabalhei com doze, portanto, é um bocado complicado, porque cada um tem a sua percepção e interpretação desta lei que, de facto, é um bocado complicada, que é muito pela negativa. É preciso estar a ver ali quase por exclusão de partes o que, no fundo, o legislador quis” (P-12). Um funcionário judicial relata o caso de um tribunal com dois juízos com práticas muito distintas: “Dentro do mesmo tribunal, temos um juiz que, quando é distribuído, quer praticar determinados actos do processo, outro que não quer… As interpretações começaram logo, por exemplo, nas execuções por coima – essas são do oficial de justiça – se pagavam taxa de justiça ou se não pagavam taxa de justiça. A própria lei diz isso e eu vou só dar aqui um exemplo de uma interpretação de um senhor juiz, com a qual até concordo, que dá o seguinte despacho: “Em todas as execuções, a citação é feita pelo oficial de justiça, porque a regra da citação é pela via postal”. Portanto, neste tribunal, que tem dois juízos, num processa-se por uma “lei”, noutro processa-se por “outra”. O senhor deu um despacho devidamente fundamentado em que diz o seguinte: “A citação, por via da regra, é postal”. Só vai para 239.º do C.P.C. por 368 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma frustração, quando se frustrar a citação postal. E depois explica mais à frente: “e este entendimento não pode deixar de ser assim sob pena de não se poder cumprir o artigo 241.º do Código de Processo Civil”. Ou seja, o que a secretaria cumpre, quando a entrega da carta não é feita na pessoa do indivíduo” (F-4). Uma escrivã que trabalha com três juízes diferentes salienta que tem que “estar atenta a três maneiras de trabalhar”: “Mas eu tenho três juízes. Eu sou escrivã de três secções, primeira, segunda e terceira. Tenho juízes do primeiro juízo, que é uma senhora, que dá um provimento, os processos vão todos para ela. O do segundo, tem um entendimento totalmente diferente e, o do terceiro, idem. Portanto, tenho de estar atenta a três maneiras de trabalhar. Cada juiz tem a sua maneira de trabalhar Tenho um que cumpre a lei, de facto, só vai lá um processo quando tem de ir… o outro já depende. Mas no primeiro juízo, de facto, os processos estão lá todos” (F-5). De facto, nem sempre há uniformidade na tramitação dentro do mesmo tribunal, como refere um funcionário judicial: “Eu só queria dar uma achega em relação a esta dualidade de critérios. Realmente, aquilo de que me apercebo em …, no meu juízo tramita-se de uma maneira, no juízo ao lado tramita-se de outra maneira. Os processos, no juízo ao lado, entram, são autuados, são colocados na prateleira e, pura e simplesmente, ninguém mais mexe nos processos enquanto não entrar um requerimento do exequente ou o solicitador de execução não o impulsionar. No meu juízo, já não é assim, mas isso porque, de acordo com um acordo que fizemos com a juiz, aguardamos três meses, fazemos uma insistência, ela acha que se deve fazer o cumprimento do 51º, notificando o exequente para a seguir o exequente vir impulsionar o processo e, Os contextos sócio-económico e cultural como factores de bloqueio 369 depois, então, se não impulsionar, remetemos para o 285º … Esta é a tramitação que nós fazemos por acordo com o magistrado. Não houve uma reunião geral com o presidente dos juízos cíveis, no caso, e, portanto, cada juízo tramita da sua maneira” (F-6). Outro funcionário judicial fala do distinto entendimento de dois magistrados: “Na zona de Lisboa, já tivemos as duas situações. Magistrados que dizem que “o processo executivo não é meu, só tenho que dar o despacho de citação naqueles casos que tenho, penhoras e venda e adjudicação, e não mexo mais, não quero saber, resolvam-se”, que é mesmo assim. Outros, por seu turno, querem todas as coisinhas lá. Ou seja, quase qualquer requerimento tem que ir ao senhor juiz, nem que seja para mero controlo, para visto, para ver que está tudo regularizado” (F-7). Um funcionário judicial lamenta a inexistência de reuniões, no seu tribunal, para tentar “encontrar algum consenso na prática dos actos”: “Existem seis Juízos Cíveis em … e são seis maneiras diferentes de tramitar o processo executivo. Mesmo entre juízes, há aqueles que não largam mão dos autos. Não foi possível qualquer reunião entre todos para se encontrar algum consenso na prática dos actos” (F-10). Porém, alguns magistrados mostram uma atitude mais activa, no sentido de uniformizar procedimentos, conforme relata um funcionário judicial: “Em …, o senhor juiz, faz precisamente hoje oito dias, promoveu uma reunião com a Câmara de Solicitadores e com a Ordem dos Advogados e ele quase que fez uma cronologia da tramitação da 370 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma acção executiva, de forma a uniformizar procedimentos e estabelecer procedimentos. (…) aquando da primeira instalação de juiz, esteve lá também um senhor magistrado, mas temporariamente. Também o fez, mas só com a Câmara de Solicitadores. Desta vez, o senhor juiz entendeu lançar a discussão e entendeu por bem criar critérios de uniformidade... também se ensinam os advogados, não é?” (F-3). Esta disparidade de procedimentos foi uma das razões que esteve no lastro da elaboração do “Manual de Boas Práticas”, como refere um participante num dos painéis: “(…) o que se passava era o seguinte: um determinado juiz trabalhava com os seus processos numa determinada secção e relativamente a questões, digamos, de alguma latitude que tinha dentro da norma, dava as suas instruções dentro da secção e os funcionários acatavam. Agora, temos uma situação, que se traduz no seguinte: temos um terceiro interveniente (o solicitador de execução) a trabalhar nos processos que, além de não saber como é que trabalha aquele juiz, também o juiz não sabe como é que trabalha o solicitador de execução. E temos essas situações que disse há pouco, em que para fazer um simples requerimento para pedir a consulta das bases de dados fiscais justificam, quando, nuns casos, nem sequer justificam. E é um pouco “à vontade do freguês”. Eu aqui queria aproveitar aquilo que se disse: não é verdade que o Conselho se tenha afastado desta iniciativa. O colega sabe bem disso: houve uma reunião em Lisboa e houve uma tentativa de realização no Porto, mas acho que não se concretizou, no sentido de criar um conjunto de procedimentos uniformes naquilo que era realmente essencial, do que se estava a ver como factores de bloqueio, envolvendo a Ordem dos Advogados, o Conselho Superior de Magistratura, a Procuradoria-Geral da República, o próprio CEJ, Os contextos sócio-económico e cultural como factores de bloqueio 371 a Câmara dos Solicitadores e o Conselho de Formação dos Oficiais de Justiça. E saiu um documento dessa reunião de Lisboa, que, infelizmente, para mim, não teve a divulgação necessária ainda – o chamado Manual de Boas Práticas – relativamente àquelas questões que foram faladas naquela reunião e dentro das pessoas que intervieram, porque, provavelmente, se houvesse mais intervenções, haveria outro tipo de experiências que seriam colocadas. Mas eu sinto realmente, do contacto que tenho tido com os solicitadores na comarca de (…), sinto que eles também andam um pouco perdidos em relação a esta realidade e em relação às várias interpretações que têm de respeitar por parte dos vários juízes” (P-6). Nesta matéria, é atribuído um papel especial ao Conselho Superior da Magistratura: “(…) no caso dos magistrados, acho que é muito importante o papel do Conselho Superior de Magistratura, embora não possa dar orientações genéricas do ponto de vista dos magistrados, mas acho que as boas práticas algum valor hão-de ter, nem que seja no sentido de sedimentar algumas coisas. Eu posso, por exemplo, ter o colega da comarca ao lado, que tem uma prática completamente diferente da minha em relação a alguns aspectos. Mas, depois, quando converso com ele, vejo que, por exemplo, a natureza dos processos e das questões que ele tem e a própria eficácia do que ele pretende dar, aquele procedimento é totalmente justificado – mas eu não o seguiria ou, pelo contrário, até o adoptaria” (P-6). 372 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma Capítulo VI Conclusões Gerais 1. A reforma da acção executiva tem estado, desde há mais de uma década, na agenda política de sucessivos Governos. De facto, desde o início da década de 90 do século passado, que o Governo, na tentativa de encontrar soluções para o aumento exponencial do volume das acções executivas (induzido, quer pelas profundas transformações sociais que provocaram um forte crescimento do endividamento das famílias e das empresas, quer pela eliminação da fase declarativa em muitos litígios com a introdução e o alargamento do procedimento de injunção e a ampliação do elenco dos títulos executivos), tem vindo a introduzir mudanças no regime da acção executiva – a mais marcante em Setembro de 2003 com alterações profundas ao Código de Processo Civil e demais legislação conexa. 2. Em 1993, o então Ministro da Justiça Laborinho Lúcio submeteu a apreciação pública o “Anteprojecto do Código de Processo Civil”, elaborado por uma Comissão de Reforma presidida pelo Prof. Antunes Varela, e as designadas “Linhas Orientadoras da Nova Legislação Processual Civil”, produzidas por uma comissão composta por seis juristas (Pereira Baptista, Carlos Lopes do Rego, Cristina Silva Santos, Lebre de Freitas, João Correia e António Telles), estas com um objectivo de remodelação do processo executivo mais profunda do que a apresentada pela Comissão Antunes Varela. O objectivo a alcançar era a criação de um novo código que fosse um modelo de simplicidade e de concisão, com o recurso frequente a cláusulas gerais que permitissem uma tramitação maleável, adaptável à “realidade em constante mutação” e que previsse uma “menor judicialização do processo executivo”. No debate que se seguiu salientaram-se as opiniões de Carlos Lopes do Rego e de Armindo Ribeiro Mendes. Carlos Lopes do Rego (1993), partindo dos estrangulamentos que considerava mais graves no funcionamento da 374 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma acção executiva, propôs soluções que incidiam, designadamente, no título executivo, na estrutura geral da acção executiva, nas formas de processo, na fase liminar, na oposição à execução, na oposição à penhora, na penhora e na venda. Armindo Ribeiro Mendes (1993) manifestava-se favorável a uma reforma intercalar ao Código de Processo Civil baseada nas propostas inscritas naqueles dois documentos, que reunissem o consenso dos operadores, propondo um conjunto de alterações que considerava deverem integrar essa reforma intercalar. 3. O debate produziu as alterações ao Código de Processo Civil, feitas através dos Decretos-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro e n.º 180/96, de 25 de Dezembro. As alterações introduzidas no regime jurídico processual da acção executiva não constituíram uma modificação substancial do paradigma processual. Refira-se a ampliação dos títulos executivos e a distinção no que respeita à forma de processo da execução de sentença e de qualquer outro título executivo. 4. Em 2000, iniciou-se um novo processo de reforma da acção executiva, tendo sido apresentado publicamente o primeiro Anteprojecto de reforma, em Junho de 2001. Em Setembro de 2001, foi publicada a Proposta de Lei n.º 100/VIII e a lei de autorização legislativa (Lei n.º 2/200), em 2 de Janeiro de 2002, que autorizava o Governo a legislar sobre o regime jurídico da acção executiva e sobre o Estatuto da Câmara dos Solicitadores. Pela mesma lei ficava também o Governo autorizado, designadamente, a criar tribunais ou juízos de execução e secretarias de execução, bem como uma nova profissão – o solicitador de execução –, a quem se atribuía, entre outras competências, a de realizar penhoras e a venda de bens penhorados. A demissão do então Primeiro-Ministro e a convocação de eleições antecipadas implicou a caducidade da autorização legislativa. Conclusões Gerais 375 5. O novo Governo manteve a intenção de reformar a acção executiva, continuando as linhas de orientação definidas pelo anterior Governo e aproveitando o consenso existente sobre as soluções antes apresentadas, embora tenha introduzido algumas alterações. Em Agosto de 2002, a Assembleia da República, pela Lei n.º 23/2002, de 21 de Agosto, autorizava o XV Governo a alterar o Código de Processo Civil quanto à acção executiva, tendo o Governo implementado a reforma, através do Decreto-Lei n.º 38/2003, de 8 de Março e de diplomas regulamentares posteriores, designadamente, os Decretos-Lei n.os 199/2003, 200/2003, 201/2003 e 202/2003, todos de 10 de Setembro e que entraram em vigor no dia 15 de Setembro de 2003, diplomas que introduziram profundas modificações ao Código de Processo Civil e demais legislação, vindo, assim, a ser instituída a reforma da acção executiva. 6. Esta reforma criou um novo paradigma de acção executiva assente na simplificação e desjurisdicionalização de um conjunto de actos que passariam da esfera do juiz para a esfera de um novo interveniente processual: o agente de execução. O objectivo da reforma era, assim, o de, mantendo a ligação aos tribunais, atribuir ao agente de execução a competência para a direcção e prática de um conjunto de actos, que, tradicionalmente, eram da competência do juiz, sem quebra, todavia, da reserva jurisdicional e do controlo judicial. 7. Após a entrada em vigor da reforma, foi criada a Comissão de Acompanhamento e Monitorização da Acção Executiva, cuja função consistia em fornecer ao Ministério da Justiça dados diários da aplicação e concretização prática da reforma. Os primeiros resultados apresentados por esta Comissão, no final de dois meses da entrada em vigor da reforma, pareciam indicar um balanço positivo. Mas, a contrariá-lo começavam a emergir vários problemas que denunciavam a falta de condições para um eficaz funcionamento do novo modelo de acção executiva. Em Junho de 2005, foi apresentado, pelo Gabinete de Política Legislativa e Planeamento, um relatório de “Avaliação Preliminar da Reforma da Acção 376 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma Executiva”, que teve por objectivo identificar as disfuncionalidades da reforma e apresentar soluções para o melhoramento do processo executivo, tendo apresentado um conjunto de medidas de intervenção 8. Ainda no primeiro semestre de 2005, o Governo apresentou o Plano de Acção para o Descongestionamento dos Tribunais que, no que se refere especificamente à acção executiva, previa a extinção de todos os processos executivos em matéria de custas judiciais de valor até 400 euros, instaurados antes de 30 de Setembro de 2005, e apresentou 17 Medidas para Desbloquear a Reforma da Acção Executiva. Aquelas 17 Medidas estavam englobadas em cinco grandes áreas: ganhar tempo e acelerar a acção executiva, com mais automatismos nas aplicações informáticas; as novas tecnologias ao serviço de uma penhora mais rápida e eficaz; formação para melhor aplicar a reforma da acção executiva; eliminar as dúvidas, os entraves e os bloqueios que hoje paralisam a acção executiva; e mais tribunais e equipamentos para desbloquear a acção executiva. As medidas foram sendo, paulatinamente, executadas ao longo dos anos de 2005 e 2006. Ainda com o objectivo de actuar sobre os bloqueios da acção executiva, foi publicada a Lei n.º 60-A/2005, de 30 de Dezembro que, na sequência da aprovação do orçamento de Estado para 2006, veio ratificar um conjunto de incentivos excepcionais para descongestionar as pendências judiciais e possibilitar a desistência de acções executivas por dívida de custas. Mais recentemente, foi publicada a Lei n.º 14/2006, de 26 de Abril, que inseriu um conjunto de alterações ao Código de Processo Civil e ao Estatuto da Câmara dos Solicitadores. Destaca-se a modificação da competência territorial dos solicitadores de execução no âmbito do processo executivo, permitindo ao exequente a escolha de um solicitador de execução inscrito em qualquer comarca. Conclusões Gerais 377 9. O novo regime da acção executiva, que entrou em vigor em 15 de Setembro de 2003, introduziu alterações substanciais, quer no que respeita ao processo executivo, quer à organização judiciária, designadamente as seguintes: criação de secretarias e/ou juízos de execução, com competência específica para a acção executiva; forma única de tramitação da acção executiva; novo requerimento executivo e a remessa electrónica obrigatória; maior responsabilização da secretaria judicial na triagem inicial dos processos executivos; alteração das competências do juiz; criação de um registo informático das execuções; e alteração das regras de convocação de credores. A nova reforma manteve a natureza jurisdicional do processo, mas atribuiu ao agente de execução a iniciativa e a prática de actos necessários à realização da acção executiva, visando libertar o juiz das tarefas processuais que não envolvessem uma função jurisdicional e os funcionários judiciais da prática de actos fora do tribunal. É, assim, na criação desta nova figura processual que reside a principal linha, simultaneamente fracturante com o modelo, até então vigente, da acção executiva, e estruturante do actual modelo. Na sequência desta nova figura foi criada a profissão de solicitador de execução, já que é este novo profissional que, na grande maioria das acções, assume as funções do agente de execução. Os solicitadores de execução passaram, assim, a exercer funções que até então eram da competência do juiz ou do funcionário judicial. As competências do juiz ficaram restringidas à prática de determinadas actos, mantendo, contudo, o controlo do processo. As funções de solicitador de execução são exercidas em regime de profissão liberal remunerada, embora obrigado a aplicar as tarifas aprovadas por Portaria. O regime de remuneração e reembolso das despesas aprovado pretende conjugar um modelo remuneratório mínimo fixo com uma parcela remuneratória variável em função do resultado. No quadro da lei (situação diferente é a sua prática), podemos dizer que no exercício das suas funções, o solicitador de execução está sujeito a um triplo controlo: pelo juiz do processo, profissional e deontologicamente pela 378 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma Câmara dos Solicitadores e pelo exequente que pode pedir a sua destituição judicial com base em justa causa. 10. Foi consensualmente reconhecido pelos vários operadores judiciários entrevistados que, aquando da entrada em vigor da reforma, não estavam reunidas as condições materiais que poderiam permitir um eficaz funcionamento do novo modelo de acção executiva, dada a emergência de vários problemas, seja no que se refere às instituições judiciárias, aos recursos humanos e materiais, à formação dos diferentes operadores judiciários, em especial dos solicitadores de execução, seja no que se refere às dificuldades de articulação com as várias entidades detentoras de bases de dados. Como problemas mais específicos da fase inicial, foram identificados, em especial, os seguintes três tipos de problemas. 11. A ausência de um projecto-piloto. A opinião geral dos operadores judiciários entrevistados e participantes nos painéis é a de que esta reforma foi implementada de forma precipitada. Consideram que o stress funcional que esta reforma provocou poderia ter sido evitado, ou pelo menos, atenuado, com a criação de um projecto-piloto. Diga-se, aliás, como temos vindo a referir em outros trabalhos do OPJ, esta é a via que consideramos adequada para o desenvolvimento de reformas estruturantes. 12. A simultaneidade da entrada em vigor de um conjunto de diplomas ao Decreto-Lei 38/2003, de 8 de Março, sem período de vacatio legis, e, consequentemente, sem tempo de adaptação, foi indicada pelos operadores entrevistados como factor causador de grande turbulência, o que impediu que se pudesse conhecer, assimilar e consolidar devidamente as novas regras processuais. Conclusões Gerais 379 13. A falta de condições práticas necessárias para um eficaz funcionamento do actual modelo gerou, em alguns tribunais de maior dimensão, a não autuação, em muitas comarcas durante largos meses, em especial na comarca de Lisboa, de milhares de processos executivos. Para resolver essa situação, na sequência da publicação das 17 Medidas para Desbloquear a Reforma da Acção Executiva, estabeleceu-se que, até finais de Novembro de 2005, se procedesse à autuação dos processos que se encontravam por autuar nas Secretarias-Gerais de Execução de Lisboa e do Porto. Esta situação teve dois efeitos nefastos no funcionamento dos escritórios dos solicitadores de execução. Num primeiro momento, provocando uma situação de escritórios sem trabalho. Para, num segundo momento, enfrentarem um enorme congestionamento de processos. 14. Outro dos problemas desta reforma, amplamente referenciado pelos vários agentes, decorre das fortes carências de formação sentidas por todos os operadores judiciários, mas apontadas, em especial, aos solicitadores de execução, considerando-se que as competências que lhes foram atribuídas reclamavam uma atenção formativa especial. Foram os próprios solicitadores de execução que reconheceram que a formação inicial ministrada no arranque da reforma foi muito incipiente e desorganizada e excluiu algumas áreas, como o Direito do Trabalho. É, ainda, reconhecido que, embora, tendo vindo a melhorar os seus conteúdos, é necessário aprofundar o programa de formação inicial e, sobretudo, de formação permanente destes profissionais. Sendo quase unânime o entendimento de que o défice de formação, no âmbito da acção executiva, faz-se particularmente sentir nos solicitadores de execução, ela não deixa, contudo, de atingir outros intervenientes processuais, nomeadamente os funcionários de justiça, a quem, não só o novo regime atribui, nalguns casos, as funções de agente de execução, como ainda uma maior responsabilidade na tramitação dos processos, principalmente na fase inicial. O uso mais intensivo das novas tecnologias de informação e de comunicação em que assentava a nova reforma exigia, também, segundo 380 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma aqueles operadores, uma atenção especial à formação neste domínio. A maioria dos funcionários judiciários entrevistados referiu ter existido uma quase ausência de formação na área da nova acção executiva e no domínio das tecnologias de informação e comunicação com que tinham que operar, assumindo que o caminho seguido foi o da “auto-formação”. Foram, também, vários os magistrados judiciais entrevistados que consideraram fundamental a criação de um plano de formação, nesta matéria, que, embora com conteúdos diferenciados, pudesse ser dirigido, não só aos agentes de execução, mas a todos os operadores em geral, incluindo os magistrados. Esta situação tem, naturalmente, consequências no desempenho funcional dos vários agentes e na tramitação do processo executivo. Foram particularmente evidenciados a prática de actos inúteis e erros graves por parte dos agentes de execução e a prática de procedimentos muito heterogéneos, alguns dentro do mesmo tribunal, na tramitação dos processos, quer por parte da secção de processos, quer por parte do juiz. Consideramos, por isso, que a nova reforma deve incorporar um plano de divulgação, informação e formação adequada para todos os agentes judiciais. 15. No que concerne à organização judiciária, a reforma da acção executiva de 2003 criou dois novos tipos de unidades judiciárias: a secretaria de execuções e o juízo de execução, instrumentos fundamentais daquela reforma. A partir de 2003 registaram-se algumas alterações à organização judiciária relacionadas com a criação daqueles juízos de execução, que tiveram, no olhar dos vários operadores judiciários, consequências importantes no modo como a reforma foi sendo assimilada. Para a maioria dos agentes judiciais ouvidos, são identificados dois tipos de problemas no âmbito da organização judiciária. Por um lado, o facto da reforma da acção executiva ter entrado em vigor sem que as unidades orgânicas especializadas (juízos e secretarias de execução), previstas pelo próprio legislador, estivessem instaladas. Por outro, a criação de mais juízos de execução é referida como Conclusões Gerais 381 uma condição essencial da eficácia e eficiência da reforma, pelo menos nas comarcas em que se regista um mais elevado volume processual. 16. São também apontados como problemas da reforma as “flutuações na definição de competência dos tribunais” de execução. Os conflitos de competência em razão da matéria foram especialmente sentidos na comarca de Lisboa, mas também na comarca do Porto e, na opinião de vários entrevistados, originaram um atraso considerável na tramitação dos processos. 17. Para os operadores judiciários entrevistados e participantes nos painéis, a falta de recursos humanos, de infra-estruturas e de organização dos solicitadores de execução constituem importantes factores de bloqueio no funcionamento eficaz do actual modelo de acção executiva. Vários solicitadores de execução referiram que a instabilidade profissional associada à falta de estabilização do novo modelo de acção executiva desincentivou o investimento em estratégias de adaptação dos solicitadores de execução, designadamente em recursos materiais e humanos. Um dos problemas mais evidenciados é, precisamente, o baixo número de solicitadores de execução inscritos, incapaz de responder ao volume de procura. A falta de capacidade técnica e de logística de muitos dos escritórios é, também, um factor referenciado como prejudicial a um bom desempenho da função. São os próprios solicitadores de execução que reconhecem a necessidade de investimento num escritório solidamente apetrechado e organizado para um correcto desempenho das funções. A nossa investigação permitiu, contudo, identificar uma tendência para uma melhor organização da profissão. No sentido de resolver os problemas da escassez de solicitadores de execução, do seu excesso de volume de trabalho e da falta de condições materiais e organizacionais de muitos dos seus escritórios, foram avançadas 382 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma algumas propostas de solução por diferentes operadores judiciários, de que damos conta no relatório. De entre as várias soluções avançadas, existe um consenso entre advogados em afirmar que a inscrição na Ordem dos Advogados deveria ser factor de dispensabilidade de submissão de advogados ao exame da Câmara dos Solicitadores. No entanto, também afirmam que o exercício da profissão de agente de execução deve ser incompatível com o exercício da advocacia. É, ainda, de referir que alguns agentes judiciais sugeriram que o alargamento da base de recrutamento para o exercício desta profissão abrangesse outros profissionais da justiça, como, por exemplo, os funcionários judiciais e os notários. 18. A necessidade, em geral, de reforçar os tribunais com infra-estruturas tecnológicas ajustadas às suas carências, bem como a insuficiência de meios informáticos e electrónicos disponíveis nos tribunais para a tramitação da acção executiva, são outros factores de bloqueio referidos por vários operadores judiciários. Um dos aspectos em que o incremento dos meios informáticos foi determinante e que, no entender de muitos operadores entrevistados, é susceptível de melhoramento, de que damos conta no Capítulo IV, é o do recebimento do requerimento executivo, evitando actos inúteis e promovendo a agilização do processo. Uma outra questão, levantada com alguma insistência, é referente à impossibilidade de os juízes efectuarem os seus despachos directamente no H@bilus, o que, no entender de muitos operadores, é essencial. Também no que respeita à comunicação entre os serviços do Ministério Público e o tribunal foi referido, por vários operadores, que, apesar da possibilidade de remessa electrónica dos autos ao MP, a tramitação subsequente é realizada em papel e como se os serviços do MP fossem uma entidade externa ao tribunal. Conclusões Gerais 383 19. Desde a promulgação da reforma da acção executiva, que tem sido questionada a efectivação prática da articulação entre o processo executivo a tramitar no tribunal e o processo executivo nos escritórios dos solicitadores de execução. A rapidez e a eficiência das comunicações entre o tribunal e solicitadores é uma das principais preocupações manifestada por vários operadores, dada a repercussão que esta articulação teria no exercício das funções dos vários intervenientes e, assim, na efectivação da reforma. Para além da fundamental articulação entre tribunal e solicitador, a falta de agilização e o funcionamento inadequado entre estes e os detentores das informações essenciais à efectivação das penhoras (nomeadamente a Segurança Social, as conservatórias de registos e as demais repartições públicas) também foram aspectos mencionados por vários operadores judiciários como possíveis entorses ou bloqueios à efectivação da reforma. A dificuldade de acesso às bases de dados que permitem aos solicitadores de execução verificar se existem ou não execuções pendentes contra o mesmo executado, a identificação civil, a residência e a situação profissional e patrimonial do executado, é, assim, unanimemente, reconhecida como um dos principais factores de bloqueio ao eficaz andamento dos processos executivos. 20. No que respeita ao Registo Informático de Execuções, resulta do trabalho de campo que há vários tribunais que enviam ou disponibilizam, em simultâneo com o envio dos duplicados do requerimento de execução e do título executivo, a informação constante do Registo Informático de Execuções relativamente ao executado. Contudo, posteriormente, se o solicitador de execução pretender consultar aquele registo, terá que dirigir ao tribunal um requerimento nesse sentido. A estas bases foram apontadas algumas deficiências funcionais. A principal resulta da falta de informação e desactualização destas bases, nem sempre devidamente carregadas pelos funcionários, o que leva ao 384 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma florescimento de bases de dados privadas, como por exemplo a basegeral.com. Acresce que, apesar de consideradas como um importante instrumento na definição da estratégia do processo, desde logo para avaliar a relação “custo-benefício” de propor ou não uma acção executiva, o acesso a tal registo, principalmente, por parte dos exequentes, é subutilizado. Considera-se, por isso, importante que se crie um acesso directo e mais expedito, por parte do solicitador de execução e do mandatário do exequente, ao registo informático de execuções. 21. De acordo com a opinião da generalidade dos operadores judiciários, entrevistados ao longo do trabalho de campo, o enquadramento legal, a heterogeneidade da prática judiciária e de procedimentos, quer das entidades judiciárias, quer de outras entidades com as quais os solicitadores de execução se têm que articular, designadamente a Segurança Social, a Direcção-Geral dos Impostos, as conservatórias do registo e as entidades bancárias têm vindo a criar dificuldades e custos para aqueles agentes. A dificuldade e acesso àquelas bases de dados por parte dos solicitadores de execução constitui, assim, um dos importantes factores de bloqueio ao eficiente e eficaz andamento dos processos executivos. Acresce que esta situação está a provocar, nalgumas comarcas, uma sobrecarga de trabalho nas respectivas secções de processos, porque os solicitadores de execução, alegando a dificuldade e demora no acesso a algumas bases de dados requerem que a informação pretendida seja solicitada pelo tribunal. 22. O acesso às bases de dados do Registo Civil por parte do solicitador de execução é fundamental para obter alguma informação que não conste do requerimento executivo e, é frequente não constar, por exemplo, o número do bilhete de identidade do executado ou a data de nascimento, no caso das pessoas singulares. Aqueles dados são, por sua vez, essenciais para o acesso a outra informação, designadamente da Segurança Social. O acesso àquelas Conclusões Gerais 385 bases depende de prévio despacho do juiz, no entanto, nalguns tribunais existe um despacho de provimento para facilitar esse acesso. Vários operadores judiciários referiram o carácter eminentemente formal do despacho que defere a consulta a tais bases de dados. 23. No que diz respeito às bases de dados da Segurança Social, do Registo Automóvel, Registo Comercial e Registo Nacional das Pessoas Colectivas, exige-se, também, uma maior agilização do acesso à informação e do registo da penhora de bens. Relativamente às bases de dados da Segurança Social, os problemas identificados prendem-se com a lentidão do sistema electrónico e com o facto de a informação não estar disponibilizada electronicamente de forma completa. Quanto às restantes bases de dados, o que é necessário é agilizar a possibilidade do registo da penhora de bens por via electrónica. 24. O acesso às bases da Direcção-Geral dos Impostos levanta vários problemas. Desde logo, porque são dados, em geral, considerados como abrangidos pelo sigilo fiscal e, como tal, exigindo prévio despacho do juiz para a sua obtenção. Um dos problemas muito destacado por vários solicitadores de execução resulta do facto de não ser possível o acesso à informação centralizada. No que se refere ao despacho judicial, resulta do trabalho de campo que existem procedimentos muito heterogéneos. Se para alguns juízes, o requerimento é sempre deferido em despacho tabelar, para outros, o requerimento para acesso àquelas bases de dados tem que ser devidamente fundamentado. As dificuldades de acesso ao conhecimento de todos os bens que constituam o património do devedor levam a que, na prática, se comece, de imediato, em muitas execuções pela penhora de bens móveis, medida mais drástica para o executado e mais intrusiva da sua vida privada. A possibilidade do levantamento do sigilo fiscal, no âmbito de um processo concreto, a requerimento do solicitador de execução, mas 386 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma prescindindo-se de despacho do juiz, tem sido um dos temas em discussão entre os operadores judiciários. Embora a maioria dos agentes entrevistados considere que o despacho do juiz é um despacho meramente burocrático, a possibilidade da sua dispensa suscita posições divergentes: de um lado, aqueles que consideram que no actual quadro legal é possível o acesso, se não a todos, pelo menos à maior parte dos dados, sem despacho; do outro, os que consideram que o actual quadro constitucional exige sempre despacho prévio do juiz. 25. Nos termos da lei, a penhora de depósitos bancários é precedida de despacho do juiz e deve ser feita, preferencialmente, por meio electrónico. Foram vários os problemas levantados pelos operadores judiciários entrevistados, quer quanto à consulta dos depósitos bancários, quer quanto à sua penhora informática. Para alguns, tal como para o levantamento do sigilo fiscal, o acesso à informação relativamente aos saldos bancários, tem que ser precedido de autorização judicial, por estar subjacente um direito constitucionalmente protegido. Resulta, contudo, do trabalho de campo, que a intervenção do juiz é, na maioria das situações, meramente burocrática. Para a generalidade dos solicitadores de execução entrevistados o actual procedimento de penhora de depósitos bancários é moroso e caro, verificandose uma clara disjunção entre a previsão legal e a sua prática, uma vez que o pedido de informação tem que ser feito por escrito e está sujeito ao pagamento de uma taxa. Segundo os operadores entrevistados, além da demora e da sua onerosidade, o actual procedimento, na prática, também não logra os objectivos legais de evitar os actos de levantamento antecipado ou de transferência de saldos. A generalidade dos agentes judiciais defende, assim, a agilização do protocolo em vigor e a dispensa de despacho prévio do juiz. 26. No que diz respeito à penhora de bens imóveis e de móveis sujeitos a registo, a lei estabelece que ela seja, em regra, realizada por comunicação Conclusões Gerais 387 electrónica à conservatória do registo predial competente. Contudo, decorre do trabalho de campo que o suporte documental em papel continua a ser o único meio de realização da penhora. A necessidade de operacionalização e de agilização na utilização das comunicações telemáticas é, assim, considerada essencial. 27. Nos termos da lei, a penhora de coisas móveis é, em geral, realizada através da remoção dos bens para um depósito público, onde estes vão permanecer até serem vendidos. Uma das críticas feita pelos agentes judiciais, aquando da entrada em vigor do novo regime da acção executiva, refere-se à não existência de depósitos públicos que pudessem receber os bens móveis penhorados, evitando, assim, a nomeação do executado como fiel depositário do bem penhorado. Para os vários operadores judiciários só a efectiva remoção de bens móveis no processo executivo é passível de ter um efeito dissuasor imediato. Contudo, parecendo contrariar estas posições, verifica-se uma sub-utilização do depósito público de Vila Franca de Xira entretanto criado. 28. Apesar de terem sido relatadas várias situações em que a execução se inicia, desenvolve e termina sem qualquer intervenção judicial, para a maioria dos agentes judiciais, a desjurisdicionalização dos actos não alcançou a pretendida simplificação do processo e a libertação do juiz de actos meramente formais. Esta percepção é transversal às várias comarcas onde foi realizado o trabalho de campo, independentemente do volume processual, do grau de especialização e/ou especificação do tribunal, bem como da localização da comarca. Várias foram as razões apontadas: a falta de preparação dos vários intervenientes do processo executivo; a ausência de implementação prática dos objectivos da reforma; a excessiva carga burocrática dos solicitadores de execução, decorrente não só da necessidade de resposta permanente ao tribunal dos relatórios de diligências, mas, ainda, 388 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma de outros actos como os relativos à conta dos processos; e o acréscimo de actos a praticar pelos funcionários judiciais, com excepção dos actos externos. 29. Um dos bloqueios que foi apontado com maior veemência pelos vários operadores judiciários foi, assim, a indefinição que resulta da lei do papel de cada um dos intervenientes da acção executiva, o que, só por si, induz a procedimentos muito diferenciados. Foram relatadas várias situações em que se evidenciam dúvidas sobre qual o agente competente para a prática de determinado acto. Esta situação acaba por se reflectir em mais trabalho para o juiz, mais complexidade e, por vezes, maior morosidade processual. 30. Alguns problemas detectados na relação processual entre o juiz e o solicitador de execução estão relacionados com o poder geral de controlo do processo atribuído ao juiz e à “incerteza” com que tal poder é definido pela lei do processo. Alguns magistrados entrevistados rejeitam, como princípio, a necessidade de um controlo constante por parte do juiz. Consideram, no entanto, que a existência de uma norma legal que lhes dá competência para o controlo do processo executivo impede que o juiz se distancie mais da sua tramitação. Para a maioria dos agentes judiciais, esta indefinição legal tem provocado, na prática, um controlo meramente burocrático e aparente do andamento dos processos executivos. Outra consequência da indefinição legal concreta do “poder de controlo do juiz” traduz-se na existência de práticas muito diferenciadas entre tribunais ou mesmo entre secções de um mesmo tribunal. Um dos exemplos de práticas diferenciadas entre tribunais refere-se ao relatório mensal do solicitador de execução. A título de exemplo, numa comarca com quatro juízes, dois juízes referiam que a sua secção notifica oficiosamente o solicitador de execução para vir aos autos juntar o relatório, enquanto que os outros dizem que não notificam o solicitador de execução, mas sim o exequente para dar impulso ao processo. Conclusões Gerais 389 Mas, sobretudo, chama-se a atenção para a carga burocrática exagerada que a elaboração mensal deste relatório impõe, quer para os solicitadores de execução, quer para o tribunal, especialmente sentida em tribunais com um elevado volume processual. 31. Nos termos do artigo 810.º, n.º 3, alínea d) do CPC, o exequente deverá, sempre que possível, indicar os bens do executado, bem como o seu empregador e contas bancárias. No entanto, tal indicação não é, por um lado, obrigatória, sendo possível ao exequente apresentar o requerimento executivo sem indicação de bens e, por outro, não é vinculativa para o agente de execução. Para muitos operadores entrevistados, a falta de vinculação do agente de execução à indicação de bens à penhora realizada pelo exequente origina alguma disparidade nos procedimentos adoptados pelos vários solicitadores de execução e constitui factor de tensão entre exequente e o solicitador de execução. A maioria dos operadores judiciários entrevistados defendeu que o agente de execução deveria, por isso, estar vinculado aos bens nomeados à penhora pelo exequente, relegando para momento posterior as diligências tendentes à localização de outros bens. 32. As funções do agente de execução são desempenhadas, em regra, por um solicitador de execução. O solicitador de execução pode definir-se como profissional liberal independente, que, nos termos do quadro legal em vigor, se poderá considerar sujeito a um múltiplo controlo ou dependência: processual, no que respeita ao juiz; profissional e deontológico, quanto à respectiva Câmara dos Solicitadores; e fiscalizado ainda pelo exequente, que pode pedir a sua destituição judicial, com base em justa causa. No entanto, ao longo do nosso trabalho de investigação, podemos constatar a existência de muitas dúvidas quanto à efectividade e eficácia daquele controlo. Por um lado, alguns operadores judiciários alertaram para o facto de o poder de controlo do juiz ser bastante limitado. Por outro, uma parte substancial dos operadores foram de opinião que também o exequente possui 390 um A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma âmbito de actuação limitada que não lhe permite “fiscalizar” convenientemente a actividade processual do solicitador. Por último, outros operadores, na sua maioria advogados, defenderam que também a Câmara dos Solicitadores não tem tido uma actuação diligente no sentido de fiscalizar o exercício daquela actividade. As soluções avançadas para esta questão foram bastante díspares. A opinião da maioria dos operadores parte de duas posições radicalmente diferentes: aqueles que entendem que a melhor forma de controlo passa pelo próprio exequente, devendo caber a este a nomeação e destituição livre dos solicitadores; e aqueles que se opõem frontalmente a tal posição, por entenderem que a possibilidade de destituição livre poderia colocar em causa a própria génese e os princípios pelo qual se deve pautar a função do agente de execução. 33. Todos os intervenientes referiram que alguns dos atrasos dos processos executivos se devem a sucessivos incumprimentos, por parte das várias entidades, dos prazos fixados na lei. Os solicitadores de execução referiram que as entidades obrigadas a fornecer informações não cumprem o prazo legal de 10 dias e que o tribunal não cumpre o prazo subsidiário de 10 dias, previsto na lei processual, para proferir os despachos no âmbito da acção executiva. Os funcionários judiciais e os magistrados, por seu turno, afirmaram que os solicitadores de execução não cumprem os prazos fixados para a realização dos actos da sua competência e para a junção do relatório e da documentação aos autos. Há, por isso, uma posição maioritária no sentido de uma solução que obrigue ao cumprimento estrito dos prazos previstos na lei. 34. É percepção de alguns operadores entrevistados que, nos últimos anos, se registou um aumento do número de oposições à execução. Este aumento é atribuído a duas causas diferentes: por um lado, ao crescimento da crise económica, utilizando-se as oposições com objectivos dilatórios como forma de protelar a penhora e venda de bens; e, por outro, ao alargamento do Conclusões Gerais 391 número de títulos executivos. Apesar daquela percepção, o volume das oposições é, em regra, muito baixo. 35. No que respeita à tramitação processual, foram identificados vários problemas, em especial, os relativos ao despacho liminar e/ou citação prévia; à citação do executado no acto da penhora; à advertência ao citando em caso de citação em pessoa diversa; à citação do executado para entrega de coisa certa; à apensação e sustação das execuções; à penhora de veículos automóveis; ao “excesso” de privilégios creditórios; à possibilidade de reclamação em todas as acções executivas; e quanto à fase da venda. 36. No novo regime, na fase inicial do processo executivo, foi conferido à secretaria judicial um papel decisivo no encaminhamento do processo, uma vez que é esta que pode identificar as execuções em que há, ou não, lugar a despacho liminar – fazendo, nesses casos, o processo concluso ao juiz para que profira despacho. Ou, se assim, não considerar, pode passar o processo, de imediato, para a fase da penhora. Para muitos entrevistados, esta fase inicial tem levantado grandes problemas, fruto de uma excessiva complexidade da tramitação adoptada e da variedade de caminhos possíveis para a acção executiva, principalmente num quadro em que a formação ministrada aos funcionários judiciais foi bastante diminuta. Assim, os operadores judiciários entrevistados oscilam entre uma de duas posições radicalmente distintas: a abolição definitiva do despacho liminar ou o alargamento do despacho liminar a todos os processos (com o objectivo de permitir a correcção de eventuais irregularidades numa fase bastante inicial do processo). 37. Cabe ao solicitador de execução efectuar todas as diligências do processo de execução, incluindo citações e notificações. No entanto, o artigo 241.º do CPC continua a prever que, no caso de haver citação em pessoa diversa do citando, deverá ser a secretaria a realizar a advertência ao citando. 392 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma De acordo com a opinião de vários entrevistados, este regime de citação tem originado algumas incongruências no procedimento de alguns tribunais. 38. No que respeita às execuções para entrega de coisa certa, em especial, nas acções de despejo, na opinião de alguns entrevistados registamse incongruências legais que determinam uma morosidade desnecessária do processo, nomeadamente no que diz respeito à necessidade de citação do executado. 39. O Código de Processo Civil consagrou a possibilidade de organização de um processo de execução único contra o devedor ou vários devedores litisconsortes, cumulando, desde que verificados determinados requisitos, execuções ainda que fundadas em títulos diferentes. Contudo, na opinião da maioria dos operadores judiciários, este regime não só é pouco utilizado, como é susceptível de tornar os processos mais complexos e morosos. 40. No âmbito do anterior regime da acção executiva, a penhora de veículos automóveis realizava-se mediante a apreensão do veículo e dos seus documentos, devendo, posteriormente, com base no auto de penhora, realizarse o registo da mesma. Actualmente, prevê-se que a efectiva apreensão do veículo automóvel e a sua imobilização seja posterior à realização do registo da penhora na competente conservatória do registo automóvel. Os operadores judiciários entrevistados referiram que esta alteração legal impossibilita ao agente de execução certificar-se da existência efectiva do veículo automóvel, redundando, com alguma frequência, em situações em que o exequente, depois de proceder ao pagamento do registo da penhora de um veículo automóvel, não tenha forma de o encontrar para proceder à sua venda. Outra questão que se coloca na penhora de veículos automóveis prendese com a exigência, por parte das autoridades policiais, de despacho judicial, Conclusões Gerais 393 para o auxílio na apreensão dos veículos automóveis, o que não está previsto na lei. 41. No exercício das suas funções, os solicitadores de execução são coadjuvados por diversas entidades, entre as quais as autoridades públicas de segurança (PSP e GNR, dependendo da competência territorial de cada uma delas). Nos termos da lei, o solicitador de execução, para a efectivação da penhora de bens móveis ou para a entrega efectiva de bens imóveis penhorados, sempre que as portas estejam fechadas, seja oposta resistência à entrada ou haja justificado receio que tal se verifique, pode requerer ao juiz que determine a requisição do auxílio da força pública. Uma grande parte dos operadores entrevistados defendeu a desnecessidade de despacho judicial para a requisição de auxílio de força pública por parte dos solicitadores, invocando, por um lado, que se trata de um acto que incute maior morosidade ao processo, potenciando a sonegação de bens, e, por outro, que se trata de um despacho meramente burocrático. 42. Com o actual regime da acção executiva, o legislador aboliu, por um lado, a possibilidade de dispensar a citação dos credores para reclamarem créditos, existente no regime anterior, mas, por outro, reduziu, no caso de credores com privilégios creditórios gerais, as situações em que há possibilidade de reclamarem os seus créditos. Esta solução, no entanto, tem merecido algumas críticas dos intervenientes da acção executiva, originando, segundo alguns entrevistados, situações nefastas para o sucesso e eficácia das acções de reduzido valor. Por um lado, defende-se que, em execuções de reduzido valor, a citação aos demais credores é despicienda, dando origem a actos sem consequências, mas que induzem a acção executiva a uma maior morosidade. Por outro, entende-se que, dando a possibilidade de citação dos restantes credores, as reclamações de créditos que podem daí advir esmagariam qualquer 394 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma possibilidade de o exequente ver o seu crédito ressarcido, inibindo-o de recorrer ao tribunal para a realização coactiva do seu direito. Alguns entrevistados referiram, ainda, que as garantias conferidas aos créditos do Estado redundam numa desresponsabilização destas entidades na cobrança célere dos seus créditos. 43. A partir da entrada em vigor da reforma de 2003, o agente de execução tem um papel fundamental na fase da venda, tendo assumido a maioria das funções que incumbiam ao juiz, designadamente, decidir sobre a venda. A primeira nota que ressaltou do nosso trabalho de campo foi a exiguidade do número de processos em que se chegou à fase da venda. No entanto, apesar desse facto, foram apontadas algumas dificuldades ao novo regime, nomeadamente no que respeita às modalidades da venda e ao controlo por parte dos vários intervenientes do valor atribuído aos bens penhorados. 44. Um outro bloqueio, frequentemente apontado por vários operadores judiciários, refere-se à desarticulação entre o actual Código de Processo Civil e outros diplomas conexos, ao considerarem que as alterações à tramitação do processo executivo não estão devidamente reformuladas e plenamente adequadas nos outros códigos ou legislação conexa, originando, por vezes, dúvidas de difícil resolução prática e jurisprudencial. Salienta-se, assim, a desarticulação com a legislação laboral, com o Código de Registo Predial e com o Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT). 45. Quanto à desarticulação com a legislação laboral, o diploma que aprovou a reforma da acção executiva contemplou algumas alterações ao Código de Processo do Trabalho, que prevê um regime próprio para as execuções laborais. No entanto, tais alterações circunscreveram-se, tão Conclusões Gerais 395 somente, à adequação ao registo informático das execuções, mantendo inalterado o regime específico, especialmente no que se refere às execuções fundadas em sentença. A manutenção destas normas legais tem levantado problemas nas execuções que correm nos tribunais do trabalho, originando, inclusive, interpretações diferentes, no que respeita às repercussões do novo regime da acção executiva nas execuções laborais. 46. Um dos diplomas que sofreu alterações na sequência da publicação da reforma da acção executiva foi o Código do Registo Predial. Manteve, no entanto, o regime anteriormente previsto para o cancelamento do registo da penhora. Ora, o novo regime da acção executiva deixou de prever o despacho de extinção da execução, passando a ser incumbência do agente de execução declará-la extinta, assim que haja pagamento integral da quantia exequenda. A inexistência deste despacho de extinção da acção executiva tem causado, nos casos em que exista uma penhora de um bem imóvel registada e tenha havido pagamento voluntário, sem recurso à venda judicial, uma incerteza no procedimento para o cancelamento do registo da penhora, dando origem a procedimentos diferenciados, quer por parte dos tribunais e dos agentes de execução, quer por parte das conservatórias do registo predial. Registámos, assim, situações muito díspares. Alguns juízes continuam a proferir despachos de extinção da execução não só porque consideram que tal é exigido, mas, ainda, fruto da indefinição legislativa do papel que lhes cabe. Noutras comarcas, o tribunal emite certidão, com base nos documentos apresentados pelo agente de execução, para o efeito, que atestem o pagamento da quantia liquidada e a extinção da instância. Num terceiro grupo, as próprias conservatórias do registo predial procedem ao cancelamento do registo de penhora, bastando-se com o impulso do agente de execução. A necessidade de definição legislativa, quanto a esta matéria, é, assim, reclamada pelos diferentes agentes, até porque muitos conservadores continuam a exigir despacho do juiz. 396 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma 47. A lei (artigo 218.º, n.º 3 do CPPT) considera que podem ser penhorados pelo órgão da execução fiscal os bens apreendidos por qualquer tribunal, não sendo a execução, por esse motivo, sustada nem apensada. Ora, esta prerrogativa do Estado é vista pelos vários intervenientes como excessiva, principalmente face à extensão dos privilégios creditórios existentes, referindose que esta solução contende com as limitações existentes na lei para a admissibilidade da reclamação de créditos do Estado, pondo mais uma vez em causa o sucesso da execução impulsionada por um exequente diligente. 48. Os solicitadores de execução deverão ter em instituição de crédito conta à sua ordem com a menção da circunstância de se tratar contas-cliente, na qual as quantias recebidas no âmbito do processo de execução devem ser depositadas. Assim, contrariamente ao que acontecia no âmbito do regime anterior, as importâncias pagas pelo executado não são depositadas à ordem do tribunal. Esta solução legal tem levantado alguma controvérsia, em especial entre advogados, que reclamam, sobretudo, contra a morosidade no pagamento das quantias exequendas depositadas na conta-cliente do solicitador de execução. Os solicitadores de execução entrevistados defenderam que a conta-cliente do solicitador de execução obedece a regras próprias, devidamente controladas pela Câmara dos Solicitadores. Consideram, ainda, que alguns atrasos no que se refere à entrega ao exequente da quantia exequenda deve-se a diferentes interpretações de alguns tribunais, no que respeita ao momento em que se deve proceder ao pagamento ao exequente. 49. O regime de remuneração e reembolso das despesas do solicitador de execução no exercício da actividade de agente de execução é estabelecido pela Portaria n.º 708/2003, de 4 de Agosto. A interpretação desta Portaria é, no entanto, bastante díspar, não só de comarca para comarca, como ainda entre os solicitadores de execução de uma mesma comarca. De facto, do nosso trabalho de investigação resultou que a prática dentro de uma mesma comarca, Conclusões Gerais 397 relativamente aos honorários praticados é diferenciada, em especial, no que respeita aos pedidos de provisão e ao pedido de reembolso das despesas. Esta situação não só potencia uma situação de tensão entre os mandatários do exequente e os solicitadores de execução, como também está a provocar um elevado número de reclamações para o tribunal. 50. Nos termos do Código das Custas Judiciais, as remunerações pagas ao solicitador de execução, bem como as despesas por ele efectuadas e os demais encargos da execução, constituem custas de parte, pelo que deverão ser suportadas pelo exequente e, posteriormente, exigidas ao executado, mediante apresentação de nota discriminativa. Quando não haja pagamento voluntário daquelas quantias, o exequente pode requerer ao Ministério Público que instaure execução por custas. Esta solução legal foi criticada por alguns magistrados, referindo que essas execuções deveriam ser tramitadas pelo solicitador de execução e não pelo oficial de justiça. Os solicitadores de execução entrevistados referiram, por outro lado, que a actual solução legal não garante devidamente o pagamento dos seus honorários. 51. Muitos operadores consideraram que a reforma da acção executiva, aliada às alterações introduzidas pelo Código das Custas Judiciais, implicou um agravamento substancial do custo, especialmente para os exequentes, do recurso ao tribunal, o que terá levado a um progressivo afastamento dos tribunais nesta matéria, principalmente dos cidadãos e das pequenas empresas. 52. Foi consensualmente reconhecido que muitos dos bloqueios do processo executivo resultam de factores exógenos e endógenos, cuja resolução não depende de medidas especificamente dirigidas ao processo executivo. São eles factores de ordem económica e cultural, de que damos conta no Capítulo quinto. Por um lado, a grande maioria das acções executivas 398 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma tem por objecto uma dívida, e, uma parte significativa, tem na sua base um crédito ao consumo. O agravamento da situação económica das famílias e das empresas tornou mais difícil a cobrança destes créditos, mesmo depois de instaurada a acção executiva. Por outro, as rotinas e a cultura jurídicas, há largos anos instaladas em que assentava o desempenho funcional dos operadores judiciários no âmbito da acção executiva dificulta a adaptação de e a uma nova profissão. 53. A ausência de bens a penhorar é referida pela maioria dos operadores judiciários entrevistados como sendo um factor de dilação de muitas acções executivas, impedindo ou adiando a satisfação do crédito do exequente e levando ao crescimento, por esta razão, dos processos pendentes. Para a maioria dos entrevistados e intervenientes em painéis, assiste-se a um “desaparecimento” generalizado do património, associado ao aumento exponencial do consumo e do recurso ao crédito, e ao crescimento do endividamento das famílias e das empresas. Considera-se, por isso, fundamental, actuar-se na fase pré-contenciosa, quer prevenindo o débito, quer avaliando a viabilidade da acção executiva. 54. Resulta do estudo efectuado que uma parte significativa das acções executivas para pagamento de quantia certa que entram nos tribunais judiciais portugueses tem como único ou principal objectivo a recuperação de impostos, sobretudo do IVA. A actual lei prevê a possibilidade dos sujeitos passivos de IVA, nalguns casos, deduzirem o imposto respeitante a créditos considerados incobráveis sem necessidade de recurso a uma acção judicial ou no decurso da acção após o registo da suspensão da instância. Apesar das soluções legais, é convicção da grande maioria dos operadores judiciários que o sistema deve prever mecanismos mais eficazes e abrangentes que permitam a recuperação de impostos sem recurso à via judicial. Conclusões Gerais 399 Nesta matéria, foi levantada por alguns dos intervenientes nos painéis, uma segunda questão, que se refere à dificuldade em obter a certidão para efeitos fiscais no decurso da acção, dado que há um diferente entendimento sobre quando a mesma pode ser passada. Foi, ainda, referido por vários operadores judiciários entrevistados que muitos exequentes estão a começar a optar por instaurar processos de insolvência. Esta opção estará a ser cada vez mais frequente, não só em virtude dos bloqueios da acção executiva mas, também, por poder proporcionar uma maior facilidade na obtenção do pagamento pela pressão exercida sobre o executado. 55. Resulta do trabalho de campo realizado que mais de três anos passados sobre o início da reforma, subsistem dificuldades de adaptação e de inter-relação entre os solicitadores de execução e os outros intervenientes processuais, que é fundamental ultrapassar. Para alguns operadores, a reforma da acção executiva falhou porque não foi possível estabelecer, de forma eficaz, essa inter-relação prevista no espírito da reforma, verificando-se um distanciamento funcional entre os vários operadores judiciários. Uma das consequências desta situação é a excessiva intervenção do juiz no processo executivo. Aquele distanciamento não é, contudo, uma situação generalizada em todas as comarcas. Há, de facto, comarcas em que registámos a preocupação de concertação de estratégias de cooperação processual e de boas práticas em comarcas com menor volume processual. 56. Considerada como a pedra de toque do sucesso da acção executiva, a relação entre os advogados, como mandatários dos exequentes, e os solicitadores de execução reveste-se, em muitos casos, de fortes tensões. No que se refere à nomeação de solicitadores de execução, encontramos posições muito diferenciadas: por um lado, os advogados que assumem uma relação de trabalho privilegiada com determinado solicitador; por outro, aqueles 400 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma que consideram que nenhum solicitador lhes merece “confiança”. A percepção destes últimos relativamente à reforma da acção executiva é significativamente mais negativa do que a daquele primeiro grupo. Uma das circunstâncias que indicia a bondade de uma relação de maior confiança e inter-acção entre advogados e solicitadores de execução é o facto de, durante o trabalho de campo, ter havido consenso, por parte dos advogados, quanto à possibilidade de mudança na relação advogado/solicitador de execução que a alteração da competência territorial dos solicitadores de execução veio trazer. Resulta, assim, do trabalho de campo que há, de facto, um problema que urge resolver de articulação funcional entre o mandatário do exequente e o solicitador de execução. 57. Apesar das previsões legais que privilegiam as comunicações telemáticas e electrónicas, resulta da investigação realizada que a comunicação entre os diferentes intervenientes no âmbito do processo executivo é, hoje, muito burocrática e, por si mesma, geradora de atrasos, actos inúteis e sobrecarga do trabalho. No lastro desta ineficiência, não estão só problemas de ordem técnica, embora subsistam alguns, mas estão, sobretudo, problemas que decorrem de práticas e rotinas há muito instaladas e que revelam grande dificuldade em serem ultrapassadas. É fundamental que existam condições técnicas que permitam uma eficaz e segura operacionalidade dos sistemas informáticos. Mas, é também fundamental que os agentes judiciais compreendam os objectivos da reforma e o seu quadro de funcionamento e cooperem entre si nesse sentido. 58. Um dos problemas mais sentido por vários dos intervenientes resulta da existência de práticas procedimentais diferenciadas por parte do tribunal. Por vezes, no mesmo tribunal, os magistrados têm entendimentos diferentes quanto a aspectos concretos da tramitação processual, o que implica Conclusões Gerais práticas díspares, 401 provocando maior complexidade e morosidade no andamento dos processos executivos. A maioria dos solicitadores de execução entrevistados referiu que uns tribunais sancionam os solicitadores pela prática de certos actos, condenandoos em multa, outros sancionam-nos pela ausência da prática desses mesmos actos, como é o caso da declaração de processo findo – num tribunal o juiz notifica o solicitador de execução para declarar o processo findo sob pena de multa, enquanto num outro tribunal, o juiz aplica uma multa se o solicitador de execução declarar o processo findo. A prevalência de uma cultura judiciária muito centrada numa perspectiva técnico-burocrática do processo induz à manutenção desta situação. Para modificar esta cultura não basta alterar a lei. A formação permanente pode desempenhar um papel central. Consideramos fundamental que o programa de reforma dê especial atenção a esta matéria. 402 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma Referências Bibliográficas Associação Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP). 2006. Relatório preliminar sobre a avaliação dos bloqueios verificados na “reforma da acção executiva” e propostas de adequação para a eficiência dos sistema. In http://www.asjp.pt/comunicados/executivo_relatoriopreliminar.doc (Setembro de 2006). Baptista, Pereira; Rego, Carlos Lopes do; Freitas, José Lebre de; Correia, João; Telles, António; Santos, Cristina Silva. 1992. «Linhas orientadoras da nova legislação processual civil». Sub Judice, 4. 37-47. Braga, José Rodrigues et al. 2005. «Uma reforma mal concebida e pior executada». VI Congresso dos Advogados Portugueses. In http://www.oa.pt/Conteudos/Artigos/detalhe_artigo.aspx?idc=31559&ids c=30348&ida=30960 (Abril de 2006). Campos, Isabel Méneres. 2004. «As questões não resolvidas da reforma da acção executiva». Sub Judice, 29. 59-68. Capelo, Maria José. 1998. «Breves considerações sobre a legitimidade do terceiros garante e do possuidor de bens onerados pertencentes ao devedor». Separata da Revista da Universidade Moderna. Ano I, n.º 1. Comité Europeu de Cooperação Jurídica; Comité Europeu para os Problemas Criminais. 2000. «Medidas para uma boa relação custo-eficácia tomadas pelos Estados-Membros para permitir uma melhor eficácia da Justiça», Anexo VII. In 23ª Conferência de Ministros Europeus da Justiça, Londres. Esteves, Matos. 2005. «2004. O ano negro da acção executiva». Boletim da Ordem dos Advogados, 35. 67-69. 404 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma Fialho, António José. 2004. «Da teoria à prática. Algumas dificuldades na aplicação do novo regime da acção executiva». Sub Judice, 29. 69-79. Freitas, José Lebre de. 1995. «Revisão do Processo Civil». Separata da Revista da Ordem dos Advogados, Ano 55 – II, Lisboa. Freitas, José Lebre de. 1997. «A Acção Executiva à luz do Código Revisto». 2ª Edição. Coimbra, Coimbra Editora. Freitas, José Lebre de. 1999. «A revisão do Código de Processo Civil e o Processo Executivo». O Direito, ano 131; I-II. 15-90. Freitas, José Lebre de. 2003. «Agente de execução e poder judicial». Themis. A reforma da acção executiva – Ano IV; N.º 7. Coimbra, Almedina. 1934. Freitas, José Lebre de. 2004. «Penhora e oposição do executado». Themis. A reforma da acção executiva – Volume II, Ano V; N.º 9. Coimbra, Almedina. 11-24. Freitas, José Lebre de. «Excertos Declarativos no Processo Executivo». Lisboa, Lex. S/ data. Freitas, Lebres, de. 2004. «A acção executiva – Depois da Reforma». 4ª Edição. Coimbra, Coimbra Editora. Freitas, Lebres, de. 2005. «O primeiro ano de uma reforma adiada». In Balanço da reforma da acção executiva. Segredo de justiça e dever de reserva. II Encontro Anual – 2004 do Conselho Superior da Magistratura. 21-28. Gabinete de Política Legislativa e Planeamento – Ministério da Justiça. 2005. Relatório de Avaliação Preliminar da Reforma da Acção Executiva. In http://www.gplp.mj.pt/home/concluidos/rae/003%20%20Acompanhamento%20da%20RAE%202005-06-09%20_VF_.pdf (Abril de 2006) Referências Bibliográficas 405 Geraldes, António Santos Abrantes. 2004. «O juiz e a execução». Themis. A reforma da acção executiva – Volume II, Ano V; N.º 9. Coimbra, Almedina. 25-42. Gomes, Manuel Tomé Soares. 2005. «Benefícios e desvantagens da alteração do paradigma da acção executiva». In Balanço da reforma da acção executiva. Segredo de justiça e dever de reserva. II Encontro Anual – 2004 do Conselho Superior da Magistratura. 39-48. Gomes, Ana Santos. 2005. Entrevista ao Bastonário da Ordem dos Advogados. Tempo, 27 de Abril de 2005. In http://www.oa.pt. (Junho 2005). Gouveia, Mariana França. 2004a. «A reforma da acção executiva – ponto da situação». In Balanço da reforma da acção executiva – Segredo de justiça e dever de reserva. Conselho Superior da Magistratura, II Encontro Anual. Coimbra, Coimbra Editora. 49-57 Gouveia, Mariana França. 2004b. «Poder geral de controlo». Sub Judice, 29. 11-21. Jorge, Fernando. 2003. «A acção executiva e a credibilização da justiça”. Boletim da Ordem dos Advogados, 27. Lourenço, Paula Meira. 2003. «Metodologia e execução da reforma da acção executiva». Themis. A reforma da acção executiva – Ano IV; N.º 7. Coimbra, Almedina. 261-284. Mendes, Armindo Ribeiro. 2004. «Execução e registo». Themis, Ano V, n.º 9. 207-225. Mendes, Armindo Ribeiro. 2003a. «A reforma da acção executiva e o registo predial». Boletim dos Registos e do Notariado, n.º 8/2003 – Setembro de 2003. In http://www.dgrn.mj.pt/brn-2003/brn08-03.asp (Março 2006). 406 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma Mendes, Armindo Ribeiro. 2003b. «Reclamação de créditos no processo executivo». Themis. A reforma da acção executiva – Ano IV; N.º 7. Coimbra, Almedina. 215-240. Mendes, Armindo Ribeiro. 1993. «Novo processo executivo – As Linhas Orientadoras da Nova Legislação Processual Civil e o Processo Executivo». Sub Judice, 5. 27-33. Mendes, Armindo Ribeiro. 1992. «O processo executivo e economia». Sub Judice, 2. 51-62. Ministério da Justiça. Linhas Orientadoras da Reforma da Acção Executiva. In http://www.portugal.gov.pt/Portal/PT/Governos/Governos_Constituciona is/GC15/Ministerios/MJ/Comunicacao/Outros_Documentos/20030309_ MJ_Doc_Accao_Executiva.htm (Abril de 2006). Ministério da Justiça. 2006. Justiça de A a Z – Um ano de Governo. In http://www.mj.gov.pt/sections/informacao-e-eventos/justica-de-a-a-zum-ano/downloadFile/attachedFile_f0/Justica_de_A_a_Z__Um_Ano_de_Governo__VersaoMJ_final.pdf?nocache=1146071322.88 (Abril de 2006). Ministério da Justiça. 2006. http://www.portugal.gov.pt/Portal/Print.aspx?guid={0892FDBA-D787992-B850-7AF11D2CECF0} (Abril de 2006). Ministério da Justiça. 2006. http://www.portugal.gov.pt/Portal/Print.aspx?guid={0892FDBA-D7874992-B850-7AF11D2CECF0} (Abril de 2006). Ministério da Justiça. 2006. http://www.mj.gov.pt/sections/destaques/destaques-jt/medidas-paradesbloquear/downloadFile/attachedFile_f0/MAExecutiva.pdf?nocache= 1136654818.01 (Abril de 2006). Referências Bibliográficas 407 Ministério da Justiça. 2006. http://www.mj.gov.pt/sections/o-ministerio/direccaogeral-da/ficheiros/fsfsdf/ (Abril de 2006). Ministério da Justiça. 2006. http://www.mj.gov.pt/sections/destaques/destaques-jt/medidas-paradesbloquear/downloadFile/attachedFile_f0/MAExecutiva.pdf?nocache= 1136654818.01 (Abril de 2006). Ministério da Justiça. 2006. http://www.mj.gov.pt/sections/informacao-e- eventos/juizo-de-execucao-de/ (Abril de 2006). Ministério da Justiça. 2006. http://www.mj.gov.pt/sections/informacao-e- eventos/imprensa/discussao-do-codigo (Maio de 2006). Ministério da Justiça. 2006. http://www.mj.gov.pt/sections/documentos-e- publicacoes/temas-de-justica/incentivos-excepcionais/ (Abril de 2006). Ministério da Justiça. 2006. http://www.gplp.mj.pt/home/concluidos/rae/RAE%20%20Boas%20Praticas.pdf (Setembro de 2006). Ministério da Justiça. 2005. 17 Medidas para Desbloquear a Reforma da Acção Executiva. In http://www.mj.gov.pt/sections/destaques/destaques- jt/medidas-paradesbloquear/downloadFile/attachedFile_f0/MAExecutiva.pdf?nocache= 1136654818.01 (Abril de 2006). Ministério da Justiça. 2005. Plano de Acção para o Descongestionamento dos Tribunais. In http://www.mj.gov.pt/sections/destaques/destaques- jt/plano-de-accao-para-o/ (Setembro de 2006). Neto, Abílio. 1997. «Código e Processo Civil Anotado», 14ª Edição actualizada. Lisboa Ediforum, Edições Jurídicas. 408 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma Ordem dos Advogados. 2005. http://www.oa.pt/genericos/Arquivo/detalhe_arquivo.asp?idc=12&comb oSeleccione=61&ida=28501 (Julho de 2005). Pedroso, João; Cruz, Cristina. 2001. «A acção executiva: caracterização, bloqueios e propostas de reforma». Coimbra: Centro de Estudos Sociais / Observatório Permanente da Justiça. Pimenta, Paulo et al. 2005. «O que fazer com a reforma da acção executiva?» VI Congresso dos Advogados Portugueses. In http://www.oa.pt/Conteudos/Artigos/detalhe_artigo.aspx?idc=30352&ids c=30348&ida=31109 (Abril de 2006). Pimenta, Paulo. 2004. «Reflexões sobre a acção executiva». Sub Júdice, 29. 81-96. Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa. 2006. Reforma da Acção Executiva – Boas Práticas. In http://www.pgdlisboa.pt/pgdl/docpgd/boaspraticas_processo_executivo. pdf (Setembro de 2006). Rego, Carlos. Lopes do 2005. «Resultados da nova repartição de competêncas entre juiz, solicitador de execução e secretaria». In Balanço da reforma da acção executiva. Segredo de justiça e dever de reserva. II Encontro Anual – 2004 do Conselho Superior da Magistratura. 29-37. Rego, Carlos Francisco Lopes do. 2003. «Papel e estatuto dos intervenientes no processo executivo». Boletim dos Registos e do Notariado, 9/2003 – Outubro de 2003. In http://www.dgrn.mj.pt/brn- 2003/brnout03/proc_executivo.pdf (Março 2006). Rego, Carlos Francisco Lopes do. 1993. «Breves reflexões sobre a reforma do processo executivo». Sub Judice, 5. 34-38. Resende, José Carlos. 2005. «Balanço de um novo interveniente processual». In “Balanço da reforma da acção executiva. Segredo de justiça e dever Referências Bibliográficas 409 de reserva”. II Encontro Anual – 2004 do Conselho Superior da Magistratura. 59-71. Rocha, Alexandra. 2005. «Justiça de proximidade. Os juízos de execução». Universidade Católica do Porto. In http://www.bonjoia.org/files/198/1.pdf (Maio de 2006). Sampaio, José Maria Gonçalves. 1992. «A Acção Executiva e a Problemática das Execuções Injustas». Lisboa, Edição Cosmos, Livraria Arco-Íris. Silva, Tiago Falcão. 2005. «A acção executiva – Regresso ou progresso?». VI Congresso dos Advogados Portugueses. In http://www.oa.pt/Conteudos/Artigos/detalhe_artigo.aspx?idc=30352&ids c=30348&ida=31005 (Abril de 2006). Soares Gomes, Manuel Tomé. 2004. «Balanço da reforma da acção executiva. Benefícios e desvantagens da alteração do paradigma da acção executiva». Sub Judice, 29. 27-32. Sousa, Miguel Teixeira de. 2004. A reforma da acção executiva. Lisboa, Lex. 410 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma A A CÇÃO E XECUTIVA EM A VALIAÇÃO Uma Proposta de Reforma Boaventura de Sousa Santos Director Científico Conceição Gomes (coord.) Paula Fernando Fátima de Sousa Catarina Trincão Diana Fernandes Jorge Almeida Consultor José Mouraz Lopes Juiz de Círculo Volume II Proposta de Reforma da Acção Executiva OBSERVATÓRIO PERMANENTE DA JUSTIÇA PORTUGUESA CENTRO DE ESTUDOS SOCIAIS F AC U L D AD E D E E C O N O M I A UNIVERSIDADE DE COIMBRA A B R I L D E 2007 Índice I ÍNDICE 1. Do sentido e da extensão das alterações propostas ______________________ 1 Dos objectivos, da entrada em vigor e da falta de consolidação da actual reforma _____________________________________ 2 2. A conjuntura económico-social ______________________________________ 7 3. Das respostas conjunturais para os processos pendentes: criação de um regime excepcional para vigorar, transitoriamente, num período de tempo previamente delimitado ____________________________________________ 9 4. Propostas de aplicação geral ______________________________________ 15 4.1. Medidas a montante da acção executiva _____________________ 15 4.2. Medidas que visam agilizar a necessária articulação dos solicitadores de execução com entidades externas aos tribunais __ 18 4.3. 4.4. 4.2.1. O acesso às bases de dados que permitem conhecer a identificação civil, a residência e a situação profissional e patrimonial do executado deve ser agilizado e deve deixar de depender de despacho prévio do juiz __________ 18 4.2.2. Dados abrangidos pelo sigilo bancário e penhora de depósitos bancários. A lei deve ser alterada no sentido de prescindir de despacho do juiz a penhora de depósitos bancários ________________________________________ 26 4.2.3. Penhora de bens imóveis e de móveis sujeitos a registo ___ 27 4.2.4. Recurso ao auxílio da força pública. A lei deve ser alterada no sentido de prescindir de despacho do juiz _____ 28 Medidas relativas aos recursos e infra-estruturas judiciárias ______ 28 4.3.1. Actualização do registo informático das execuções _______ 29 4.3.2. Tribunais de execução______________________________ 29 4.3.3. A informatização do sistema de justiça _________________ 29 4.3.4. A formação de recursos humanos _____________________ 30 A obrigatoriedade da automatização das comunicações _________ 31 a) Comunicação do tribunal com o solicitador de execução e com o mandatário do exequente e deste para o tribunal _______ 31 b) Comunicação do solicitador de execução com o tribunal ________ 31 4.5. 5. Da clarificação e alteração do regime processual e demais legislação conexa _______________________________________ 33 Da formação, do acesso à profissão e do controlo da profissão de solicitador de execução ___________________________________________ 43 II Índice 5.1. Deve ser avaliado o programa de formação inicial dos solicitadores de execução e deve ser desenvolvido um programa adequado de formação permanente ________________ 43 5.2. Alargamento da base de recrutamento ______________________ 43 5.3. Do controlo e disciplina da profissão de agente de execução_____ 44 Proposta de Reforma da Acção Executiva 1. Do sentido e da extensão das alterações propostas As propostas de reforma que, à luz da investigação realizada no âmbito do Observatório Permanente da Justiça Portuguesa, a seguir enunciamos pretendem dar resposta aos principais problemas e factores de bloqueio que a nossa investigação permitiu identificar, mas tendo como principal linha de orientação a manutenção das características essenciais do actual modelo de acção executiva. Circunscrevem-se, assim, a alterações que entendemos necessárias para o eficiente e eficaz funcionamento da acção executiva, mas sem que introduzam rupturas que coloquem em causa o actual paradigma processual. A principal razão que preside à defesa desta linha de orientação decorre da nossa posição, expressa em anteriores trabalhos do Observatório Permanente da Justiça, no sentido de que as reformas da justiça, em especial as reformas estruturantes ou que provoquem rupturas de paradigma, só devem ocorrer depois de preenchidas duas condições essenciais. A primeira é que é preciso dotar o sistema de justiça de condições que permitam que as reformas possam funcionar com eficácia. A segunda é que as alterações legais posteriores devem ser precedidas de uma monitorização e avaliação exigentes que permitam identificar, em detalhe, os bloqueios, os problemas e eventuais efeitos perversos. Só assim será possível avaliar correctamente o fracasso ou o sucesso das reformas. Pelas razões que a seguir enunciamos, consideramos que as condições em que esta reforma tem operado não permitiram, ainda, a sua consolidação, o que impossibilita uma plena e eficaz avaliação. Acresce que alguns sinais detectados no sentido de uma maior celeridade e eficácia na tramitação dos processos executivos, induzida pelos vários 2 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma ajustamentos práticos que o decurso do tempo permitiu fazer, mas, sobretudo, pelas recentes medidas do actual Governo para desbloquear a reforma da acção executiva, em especial, a instalação de mais juízos de execução e a possibilidade de o exequente escolher um solicitador de execução inscrito em qualquer comarca, permitem criar expectativas positivas sobre o actual modelo, ainda que sujeito a determinadas alterações. É nossa convicção que a introdução de alterações profundas à lei que colocassem em causa o actual paradigma do processo executivo, sem que tenha sido possível testar todas as suas virtualidades, iria trazer mais turbulência ao sistema executivo, provocando um efeito perverso maior, como, aliás, já aconteceu, entre nós, com reformas de outra natureza, como foi o caso dos tribunais de círculo. Dos objectivos, da entrada em vigor e da falta de consolidação da actual reforma No Capítulo I, mostrámos como o debate sobre as “necessárias” reformas da acção executiva é um debate presente, entre nós, há mais de uma década, levando à constituição de comissões de reforma e de grupos de trabalho, à organização de encontros vários sobre o tema, à publicação de vários estudos e opiniões e a alterações, mais ou menos profundas, em diversos diplomas legais. De facto, desde o início da década de 90, que o Estado, na tentativa de encontrar soluções para o aumento exponencial do volume das acções executivas (induzido, quer pelas profundas transformações sociais que provocaram um forte crescimento do endividamento das famílias e das empresas, quer pela eliminação da fase declarativa em muitos litígios com a introdução e o alargamento do procedimento de injunção e a ampliação do elenco dos títulos executivos), tem vindo a introduzir mudanças no regime da acção executiva – a mais marcante em Setembro de 2003 com alterações profundas ao Código de Processo Civil e demais legislação conexa. Nos anos que se seguiram a 2003, o modelo da acção executiva foi objecto de algumas medidas de ajustamento, algumas publicadas há escassos meses, através da instalação de juízos de execução, de alterações ao Código Proposta de Reforma da Acção Executiva 3 de Processo Civil e ao Estatuto da Câmara dos Solicitadores e de outras medidas avulsas. O que significa que estamos face a uma reforma em quase permanente estado de “reforma”, circunstância que, só por si, dificulta a sua consolidação e as necessárias adaptações de e a uma nova profissão, mas, também, de práticas e de rotinas – há longos anos instaladas – de magistrados, advogados e funcionários judiciais. A discussão que precedeu a reforma de 2003 centrou-se, como se sabe, em dois modelos: um modelo mais radical, que apontava para a retirada dos processos de execução dos tribunais judiciais e a sua transferência para entidades de natureza administrativa, e um modelo mitigado que, mantendo os processos na alçada dos tribunais, transferia para um agente externo a competência para a prática de um conjunto de actos. Apesar da opção do legislador português por este segundo modelo menos radical, a reforma de 2003 introduziu alterações profundas no paradigma de funcionamento do processo executivo, especialmente induzidas pela criação da figura do solicitador de execução, alheia ao desempenho funcional do sistema judicial nesta área, até então assente no trabalho e relação funcional de advogados, funcionários judiciais e magistrados. A nova reforma manteve a ligação do processo aos tribunais, isto é, a natureza jurisdicional do processo, mas atribuiu ao agente de execução a iniciativa e a prática de actos necessários à realização da acção executiva, visando libertar o juiz das tarefas processuais que não envolvessem uma função jurisdicional e os funcionários judiciais da prática de actos fora do tribunal. É, assim, na criação desta nova figura processual, que obrigou e continua a obrigar à reponderação da posição e do estatuto processual dos outros intervenientes processuais, que reside a principal linha fracturante com o modelo, até então vigente, da acção executiva, provocando uma forte perturbação do seu funcionamento prático que, hoje, passados mais de três anos de vigência da reforma, ainda persiste. 4 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma Com a actual reforma, o legislador considerava poder obter uma maior celeridade, eficácia e eficiência dos processos executivos, conseguidas através, quer da simplificação e desjudicialização de muitos actos, quer do recurso a meios informáticos. Contudo, como resulta do nosso estudo, tal objectivo ainda não foi conseguido. Persistem, por isso, as percepções negativas sobre o funcionamento da acção executiva. Podemos dizer, aliás, que a percepção negativa, por parte de advogados, magistrados e funcionários judiciais, é um dos factores mais consensuais no nosso estudo. E a persistência desta percepção, aliada às dificuldades de adaptação ao novo agente de execução, e deste ao novo modelo executivo, leva a que a grande maioria daqueles operadores façam recair nos solicitadores de execução todo o ónus do funcionamento negativo desta reforma, desvalorizando todos os outros factores de bloqueio. No quadro das soluções que preconizamos, consideramos fundamental a mudança desta posição. Não só porque resulta do nosso trabalho que existiram e existem outros factores de bloqueio a que os solicitadores de execução são alheios, mas, também, porque os efeitos de alguns desses factores contribuíram para o actual desempenho funcional daqueles profissionais. Os factores de bloqueio da reforma da acção executiva são múltiplos e complexos e não é justo que os restantes agentes os centrem, quase exclusivamente, nos solicitadores de execução. É fundamental que os agentes da justiça, desde logo os solicitadores de execução, mas, também advogados, magistrados e funcionários de justiça compreendam e aceitem que só com a colaboração de todos é possível melhorar e ultrapassar a actual situação. Todas estas circunstâncias desaconselham, quanto a nós, a introdução de alterações que provoquem novas rupturas ou alterações profundas no modelo em vigor, por duas razões principais. A primeira é que ainda não se encontram criadas as condições materiais necessárias para um eficaz funcionamento do actual modelo, condições que deveriam ter sido criadas antes da entrada em vigor da reforma em 2003. Algum défice das estruturas judiciárias, seja no que se refere à Proposta de Reforma da Acção Executiva 5 organização judiciária, seja aos recursos humanos e materiais, determinando, por exemplo, que tenham estado por autuar durante largos meses em várias comarcas, sobretudo na comarca de Lisboa, dezenas de milhares de processos (o que significa que não foram enviados para os solicitadores de execução) - situação que se continua a verificar em algumas comarcas, como é o caso, ao que sabemos, das comarcas de Sintra e da Maia - ; as deficiências de formação e preparação dos diferentes intervenientes, em especial dos solicitadores de execução, mas também de advogados, funcionários e magistrados; as dificuldades de articulação com as várias entidades externas aos tribunais detentoras de bases de dados que permitem conhecer a identificação civil, a residência e a situação profissional e patrimonial dos executados, bem como a realização da penhora de alguns bens; as limitações ou dificuldades operacionais dos sistemas informáticos com que os agentes têm que operar (H@bilus e GPESE) são, entre outros, factores de bloqueio, que não só não decorrem do modelo processual, como, uma vez ultrapassados, poderão em muito contribuir para o seu eficaz funcionamento. Refira-se, ainda, que a falta de estabilização do modelo desincentiva o investimento em planos de formação e estratégias de adaptação dos próprios intervenientes processuais, em especial dos solicitadores de execução e, no caso destes últimos, em recursos materiais e humanos e em novos modelos organizacionais que lhes permitam melhorar as condições de exercício da profissão. A segunda razão é que, como já referimos, o curto período de vigência da reforma e as diversas alterações, num contexto de instabilidade, não permitem, nem uma completa e eficaz avaliação do modelo, nem testar todas as suas virtualidades. Foram muitos os agentes judiciais (magistrados, advogados, funcionários e solicitadores de execução), sobretudo nos grandes centros urbanos, que afirmaram que apenas uma pequena percentagem dos processos em que intervieram ou têm pendentes ultrapassaram a fase da penhora e muitíssimo menos aqueles que atingiram a fase da venda. 6 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma Consideramos, por isso, que as reformas que, eventualmente, venham a introduzir alterações profundas no actual modelo de funcionamento da acção executiva só devem ser feitas num quadro mais alargado de estabilização e depois de uma monitorização exigente. É, por essa razão, que defendemos que, sem prejuízo de soluções conjunturais e transitórias de curto prazo, não devem ser equacionadas propostas, de que damos conta nos vários capítulos do relatório, defensoras de rupturas do modelo, seja preconizando um modelo mais radical de completa desjudicialização do processo executivo, com a salvaguarda da jurisdicionalização da oposição à execução e à penhora e dos direitos, liberdades e garantias fundamentais, seja a transferência dos actos da actual competência do novo agente de execução para outros profissionais (diferente é a abertura da profissão a outros profissionais), designadamente o seu retorno aos funcionários judiciais ou a atribuição da competência para a prática dos actos próprios dos solicitadores de execução aos advogados mandatários do exequente, a notários ou conservadores. As alterações que impliquem a reconfiguração do papel e das competências dos vários intervenientes no processo executivo devem ser, assim, limitadas a soluções de conjuntura ou à optimização do funcionamento do actual modelo. Proposta de Reforma da Acção Executiva 2. 7 A conjuntura económico-social Uma parte muito significativa das acções executivas tem na sua base um crédito ao consumo, é proposta pelos chamados “litigantes frequentes” e refere-se a quantias de baixo valor, uma parte significativa inferior a 1000 Euros. Consideramos que aqueles litigantes não devem poder usufruir do sistema de justiça nas mesmas condições que os restantes, devendo assumir o ónus pelo crédito concedido sem especiais cautelas ou garantias. Tanto mais que estes “litigantes frequentes” já incorporam no custo final dos produtos ou serviços prestados uma percentagem ponderada da perda do valor daqueles créditos. Resulta, ainda, do nosso estudo que uma parte significativa das acções executivas pendentes nos tribunais judiciais (para alguns dos intervenientes entre 1/3 a 50%) são acções votadas ao fracasso pela inexistência de bens a penhorar no património do executado ou pelo seu baixo valor, sem potencialidade de transacção compensadora. Em consonância com o que acima referimos, consideramos que é necessário encontrar mecanismos preventivos eficazes que possam reduzir as situações de créditos incobráveis de modo a evitar o recurso a acções judiciais. Independentemente dessas medidas, a verdade é que muitos processos dão entrada nos tribunais apenas ou, sobretudo, com o objectivo de deduzir o IVA e imputar os créditos não cobrados como perdas do exercício e, nalguns casos, por desconhecimento da real situação dos executados. Acresce que os actuais procedimentos mantêm as acções pendentes por longos períodos de tempo, mesmo quando se verifica que não é possível ou é de difícil recuperação, ainda que parcialmente, a quantia exequenda. Os custos, directos e indirectos, que esta situação representa para o sistema de justiça exigem a adopção de medidas que possam evitar, por um lado a entrada destas acções no sistema de justiça e, por outro, a sua rápida finalização, uma vez verificada a situação de crédito incobrável. Propomos, mais adiante, algumas medidas que, a nosso ver, podem actuar positivamente, 8 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma quer no âmbito da procura, quer evitando que se mantenham por largos anos, como acontece hoje, como acções pendentes. A circunstância de actualmente poder existir um volume significativo de “falsas pendências” é, também, quanto a nós, um factor que dificulta a estabilização do actual modelo. Proposta de Reforma da Acção Executiva 3. 9 Das respostas conjunturais para os processos pendentes: criação de um regime excepcional para vigorar, transitoriamente, num período de tempo previamente delimitado O principal objectivo é estabelecer uma distinção clara entre as execuções que possam beneficiar das novas alterações ou de uma conjuntura mais favorável e as outras que já têm atrás de si uma carga muito negativa. A instabilidade aquando da entrada em vigor da reforma, a falta de condições materiais e de recursos humanos para um eficaz funcionamento do modelo e as expectativas positivas que se tinham gerado sobre a reforma, são factores que, entre outros, dificultaram em muito o ajustamento de e a uma nova profissão e contribuíram para uma generalizada percepção negativa sobre a reforma. Consideramos que é fundamental criar, a muito curto prazo, condições extraordinárias que permitam a normalidade de funcionamento do processo executivo de modo a que os principais mobilizadores destes processos (os exequentes) e os operadores da justiça em geral, possam reconhecer alguns efeitos positivos. O aumento de expectativas positivas também ajudará a eliminar ou atenuar situações de tensão e desconfiança funcional entre os vários agentes. Refira-se, a este propósito, que a nossa investigação permitiu registar alguns processos de construção de boas práticas, que aprofundados e disseminados, podem ajudar a uma maior aproximação e cooperação entre os vários agentes, embora consideremos necessária, como adiante melhor se explicará, a definição de medidas específicas nesse sentido. Um dos aspectos que urge resolver decorre do elevadíssimo volume de processos pendentes, há vários anos, em alguns tribunais. Como já referimos, uma das causas da acumulação de pendências resultou do facto de muitos dos processos terem estado durante largos meses sem serem autuados. Esta situação foi especialmente sentida nas comarcas de Lisboa e 10 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma Porto. A circunstância da sua autuação e envio para os solicitadores de execução por “acção de brigadas especiais” num curto espaço de tempo, rapidamente provocou o congestionamento dos seus escritórios. Esta situação foi agravada pelo facto de os solicitadores, que não recebiam processos, não terem criado infra-estruturas que permitissem tratar, em curto período de tempo, tal volume. Mas, embora a situação tenha sido, e continue a ser, particularmente sentida naquelas comarcas de Lisboa e Porto, porque é também aí que se regista o maior volume de processos, em outros tribunais, situados em áreas peri-urbanas daquelas cidades, existem situações similares (como é, por exemplo, o caso das comarcas de Sintra e da Maia, ao que sabemos com alguma acumulação de processos por autuar). Consideramos que problemas conjunturais têm que ter respostas conjunturais que permitam, não só um rápido descongestionamento e uma maior fluidez dos processos pendentes, mas, também, a criação de condições que possibilitem que as alterações introduzidas sejam rapidamente eficazes nos novos processos. Só assim será possível estabilizar um quadro de rotinas e de boas práticas de modo a modificar as percepções negativas de todos os intervenientes. E, só ultrapassada esta situação, isto é, com o modelo a funcionar em condições normais, será possível, de facto, avaliar as suas virtualidades, se é ou não capaz de responder, de forma eficaz e com eficiência, a esta procura. Apesar de compreendermos a posição daqueles que contestam os regimes excepcionais pelo sinal que dão a quem não cumpre e pela desigualdade que estabelecem relativamente àqueles que deles não beneficiaram, consideramos que a “excepcionalidade” das condições de funcionamento da reforma tem que ser enfrentada com propostas de solução diferenciadas em relação às restantes propostas de natureza estruturante. Como acima referimos, a não ser assim, não é possível retirar todas as virtualidades da reforma e das alterações propostas ou de outras que se venham a considerar, que irão acabar “colonizadas” pelo enorme stock de processos pendentes. Proposta de Reforma da Acção Executiva 11 Deve ser, assim, estabelecido um regime jurídico específico e transitório que possibilite, durante um período determinado – dois ou três anos –, o tratamento das acções executivas entradas até 31 de Dezembro de 2005 (data, a partir da qual, de acordo com o trabalho de campo, a situação começou a registar algumas melhorias e, pelo menos nalguns tribunais, alguma estabilidade). Como acima referimos, o principal objectivo é estabelecer uma distinção clara entre as execuções que possam beneficiar das novas alterações ou de uma conjuntura mais favorável e as outras que já têm atrás de si uma carga muito negativa. Este regime especial transitório tem que ser normativamente tratado no próprio diploma que fizer as alterações legislativas, tendo em conta que se trata de normas processuais de aplicação imediata, e deve contemplar as medidas a seguir enunciadas. Deve, ainda, sem prejuízo do regime excepcional, aplicar-se a estas execuções, independentemente do agente de execução, a nova tramitação processual que resultar das alterações que se vierem a introduzir no âmbito da presente reforma. a) Criação de mecanismos legais extraordinários para vigorar por um curto período de tempo (não mais que um ano) que, de forma inequívoca, incentivem a rápida extinção de acções pendentes, designadamente através da isenção de custas, de benefícios fiscais atribuídos aos exequentes ou possibilitando-lhes uma definição célere de crédito incobrável e a consequente recuperação de impostos. Estes mecanismos têm que ser deveras atractivos, em especial para os exequentes “de massa”, que, numa ponderação “custo-beneficio”, lhes permitam percepcionar que a finalização da acção no sistema judicial é mais útil que a sua manutenção como processo pendente. Só um regime especial, inequívoco e suficientemente poderoso, pode ser eficaz. Ainda que existam eventuais perdas fiscais para o Estado, a saída rápida do sistema judicial de um elevado número de acções pode proporcionar, a médio e longo prazo, ganhos no sistema de justiça, não só de 12 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma natureza económica, mas, sobretudo, de celeridade, de eficiência, de qualidade e de legitimação daquele sistema; b) Criação, por determinado período de tempo previamente fixado, nas comarcas de Lisboa e Porto e, eventualmente, em comarcas em que o volume de processos pendentes o justifique, juízos especiais liquidatários para tratarem especificamente destes litígios. Estes juízos liquidatários podem ser criados junto dos juízos de execução com secções de processo próprias (podendo, por exemplo, no caso de Lisboa e Porto, algumas das actuais secções dos juízos de execução funcionarem como secções liquidatárias com especiais reforços). E podem, ainda, abranger mais do que uma comarca. Deve, ainda, ser ponderada a possibilidade de transferência para estes juízos liquidatários, não só daquelas acções, mas também das acções pendentes nos juízos e varas cíveis que tramitam ao abrigo do anterior processo executivo. O objectivo desta medida é o de criar rapidamente um contexto que permita evitar o efeito “contaminação” da grande massa de processos pendentes que necessariamente dificulta o aparecimento de rápidos resultados positivos por acção das alterações que venham a ser introduzidas. Estes juízos devem ser dotados de especiais recursos materiais e humanos e o seu desempenho tem que ser mensal e exigentemente monitorizado. Só assim se poderão evitar os efeitos perversos de anteriores experiências. A separação das acções executivas a tramitar ao abrigo do processo executivo anterior dos demais processos cíveis tem, ainda, a vantagem de possibilitar uma melhor transparência e avaliação do volume de trabalho dos actuais juízos de pequena instância, juízos cíveis e, sobretudo, varas cíveis das comarcas onde foram instalados juízos de execução – volume de trabalho muito inferior depois da instalação destes tribunais – e, consequentemente, dos recursos a eles afectos. Consideramos, aliás, que essa correcta avaliação Proposta de Reforma da Acção Executiva 13 vai permitir que se criem aqueles juízos liquidatários ou mesmo que se reforcem os actuais e futuros juízos de execução com a transferência de recursos daqueles tribunais, sem que o desempenho dos mesmos seja afectado por essa deslocação. É certo que a solução dos juízos liquidatários é uma solução já ensaiada no passado para outras reformas nem sempre bem sucedida. A novidade, nesta proposta, consiste, essencialmente, na fixação ab initio de um prazo para a liquidação (dois ou três anos) e, em especial, na sua monitorização mensal exigente, condição essencial para a sua criação; c) Fixação de um prazo, não superior a 6 meses, aos juízos liquidatários para procederem à avaliação de todos os processos pendentes, identificando a situação em que se encontram, as diligências executadas ou a aguardar concretização. Nas comarcas onde não existirem juízos liquidatários, esse procedimento, em igual prazo, compete ao tribunal competente; d) Independentemente da execução da medida anterior, deve fixar-se um prazo, não superior a 3 meses, aos solicitadores de execução para darem a conhecer, simultaneamente ao tribunal e ao exequente, a exacta situação de todos os processos pendentes, diligências efectuadas ou em curso. Esta informação é crucial para o exequente decidir a estratégia do processo, designadamente no que respeita à decisão de beneficiar das medidas excepcionais de incentivo à extinção da instância executiva; e) A lei deve fixar sanções (inequivocamente dissuasoras) para os solicitadores que não cumpram os prazos fixados, designadamente sanções disciplinares e de multa e, a requerimento do exequente, permitir a avocação do processo pelo tribunal e a imediata destituição do solicitador de execução no processo, com a obrigatoriedade de devolução da 14 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma provisão recebida. Neste caso, os actos próprios do solicitador de execução podem ser praticados, a requerimento do exequente e, mediante despacho do juiz, por oficial de justiça. Pode, ainda, a lei determinar que, no caso de avocação do processo pelo tribunal, alguns actos, como o registo da penhora de bens imóveis ou de móveis sujeitos a registo, possam ser praticados pelo mandatário do exequente. Pode, também, ponderar-se a possibilidade de atribuição de incentivos, por exemplo fiscais ou outros, aos solicitadores de execução que terminem essa avaliação no prazo fixado; f) Até ao prazo previsto na alínea c), o tribunal notifica o exequente, cujo processo continua pendente, para, em prazo não superior a 10 dias, dizer o que se lhe oferece. O objectivo é que o exequente que, ainda não tenha feito a ponderação acima referida, a possa fazer decidindo-se pela extinção da execução ou pela sua continuação podendo requerer a aplicação da tramitação excepcional acima referida. g) Os organismos representativos de todos os intervenientes processuais (Ordem dos Advogados, Câmara dos Solicitadores, Conselho Superior da Magistratura, Procuradoria-Geral da República e Ministério da Justiça) devem assumir um claro compromisso de colaboração no sentido da resolução do problema da acção executiva. É fundamental que os diferentes corpos profissionais assumam a sua responsabilidade na consciencialização e solução deste problema e, sobretudo, na divulgação das alterações legais e de boas práticas. Ao compromisso tendo em vista a solução do problema devem, ainda, ser chamados os litigantes frequentes. Proposta de Reforma da Acção Executiva 4. 15 Propostas de aplicação geral 4.1. Medidas a montante da acção executiva a) Deve estudar-se a possibilidade de alargamento das situações em que é possível, sem recurso a uma acção judicial, o reconhecimento de um determinado crédito como incobrável e a consequente dedução de imposto. Como resulta do nosso estudo, uma parte significativa das acções executivas para pagamento de quantia certa que entram nos tribunais judiciais portugueses têm como único ou principal objectivo (dada a inexistência de bens na disponibilidade do executado) a recuperação de impostos, sobretudo de IVA, e uma parte muito significativa dessas acções tem um valor inferior a 1000 Euros. Apesar de a lei já contemplar a possibilidade de dedução do imposto relativo aos créditos incobráveis sem necessidade de recurso a uma acção judicial, consideramos que é pouco eficaz, devendo ser alargado o seu âmbito de aplicação, quer quanto ao valor, quer quanto à natureza do devedor. Não faz sentido que o mesmo Estado, que acabará por devolver o imposto, tenha que suportar um elevado custo para fazer essa devolução e deixe que as instâncias judiciais sejam utilizadas como meio de certificação de dívidas incobráveis. Mas, também, não se afigura muito defensável que os exequentes, já duplamente onerados pela perda do seu crédito e pelo pagamento do imposto que adiantaram ao Estado, devam, ainda, suportar os custos de uma acção judicial para recuperar um imposto indevido. Consideramos, por isso, que devem ser, o mais possível, alargadas soluções já previstas na lei fiscal, ou estudarem-se outras com a introdução de efectivos mecanismos de controlo, designadamente mediante a imposição da obrigação do contribuinte declarar a lista de créditos incobráveis, sujeita a fiscalização pelos serviços de finanças, ou através de revisores oficiais de contas que controlariam a declaração do exequente, a existência do crédito, o 16 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma tempo decorrido e as diligências feitas por parte do exequente tendo em vista a sua cobrança. A solução legal deveria incorporar sempre a possibilidade de uma vez cobrado o crédito, o sujeito passivo proceder à reposição do imposto reembolsado. Pensamos que estas soluções, desde que devidamente documentadas e sujeitas a fiscalização prévia e posterior e devidamente sancionadas sempre que ocorram falsas declarações, podem trazer um claro benefício para o sistema de justiça. Diga-se, ainda, que a medida prevista na alteração do Código do IVA, pela Lei do Orçamento de Estado para 2007, facilitando o reconhecimento e a dedução extrajudicial de IVA de créditos incobráveis, pode ser maximizada se se facilitar o acesso ao registo informático das execuções; b) Acesso mais expedito, por parte do mandatário do exequente e do solicitador de execução, ao registo informático das execuções, que deve ser devidamente carregado com toda a informação. É fundamental que o exequente possa dispor de informação que lhe permita definir a sua estratégia processual, desde logo, avaliar a relação “custo-benefício” de propor ou não uma acção executiva. Como resulta da lei, a prevenção de litígios jurisdicionais, evitar o impulso processual que venha a revelar-se improfícuo e a agilização da fase da penhora constituem objectivos centrais que presidiram à criação daquelas bases de dados. Em consonância com o disposto no artigo 807º do CPC, o Decreto-Lei n.º201/2003, de 10 de Setembro, que regulamentou o registo informático das execuções, inclui os mandatários e os solicitadores de execução na categoria das pessoas que podem aceder à consulta dos dados constantes dessa base, vedando-lhes, contudo, o acesso directo, fazendo-o depender de requerimento. Resulta do trabalho de campo, que há vários tribunais que enviam ou disponibilizam, em simultâneo com o envio dos duplicados do requerimento de execução e do título executivo, a informação constante no registo informático das execuções relativamente ao executado. Contudo, posteriormente, se o Proposta de Reforma da Acção Executiva 17 solicitador de execução pretender consultar aquele registo terá que dirigir ao tribunal um requerimento nesse sentido. Diga-se, ainda, que as dificuldades de acesso às bases de dados oficiais em geral levam ao florescimento de bases de dados privadas, como a basegeral.com, e à utilização dessas bases por parte dos solicitadores de execução e dos mandatários dos exequentes. Consideramos que os solicitadores de execução devem ter acesso directo e gratuito àquele registo informático. Atendendo ao seu estatuto, à competência que a lei lhes confere e à natureza dos dados em causa não se vê que exista impedimento para o acesso directo. Acresce que o acesso pelo solicitador de execução é sempre feito no âmbito de um processo concreto (obrigatoriamente tem que inserir o número do processo). Igual possibilidade de acesso directo e gratuito deve ser dada ao mandatário. Esta é, como já referimos, uma informação importante para avaliar a viabilidade da acção executiva. Caso se venha a considerar, o que não nos parece que o deva, que tal acesso não é possível fora de um processo concreto, deve, contudo, agilizar-se o processo de requerimento, podendo o advogado efectuar o requerimento por fax ou email e a informação ser enviada pelo tribunal, por igual meio expedito, para o seu escritório; c) O Ministério Público deve dar instruções claras para todo o país quanto aos procedimentos prévios à propositura das execuções por custas, designadamente quanto ao valor mínimo a considerar. Encontramos uma grande heterogeneidade de procedimentos, o que, só por si, pode determinar um número significativo de acções num dado tribunal que, adoptando-se outro entendimento do magistrado de um outro tribunal, aí não teriam dado entrada; d) Deve ponderar-se a possibilidade de resolução extrajudicial das execuções para pagamento de quantia certa, até determinada quantia. 18 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma Esta solução, sendo dirigida a todos os exequentes, deve ser apelativa, sobretudo, para os chamados “litigantes frequentes”. Deve começar por constituir um projecto-piloto e deve ser devidamente monitorizado. Não só porque esta metodologia (projecto-piloto e monitorização) deve ser a via, como já referimos, para as reformas estruturantes, mas, também, porque, nesta matéria específica, devem ser evitadas todas as situações que possam provocar ainda mais stress funcional. Neste modelo, os solicitadores de execução não devem ser afastados (consideramos que é fundamental criar estabilidade na profissão) e, no caso de oposição, quer à execução, quer à penhora o processo deve possibilitar uma intervenção jurisdicional. 4.2. Medidas que visam agilizar a necessária articulação dos solicitadores de execução com entidades externas aos tribunais 4.2.1. O acesso às bases de dados que permitem conhecer a identificação civil, a residência e a situação profissional e patrimonial do executado deve ser agilizado e deve deixar de depender de despacho prévio do juiz Como mostramos no relatório, o enquadramento legal, a heterogeneidade de práticas e de procedimentos, quer por parte das entidades judiciárias, quer por parte de outras entidades com as quais os solicitadores de execução se têm que articular, designadamente a Segurança Social, a Direcção-Geral de Contribuições e Impostos, conservatórias do registo e entidades bancárias estão a criar dificuldades e custos para aqueles agentes, que nem eles e, nalguns casos, nem o legislador previam. A dificuldade de acesso àquelas bases de dados por parte dos solicitadores de execução constitui, assim, um dos importantes factores de bloqueio ao eficiente e eficaz andamento dos processos executivos. Proposta de Reforma da Acção Executiva 19 A lei configura alguns daqueles dados como dados sujeitos ao regime de confidencialidade e de protecção de dados pessoais, sujeitando-os a uma regulação jurídica complexa. A actual lei processual (cf. artigo 833º, n.º3 e 519.º-A do CPC), em consonância com o regime jurídico que consagra e regula os vários segredos (fiscal, bancário, comercial e industrial e profissional), exige que o acesso aos dados protegidos pelo sigilo fiscal e pelo regime da confidencialidade seja sempre precedido de despacho judicial de autorização. Exige, ainda, que o requerimento dirigido ao juiz deva conter um fundamento concreto, idóneo e adequado, de forma a permitir ao juiz decidir, também em despacho fundamentado, pela necessidade de quebra do sigilo ou da confidencialidade inerente a essas informações. O nosso trabalho permitiu identificar interpretações e práticas diferenciadas sobre esta matéria, situação que deve ser o mais possível evitada (por exemplo, existem interpretações diferentes quanto à extensão do sigilo fiscal relativamente a informações consideradas públicas, como as que constam dos registos comercial e das pessoas colectivas). Se é certo que uma alteração mais eficaz da actual situação, pelo menos para alguns casos, teria que ser precedida de alteração legal; noutros a situação pode ser francamente melhorada com um esforço empenhado das várias entidades. O sistema de justiça tem que se articular, cada vez mais, com outras entidades. Deve, por isso, saber criar mecanismos e uma cultura sólida nesse sentido e as entidades externas têm que responder e entender essa articulação no quadro do bom funcionamento do Estado e da sociedade no seu conjunto. Mas, para que se criem boas práticas não basta assinar protocolos, tem que existir, pela parte das respectivas entidades, um esforço sério nesse sentido, criando, por exemplo, mecanismos de divulgação e de monitorização eficazes. Considerando a prática por nós identificada, é preciso distinguir, no que se refere ao acesso, por parte do solicitador de execução, àquelas bases de dados, quatro situações: acesso directo a bases de dados, sem despacho prévio do juiz; acesso a dados, através dos respectivos serviços, sem 20 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma despacho prévio do juiz; acesso directo a bases de dados, mas precedido de despacho do juiz; e acesso a dados, através dos respectivos serviços, com despacho prévio do juiz. a) Bases de dados de registo automóvel, registo comercial, registo nacional de pessoas colectivas e Segurança Social. Actualmente de acesso directo electrónico, pelo solicitador de execução, sem despacho prévio do juiz Quanto às três primeiras, não identificamos qualquer problema no que respeita ao acesso à informação. O que é necessário agilizar é a possibilidade de efectuar o registo da penhora de bens sujeitos a registo por via electrónica, pois que, se o acesso à informação está facilitado, o registo da penhora continua a ser feito por via de requerimento em suporte de papel, apesar de a lei (artigo 838º do CPC) privilegiar, expressamente, a penhora de bens imóveis e de móveis sujeitos a registo por comunicação electrónica. Deve ser agilizado o acesso directo e por via electrónica às bases de dados da Segurança Social. O acesso é recente e ainda precisa de alguns ajustamentos. Foram referenciados dois tipos de problemas: a) os solicitadores de execução consideram que é frequente o sistema ficar muito lento ou sem possibilidade de acesso; b) a informação não é disponibilizada electronicamente de forma completa (por exemplo, no que se refere aos descontos no salário ou nas pensões) e, por isso, continuam a preferir a via fax. Há, contudo, serviços da segurança social onde a informação é disponibilizada, via fax, num curto período de tempo (por vezes em escassos dias); noutros, segundo os solicitadores entrevistados como é o caso de Proposta de Reforma da Acção Executiva 21 Lisboa, a mesma informação, via fax, pode demorar largos meses, apesar de a lei indicar que a informação deve ser disponibilizada no prazo de 10 dias. É opinião dominante entre os solicitadores de execução que o eficaz acesso a estas bases de dados é fundamental. No caso das pessoas singulares, a penhora sobre salários é considerada, por muitos solicitadores de execução, a penhora adequada para a cobrança de créditos de menor valor. As dificuldades de informação têm levado, nalguns casos, à decisão pela penhora dos bens móveis existentes na residência do executado, considerada uma penhora mais “agressiva”. A agilização da consulta àquelas bases de dados é, assim, fundamental e passa pelos esforços que devem ser feitos pelas diferentes entidades, em especial pela Segurança Social, para tornar aquele acesso directo, efectivo e eficaz. b) Bases de dados do registo civil. Actualmente de acesso electrónico directo, por parte do solicitador de execução, mas dependendo de prévio despacho do juiz. Consideramos que a lei deverá, à semelhança de outras derrogações, consagrar a possibilidade de acesso directo do solicitador de execução a estes dados, com a dispensa de despacho prévio do juiz. O acesso a esta informação é fundamental para, por exemplo, obter o número do bilhete de identidade do executado ou a data de nascimento, no caso das pessoas singulares, quando estes dados não constem do requerimento executivo, e é frequente não constarem. Estes dados são, por sua vez, essenciais para o acesso a outra informação, designadamente da Segurança Social e para a obtenção da morada do executado. Facilmente se compreende que as dificuldades de acesso a esta informação vão, necessariamente, prejudicar o acesso a consequentemente, atrasar a penhora de bens. outra informação e, 22 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma O acesso àquelas bases depende de prévio despacho do juiz, existindo, nalguns tribunais, despacho de provimento. O solicitador de execução tem acesso por via electrónica a esse despacho que é imediatamente introduzido no sistema de modo a validar o acesso àquelas bases de dados. Mas, na maioria dos tribunais, o solicitador de execução tem que dirigir um requerimento ao juiz. Todos os juízes ouvidos admitiram que nunca indeferiram qualquer requerimento. Trata-se, por isso, de um despacho tabelar, meramente burocrático. Se é certo que não identificámos no nosso trabalho, longas dilações neste despacho (em média foi-nos referido cerca de 15 dias a 3 semanas) a verdade é que é sempre um factor de perturbação e de dilação no andamento do processo, e não deixa de constituir um acto burocrático do juiz. Diga-se, ainda, que nos foi referido que há juízes que exigem que o solicitador de execução, no seu requerimento, declare e fundamente que o exequente não possui aqueles dados. O que implica que o solicitador de execução tenha que previamente averiguar junto do exequente, que já não tinha indicado aqueles dados no requerimento executivo, se, de facto, os não possui. O solicitador de execução está sujeito ao dever de confidencialidade e o acesso só é possível quando é pedido em determinado processo e apenas para o executado. Trata-se, portanto, de um acesso que é sempre previamente validado pelo tribunal. Mas, se se considerar que o regime legal de protecção destes dados torna complexo alterar a lei, pelo menos por agora, de modo a dispensar o despacho judicial, poderá ser agilizado este procedimento por duas vias: a) consagração na lei da possibilidade de autorização judicial genérica ao solicitador de execução para todos os processos em que seja agente de execução num dado tribunal; b) através da prática do despacho de provimento, como via expedita para o rápido acesso à informação e possibilitando o acesso imediato por via electrónica. O Conselho Superior da Magistratura deveria fazer um especial esforço no sentido de sensibilizar os juízes para essa possibilidade. Proposta de Reforma da Acção Executiva 23 c) Acesso do solicitador de execução a alguns dados, sem necessidade de despacho prévio do juiz, mas através de requerimento a apresentar nos respectivos serviços da Administração Pública Por esta via, os solicitadores têm, actualmente, acesso à informação sobre bens imóveis, constante das bases de dados das conservatórias do registo predial e da Direcção-Geral dos Impostos, e, nalguns casos, ao número de identificação fiscal, embora haja serviços de finanças que exigem despacho judicial prévio. É, no entanto, necessário, fazer um requerimento, em suporte de papel, e, no caso da Direcção–Geral dos Impostos, a informação é dada mediante a passagem de certidão, que tem que ser paga, e que leva alguns dias a ser disponibilizada. O solicitador de execução também não tem acesso aos dados constantes das bases nacionais da Direcção-Geral dos Impostos sobre imóveis. Consideramos que, pelo menos, os dados que não estão sujeitos ao sigilo fiscal, que consideramos dever ser revisto, deveriam ser de acesso directo para o solicitador, no âmbito de um processo concreto. Mas, caso se entenda que se trata de uma alteração complexa, difícil de efectuar em reduzido prazo, poderá utilizar-se o mecanismo da autorização genérica acima referido, neste caso pelo Director-Geral dos Impostos. Em qualquer caso, aqueles dados devem ser disponibilizados, de forma expedita, ao solicitador de execução, independentemente da localização dos bens. Não faz qualquer sentido que, se se quiser conhecer os bens imóveis de um executado, pessoa colectiva ou singular, que podem estar localizados em qualquer parte do país, tenha que se requerer essa informação a cada serviço de finanças. O solicitador deve poder dirigir-se, electronicamente ou por fax, a um qualquer serviço de finanças para obter informações constantes da base de dados nacional, que lhe deve responder, de forma célere, pela mesma via. No que respeita às informações constantes das conservatórias do registo predial, a mesma informação só é disponibilizada mediante requerimento nesse sentido dirigido a cada Conservatória. Diga-se, ainda, que nos foi referenciado 24 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma a existência de conservatórias que para a consulta do ficheiro dos bens imóveis através do nome do executado exigem despacho do juiz. Consideramos, também, que o acesso às bases de dados das conservatórias deve ser disponibilizado, por via electrónica directa, aos solicitadores. Mas, caso o sistema ainda não o permita, o pedido de informação deve ser enviado, via email ou fax, e deve ser respondido, pela mesma via, de forma expedita ao solicitador. Os serviços, quer os serviços da Direcção-Geral dos Impostos, quer as conservatórias do registo predial têm que se organizar de forma a darem uma resposta imediata aos pedidos dos solicitadores de execução. Apesar de a articulação ser feita ao abrigo de protocolos, as respectivas Direcções-Gerais têm que dar instruções concretas aos respectivos serviços e conservatórias para agirem nesse sentido e devem averiguar, de forma célere, todas as queixas dos solicitadores de execução que denunciem a existência de práticas em sentido diferente e agir eficazmente, sempre que tal se mostre necessário. d) Dados abrangidos pelo sigilo fiscal. O nosso estudo permitiu identificar práticas diferenciadas quanto aos dados constantes da base de dados da Direcção-Geral dos Impostos, em geral considerados como abrangidos pelo sigilo fiscal e, como tal, exigindo prévio despacho do juiz para a sua obtenção. De facto, enquanto alguns serviços de finanças disponibilizam, mediante requerimento do solicitador de execução em que identifica o n.º do processo, o tribunal, o exequente e o executado, informação sobre bens imóveis, créditos de IVA, créditos de Imposto sobre o Rendimento, matrículas associadas à liquidação de Imposto de Circulação e Camionagem e Imposto Municipal sobre Veículos e se alguma entidade apresentou declaração anual em que o executado conste como beneficiário de rendimento e, em caso afirmativo, qual a identificação da Proposta de Reforma da Acção Executiva 25 identidade e o tipo de rendimento que esta declarou, outros serviços - ao que sabemos a maioria - exigem prévio despacho judicial. Mas, também, no que se refere ao despacho judicial encontramos procedimentos muito heterogéneos. Se para alguns juízes o requerimento é sempre deferido em despacho tabelar; para outros, o requerimento tem que ser devidamente fundamentado, devendo o solicitador de execução mostrar e justificar que já procedeu, sem sucesso, a um conjunto de diligências no sentido de tentar identificar bens penhoráveis. O entendimento que lhes está subjacente é que só depois de frustradas todas as tentativas e comprovada essa frustração, o solicitador de execução pode requerer ao juiz a respectiva autorização para a obtenção daquelas informações. Facilmente se alcança a perturbação e atraso que tal entendimento provoca no andamento do processo. Consideramos que o solicitador de execução deverá ter acesso directo a estes dados no âmbito de um processo concreto. Mas, se se considerar que a complexidade da regulação jurídica desta matéria impede ou dificulta uma rápida alteração do seu enquadramento legal de modo a permitir esse acesso directo, no âmbito de um processo concreto, por parte do solicitador de execução, deve ponderar-se a possibilidade de alterar a lei de forma a que esse acesso se faça, no âmbito de um processo concreto, a requerimento do solicitador de execução, mas prescindindo-se de despacho do juiz. Podendo adoptar-se, também, no que respeita as estes dados a via da autorização genérica, acima referida, pelo Director-Geral dos Impostos. Caso, ainda, se venha a considerar qualquer dessas soluções de exequibilidade difícil, isto é, considerando que a complexidade jurídica desta matéria também não permite que se prescinda de despacho do juiz, aplica-se aqui o que acima se referiu quanto à possibilidade de autorização judicial genérica e quanto à sensibilização dos magistrados para a generalização da prática do despacho de provimento, o que permitia ao solicitador, colocando a referência do despacho, requerer, de imediato, junto da Direcção-Geral dos Impostos a informação pretendida. 26 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma Caso se venha a considerar inexequível qualquer das soluções acima referidas para a dispensabilidade de despacho do juiz, deve tornar-se claro na lei a dispensabilidade de fundamentação, quer do requerimento do solicitador de execução, quer do despacho do juiz, de forma a evitar interpretações que obriguem o solicitador de execução a efectuar e a demonstrar a realização de um conjunto de diligências prévias. A actual situação provoca efeitos perversos e atrasos desnecessários, obrigando o solicitador de execução a justificar que já procedeu a um conjunto de diligências, sem sucesso, no sentido de tentar identificar bens penhoráveis. Refira-se que o solicitador só quando estiver na posse de todos os dados é que pode dar cumprimento ao disposto no artigo 834º n.º 1 do CPC, que manda que a penhora comece pelos bens “cujo valor pecuniário seja de mais fácil realização e se mostre adequado ao montante do crédito do exequente”. As actuais dificuldades de acesso ao conhecimento de outros bens leva a que, na prática, se subverta aquele normativo e se comece, de imediato, em muitas execuções pela penhora de bens móveis. 4.2.2. Dados abrangidos pelo sigilo bancário e penhora de depósitos bancários. A lei deve ser alterada no sentido de prescindir de despacho do juiz a penhora de depósitos bancários Esta é, também, uma matéria sujeita a regulamentação complexa e a divergentes interpretações, entendendo-se, em geral, que estão sujeitos a segredo o nome dos clientes, as contas de depósito e os seus movimentos e outras operações bancárias. A lei prevê, contudo, derrogações àquele princípio geral. Nos termos da lei, a penhora é precedida de despacho do juiz e deve ser feita, preferencialmente, por meio electrónico. Em 2003, foi assinado um protocolo entre o Ministério da Justiça, a Câmara dos Solicitadores e a Associação Portuguesa de Bancos com vista a agilizar procedimentos para a obtenção de informação e para a penhora de depósitos bancários. Proposta de Reforma da Acção Executiva 27 No nosso relatório damos conta dos vários problemas que hoje se colocam aos solicitadores de execução quando pretendem obter informação sobre se determinado executado tem ou não conta em determinada instituição bancária e qual o seu saldo, bem como para a realização da penhora do respectivo depósito. O procedimento é moroso, caro, o que se reflecte no custo do processo para o exequente, e, contra o que era objectivo da lei, não evita os actos de levantamento antecipado ou de transferência de saldos, frustrando a penhora. Também no que respeita ao despacho do juiz, encontrámos práticas muito diferenciadas. Se para alguns magistrados, trata-se de um despacho tabelar; para outros, o requerimento do solicitador de execução tem que ser devidamente fundamentado. Consideramos que a lei deve ser alterada no sentido de prescindir de despacho do juiz a penhora de depósitos bancários. O solicitador de execução não tem que conhecer quaisquer outros elementos do executado a não ser o número da conta e se existe ou não saldo até ao valor da quantia exequenda ou, no caso de saldo inferior, qual o seu valor. Deve, por isso, ser agilizado o protocolo em vigor de modo a que o solicitador de execução possa obter essa informação e fazer a penhora por via electrónica, sem custos, ou mediante o pagamento de uma taxa única, prescindindo-se de despacho prévio do juiz. 4.2.3. Penhora de bens imóveis e de móveis sujeitos a registo A lei prevê que a penhora de bens imóveis e de móveis sujeitos a registo seja, em regra, realizada por comunicação electrónica à conservatória do registo predial competente. Como acima já referimos, a verdade é que o suporte documental continua a ser o único meio de realização da penhora. Deve, por isso, ser agilizada a resolução deste problema de modo a dar-se cumprimento à previsão legal. Como forma de “forçar” a alteração prática de procedimentos, sugere-se a alteração da lei no sentido de 28 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma permitir, apenas a título excepcional, a realização da penhora nos termos gerais do registo. 4.2.4. Recurso ao auxílio da força pública. A lei deve ser alterada no sentido de prescindir de despacho do juiz O recurso ao auxílio da força pública para a realização da penhora depende, nos termos da lei, de despacho prévio do juiz. Resulta do nosso trabalho que, para a maioria dos juízes, trata-se de um despacho burocrático, sempre deferido. Há, contudo, magistrados que exigem a fundamentação do requerimento, devendo o solicitador de execução mostrar, sob pena de indeferimento, a existência de resistência à realização da penhora ou o fundado receio de que tal venha a ocorrer. A lei deve ser alterada no sentido de prescindir de despacho do juiz. O solicitador de execução deve, no âmbito de um processo concreto, poder solicitar directamente o auxílio da força pública. As eventuais situações de recurso despropositado a esse auxílio devem ser apreciadas, a requerimento das respectivas entidades, pelo juiz da comarca e pelos órgãos próprios de controlo disciplinar da profissão. 4.3. Medidas relativas aos recursos e infra-estruturas judiciárias Como já referimos, alguns dos bloqueios do funcionamento da acção executiva resultaram e, ainda resultam, das deficiências organizativas, de recursos humanos e de infra-estruturas dos próprios tribunais judiciais, que é necessário resolver. Proposta de Reforma da Acção Executiva 4.3.1. 29 Actualização do registo informático das execuções Pelas razões que acima explicámos, é fundamental que todos os tribunais actualizem, num prazo não superior a 3 meses, a base de dados do registo informático das execuções. E que, desde já, sejam dadas instruções a todos os tribunais para o estrito cumprimento da introdução de novos dados. Esta medida deve ser devidamente monitorizada. Deve, ainda, ser estudada e aplicada a possibilidade de carregamento automático desta base. 4.3.2. Tribunais de execução Devem ser criados, no âmbito da reforma do mapa judiciário, juízos de execução em todo país. Todas as acções executivas devem tramitar nestes tribunais. Enquanto não forem criados juízos de execução em todo o território nacional, consideramos que a lei deve ser alterada de modo a que todas as acções executivas, a correr nos diferentes tribunais de uma comarca onde já tenha sido instalado um juízo de execução, tramitem nos juízos de execução já criados. Pelas razões que explicámos no relatório, consideramos que não é uma medida de eficiência e eficácia que continuem a tramitar, por exemplo, nos juízos criminais acções executivas. Os recursos humanos e materiais devem ser avaliados e, depois dessa avaliação, se necessário, transferidos em número suficiente para os juízos de execução. Deve, contudo, ponderar-se a possibilidade de excepção para as execuções que correm nos tribunais de família e menores e tribunais do trabalho. Estas execuções, dada a natureza da maioria dos créditos em causa e das pessoas que deles carecem, devem merecer por parte do legislador uma atenção especial. 4.3.3. A informatização do sistema de justiça Como se sabe, o sucesso da reforma da acção executiva depende, em boa medida, de um eficaz funcionamento dos meios informáticos, que devem permitir, não só agilizar procedimentos e comunicações mas, também, evitar 30 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma que se desperdicem recursos na execução de actos que poderiam ser automatizados. No relatório, damos conta de vários exemplos que mostram a necessidade de se fazer uma avaliação técnica do actual sistema de informatização dos tribunais, tendo em vista, designadamente, dotá-lo de novas funcionalidades ou potenciar as existentes, permitindo, quer uma melhor articulação entre as várias aplicações (por exemplo, permitindo o carregamento automático de dados no registo informático das execuções), quer uma efectiva automatização de procedimentos dentro do tribunal e das comunicações entre os diferentes intervenientes. 4.3.4. A formação de recursos humanos Um dos problemas desta reforma, amplamente referenciado pelos vários agentes, decorre das carências de formação. Já acima referimos que sendo este um problema que diz particularmente respeito aos solicitadores de execução, não deixa de atingir todos os outros intervenientes. Além da formação no âmbito do novo regime da acção executiva, os funcionários judiciais reclamam, também, formação no domínio informático. O programa de reformas, sobretudo de reformas estruturantes do sistema, deve dar especial atenção a esta matéria. Consideramos, por isso, que a nova reforma deve incorporar um plano de formação e de divulgação. Esta é uma via essencial, não só para a eficácia dos procedimentos, mas, também, para evitar procedimentos muito heterogéneos, alguns dentro do mesmo tribunal (são muitos os exemplos ao longo do nosso relatório que mostram procedimentos muito diferenciados na tramitação dos processos, quer por parte da secção de processos, quer por parte do juiz) e os efeitos perversos que daí decorrem e, ainda, para ajudar a compreender os objectivos da reforma e a mudar práticas e rotinas instaladas. Proposta de Reforma da Acção Executiva 31 4.4. A obrigatoriedade da automatização das comunicações Como acima referimos, os meios informáticos são um dos vectores essenciais de que o legislador fazia depender a eficácia e eficiência do processo executivo, constituindo o suporte fundamental para as comunicações. As alterações de Abril de 2006, vieram instituir o dever de utilização dos meios telemáticos na comunicação entre a secretaria judicial e o solicitador de execução, sempre que os meios técnicos assim o permitam. Do trabalho de campo resulta que a comunicação no âmbito do processo executivo entre os diferentes intervenientes é, hoje, irracional, ineficiente, burocrática e, por si mesma, geradora de atrasos, actos inúteis e de sobrecarga de trabalho. Vejamos: a) Comunicação do tribunal com o solicitador de execução e com o mandatário do exequente e deste para o tribunal Depois do acto de comunicação da nomeação do solicitador, o tribunal, em regra, sempre que comunica com o solicitador de execução fá-lo por carta. São avançadas razões que resultam da falta de confiança na segurança e eficiência do sistema (porque não têm a certeza que o solicitador de execução recebeu a comunicação), do facto de os despachos do juiz não constarem do H@bilus e da necessidade de envio de documentos ou razões decorrentes das rotinas instaladas. A mesma via de comunicação é utilizada pelo tribunal para comunicar com o mandatário do exequente e deste para com o tribunal. b) Comunicação do solicitador de execução com o tribunal A comunicação do solicitador de execução com o tribunal é feita, na grande maioria das comarcas, em duplicado e, às vezes, em triplicado, por todas as vias: carta, fax e via telemática. Em regra, o solicitador de execução, no cumprimento da lei, envia a comunicação por via telemática, 32 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma mas, de seguida, envia, também, em suporte de papel. Ora, como os papéis têm sempre que ser juntos ao processo (a comunicação telemática é sempre impressa e junta ao processo), tal obriga a uma duplicação de trabalho, por parte da secção, relativamente ao mesmo acto. Facilmente se imagina a sobrecarga de trabalho inútil em tribunais com grande volume processual, em especial nos juízos de execução de Lisboa, onde entram, diariamente, em cada uma das secções cerca de meia centena de papéis. Hoje, muitos funcionários judiciais têm como única função diária, no âmbito da acção executiva, procurar processos e juntar papéis. Uma grande parte desses papéis diz respeito às comunicações dos solicitadores de execução que, nos termos da lei, estão obrigados a fazer. Mas, esta situação tem, ainda, um outro efeito perverso. Na impossibilidade de verificação e de junção ao processo de todos os papéis entrados pelas diferentes vias de comunicação, algumas secções de processo, sobretudo aquelas que têm um grande volume processual, negligenciam a comunicação por via telemática, não abrindo, sequer, o programa para verificar a existência dessas comunicações. Ora, se o solicitador de execução “acreditar” na lei e usar aquela única via de comunicação pode acontecer, como foi assumido que aconteceu, que o seu requerimento não seja despachado pelo juiz porque ficou “esquecido” no computador. Estamos, assim, face a um impasse: os solicitadores de execução, à cautela, utilizam todos os meios para comunicarem com o tribunal; o tribunal, por sua vez, fica de tal forma submerso em papéis que acaba por negligenciar a via mais expedita. A lei deve, assim, tornar obrigatório que a comunicação entre todos os intervenientes no processo executivo (solicitador de execução, tribunal e mandatários) se faça por meios telemáticos ou por email. No que se refere ao envio de documentos e do despacho do juiz, enquanto não estiver disponível a aplicação H@bilus para os juízes, deve ser feito, também, por via telemática ou por email, depois da sua digitalização, ou por carta, se se concluir pela excessiva morosidade daquele procedimento. Proposta de Reforma da Acção Executiva 33 Admite-se que quando o número de documentos ou a sua difícil leitura o justifique, o envio poderá ser feito pelo correio, fazendo-se menção desse facto na comunicação telemática. Não faz sentido que a via telemática só seja obrigatória no momento inicial do processo. Enquanto existirem processos em suporte de papel, a lei deve ser clara no sentido de prever que todas as comunicações ficam registadas no histórico informático do processo, devendo-se garantir a sua segurança. Apenas devem ser impressos e juntos ao processo em suporte de papel (enquanto existir) os requerimentos sujeitos a despacho do juiz e, eventualmente, alguns actos relevantes da tramitação do processo, como é o caso do auto de penhora. 4.5. Da clarificação e alteração do regime processual e demais legislação conexa Alguma indefinição da lei quanto ao papel e às competências dos diferentes intervenientes, em especial do juiz e do solicitador de execução, provoca uma grande heterogeneidade de procedimentos e práticas, muitas vezes incoerentes com os objectivos da própria lei. Contrariando um dos objectivos centrais da reforma - a desjudicialização de vários actos - a intervenção dos juízes continua a ser muito intensiva nos processos executivos. Mas, é, ainda, a própria lei que, em desalinho com os objectivos definidos, confere ao juiz um papel de controlo, na grande maioria dos casos meramente burocrático, com grande desperdício da actividade judicial. Hoje, como mostra o nosso trabalho, os juízes estão a ser “chamados” para a prática de actos, como o “controlo” da eficiência do solicitador de execução (mesmo que o exequente se não tenha manifestado), ou para decidirem se o valor das despesas diversas apresentado pelo solicitador deve 34 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma ser, por exemplo, de 20 ou de 30 euros. Um juiz mostrou-nos 24 tipos de despachos que já fez nos processos em que interveio. Toda esta situação resulta, desde logo, da interpretação que se faz do disposto no actual artigo 809º do CPC, cuja norma determina que “sem prejuízo do poder geral de controlo do processo (...) compete ao juiz...”. Mas, consideramos, sobretudo, que sem alterar profundamente o actual paradigma processual, a lei deve conferir ao exequente um papel mais activo no processo, determinando uma maior interacção com o solicitador de execução. Diga-se, ainda, que foram referenciadas várias situações em que se verificam interpretações da lei muito diferenciadas, como, por exemplo, na determinação do encarregado da venda quando a mesma é feita por negociação particular. Todas estas situações devem ser resolvidas por via da clarificação legal. Consideramos, por isso, que a lei deve, no geral, ser revista no sentido de clarificar o papel dos vários intervenientes na acção executiva e deve ir o mais longe possível, sem colocar em causa o actual modelo, no aprofundamento da desjudicialização. Assim, além das propostas de alteração legal acima enunciadas, consideramos que devem ser introduzidas alterações ao Código de Processo Civil, Estatuto dos Solicitadores e demais legislação conexa, nas seguintes matérias: a) O exequente deve designar, no requerimento executivo, o solicitador de execução, com a menção da aceitação por aquele ou, não o fazendo, presumindo-se a sua aceitação. A secretaria de execução só deve designar solicitador de execução quando o exequente, pessoa singular, o requeira e declare a impossibilidade de o fazer. Diga-se que a prática de designação de solicitador de execução, por Proposta de Reforma da Acção Executiva 35 parte do exequente, regista uma tendência crescente, muito facilitada pelas alterações de Abril de 2006. A possibilidade conferida pela lei, também muito utilizada, de as diligências em outra comarca poderem ser realizadas por delegação de competências do agente de execução designado a outro solicitador de execução da área dessa comarca também facilita esta alteração. Consideramos que a alteração proposta, além de trazer um assinalável decréscimo de trabalho para a secretaria, desburocratiza o processo, aumenta a responsabilidade do exequente no processo e é susceptível de ajudar a promover uma relação mais virtuosa entre mandatário/exequente e solicitadores de execução; b) O mandatário do exequente deve enviar o requerimento executivo, por via telemática e, no primeiro dia útil seguinte, o original do título executivo e demais documentos em suporte de papel para o tribunal. Em simultâneo, envia cópia do requerimento, por via telemática, e cópia do título executivo, também por via telemática ou em suporte de papel, para o solicitador de execução designado. A dilação, a fixar por lei, de envio do título executivo e demais documentos deve estar sujeita ao pagamento de uma taxa adicional. A alteração proposta agiliza a fase inicial do processo e evita que a secretaria tenha que proceder a vários actos; c) O pagamento da provisão inicial ao solicitador de execução deve ser prévio à propositura da acção. No requerimento executivo o exequente deve mencionar a efectuação do pagamento da provisão inicial ao solicitador de execução ou, se tal não for tecnicamente possível ou de difícil execução, deve juntar o comprovativo desse pagamento com o envio em suporte de papel do título executivo e demais documentos. O objectivo é que se elimine o período de espera para o pedido de provisão e para o seu pagamento por parte do exequente, que, de acordo com os solicitadores de execução entrevistados é, nalguns casos, motivo de dilação; 36 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma d) Para tal, e de forma também a terminar com os milhares de reclamações sobre esta matéria com que são “inundados” muitos tribunais, em especial, aqueles cujos principais clientes são “litigantes frequentes”, e, considerando-se que se trata de um serviço público, a lei deve, à semelhança do que acontece com a tabela dos serviços do notariado, fixar a provisão inicial a pagar ao solicitador de execução (que pode ser escalonada em função do valor da execução), deixando, tal como está, a remuneração adicional. Com esta medida evita-se, ainda, alguma controvérsia que o nosso trabalho permitiu identificar no que respeita ao valor da provisão. Resulta do nosso trabalho que uma das divergências nesta matéria decorre de não se saber, à partida, que tipo de diligências serão necessárias efectuar para a localização do património e penhora de bens, designadamente no que se refere à penhora de depósitos bancários. A solução acima proposta para esta penhora resolve este problema. Consideramos, contudo, que é um argumento que não é impeditivo da fixação do valor da provisão inicial, uma vez que a conta final será feita no final do processo. Acresce que esta é, por um lado, uma matéria que tem provocado alguma tensão entre exequentes e solicitadores de execução, motivando muitos requerimentos aos juízes e, por outro, identificámos a prática de valores muito diferenciados entre os solicitadores de execução, a que urge por cobro. Diga-se, aliás, que foram vários os solicitadores de execução que reclamaram uma intervenção e esclarecimento da lei sobre esta matéria; e) Recebido e distribuído o requerimento executivo e o título, a secretaria, com excepção das execuções de sentença e das execuções fundadas em aposições de fórmula executória em requerimentos de injunção, deve fazer o seu controlo, no prazo de 5 dias, nos termos previstos na lei. No mesmo prazo a secretaria avalia a competência do tribunal. A secretaria deve suscitar a intervenção do juiz, em caso de dúvida do requerimento ou do título executivo, ou se o tribunal for incompetente ou em Proposta de Reforma da Acção Executiva 37 face de outro facto que considere relevante, dando conhecimento, de imediato, por via telemática, desse facto ao solicitador de execução. Se não for suscitada a intervenção do juiz, notifica, dentro dos cinco dias, por via telemática, o solicitador de execução e o exequente de que a execução pode prosseguir. Decorridos os cinco dias, sem que tenha havido lugar a essa notificação, presume-se que a execução pode prosseguir. Esta presunção em nada prejudica o direito de defesa do executado. Excepciona-se deste procedimento de controlo pela secretaria, as execuções fundadas em aposições de fórmula executória em requerimentos de injunção e as execuções fundadas em sentença que devem prosseguir de imediato. f) Deve ser eliminado o despacho liminar e a citação prévia, admitindo-se apenas como excepcional o caso da execução movida apenas contra o devedor subsidiário. A posição da maioria dos agentes entrevistados, em especial dos magistrados, vai nesse sentido. Considera-se que, apesar de ocorrerem, na prática, em número muito reduzido de acções, o leque de situações que se podem colocar obriga o funcionário judicial a um complexo exercício, moroso e não isento de erros. Consideramos, também não se justificar a distinção das execuções em razão do valor e dos bens a penhorar. Esta medida deve ser conjugada com a prevista na alínea e). g) A partir da data da notificação da alínea anterior nos casos em que não haja dispensa de controlo, ou da data em que receba o título quando haja, o solicitador de execução deve efectuar todas as diligências necessárias à penhora de bens e realizar a penhora, no prazo de 3 meses. Findo esse prazo, sem que se mostre efectivada a penhora ou feita a comunicação da inexistência de bens a penhorar, o exequente pode requerer ao juiz, sem necessidade de qualquer justificação, a destituição imediata do solicitador de execução e a devolução da provisão paga. O exequente notifica o solicitador de execução do requerimento apresentado e este dispõe de 5 38 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma dias, a contar dessa notificação, para justificar o seu atraso. O juiz decide, sem direito a recurso, no prazo de 15 dias. Ultrapassado este prazo, sem que haja decisão, o exequente pode designar de imediato, sem prejuízo do que vier a ser decidido quanto à devolução da provisão, um outro solicitador de execução, a quem envia o requerimento e cópia do título executivo. Naturalmente que esta medida só é completamente eficaz num contexto de maior concorrência, o que implica a existência de mais profissionais no exercício da actividade de solicitador de execução. A proposta desta medida resulta de dois factores, bloqueantes de todo o processo executivo e que fomentam o descaminho de bens do executado, e a que a presente reforma não pode deixar de dar resposta: a ineficácia do actual controlo, pelo tribunal, dos prazos previstos para a prática de actos por parte do solicitador de execução; e a situação de incapacidade de acção em que a lei colocou o exequente face a um solicitador de execução negligente. O ónus da negligência do sistema, no seu conjunto, não pode ser suportado pelo exequente que, à medida que o tempo passa, vê com maior dificuldade a cobrança do seu crédito. h) O solicitador de execução, sob pena da cominação prevista na alínea g) e sem prejuízo de outras sanções, designadamente de natureza disciplinar ou de multa, envia, no decurso ou decorrido o prazo de 3 meses acima referido, ao tribunal e, obrigatoriamente, ao exequente o auto da penhora ou informa das diligências efectuadas que comprovem a inexistência de bens a penhorar; i) Feita a penhora e sempre que houver lugar a venda, o solicitador de execução dispõe de igual prazo de 3 meses, a contar da efectivação daquela, para efectuar e promover todas as diligências conducentes à realização da mesma. Aplicar-se-á, nesta fase, a cominação prevista na alínea g); Proposta de Reforma da Acção Executiva 39 j) A lei deve eliminar a obrigatoriedade do relatório mensal, a enviar pelo solicitador ao tribunal, previsto no artigo 837º do CPC. Resulta da nossa investigação que se trata de um relatório burocrático, sem qualquer eficácia. Em geral, os solicitadores, mesmo com a ameaça de multa, não cumprem, ou cumprem burocraticamente. E, quando o fazem, é na sequência de várias notificações do tribunal, algumas precedidas de despacho do juiz. Podemos, assim, afirmar que a principal, ou mesmo única consequência deste “controlo” é a ocupação burocrática do tribunal, quer de juízes, mas, sobretudo, de funcionários. A imposição de prazos peremptórios aos agentes de execução para a realização dos actos de penhora e de venda, vem dispensar este relatório. l) O solicitador de execução deve, ainda, notificar o mandatário do exequente do agendamento da diligência da penhora de bens móveis, que pode ser sempre acompanhada por este; m) Feita a comunicação ao tribunal e ao exequente, acima prevista, da inexistência de bens a penhorar, o exequente pode requerer ao tribunal a certificação de crédito incobrável para efeitos de dedução de imposto e ou a extinção da instância executiva ou o prosseguimento da execução. Se o exequente nada disser no prazo de 10 dias, é considerada extinta a instância executiva. A certificação, acima referida, deve ser feita pela secretaria em face dos elementos enviados pelo solicitador, sem prejuízo de poder suscitar a intervenção do juiz; n) Verificada a ausência de bens nos termos acima referidos, depois de notificado o exequente e o executado, a execução, que tiver que prosseguir, fica suspensa até à identificação de bens penhoráveis. A lei deve, contudo, prever um único prazo geral de 2 anos para a extinção da instância executiva por ausência de bens do executado, desde que o exequente a 40 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma não tenha requerido antes e durante esse prazo não tiver sido possível a realização efectiva da penhora; o) A lei processual deve ser devidamente articulada com o regime legal em matéria de custas. Em qualquer caso, verificada no processo a ausência de bens, caso existam custas judiciais a pagar as mesmas devem ser da responsabilidade do executado. Esta é uma razão que tem inibido os exequentes de requerem a desistência da execução. Pensamos que a articulação do Código de Processo Civil com o regime das custas judiciais resolve esta questão. Mas, a lei deve ser clara nesse sentido. Deve, ainda, esclarecer que o exequente não tem direito à devolução das custas já pagas; p) A lei deve definir, com clareza, todos os procedimentos relativos ao depósito e apreensão de bens penhorados (designadamente a nomeação de fiel depositário, as contas onde deve ser depositado o dinheiro, a dispensa de despacho do juiz para a apreensão de veículo); q) Deve, ainda, definir com clareza os procedimentos, incluindo os prazos, relativos à entrega ao exequente, por parte do solicitador, da quantia exequenda. Logo que recebida a quantia exequenda, o solicitador deve entregá-la ao exequente no prazo máximo de 5 dias. A dilação no prazo de entrega, por vezes de vários meses, foi-nos referenciada por vários advogados. A lei deve expressamente prever sanções graves para o solicitador que não cumpra os prazos e possibilitar ao exequente um procedimento que lhe permita a exigência rápida em juízo dessa entrega. r) Igual clarificação é necessária quanto à remuneração adicional, prevista na lei, em caso de acordo de pagamento entre exequente e executado na pendência de uma acção executiva, mas sem intervenção do solicitador de execução nesse acordo. Resulta do nosso trabalho que ambas Proposta de Reforma da Acção Executiva 41 as matérias suscitam interpretações diferenciadas e são objecto de requerimentos vários ao tribunal. s) A lei deve prever de forma expressa que o solicitador de execução deve enviar, em simultâneo, cópia ao exequente de todas as informações e requerimentos enviados ao tribunal; t) Devem ser avaliadas as situações de dispensa de citação dos credores hoje previstas na lei de modo a evitar os actuais efeitos perversos que levam à inibição da propositura de execuções de pequeno valor. Resulta, ainda, do nosso trabalho, que a maioria dos entrevistados considera que deve ser avaliado o regime dos actuais privilégios creditórios no sentido da sua restrição; u) Deverá ser previsto para a penhora de veículos automóveis a prévia apreensão e imobilização dos mesmos relativamente ao registo da penhora; v) Deve ser adequado o regime previsto no Código de Registo Predial à nova tramitação da acção executiva, permitindo, nos casos em que haja pagamento voluntário ou desistência da penhora sem necessidade de venda judicial, o cancelamento do registo de penhora de bens imóveis por mero impulso do agente execução, sem necessidade de despacho do juiz; x) Consideramos ser necessário articular convenientemente o disposto no Código de Processo Civil e o disposto no Código de Procedimento e Processo Tributário, por forma a impedir que seja possível à Fazenda Pública, no seu próprio processo de execução fiscal, penhorar e 42 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma prosseguir com a venda de bens já penhorados à ordem de um outro processo de execução; z) Consideramos ser necessário articular convenientemente o disposto no Código de Processo Civil e o disposto no Código de Processo do Trabalho, de forma a clarificar qual a participação da nova figura do solicitador de execução nas execuções laborais. Proposta de Reforma da Acção Executiva 5. 43 Da formação, do acesso à profissão e do controlo da profissão de solicitador de execução 5.1. Deve ser avaliado o programa de formação inicial dos solicitadores de execução e deve ser desenvolvido um programa adequado de formação permanente A deficiência de formação dos solicitadores de execução é, consensualmente, apontada como uma das causas de uma tramitação ineficaz e ineficiente do processo executivo. Foram-nos referenciados vários exemplos ilustrativos dessa situação e os próprios solicitadores admitem esse défice, reclamando mais formação. O esforço de formação deve ser extensível aos funcionários a trabalhar nos escritórios dos solicitadores, que executam muitos dos procedimentos. Sugere-se que se desenvolva um plano, em colaboração com a Câmara dos Solicitadores e os organismos representativos dos demais agentes judiciais, de formação permanente ao qual todos os solicitadores de execução devem ter acesso e aberto aos demais agentes. A formação permanente deve ser obrigatória para todos os solicitadores de execução. 5.2. Alargamento da base de recrutamento Como acima já referimos, um dos problemas com que se confrontou a reforma da acção executiva, responsável em grande medida pelos bloqueios registados, resulta do número de solicitadores de execução inscritos ser muito inferior ao necessário para responder ao volume da procura. Acresce que, como acima já referimos, a instabilidade registada aquando da entrada em 44 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma vigor da reforma e as dificuldades encontradas no exercício da profissão, designadamente as decorrentes das deficiências de acesso às bases de dados, levou vários solicitadores de execução a pedirem a suspensão da inscrição. Para a eficácia de algumas das alterações propostas é fundamental abrirse a base de recrutamento para que rapidamente seja possível contar com mais agentes de execução a operar. Considera-se, por isso, que deve ser alargada a possibilidade de exercício da profissão de agente de execução a advogados. Os advogados que queiram exercer a profissão de agente de execução têm acesso directo à profissão, sem necessidade da frequência de qualquer programa de formação inicial ou estágio, mas, devem, tal como os solicitadores de execução, serem obrigados à frequência de programas de formação permanente. O exercício da profissão de agente de execução deve ser incompatível com o exercício da advocacia. Os advogados com inscrição em vigor na Ordem dos Advogados devem, assim, requerer a sua suspensão. Igual incompatibilidade e igual pedido de suspensão deve ser estendido ao exercício da profissão de solicitador de execução e da profissão de solicitador. 5.3. Do controlo e disciplina da profissão de agente de execução São vários os exemplos, referenciados ao longo do relatório, que mostram a necessidade de um mais eficaz controlo do exercício da profissão, atendendo, sobretudo, à sua natureza. O alargamento da base de recrutamento vem, também, colocar outras exigências aos actuais órgãos de gestão, disciplina e controlo. Consideramos que deve ser criada, dentro da Proposta de Reforma da Acção Executiva 45 estrutura da Câmara dos Solicitadores, um órgão com autonomia, com competência para o controlo deontológico e disciplinar da profissão de agente de execução, composta por agentes de execução (advogados e solicitadores) representantes das magistraturas, da Ordem dos Advogados, do Ministro da Justiça e da Assembleia da República. Para a execução da sua actividade esta entidade deve apoiar-se nas estruturas da Câmara dos Solicitadores. 46 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma A A CÇÃO E XECUTIVA EM A VALIAÇÃO Uma Proposta de Reforma Boaventura de Sousa Santos Director Científico Conceição Gomes (coord.) Paula Fernando Fátima de Sousa Catarina Trincão Diana Fernandes Jorge Almeida Consultor José Mouraz Lopes Juiz de Círculo Volume III Anexos OBSERVATÓRIO PERMANENTE DA JUSTIÇA PORTUGUESA CENTRO DE ESTUDOS SOCIAIS F AC U L D AD E D E E C O N O M I A UNIVERSIDADE DE COIMBRA A B R I L D E 2007 ÍNDICE DE ANEXOS Anexo A – Painel “A avaliação da reforma da acção executiva” 03 de Novembro de 2006 ________________________________________________________ 1 Anexo B – Painel “A avaliação da reforma da acção executiva” 07 de Dezembro de 2006 ______________________________________________________ 137 Anexo C – Painel “A avaliação da reforma da acção executiva” 15 de Dezembro de 2006 ______________________________________________________ 279 Anexo D – Fluxograma - Execução comum para pagamento de quantia certa com solicitador de execução ______________________________________ 405 Anexo E – Documentos ______________________________________________ 425 2 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma Anexo A Painel “A avaliação da reforma da acção executiva” 3 de Novembro de 2006 Anexo A 3 Intervenientes:1 Ana Maria Soares Canedo Cruz, António Jorge Ribeiro, Fernando Jorge Amoreira Fernandes, Gil Manuel Fernandes Diz, Herondino Rodrigues Calejo, Joaquim Lino Raposo, José Manuel Lapa, Manuel Cardoso do Nascimento, Manuel José Soares Gonçalves, Miquelina Pereira Castro Pinto, Ruben Rechau e Rui Manuel Pais Alves OPJ: Conceição Gomes, José Mouraz Lopes e Paula Fernando F-1: Bem, eu queria dizer, até porque estamos nesta fase a entrarmos ainda nas questões técnicas, processuais, que actualmente estão em vigor e que certamente os colegas que estão aqui têm muito mais conhecimento do que eu - e têm certamente propostas muito melhores do que eu, pela prática que têm todos os dias nos tribunais com os processos e, portanto, não tenho dúvida nenhuma disso – gostaria de, nesta primeira fase, dizer, de facto, relativamente à questão que a Sra. Dra. levantou das vantagens e desvantagens, dizer que não é uma reforma… do ponto de vista legislativo da reforma, do conteúdo legislativo da reforma, pareceu-nos – aliás, o sindicato disse isso sempre, desde o início, e temos documentação que comprovou isso – que defendíamos essa alteração legislativa do ponto de vista da reforma da acção executiva. Portanto, de uma forma muito simples, a tal desjudicialização 1 A identificação dos intervenientes no painel faz-se pela letra F, seguida de um número atribuído a cada um dos participantes, em função da ordem da sua primeira intervenção no painel. Esta ordem é completamente diferente da que consta da lista de intervenientes, em que os participantes foram identificados por ordem alfabética. 4 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma e a questão da simplificação dos procedimentos da acção executiva é uma grande vantagem. O ponto negativo foi tê-la tirado dos tribunais. Se quiser, eu digo de outra forma: ter introduzido uma nova personagem na acção executiva. Eu digo-o de uma forma directa, não me custa nada e faço questão mesmo que seja gravado, porque é isto que tenho dito sempre. Aliás, disse-o no congresso da justiça quatro ou cinco meses depois da reforma estar em vigor. Portanto, acho que foi negativa a introdução do novo agente de execução. Não tenho nada contra os solicitadores. Agora a verdade é que os solicitadores, na minha perspectiva, e hoje já alguns percebem isso, enganaram-se eventualmente a eles próprios. Convenceram-se que, de facto, estavam preparados e não estavam. E, como não estavam preparados, involuntariamente e ingenuamente, provavelmente, vieram introduzir um factor de bloqueio na reforma da acção executiva que, de facto, depois demorou e está a demorar muito tempo a recuperar e não faço ideia de quando é que vai recuperar. Portanto, eu, como disse, seria muito breve para deixar os meus colegas falar, mas queria dar estas duas tónicas. A primeira é que, efectivamente, a reforma em si, do ponto de vista legislativo, foi positiva, portanto, achamos que era importante relativamente ao modelo anterior, defendemo-la. A questão da introdução da figura do solicitador de execução, é preciso dizê-lo – porque para resolvermos os problemas e os bloqueios é preciso identificá-los –, achamos que foi negativa. Portanto, com a nova reforma, com a nova legislação, com o novo procedimento executivo, e com secretarias de execução e, sobretudo, com secretarias de serviço externo nos tribunais para poder dar resposta às acções executivas na sua nova tramitação, estou convencido que, neste momento, não estávamos nesta situação. Portanto, esse foi o aspecto negativo que eu gostaria de salientar. OPJ: A sua crítica fundamental foi à introdução de uma nova “personagem” e a minha pergunta vai neste sentido: mas porque não estavam preparados ou por uma questão de princípio? Ou seja, o seu grande obstáculo é por uma questão de princípio, porque achava que não se devia ter Anexo A 5 introduzido aquela nova figura, ou porque foi introduzida sem a necessária formação por parte destas pessoas? F-1: Eu responderia, se calhar, pelas duas situações. Primeiro, por uma questão de princípio… havendo uma nova reforma, acho que o sistema deveria ter testado essa nova reforma dentro do próprio sistema. Não demos possibilidade ao sistema de justiça, ao sistema judicial, de trabalhar com esta nova reforma, criando as condições, as estruturas, nomeadamente, as secretarias de execução e as secretarias de serviço externo… OPJ: Mas quando diz “com esta nova reforma”, é com a exclusão da introdução destes agentes de execução, isto é… F-1: Não, Sra. Dra., entendo que esta nova reforma – com a exclusão do agente de execução -, esta nova simplificação processual e desjudicialização do processo executivo deveria ter sido testada dentro do sistema, com os agentes do sistema, e não com o solicitador de execução. Portanto, aqui foi negativa a introdução do solicitador. Posteriormente, verificou-se que o solicitador, ainda por cima, não estava preparado para responder. Não tinha preparação técnica e, se calhar, até mesmo quantitativa para poder responder. Ao contrário do que eles sempre afirmaram, que é verdade, a Câmara dos Solicitadores… tenho recortes de jornais onde diziam, na altura, que “estamos preparados, venha a reforma, somos capazes de dar resposta” e, afinal, não é verdade. E, portanto, há aqui os dois factores. Primeiro, acho que o sistema – aliás, eu cheguei a dizer isso numa reunião do Conselho Consultivo da Justiça, lembro-me, no Centro Cultural de Belém, na altura ao senhor ministro António Costa, que, pelo menos, fizesse a experiência de um ano com esta nova reforma no sistema. Que testasse a reforma dentro do sistema. Se fizesse, como está a fazer agora com a simplificação do processo civil, em vários 6 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma tribunais, se fizesse uma experiência. Nunca se quis fazer isso e eu acho que isso foi negativo. Portanto, a introdução do agente, logo de início, pareceu-me que não era a melhor solução. Até porque eu tenho indicações, nomeadamente de Lisboa, que conheço bem… a secretaria de serviço externo em Lisboa, que tinha sido criada há pouco tempo – quando a reforma entrou, a secretaria teria dois anos ou três anos, à volta disso, e estava em dia. Estava a cumprir as diligências, nomeadamente penhoras e outras, a vinte, trinta dias, no máximo. Há números disso. Portanto, se só com a criação da secretaria de serviço externo, as penhoras, as acções executivas estavam mais ou menos a ser cumpridas dentro do prazo, bem, se ainda por cima criássemos uma secretaria exclusiva para retirar as execuções dos tribunais, depois coadjuvada pela secretaria de serviço externo, eu acho que o sistema funcionava. E era capaz de ter dado uma resposta de muito melhor qualidade e quantidade em relação àquilo que se veio a verificar. E posteriormente, como digo, a introdução do solicitador de execução, sem a preparação e sem a capacidade… OPJ: Mas, a introdução do solicitador de execução sem a preparação e sem a capacidade necessárias ou a introdução “tout court” de tal figura? F-1: Sra. Dra., contesto as duas coisas, peço desculpa. A introdução tout court, como diz, e muito bem, relativamente, na minha perspectiva e na nossa perspectiva, do sindicato, achámos sempre que não se justificava. Que ia ser negativa. Mas se, efectivamente, o solicitador de execução, o novo interveniente no processo, estivesse devidamente preparado, com escritórios apetrechados, tivesse capacidade e tivesse o conhecimento do funcionamento do que é uma acção executiva, do que é a penhora, do que são, enfim, todas essas situações, da venda, etc., de tudo aquilo que está subjacente à acção executiva, e tivesse capacidade funcional e capacidade até organizativa dos seus escritórios para dar uma resposta, bem, a situação teria sido adiada. Anexo A 7 Porque o problema está aí, é evidente. Os solicitadores estão, neste momento, cheios de execuções e não as cumprem. Não as fazem. OPJ: A essas questões concretas iremos mais tarde. Agora, gostava que rodássemos a mesa para se quiserem se pronunciarem. Esta reforma, nos seus objectivos, nos seus propósitos, nos seus princípios, é uma boa reforma, comparativamente com a anterior, nomeadamente quanto à desjudicialização e simplificação? F-2: Já agora, que venho de mais longe, posso pegar aqui nas palavras do colega e, em relação ao solicitador de execução, eu, por acaso, não tenho nada contra a criação do solicitador de execução. Até acho que foi uma figura bem criada. Talvez tenha sido é criada com alguma precipitação, como diz o colega, deviam ter tido mais formação, inclusivamente, deviam ter ido aos tribunais e ter visto quais eram as dificuldades do terreno. OPJ: Mas não contesta esta ideia… F-2: Não, não contesto… OPJ: Uma coisa é o funcionamento… F-2: Não me choca pelo seguinte: porque eu acho que nos tribunais há trabalho suficiente para saírem as execuções. Até há demais. A questão fundamental foi a de eles estarem mal preparados. E têm que estar a trabalhar 8 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma em conjunto, ou seja, tinham que se agrupar. Não é um solicitador sozinho, que tem uma empregada, que ao receber de repente, em dois, três meses, centenas de processos, que os pode concluir e de repente, vamos cair-lhes em cima, multas, etc. … por acaso, sou um pouco contra essa perspectiva, porque acho que eles não têm capacidade, nem técnica, nem logística, à sua volta e, portanto, penso que a criação aí é que foi má. Eu tenho um exemplo, em relação à criação dos solicitadores, comparando duas cidades do interior. Estive estes últimos três anos numa e fui agora há cerca de quinze dias para a outra. E o que é que verifiquei? Nós, na primeira, não tínhamos solicitador de execução. Pura e simplesmente por não haver. Há sim uma secção de serviço externo com dois funcionários, e eles é que fazem o serviço externo. Na outra, existem solicitadores de execução. Eu chego à conclusão que na primeira, que tem mais ou menos pendentes 400 a 500 execuções nos vários juízos, as coisas funcionavam bem. Em média o serviço externo tinha entre dois a três meses de atraso, alguns até são feitos de imediato, dependendo dos casos mais complicados ou não, que é mesmo assim, também os meios para realizar as penhoras não são os melhores. Na segunda têm mais cerca de cinquenta por cento de processos executivos pendentes entre 600 e 700. Porquê? Porque estão solicitadores de execução a executar o serviço, e com vários meses de atraso até anos, mas porque realmente não têm capacidade. Muitos ficaram logo atolados ao fim de três, quatro meses e não têm capacidade de resposta. OPJ: Comparando essas duas cidades, que têm mais ou menos a mesma entrada de processos, o senhor diz que a primeira tem uma maior eficiência porque não tem solicitador. Porque são os funcionários os agentes de execução, é isso? F-2: Por isso eu defendo que deve ser criada uma boa secção de serviço externo, independentemente de haver juízo de execução ou não. Parece-me Anexo A 9 que nem sequer chega a ser necessário, porque nós começamos a resolver quase todas as situações do processo, raramente o processo vai ao juiz. Na primeira cidade, pelo menos, era assim na minha secção e funcionava bem, só que é evidente que há sempre alguns casos mais complicados em que é importante o juiz interferir... OPJ: Não é assim em todos os tribunais. Porque é que o seu tribunal é diferente? F-2: Quer dizer, estudámos a lei, verificámos que… OPJ: Mas foi em colaboração com o senhor magistrado? F-2: Sim, sempre, em colaboração com o Ministério Público e com o Magistrado. OPJ: E vocês acordaram no tribunal um conjunto de actos que não precisavam de ir ao juiz, é isso? F-2: Sim, praticamente os actos eram todos realizados na secção. Só quando havia alguma dúvida é que… OPJ: Houve algum despacho de provimento do senhor juiz nesse sentido? 10 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma F-2: Não, não houve. Não, foi só informal. Aliás, parece-me que da lei resultava que nós podíamos praticamente avançar em quase todas as situações. Marcação de praças, passar os títulos, etc., por aí adiante, todas as penhoras, tirando aqueles despachos de citação, que são obrigatórios e que eram os únicos que iam realmente ao senhor magistrado. Agora, é evidente que as vantagens da reforma não foram ainda visíveis. Porquê? Queremos fazer uma comunicação, penhoramos um veículo, mandamos para a conservatória, demora a resposta três a quatro meses, e vamos insistir. Bem, parece-me que actualmente Lisboa, em dez, quinze dias, está a dar a resposta não sei se já verificaram esse prazo, mas houve um período em que era muito tempo. Passou-se a fazer essa comunicação à Conservatória, do veículo, parece-me que nem teve grande vantagem ser a penhora efectuada antes e, depois irmos à procura da imposição do selo. Isso não trouxe vantagens, só para registar a penhora em primeiro lugar, mas antes também era a apreensão, parece-me que não teve grandes vantagens, mas pronto, fica a penhora feita. Não temos acesso às bases de dados da Segurança Social… OPJ: Já lá íamos, depois, a essas questões concretas, nomeadamente as relações com as entidades. F-2: Dotar as secções de serviço externo, os tribunais de serviço externo… OPJ: Em termos gerais, o senhor dirá: esta reforma tem grandes vantagens, na sua filosofia, nos seus objectivos, nos seus princípios, relativamente à anterior. Anexo A 11 F-2: Sim, sim, deu foi mais responsabilidade aos oficiais de justiça. Essa é evidente. Muito mais, sem compensação alguma. E há certas situações que temos de avançar e temos que as estudar. Às vezes, com a ajuda do magistrado, como é evidente, mas deu-nos muito mais trabalho também. OPJ: Portanto, o que o senhor escrivão acentua nesta reforma é a desjudicialização dos actos, é isso? F-2: Sim… OPJ: Desjudicialização e simplificação dos actos, diríamos assim. F-2: Sim… nalguns casos, não está mais simplificado, porque, por exemplo, nós mandávamos uma certidão ao exequente e ele fazia o registo da penhora. Agora, isso cai-nos tudo a nós. Demora muito mais tempo a fazer as comunicações, atenção, não precisa é de andar o expediente para trás e para a frente, mas alguns actos ainda demoram mais tempo do que demoravam. Só que demoram na secção, não demoram é no cômputo geral do seu tempo. OPJ: Mas demoram na secção porquê? F-2: Porque… olhe, não se pode fazer electronicamente, registar um modelo para fazer a penhora do imóvel, isto quando somos o agente de execução… 12 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma OPJ: Já lá vamos então a essas questões concretas. Demora na secção porque leva mais tempo a fazer, não é? F-2: Exactamente, nalguns casos leva mais tempo a fazer. F-3: O que me parece, também, é que hoje os agentes de execução solicitadores vão ser aqui os bombos da festa, passe a expressão, não é… OPJ: E será que merecem? Essa é uma questão a saber? F-3: Se calhar, merecem. É verdade que, ao fim de três anos, os passos para a (…) começam a ser visíveis de algum lado. Mas eu tenho a certeza que, se isto se passasse connosco, então os avanços seriam extraordinários. Porque é verdade, como aqui foi dito, que eles chegaram impreparadíssimos aos tribunais. Impreparadíssimos. OPJ: Mas nós estamos a discutir, de facto, a filosofia da lei. F-3: Sim. O que me parece é que o espírito que esteve por detrás da legislação, que era desonerar os senhores juízes de despachos de mero expediente… aquilo que eu vejo pelo meu Tribunal, os processos quase têm de ir todos ao senhor juiz, porque eles são quase todos indevidamente tramitados. Anexo A 13 OPJ: Mas, então, é um contraste com o que se passa com o outro seu colega. F-2: Não, mas deixe-me interromper: é precisamente o que está a dizer, é visto e conclusão, visto e conclusão desses processos. OPJ: Como? F-2: Cheguei ao outro tribunal e é precisamente o contrário, é visto e conclusão… OPJ: Porque é que é assim? OPJ: Exacto, porque é que é assim num tribunal? Porque é que não é assim num tribunal e é assim noutro tribunal? F-2: Deixe-me ser realista: a culpa é do escrivão, porque não precisa de estudar as situações e tem a segurança do despacho do juiz, e aliás é o que estou agora a manter até poder mentalizar os funcionários da secção para esta nova realidade vai demorar algum tempo, vamos ver no inicio do próximo ano... OPJ: A culpa é do escrivão? 14 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma F-2: Haverá casos em que é o juiz que quer que o processo lhe seja concluso… OPJ: A culpa é do escrivão? F-3: Não, penso que não. OPJ: Então? F-3: Porque os atropelos são tantos ou, por assim dizer, são tão evidentes que, para os sanar e rectificar, acho que terá de ser o despacho do senhor juiz, na maioria dos casos. Eu posso dizer que, quando foi implementada esta acção executiva, eu comecei nas varas e a preparação ou a formação que me deram foi ler o código do princípio ao fim. OPJ: Quem lhe deu a formação? F-3: A formação foi feita pelo Centro de Formação. E aquilo que as colegas lá nos foram dizer foi ler o Código. E elas, coitadas, ou eles. Estavam tão no escuro quanto nós. Tão no escuro quanto nós. E é verdade que, nessa altura, nas varas, os senhores juízes seguiram à letra o código. O processo só ia ao juízes para penhoras de saldos bancários, penhoras de imóveis, para vendas, nem tão pouco eram conclusos, eu só lavrava uma quota, o senhor juiz dizia-me “olhe, tenho disponível o dia x”. Seguiram à letra. O que é certo é que, Anexo A 15 pelo menos, na minha opinião, nessa altura, a formação que não nos foi dada a nós muito menos a tinham então os senhores solicitadores, não é? E então também houve outro caso. Penso que os solicitadores se arvoraram um bocado em donos dos processos. E então fizeram coisas que eram mesmo aberrantes. E daí hoje nos juízos de execução de … eu dizer que quase todos os processo vão lá, porquê? Porque vêm uma série de atropelos de trás que o senhor juiz nunca se deu ao cuidado de os sanar ou, quando lá iam, ele nem os queria lá ver, porque “o processo é lá com os solicitadores e com os exequentes. Um ou outro que levantem as questões ou os executados que levantem as nulidades”. Então aí, se estes incidentes fossem levantados, sim, haveria então intervenção do juiz. Agora, talvez também por falta de tempo. Processos não faltam nos tribunais e nós também, se calhar, não temos tempo para cuidar minuciosamente, de procurar, de “catar” o processo, por assim dizer. Se hoje, que se conhece a acção executiva, nos especializarmos, o que, hoje, ao fim e ao cabo, não é assim um bicho-de-sete-cabeças como na altura quando nós todos começámos a ler os códigos. Eu confesso que, por mim, e pelos colegas, nós deitámos as mãos na cabeça porque “nós não nos vamos entender com isto”. Desde a redacção ou das contingências ou advertências que os próprios artigos continham… Nós ficámos um bocado preocupados. Pois eu reconheço que, realmente, se houver meios, como o colega diz, destas comunicações telemáticas, do registo das penhoras, dos cancelamentos das penhoras, se calhar esta desburocratização funciona. Agora, o agente de execução, daquilo que se conversa, o agente de execução é bem-vindo se for para nos tirar trabalho. E, da forma como eles têm estado, eles, na minha opinião, têm-nos dado é o dobro do trabalho. Se o processo fosse tramitado nas secções, não tenho dúvidas que nós estávamos muito mais avançados e muito longe do que nesta altura estamos com os senhores solicitadores. 16 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma OPJ: Portanto, de acordo com o senhor escrivão, o que se passa é que a tramitação está mais burocratizada. F-3: Nessa pouca capacidade de resposta do solicitador, exactamente. OPJ: E não porque o juiz, por exemplo, exige… F-3: Sra. Dra., eu acho que os senhores juízes têm mais trabalho do que se os processos fossem tramitados na secção, e aqui eu daria exemplos variadíssimos de coisas primárias: desde citações mal feitas, desde as notas de citações que nos mandam para os tribunais… desde uma série de coisas que são tão primárias mas que eles gatam aquilo tudo. Eles têm procurado, e alguns agora vão até junto das secretarias, procurar chocas… Há um atropelo da parte deles em que é insusceptível, às vezes, até, de se chegar à fase da venda, porque há uma nulidade… Há algumas nulidades que eles praticam que, se calhar, chegados à fase da venda, quando o processo vai ao juiz, eles deviam anular o processo todo. Desde as citações, por exemplo, que eles confundem as citações do 863.º com o 813.º e depois citam para dez dias a oposição à penhora e a oposição são vinte dias. OPJ: Há uma falta de formação inicial por parte dos solicitadores de execução? F-3: Exactamente. Porque o trabalho dos tribunais agora é sanar o trabalho mal feito deles. Anexo A 17 F-2: Se não se importa, eu deixei uma questão em aberto, era só para terminar. Quando falámos do escrivão, atenção, não me deixou finalizar. Eu entendo que o escrivão é culpado onde o processo vai concluso e o juiz não exige que sejam conclusos, mas não é a culpa própria ou exclusiva. Em primeiro lugar, não tem funcionários na secção preparados por falta de formação, ele não pode ver todos processos todos. Tem que fazer de juiz, naqueles casos mais complicados, não tem tempo para estudar todos os casos. A formação, mesmo ao próprio escrivão é pouca, penso que por culpa da DGAJ... OPJ: Que é que quer dizer com “tem de fazer de juiz”? F-2: Tem de fazer de juiz em muitos casos, porque há muita coisa que o juiz fazia e que passou a ser feita pelo escrivão, que tem de ser estudado com mais pormenor. Ora, isso leva muito tempo. Nas secções onde já há tanto trabalho, é difícil. Embora o escrivão possa convencionar que a secção não vá com as execuções ao juiz, tem essas dificuldades: dificuldades de formação dele próprio, dificuldades dos funcionários que tem, o excesso de trabalho e, sobretudo, por não existir uma secção de serviço externo. Portanto, torna-se culpado mas por falta de formação sua e dos funcionários e escassez de meios, não sendo assim culpado, que fique bem claro, que isso ficou um pouco vago, e se o processo vai ao Juiz e no dia seguinte está na secção não existe perda de tempo significativa, até pode haver ganhos. F-4: Bom, o ponto era vantagens e desvantagens desta reforma. A execução foi sempre um processo trabalhoso e as dificuldades são as dificuldades da rua, que é fazer a penhora. Porque a tramitação dentro do processo, a venda, as citações, etc., nunca teve grandes problemas, especialmente quando feita por carta registada. O problema punha-se quando 18 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma a citação não era feita e, portanto, tinha que ser feita na rua, portanto, por contacto directo; a penhora tinha problemas quando era uma penhora de bens móveis, que também era uma penhora com contactos directos. O tirar as execuções do tribunal, aparentemente, pareceu uma grande vantagem porque íamos tirar a parte difícil e íamos pô-la nos solicitadores de execução. Ao fim e ao cabo, era a parte que se aproveitava. Mas, ao fazer uma reforma destas, acabámos por ficar dentro dos tribunais com a tramitação toda. Porque o processo entra no tribunal, é registado no tribunal, tem que ter a sequência de todos os actos. Tem que se fazer um registo das pessoas, etc., Tem depois que se fazer um registo da penhora no sistema informático. Quer dizer, ficámos dentro dos tribunais com todos os actos, excepto os actos externos. Tudo o resto está cá. O solicitador de execução fica limitado a essa parte, que é a parte de fazer os actos externos, ou seja, as citações e as penhoras de bens móveis. Porque as penhoras de imóveis era um registo. Quem fazia o registo da penhora era o exequente; nos automóveis era a mesma coisa; nas penhoras de créditos e direitos era feito por notificação. Aqui, a única vantagem que eu vi foi retirar efectivamente o serviço externo dos tribunais. Se era para fazer uma reforma destas, tínhamos um modelo que, para mim, é exemplar, que é o modelo das Finanças. Na execução das Finanças, quem tramita, por lei, é o chefe da repartição de Finanças. Não tem lá nenhum juiz, não tem ninguém, portanto, é o chefe da repartição de Finanças que instaura a própria execução, que tramita a execução, e, quando se põem as partes declarativas, vão para o Tribunal Administrativo e Fiscal reclamações de créditos, impugnações, etc. OPJ: Parece-me que o que o senhor escrivão está a dizer é que o grande problema disto é que, nem se tirou nem se deixou ficar, nem sim, nem não… Anexo A 19 F-4: Exacto. Ficámos num sistema híbrido. Das duas, uma: ou se pega nas execuções e se dá a uma entidade, que se chame solicitador de execução ou com qualquer outro nome, uma entidade onde o cliente escolhe, com concorrência, como, por exemplo, temos nos cartórios privados hoje. Eu escolho a minha entidade de execuções na qual eu quero cobrar um crédito. Eu levo-a a essa entidade, instauro a minha execução. Essa entidade trata de toda a minha execução, sendo certo, se o executado vier opor-se à execução ou tiver algo contra a penhora, contra a forma como está a ser tramitada, faz uns embargos, uma oposição, o nome que tiverem, e vai para o tribunal. O juiz fica a funcionar como funciona o juiz dos Tribunais Administrativos e Fiscais na parte fiscal. E então retiramos isto tudo. A execução estando dentro do tribunal – eu sou inspector, portanto, tenho neste momento a meu cargo um vasto conjunto de tribunais – o que é que se verifica? Dentro do mesmo tribunal, temos um juiz que, quando é distribuído, quer praticar determinados actos do processo, outro que não quer… As interpretações começaram logo, por exemplo, nas execuções por coima – essas são do oficial de justiça – se pagavam taxa de justiça ou se não pagavam taxa de justiça. Depois, estas taxazinhas, estas coisas todas, quer dizer, este trabalho todo de taxa de justiça, de coisas supérfluas que estão dentro de um tribunal e não deviam lá estar. A minha opinião é esta: ou as execuções ficam dentro dos tribunais e somos nós a fazê-las, oficiais de justiça, ou saem e, portanto, só a parte decisiva, declarativa, do juiz fica. Não há qualquer intervenção da administração da justiça, quer dizer, não estamos a gastar em duplicado. Porque hoje estamos a gastar o dinheiro com duas coisas: fazer o registo na secretaria e depois a pagar ao solicitador. Se execução ficar nos tribunais então, contratem-se pessoas só para fazer serviço externo. OPJ: Da sua experiência, que é uma pessoa que já anda nos tribunais, há uns anos, qual é a sua sensibilidade? Os agentes judiciais, quer os senhores funcionários, quer os senhores magistrados, gostariam de ver este processo completamente fora dos tribunais? 20 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma F-4: Olhe, eu vou dizer a minha sensibilidade pessoal e depois extrapolar. Efectivamente, entrei para os tribunais com 18 anos, em 1968, já vai uns anos largos, e, a partir de dada altura, quando passei a ver saírem coisas dos tribunais, fazia-me alguma espécie. Mas, pronto, os tempos mudaram, a informática mudou e hoje não me faz. Quando vi a execução, e a estudei, e tive de estudá-la, aquilo que me fez sentir foi: nem saiu, nem ficou. Quer dizer, temos um trabalho, o grosso do trabalho, que é o registar e supervisionar. E viu-se os milhares de processos que a secretaria de execuções de Lisboa teve para registar, a bronca que aí se viu e que se acumulou. OPJ: Na vossa actividade do quotidiano, a grande maioria dos processos são execuções? As estatísticas dizem isso. Reparem, a minha pergunta não é se a maioria dos processos são processos executivos. Podiam ser processos executivos e não vos darem trabalho. A minha pergunta é se o vosso trabalho quotidiano, de facto, é maioritariamente com os processos executivos? F-4: Acaba por ser. Porque chega a execução, é registada, faz-se uma notificação ao solicitador, que recebe, ou para citação, ou para penhora, ou vai a despacho prévio – uma execução tem três formas de saída quando entra num tribunal: ou vai para despacho do juiz, ou vai para citação independentemente de despacho do juiz, ou vai para a penhora. Portanto, são as três saídas previsíveis para uma execução. Ultrapassada essa fase, o processo fica na prateleira. Mas o escrivão não vai deixar o processo ficar na prateleira a vida inteira. Quer dizer, passa-se um mês, dois, três meses, o solicitador não diz nada ao processo – o escrivão tem de controlar isso. O escrivão é fiel depositário dos seus processos, tem de os controlar. Aqui, é confrontado logo com uma situação: leva-o para o senhor juiz ou não leva o processo ao juiz. Há juízes que dizem “sim, senhor, traga cá o processo, que Anexo A 21 eu já vou aqui dizer «notifique o senhor solicitador para em dez dias vir juntar um relatório ou vir fazer isto ou vir fazer aquilo»”. OPJ: E o escrivão pode fazer isso ou está a fazer isso? F-4: O escrivão, à partida, a primeira até faz essa notificação oficiosa. F-3: Se o processo na sua tramitação fosse levado à risca pelo solicitador de execução - eu concordo aqui com o senhor inspector -, ele só iria ao senhor juiz naqueles despachos mesmo de adjudicação, quando não fosse um acto do agente de execução, ou para a venda. Ia lá uma vez ou, se calhar, não ia. Se calhar, nem para a extinção passava pela mão do senhor juiz. F-4: A própria lei diz isso e eu vou só dar aqui um exemplo de uma interpretação de um senhor juiz, com a qual até concordo, que dá um despacho em que diz assim: “em todas as execuções, a citação é feita pelo oficial de justiça, porque a regra da citação é pela via postal”. Portanto, neste tribunal, que tem dois juízos, num processa-se por uma “lei”, noutro processa-se por “outra”. O senhor deu um despacho devidamente fundamentado em que diz assim: “a citação, por via da regra, é postal”. Só vai para 239.º do C.P.C. por frustração, quando se frustrar a citação postal. E depois explica mais à frente: “e este entendimento não pode deixar de ser assim sob pena de não se poder cumprir o artigo 241.º do Código de Processo Civil”. Ou seja, o que a secretaria cumpre, quando a entrega da carta não é feita na pessoa do indivíduo. 22 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma F-2: Mas isso vai contra todos os princípios, porque na declarativa também é o solicitador que faz a citação… F-4: Na declarativa, a citação só é feita por contacto pessoal do solicitador. A regra é começar por carta. Na frustração da citação por carta é que entra a figura do solicitador, que é feita por ele a seguir, mas aí já não temos o 241.º. F-5: Mas eu tenho três juízes. Eu sou escrivã de três secções, primeira, segunda e terceira. Tenho juízes do primeiro juízo, que é uma senhora, que dá um provimento, os processos vão todos para ela. O do segundo, tem um entendimento totalmente diferente e, o do terceiro, idem, aspas, aspas. Portanto, tenho de estar atenta a três maneiras de trabalhar. Cada juiz tem a sua maneira de trabalhar Um chamou a si a execução… OPJ: Chamou a si a execução? Toda? F-5: A execução toda, rara é a excepção. Outro, já não… OPJ: Na vossa perspectiva, a lei possibilita isso ou isso tem a ver, enfim, com a necessidade que o juiz ou os juízes individualmente acharem que o processo funciona melhor de uma maneira ou de outra? F-4: O mau funcionamento que tem havido na execução obrigou que o juiz mudasse de procedimento. Anexo A 23 F-5: Para mim, é assim: eu primeiro disse-lhe que não fazia porque não era assim que estava na lei. Só cumpriria se me desse um provimento, e assim o fez. Porque entende que o solicitador não cumpria em conformidade. Eu também concordo. Também acho que há situações em que aquilo, de facto, não está em conformidade. (…) Vai tudo ao juiz. Os processos entram, vão ao juiz, o cumprimento entra, vai ao juiz… vai tudo ao juiz! Praticamente, a execução, é tramitada à moda antiga, como eu digo. OPJ: E isso reflecte-se nas pendências? F-5: Tem mais trabalho, tem mais pendências no primeiro do que em todas as outras, não há dúvida nenhuma. O primeiro juízo demora mais a cumprir. OPJ: Mas o que quer destacar, no fundo, é que, neste caso, não se cumpriu o objectivo da desjudicialização por uma prática de um juiz que activamente entende que a acção executiva não deva ser desjudicializada, não é? F-5: Pois. Mas quem sou eu, não é? OPJ: E, portanto, nos outros juízos, já não entendem assim. 24 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma F-5: Já não entendem assim. Tenho um que cumpre a lei, de facto, só vai lá um processo quando tem de ir… o outro já depende. Mas no primeiro juízo, de facto, os processos estão lá todos. OPJ: Na sua perspectiva, há algum fundamento, na sequência do que se disse já, para que o juiz assim o entenda? Há um segundo juiz que cumpre a lei, isso significa que o primeiro está a fazer uma interpretação, enfim, contra a lei? F-5: Não é bem assim. Não é bem cumprir a lei. Isso eu também compreendo aquele juiz quando ele o faz. Eu também não sou contra ele querer, às vezes, os processos com ele. Agora, o senhor juiz também entende que, se o código foi alterado, se o solicitador é que é o agente da execução, ele é que tem de… OPJ: Nesse tribunal, algum dia houve alguma reunião, por exemplo, com o próprio presidente do tribunal no sentido de harmonizar esses procedimentos? F-5: No tempo que eu lá estou, não. OPJ: Mas alguém, algum dia, colocou essa questão no tribunal? F-5: Eu já o perguntei. Simplesmente, eles entendem que cada um tem a sua maneira de pensar. Anexo A 25 F-3: No seu tribunal, o senhor juiz, faz precisamente hoje oito dias, promoveu uma reunião com a Câmara de Solicitadores e com a Ordem dos Advogados e ele quase que fez uma cronologia da tramitação da acção executiva, de forma a uniformizar procedimentos e estabelecer procedimentos. Tem uma vantagem: ele é o único. Só há uniformidade nos critérios em que ele depois exige. Já tinha existido também, aquando do anterior juiz. Também o fez, mas só com a Câmara de Solicitadores. Desta vez, o senhor juiz entendeu lançar a discussão e entendeu por bem criar critérios de uniformidade... também se ensinam os advogados, não é? F-5: Ó colega, mas também é só um, não é? F-3: Eu acho que a especialização, não só na acção executiva, como a nível de justiça, só traz vantagens. OPJ: Só uma pergunta, até para fechar este ponto muito importante. Há comportamentos, no mesmo tribunal, diferenciados dos vários juízes… F-5: No mesmo juízo, neste caso… OPJ: Essa constatação que verificou no seu tribunal é global a nível nacional? 26 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma F-4: Em todos os distritos que inspecciono. Em cada juízo, cada cabeça, sua sentença… OPJ: Mas é precisamente sobre isso que gostávamos que se pronunciassem. Por um lado, estamos a dar como bom, e parece-me que há aqui uma tendência de unanimidade, a desjudicialização para que esta reforma aponta e a informalização. Mas os senhores escrivães estão aqui a dar conta de exactamente uma prática de um processo ao contrário, não é? F-6: Eu só queria dar uma achega em relação a esta dualidade de critérios. Realmente, daquilo de que me apercebo, no meu juízo tramita-se de uma maneira, no juízo ao lado tramita-se de outra maneira, na linha do que diz ali a minha colega. Os processos, no juízo ao lado, entram, são autuados, são colocados na prateleira e, pura e simplesmente, ninguém mais mexe nos processos enquanto não entrar um requerimento do exequente ou o solicitador de execução para não o impulsionar. No meu juízo, já não é assim, mas isso porque, de acordo com um acordo que fizemos com o juiz (em conversa minha com o juiz) aguardamos três meses, fazemos uma insistência, ele acha que se deve fazer o cumprimento do 51.º, notificando o exequente para vir impulsionar o processo e, depois, então, se não impulsionar, remetemos para o 285.º (suspensão)… Esta é a tramitação que nós fazemos por acordo com o magistrado. Não houve uma reunião geral com o presidente dos juízos cíveis, no caso, e, portanto, cada juízo tramita da sua maneira. Eu também acho mal… F-5: Vai no mesmo rumo, o processo vai ao juiz quando entende que deve ir, não vai sempre, mas vai… Anexo A 27 OPJ: Estamos aqui perante situações diferentes. O testemunho que a senhora escrivã dá é de um procedimento, segundo o qual qualquer papel que entre no processo abre conclusão ao juiz. Este testemunho do senhor escrivão é diferente: o tribunal é uma espécie de fiscalizador preventivo do processo, quer saber o que se passa com o processo. F-6: Nós, nesse aspecto, não fazemos assim. A minha perspectiva é que o escrivão aí tem um papel fundamental. Acho que não é bem a culpa do escrivão, o escrivão, aí, tem que ditar as regras. Obviamente que não é qualquer requerimento que entre que vai logo ao juiz. F-7: Na minha zona, já tivemos as duas situações. Magistrados que dizem que “o processo executivo não é meu, só tenho que dar o despacho de citação naqueles casos que tenho, penhoras, venda e adjudicação, e não mexo mais, não quero saber, resolvam-se”, que é mesmo assim. Outros, por seu turno, querem todas as coisinhas lá. Ou seja, quase qualquer requerimento tem que ir ao senhor juiz, nem que seja para mero controlo, para visto, para ver que está tudo regularizado. F-2: Mas, isso são actos inúteis, a meu ver. F-7: São actos inúteis. F-8: No meu tribunal, passa-se precisamente a mesma coisa. Não a mesma coisa, porque em cada juízo, cada escrivão fala directamente com o juiz e pronto. No meu caso pessoal, o juiz, no fim do mês, quando lhe 28 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma apresento a estatística, ela não quer saber das execuções. As execuções comuns aumentam: “ah, isto não é nada comigo”. E, quer dizer, por um lado, acho muito bem, porque eu só lhe “abro conclusão” quando tem mesmo de ir concluso. O processo, depois da entrada na secretaria, vai para o solicitador de execução e pronto. O que acontece muito é que o processo fica parado muito tempo e nós temos muito serviço. Além das execuções, temos muitos processos de outras espécies e, realmente, há quase uma incapacidade de controlar todas as execuções. Mas0, como diz aqui o colega, marcamos um prazo, três meses - já não são mais os trinta dias que a lei diz para apresentar o relatório – três meses ou mesmo seis meses para o processo ficar à espera de alguma coisa, à espera de relatório. Se eles não apresentam o relatório, notificamos o mandatário nesse momento. Primeiro, notificamos mais uma vez oficiosamente, sem ir ao juiz, o solicitador de execução para apresentar o relatório. Ao fim dos dez dias, não diz nada, então vamos para o 51.º. OPJ: Mas conhece situações como naquele caso do tribunal de …, em que todo o processo vai ao juiz? F-8: Eu sei que há casos assim. No meu tribunal, não. OPJ: Mas houve alguma concertação entre os senhores juízes do seu tribunal? F-8: Não directamente, não por reunião com o juiz presidente, mas de acordo com cada secção, cada juízo, entre o senhor juiz e o escrivão e chegarem a acordo. Anexo A 29 OPJ: Portanto, houve uma espécie de acordo informal entre juízes e escrivães no seu tribunal. F-9: Já se falou aqui de colegas meus que às vezes chamam a eles a tramitação dos vários processos. Já se falou em todos os casos em que há magistrados que deixam andar o processo de execução a cuidado do escrivão. Eu já tive casos de magistrados que, mesmo para se levantar qualquer problema relativamente à competência territorial ou para se saber se o título era ou não executivo, que nem gostam que se abra conclusão com a respectiva informação. Porquê? Têm tantos processos para despachar no diaa-dia que têm mais um sempre que vão para o gabinete. Também há desses casos. F-10: Eu venho de um tribunal mas posso falar da minha experiência em dois tribunais. Antes de ser transferido estive numa comarca sobejamente conhecida pela elevada pendência, onde os juízos de competência genérica têm pendências acima dos 7500-8000 processos. Cerca de 70% destes processos eram execuções. É evidente que nesse tribunal não há condições para trabalhar muito menos para estudar e acompanhar qualquer reforma processual. É uma frustração. Estive lá cerca de dois anos, logo após a implementação da reforma da acção executiva. Não era possível dar grande atenção aos processos, porque, de facto, não havia tempo. Era preferível deixar os novos processos executivos parados. Os solicitadores eram insuficientes, 6 inscritos na altura, se não me engano, de maneira que o único acto que se praticava era a entrega dos documentos e não havia o feedback da actividade dos solicitadores, não havia nada. Neste tribunal a experiência com a nova acção executiva é um pouco melhor e queria realçar aqui a diferença. De facto, no tribunal onde estou agora foi possível verificar duas fases distintas. No início, talvez por falta de 30 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma confiança, não só da nossa parte (secretaria), como da parte do juiz, houve a necessidade de uma maior intervenção do magistrado. Acho que foi isso. Agora, decorridos estes três anos, com alguma auto-formação e provavelmente mais consciência da desjudicialização dos actos, penso eu, os processos deixaram de ir tantas vezes ao juiz, para ficarem a cargo, não só da secção, como do solicitador, que será de facto, aquilo que se pretende da reforma. Existem 6 Juízos Cíveis e são 6 maneiras diferentes de tramitar o processo executivo. Mesmo entre juízes, há aqueles que não largam mão dos autos. Não foi possível qualquer reunião entre todos para se encontrar algum consenso na prática dos actos. A dificuldade da secretaria em “escoar” os processos assenta essencialmente, além da ausência de formação prática, no facto de estes simplesmente não “andarem”. Com a implementação desta reforma-se pensava-se que os processos iriam sair dos tribunais e até eu, que também fui um dos adeptos desta reforma, assim pensava. Teoricamente, era tudo bonito e tinha algumas vantagens, mas, de facto, as vantagens começaram a desaparecer. Os processos não saíram da secretaria e acumulam-se cada vez mais na secretaria e não sabemos até quando os processos poderão estar parados, por falta de impulso processual. Poderá o escrivão ficar com o processo parado, eternamente, por falta de informação da actividade do solicitador? Há falta de informação e de comunicação entre o solicitador e a secretaria. A comunicação tripartida entre secretaria, solicitador e exequente não funciona. Acho que deveria haver aqui alguma forma de permitir à secretaria ter um ponto de controlo para melhor gerir os prazos ou então, a desjudicialização deverá ser mais ampla, com maior autonomia do solicitador para tramitar todo o processo, reservando-se a final, o controlo para a secretaria, a quem caberia proceder à liquidação final, tendo em conta todas as verbas recebidas pelo agente de execução, e à extinção do processo. Anexo A 31 OPJ: Portanto, parece-me que um dos primeiros aspectos desta reforma em que ainda não nos entendemos é esta posição dos magistrados face à nova reforma. Há aqui uma heterogeneidade de atitudes da parte dos magistrados de interpretação da lei que os leva a ter posições diferentes quanto à tramitação. Não estamos a falar, obviamente, das decisões, estamos a falar da tramitação, de saber se devem ir todos os papéis, quando devem ir, quando não. Parece-me de facto um ponto consensual aqui deste painel que urge de alguma maneira resolver. Os senhores inspectores estão também em melhores condições para nos darem… F-4: Os magistrados têm o poder de controlar o processo, aliás, a lei o diz, portanto, devem intervir assim. Eu, por mim, inspector, logo no princípio da execução, fui confrontado, por escrivães a perguntarem “senhor inspector, o meu juiz não quer lá ver os processos - os processos estão parados na prateleira – senhor inspector, o que é que eu faço?” Porque, senão, amanhã eu vou lá para fazer a inspecção, e estão lá os processos que entraram no dia 17, 18 ou 19 de 2003. Estamos em 2006 e não têm nada a ver com o processo, não tem lá nada. E o escrivão tinha lá aqueles montinhos de papéis – já não chamarei processos – na prateleira sem fazer nada. “Se eu os levo para o juiz, o juiz não os quer”. Eu arranjei uma solução simples para isso: ele mensalmente faz uma lista das execuções pendentes e dá conhecimento ao juiz. Portanto, o juiz fica em cima da secretária com a lista dos processos que entraram e que estão pendentes. Em vez de ser a mera estatística ou o mero mapa estatístico, que muitos juízes também não se interessam muito em ver. Eu, a todos os escrivães que quiseram dei formação – e até faço o acompanhamento das comarcas – dei já muita formação a solicitadores em muitas áreas. Logo no início, até porque foi nas férias judiciais de 2003 que começou a formação, eu fui assistir a algumas acções de formação e a colaborar também nalgumas delas e o problema era este: eu estava a dizer uma coisa e, de repente, chegava-me um a dizer “já saiu mais um decreto-lei, já saiu mais uma portaria”, quer dizer, eu estava a falar em coisas e as 32 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma portarias a saírem. As portarias saíram no dia 21, 22 e 23 de Setembro. O que eu estava a falar na formação eram as linhas gerais que foram mudadas, o que se pretendia, os princípios gerais, etc., e abordaram-se estas situações do que é que o juiz faria no processo, o que é que se tinha de mudar, na parte da citação, quando tem de ser citado, quando tem o despacho prévio, quando tem de ir para penhora. OPJ: Mas, de facto, há aqui esta heterogeneidade. Na vossa perspectiva, como é que isto se deve resolver? Qual é a vossa percepção? F-4: A resolução, neste momento, está difícil. Por exemplo, na comarca em que trabalho, entraram, até ao dia dois de Novembro, 896 execuções. Foram resolvidas 26 pelo solicitador e estão 870 pendentes. OPJ: Mas não é isso que estou a perguntar. Como é que, na vossa perspectiva, esta heterogeneidade de procedimentos se poderia resolver? F-8: Com acções de sensibilização, mesmo para com os solicitadores de execução. OPJ: Mas é sobretudo pela parte de juízes? F-8: De juízes, quando há aquele problema de os juízes quererem o processo, o que não acontece no meu tribunal. Anexo A 33 OPJ: Sim, mas, na vossa opinião, como é que isso se poderia resolver? F-11: Eu penso que tem de ser clarificada a desjudicialização. Essa é que tem que ser clarificada. E tem que ser clarificada por isto: quem tem que dar o impulso à acção executiva? É o exequente ou é a secretaria? É que, ali, o exequente instaura a execução, é comunicado ao solicitador e – eu vejo em 99,9% dos processos –, a partir daquele momento, o exequente dirige-se ao tribunal, e não ao solicitador. Ora, temos que ver quem é. E depois há isto: continua a ser um princípio do processo civil que o impulso pertence às partes. Mas, se passou para o solicitador, a parte tem que perguntar ao solicitador como está a acção. E depois tem que vir ao tribunal dizer “senhor juiz, o solicitador não me resolve a questão. Faz favor…” OPJ: Sobre isso: na vossa opinião, há alguma responsabilização do solicitador que não cumpre? F-5: Há muita. F-4: Tenho aí juízes que estão a dar meia UC de multa todos os dias. OPJ: E eles pagam? F-4: Pagam! 34 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma F-3: No meu tribunal, o recorde é três UCs. OPJ: A minha pergunta é até um pouco em relação ao regime antigo. No regime antigo, a sanção, entre aspas, quando o exequente não vinha fazer nada que devia fazer, o que é que acontece? Íamos ao 285.º, finalmente suspensão e depois interrupção da instância, paga as custas e acabou. E o processo demorava no tribunal o que tinha de demorar. Quando acabava por falta de impulso processual, ia para os armários. Agora, quando não há impulso por parte do solicitador de execução, o que é que se está a passar? F-11: A mesma coisa. F-1: Houve muitas situações dessas. F-11: A tramitação é a mesma, mas o que é que acontece? Acontece que o solicitador continua, esporadicamente, de seis em seis meses, de sete em sete meses, a informar ao processo que está a tentar fazer penhora. OPJ: Aí, já não há nem a suspensão do processo nem a extinção, porque ele veio praticar esse acto formal. F-11: Há uma constante interrupção. OPJ: Exactamente. Nós nunca chegamos ao fim. Anexo A 35 F-11: Nunca chegamos a lado nenhum. Ainda sobre este caso, já vi dois ou três processos em que o senhor juiz notificou o exequente, depois de várias insistências junto do solicitador, para ele vir informar como estava a execução ou a penhora. E o exequente vem dizer: “o que é que posso requerer? Se o solicitador não me resolve o problema, vou ter de nomear outro. Mas o outro também não vai resolver o problema, portanto, eu não tenho saída para o meu problema”. Não tem saída para a execução, na medida em que, com um solicitador, tem que nomear outro. Se tiver outro… F-7: E muitas vezes o que está a ser nomeado tem que ser substituído num processo ao lado. F-11: E muitas vezes só há dois! É que, muitas vezes, o mesmo exequente, em diversas execuções, tem os mesmos solicitadores. Na execução dois, seis e oito tem o A e na um, três e cinco tem o B. E ele diz “mas que posso eu fazer sobre isso?”. E essa é a grande questão. Segundo ouvi falar, parece que agora querem alterar a legislação para dar alternativas ao exequente, mas muitas vezes parece-me que a desjudicialização devia ser clarificada. Muito clarificada. F-6: Eu acho realmente que este é um dos grandes “encravanços”, passe a expressão, desta nova reforma executiva, porque o exequente, realmente, está num ciclo vicioso. O exequente nem tem possibilidade de poder impulsionar o processo. Ou, se o vem impulsionar, vem pedir diligências ou pedir ao solicitador que faça outro tipo de diligências. O solicitador está encravado de serviço por todo o lado. Muitas vezes, nem atende. Os exequentes vêm-se queixar à secretaria, obviamente. Nós pouco podemos fazer, ou nada, porque obviamente que o processo está nas mãos do agente 36 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma de execução e torna-se um ciclo vicioso. Já sem falar nas provisões que pagam, mas isso são outros assuntos… F-10: Se calhar, não há é solicitadores em número suficiente para dar cabal resposta à pendência que existe hoje. OPJ: Portanto, vê aqui um dos grandes problemas… F-6: Com certeza. A tramitação processual bloqueia, chega ali e não passa porque o exequente não consegue saber qual é o caminho. Não tem caminho. A seguir, no meu juízo e quem trabalha como no meu juízo, nós decididamente vamos notificá-lo para o 51.º. E ele não sabe o que é que há-de fazer. Se ele vem pedir a destituição do solicitador de execução… pode pedi-la, mas é só se houver dolo e se houver negligência… Ora, não há dolo, não há… o homem tem muito trabalho, o que havemos de fazer? São poucos. O que é que acontece? Mesmo que venha pedir a destituição, mesmo que seja destituído, vai ser nomeado outro que está exactamente na mesma situação. OPJ: Mas esse problema é solucionado alargando o leque de agentes que podem praticar actos no âmbito da acção executiva? F-2: É que há exequentes que estão a pedir, fazem um requerimento ao juiz para nomear um oficial de justiça, para não nomear outro solicitador. F-6: Mas isso não se resolve assim… Anexo A 37 F-2: Exacto, mas há casos em que isso acontece. OPJ: Então, vimos a necessidade de a lei clarificar os termos da desjudicialização. Começámos por dizer isso por causa da posição do juiz no processo. Mas essa necessidade também é extensível aos restantes operadores? As normas também precisam de uma clarificação no que respeita às competências e funções de cada um dos intervenientes no processo, sejam os juízes, os solicitadores de execução ou o próprio oficial de justiça? F-6: Se me permite mais uma achega, a acção executiva era muito bonita quando foi adoptada. Parece-me que a ideia era mesmo desjudicializar, não era tirar o poder ao juiz, mas, em parte, ele só assume aqui um poder de controlador … Mas não houve a coragem de tirarmos os processos executivos. OPJ: E porque não terá havido a coragem? F-6: Pois, não sei, se calhar por causa desse controlo, quiseram manter esse controlo nas mãos do juiz em várias fases do processo. OPJ: Vou fazer uma pergunta muito provocatória: e se lhes tirarmos os processos executivos todos? F-6: Não é essa a minha opinião. A minha é a mesma aqui do colega. Eu acho que o processo executivo devia ficar nos tribunais. Porque é que não se criam tribunais de execução, com equipas montadas? 38 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma F-1: Eu realmente devo dizer que esta solução, neste momento, é muito difícil… Mas eu penso que, nesta questão dos juízos, a questão da desjudicialização que o colega levantou é importante. Ela deve ser clarificada e, a partir daí, julgo que depois a solução que o colega apontou, que é o secretário. A não ser só que é o secretário que tem, de facto, a competência, atribui-se-lhes as competências para a tramitação normal do processo executivo. Apenas quando houver aqueles incidentes, então, sim, irá ao juiz. F-11: Eu não lhes chamaria ”tribunais de execução”… F-1: Porque o secretário tem uma vantagem, Sra. Dra. É que, relativamente ao secretário, pode-se impor e pode o COJ, a Direcção-Geral, o Ministério da Justiça, impor um regulamento de procedimentos uniforme. Relativamente aos juízes, mesmo o Conselho Superior de Magistratura, tenho dúvidas se pode impor aos juízes regras de procedimentos uniformes. O juiz tem a sua autonomia e independência. Portanto, mesmo que nos pareça que a lei está muito explícita e “é assim”, pode haver um juiz que diz “não é nada assim”. E é assim que desmontam as regras. É muito difícil. OPJ: Sim, mas regras processuais… a tramitação, então, nesse caso, não havia necessidade de definir regras de procedimentos processuais. Cada tribunal faria as suas próprias regras e estaríamos resolvidos. F-1: E, como vê, é isso o que acontece! Anexo A 39 F-11: Elaborámos um trabalho há seis anos, quando se começou a falar na acção executiva, em que, o grupo que foi formado defendia. Primeiro: nas acções declarativas, após o trânsito da sentença, a secção remetia uma certidão ao autor e o autor instauraria a execução onde bem entendesse. Na residência do réu, na residência dos bens, na residência do autor, onde entendesse. E haveria uma secretaria de execução, que tramitaria o processo na parte desjudicializada. E haveria então os juízos de execução para os embargos, para os incidentes, para as oposições, etc. Então, quando houvesse o apenso, iria para o juízo de execução e a secretaria continuaria a tramitar o processo até à parte final. E depois haveria um visto do juiz final, só. OPJ: Mas eu não resisto a insistir nesta pergunta. Na vossa perspectiva, porque é que é assim, o que é que está aqui como lastro desta atitude de controlo permanente do processo? F-11: Isso é fácil. O juiz entende que, se um processo, é dele, ele é que é responsável, portanto… OPJ: Mas porque é que ele se acha responsável? Porque tem receio da inspecção? Qual é a vossa percepção? F-11: Isso é o que se nota no terreno no dia-a-dia. OPJ: Mas qual é, na vossa opinião, a razão de ser disto? 40 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma F-11: Sra. Dra., se um juízo não tiver os 70 ou 80 por cento da acção executiva, terá uma pendência processual muito menor. Isso também os tribunais poderão estar muitas vezes em risco. OPJ: Como? Acha que é este volume… F-11: Porque também pesa! F-4: Mas não só, Sra. Dra. Tem juízes que tinham um procedimento, que achava eu que até era o correcto, com intervenção estritamente necessária no processo. Com o decorrer do tempo chegou-se à conclusão, através dos processos que atingiam determinada altura e tinham de ir para o juiz (ou por embargos ou por oposições ou até mesmo já com a reclamação de créditos), este tinha de anular tudo desde as citações, desde não sei quando porque estava tudo encazinado. E o que é que acontece? Então, se tem de estar agora, numa fase destas do processo, a resolver os problemas mais vale sanear o processo desde o início. OPJ: Acha que essa é a maioria das situações? Porque, se assim fosse, também por exemplo nunca haveria actos que pudessem ser da competência dos senhores escrivães, dos senhores secretários, não é? F-4: Sim, mas eu estou a dizer exemplos de um juiz que tinha uma determinada posição relativamente à execução e passou a ter outra precisamente porque há muitos erros. A Sra. Dra. não faz ideia dos erros e das Anexo A 41 asneiras que os solicitadores cometem na citação. É raro haver uma citação correcta, especialmente uma citação com hora certa, é uma coisa incrível! F-7: Não se vê uma certa. F-4: Não se vê uma certa! Portanto, é uma autêntica nulidade. Não se vê um acto de citação quase que não enferme de nulidade. F-2: Eu acho que estamos aqui à procura de bloqueios de acção executiva, será mais ou menos isso, e parece que estamos aqui… se o processo vai ao juiz, se não vai ao juiz, se nós o fazemos, se não fazemos… eu, parece-me que, no fundo, o processo, quando chegar ao fim, ter ido ao juiz ou não ter ido ao juiz não adianta muito… OPJ: Não, senhor escrivão, na medida em que isso se reflecte na sua pendência na sua tramitação. F-2: Não perde assim tanto tempo pelo facto de o processo ir ao juiz, não vejo que isso seja um bloqueio do avanço da reforma. Pontualmente, está a perder ali uns dias, mas também evita que o escrivão estude alguma situação, que o próprio juiz decida. Parece-me que não é por aí que há bloqueio, se o processo vai ao juiz ou deixa OPJ: Mas concorda que há actos inúteis. 42 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma F-2: Ah, sim! OPJ: No seu caso, isso reflecte-se quotidianamente em que volume de processos? F-3: Sra. Dra., estaríamos a falar em 20 ou 30 todos os dias. Todos os dias. Todos os dias, atenção, porque também não temos capacidade de resposta nesta altura em levar todo o expediente que há ao senhor juiz. Atenção, que isso também duplicaria ou triplicaria. Mas são actos sempre inúteis. Nós ali, se pegássemos no processo ao juntar o papel, e conhecêssemos a cronologia do processo, e ele está direitinho, é só pôr na prateleira. Portanto, tem de ir para o carrinho, tem de ir para o juiz, do juiz tem que vir para aqui, temos de pegar nele, pôr na mesa do colega, como é? Isto contabilizado é muita coisa, não é? F-2: Mas o bloqueio está na falta de formação, na falta de tempo e no excesso de processos. Essa é que é a realidade. F-11: Não. O bloqueio está na inoperância do solicitador de execução. F-2: Exactamente! Mas nós também temos que falar pelas nossas execuções, porque nós também temos execuções e sabemos que é assim… F-7: O bloqueio, quanto a mim, está na forma como foi posta a acção executiva no terreno. Porque o que está no papel, com os meios informáticos Anexo A 43 que nos são dados, se estiverem a funcionar, tudo muito bem, nem precisaríamos da figura do solicitador de execução. Com as secções do serviço externo a trabalhar, nós conseguíamos trabalhar. E o escrivão aí, como responsável pelo processo, poderia, mais facilmente ou não, levá-lo ao juiz. Agora, se vem o solicitador com um requerimento, se vem o exequente com um requerimento, o escrivão fica na obrigação quase de “tenho aqui dois e tenho que os levar ao juiz, porque o juiz também o entende assim”. Com os meios que foram dados com a reforma, com oficiais de justiça, conhecendo a forma de trabalhar, porque os senhores solicitadores não tiveram formação suficiente, a reforma estaria a funcionar. Agora, a questão é: a partir desta altura, nós vamos tirar os solicitadores de execução? Vamos andar para trás? Não podemos andar para trás por uma questão económica do próprio Estado, do legislador. Ao fim de três anos, voltar a dizer que está tudo mal? Não pode. F-1: Mas deixe-me dizer uma coisa. Eu acho que voltar para trás não era pior em termos funcionais, mas é pior do ponto de vista da expectativa que se criou aos solicitadores de execução. Só nesse aspecto. Agora, se me disserem “bem, isto é possível, até porque os solicitadores de execução também já não querem a acção executiva, querem-se ir embora”… Voltarmos para trás, vai melhorar? Eu estou convencido que sim. F-7: Muito bem, exactamente. F-1: Agora, se me dissesse “no actual contexto”… Mas é apenas do ponto de vista moral, não funcional. Do ponto de vista moral, acho que o Estado criou, de facto, aqui uma nova classe de agentes e agora não faz nenhum sentido acabar com isso, quer dizer, vamos agora acabar com os solicitadores de execução? Vamos pôr não sei quantas pessoas 44 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma no desemprego? Aqui há uma certa responsabilidade. É como acabar com os cartórios notariais privados, “bem, os cartórios privados não funcionam, vamos acabar com eles”. É um bocado complicado. F-2: Esta parte moral que o colega está a dizer é verdade, mas, está aqui a colega a dizer que alguns querem desistir, e nós conhecemos outros casos, há muitos solicitadores que querem desistir. OPJ: Mas isso já é uma questão que temos de perguntar aos solicitadores e ver isso na perspectiva deles. O que realmente aqui nós queremos conhecer é a vossa percepção sobre esta matéria, sobre a questão da desjudicialização. O actual funcionamento provoca, parece que é consensual, uma maior burocratização deste processo, um andamento aparente de processos, actos inúteis que podem passar por uma clarificação, agilização de procedimentos. F-4: Eu só queria dizer uma coisa. A reforma da acção executiva, neste momento, como está, limitou-se a criar uma secção de serviço externo composta por solicitadores. Não há reforma nenhuma. Não temos nada. A única coisa que criámos foi ter fora do tribunal uns quantos indivíduos, que neste caso se chamam solicitadores de execução, que podiam ter sido oficiais de justiça. OPJ: Já agora, deixem-me perguntar-vos: vocês acham que havia oficiais de justiça em número suficiente que permitisse levar a cabo esta ideia? Anexo A 45 F-3: Nesta altura, não. F-4: Suponhamos que, antes de ter partido para esta solução, se haviam criado secções de serviço externo com o número de solicitadores inscritos, sobravam. O número de solicitadores inscritos a somar ao número de funcionários que tínhamos claro. OPJ: Sim, mas os funcionários que existem… esqueçamos os solicitadores. F-4: Assim já não. OPJ: Uma outra questão que já aqui foi aflorada e sobre a qual, de facto, vos gostava de ouvir tem a ver com isto: a acção executiva supunha, para o seu funcionamento, a informatização do processo e dos tribunais. Desde logo, o requerimento é enviado pelo mandatário, electronicamente. Há aqui um princípio de desmaterialização. Eu gostava de vos ouvir sobre se, realmente, o que está na lei e o que era pressuposto desta reforma está a funcionar na prática e, se não está, o que é que não está, se de facto é um processo desmaterializado. F-10: Eu penso que já melhorou alguma coisa. Na entrada do requerimento inicial, na minha opinião, até se podia fazer um pouco mais. Penso que o que vou dizer não é novo. O próprio sistema informático que gera o requerimento executivo poderia validar muitos dos elementos que constam 46 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma do 810.º, nº3 e que fundamentam a recusa do requerimento pela secretaria, à semelhança do que já acontece com a validação das declarações electrónicas para o IRS. Por exemplo: a obrigatoriedade do total preenchimento do requerimento; a indicação do valor e do título executivo; indicação do tribunal competente; a nomeação do agente de execução; a nomeação de bens a penhorar; a indicação do número de identificação do pagamento da taxa de justiça inicial, o NIP. Há muitas coisas que poderão ser validadas de forma automática. Tal como está, não é possível apreciar todos os elementos que fundamentam a recusa do requerimento inicial, porque ele é distribuído sem todos esses elementos, os quais são juntos mais tarde, com a cópia em suporte de papel. Em segundo lugar será melhorar a tal comunicação tripartida de que falei há pouco. Nós, muitas vezes, pressionamos o exequente para dar impulso ao processo, o exequente dá impulso ao processo e a secretaria desconhece se o fez, quando e como. Voltamos a estar dois, três ou mais meses à espera que haja informação no processo. Provavelmente, com a obrigatoriedade destas comunicações serem electrónicas e serem visíveis na aplicação informática, mesmo sem o suporte de papel, já simplificaria em muito o controlo do processo, evitando sanções aos solicitadores e a prática por parte da secretaria de actos “inúteis” como agora acontece, com a remessa do processo à conta nos termos do art. 51.º, nº2 doCCJ. F-8: Eu iria mais longe do que o colega acabou de dizer. O requerimento executivo entra no tribunal, mas porque é que pára ali no tribunal? É só electrónico até entrar no tribunal, porque entra no tribunal, é impresso em papel e, a partir daí, já não é electrónico. Só é electrónico nas comunicações, depois, com o agente de execução. Porque não comunicações com o mandatário, com o advogado, também electrónicas? Porque não o requerimento executivo entrar no tribunal, sim senhor, com a taxa de justiça – claro que o Estado não vai Anexo A 47 prescindir da taxa de justiça e de tirar os processos dos tribunais também, como estávamos a falar há bocado e iria ter muito em conta o problema da receita dos outros cofres, não é? Mas porque não com o requerimento executivo, ao entrar no tribunal, ser automaticamente indicado ou nomeado por escala o solicitador. Entrava electronicamente, era indicado e era designado. Depois, porque não o requerimento executivo, em vez de nós o imprimirmos no tribunal, na nossa secção, porque é que não é impresso para o solicitador e fica só no solicitador de execução? Porque é que nós havemos de ter um papel com o processo e o solicitador de execução ter outro em duplicado? É precisamente a mesma coisa. F-3: Mas uma coisa também importante é os autos de penhora. Para o meu tribunal há alguns solicitadores que já o remetem telematicamente e nós já os conseguimos validar. Mas, várias vezes, eles escrevem mal, são imperceptíveis, nós temos uma dificuldade terrível em perceber bem. Terrível mesmo, quase que às vezes até impossível. Chamamo-los, “olhe, venha aqui, passe-nos isto a limpo, que nós não conseguimos”. Se calhar, isto também era um avanço, porque às vezes vêm dezenas, para não dizer, às vezes, centenas, e é um dia para o funcionário estar ali a trabalhar no registo. Já há muitos solicitadores na minha comarca que fazem a comunicação telemática. OPJ: A comunicação electrónica, digamos assim, é com o tribunal na apresentação do requerimento. Posteriormente, tem que se imprimir como se fosse um e-mail, é aberto um processo, que tem uma capinha, é na mesma autuado na secretaria e depois na secção e por aí fora, portanto, segue aquela tramitação como se fosse um processo? 48 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma F-2: Traz um NIP, que é a taxa de justiça inicial, que devia ser registada automaticamente no programa informático das custas judiciais, o que devia acontecer também em todas as espécies processuais… F-3: Alguns até têm sido motivo de recusa porque ele é imperceptível. Pois. E aí estamos nós a notificar ou a telefonar ao senhor advogado: “venha cá indicar-nos o NIP, porque não conseguimos lê-lo”. OPJ: Que aspectos da informatização ou da ausência dela acham que têm consequências no atraso da acção executiva? F-3: Nas penhoras. As penhoras telemáticas não funcionam. Porque eles não sabiam situar o registo da penhora deles. Porque eles faziam o registo na conservatória da penhora do imóvel ou do carro ou de qualquer coisa e, depois, na apresentação da conservatória vem lá o registo da data do registo, porque ele entrando hoje, independentemente de vir a ser efectuado daqui a dois meses, o que conta é a data de entrada do registo. E o solicitador só depois é que vai fazer “a posteriori” o auto de penhora. E depois, quando é que ele o faz? Quando a conservatória lhe remete a certidão de ónus e encargos e é essa disparidade de datas que às vezes tem relevância para o 851.º. Porque ele às vezes está até registado, ou quando o efeito depois já não é tão prático, porque, naquele entretanto, há outras penhoras que se fazem. Até, às vezes os exequentes podem dizer que não querem a penhora ou até desistir do registo do bem. Porque são logo à volta de cem euros cada registo e isto acaba por mudar tudo, não é? Mas, fundamentalmente, a falta de comunicação que existe da parte deles, que, quando nós somos o agente de execução, acontece precisamente a mesma coisa. Anexo A 49 F-7: No meu tribunal, cada distribuição que recebemos de 70 processos, 8, 9 são execuções por custas. E, dessas 8, 9 execuções por custas, nós temos uma dificuldade enorme, quer para saber de bens, quer para fazer a penhora, quer para o registo automóvel, quer para as conservatórias do registo predial. Porque as comunicações electrónicas não funcionam com as conservatórias. F-8: Tem que se imprimir um papel, escrever à mão e mandar para lá. F-7: A informatização é, nesse aspecto, estar disponível o requerimento que nós preenchemos, imprimimos e metemos no correio. OPJ: Não há cruzamento de dados? F-7: Não há, não funciona. O que deveria ser uma comunicação à conservatória para eles poderem fazer logo o registo, não é… temos no computador um requerimento-tipo, em que se preenche, imprime e manda para lá! OPJ: Não há nenhum tipo de cruzamento de dados informáticos entre a base de dados do tribunal e a conservatória, que é um serviço do Ministério da Justiça só para consulta, mais nada. F-7: Para consultar determinados elementos, nomeadamente se tem veículo, se não tem veículo, para poder fazer a penhora. 50 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma Nas execuções por custas, nós temos que o executado ficou a dever X de custas. A primeira questão que nós nos levantamos é: vamos mandar isto para o serviço externo, para ir bater à porta, ou vamos fazer tipo solicitador de execução, ficar sentado no meu escritório e andarmos na base de dados, procurar bens dele que não me obriguem à deslocação? Vencimento, registo automóvel… OPJ: Mas para essas buscas vocês têm acesso? F-7: Para saber se tem automóvel, tenho acesso. Para saber se tem bens imóveis, não tenho acesso. OPJ: E à Segurança Social? F-7: À Segurança Social, só temos para saber se está registado ou não. OPJ: Portanto, não há acesso às bases de dados da Segurança Social. F-7: Sra. Dra., se me permite. É que, se depois transmite essa informação, a resposta que lhe vão dar é “mas têm acesso”. O acesso existe, não é a todos os elementos. Eu, na Segurança Social, consigo saber nome, morada e data de nascimento. Anexo A 51 F-8: Nós temos, na DGV e na Segurança Social, são precisamente acessos para nós fazermos uma citação no processo declarativo, ou seja, as buscas do artigo 244.º. Agora, quando o Sr. Dr. diz que naquele impresso para registar o veículo automóvel, nós aí vamos ao site da conservatória do registo de automóveis e, está lá o impresso, imprimimos… O registo é assim. Primeiro, impresso, preencher à mão e enviar um ofício para os solicitadores. F-7: O próprio registo automóvel, nós conseguimos saber se tem veículo ou não tem. F-4: É o problema do veículo automóvel. Sei que é rico, mas não sei os encargos que ele tem. OPJ: E com os bancos? A comunicação com os bancos? F-7: É através de carta. Não há comunicação entre nós e os bancos. Até o próprio 341.º, se não me engano, já teve uma fase em que nos era permitido [dar] documentos oficiosamente e (…) outro só por despacho do juiz. Ou seja, houve receio. E essas medidas políticas têm que ser tomadas e dizer “queremos ou não queremos fazer, queremos desjudicializar ou não”… OPJ: E o sistema informático possibilita isso, o hardware que têm, o software… 52 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma F-7: Se não possibilita, facilmente se resolveria. Se já existem comunicações electrónicas entre os tribunais e as diversas entidades, foi possível fazer isso, não vejo porque não seja possível… F-4: Nos tribunais, temos três sistemas informáticos neste momento. Temos o H@bilus, que está nos tribunais, temos para as custas um programa das custas e temos um sistema feito para os Tribunais Administrativos e Fiscais. Eu conheço os três. O H@bilus é o único que funciona a 100 por cento, consegue introduzir qualquer alteração, qualquer notificação o que se faz eficaz e rapidamente, sem [custo] para o ministério. O das custas está parada, estão lá uma série de falhas, mas acho que para se fazer aquilo custa uma fortuna e, portanto, vai ficar assim. Aquele que está nos Tribunais Administrativos e Fiscais, que é o SITAF, funcionou pessimamente. Tem tido alguns melhoramentos, tem tido alguns acompanhamentos. Hoje faz também já o essencial, portanto, o SITAF faz o essencial. As diferenças que existe entre o SITAF e o H@bilus, no essencial, em termos de disponibilidade, eles são iguais; em termos de informação processual, o H@bilus está muito melhor. O H@bilus, neste momento, já comporta texto integral e, portanto, melhorar o texto integral é a solução mais simples que se poderá fazer dentro do H@bilus. E eu penso que, ou receio que, amanhã, e vai ser provavelmente mais um erro crasso que se vai fazer nos tribunais, que é retirar o H@bilus. E há-de ser retirado o H@bilus sem ter noção do tecto, noção da casa e do telhado. Foi o que aconteceu com o programa das custas. Estava um programa de custas, que funcionava impecavelmente, veio este programa começado pelo telhado e andámos pelo menos uns dez meses sem fazer contas e com a contabilidade toda encravada. E eu é que sei o que passei nesses tribunais para conseguir apanhar as pontas daquilo. E, com o H@bilus, estou à espera também de um dia para o outro, com o problema da desmaterialização do processo, pegarem num programa que é só complementar, para fazer um programa todo bonito, todo não sei quê, e que, não se aproveitando nada do que está nas bases de dados, joga-se pela porta aquilo que vai entrar pela janela. Anexo A 53 OPJ: Mas, na vossa opinião, esse problema que estávamos aqui a ver, do acesso à informação que permita, de facto, agilizar esta fase da penhora, tem a ver, sobretudo, com o receio de um acesso mais aberto, mais alargado aos senhores oficiais de justiça e também aos solicitadores a esta informação? Da vossa percepção, como é que vêem isso, esse receio? F-4: O solicitador podia tramitar o processo até no H@bilus as execuções. F-10: Eu acho que há cada vez mais razões para a utilização da informática, porque não há dúvida que as novas tecnologias terão que ser o futuro e nós temos que pensar em função delas. É evidente que ia tirar muito trabalho e ia facilitar muitas coisas, disponibilizar esse acesso com controlo, certamente. OPJ: Mas como se faria esse controlo? F-11: Com um ofício. Se eles não me querem deixar entrar, oficio. F-8: Isso é um problema político. Dar acesso a determinadas classes… F-1: Pelo menos nas conservatórias. É assim, desculpa lá: pelo menos na questão da conservatória. É que é uma questão funcional, não é uma questão de segurança ou não. Porque acesso a saber se as pessoas têm bens, nós temos. Temos acesso a saber se está lá carro e se está lá a casa. A única 54 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma coisa que não se pode é fazer a penhora. Portanto, o que está aqui em causa é uma questão funcional. F-6: Nós não podemos fazer penhora via telemática. F-1: Pois, é isso que estou a dizer. Mas isto não é uma questão política, é uma questão de segurança. F-6: Pois, também não acho que seja política. F-1: A informação já a tenho… F-11: Mas não é esse o entrave, o entrave é mesmo não se saber se há imóveis, não saber se as contas bancárias têm saldo ou não, é não saber o emprego…. F-1: Mas, pelo menos, na questão das conservatórias, pode-se já desbloquear isso. E, depois, quanto às outras, vamos ver. E saber se a pessoa tem um imóvel, tem algum problema saber se tem um imóvel? F-2: Não vejo que possa haver aqui interesse de quem manda em bloquear o acesso a essas bases. Nós sabermos se alguém tem emprego, para quem é que trabalha? Chegamos ao final do processo, vamos averiguar através da polícia, que é ainda mais chocante, ir a entidade policial a casa das Anexo A 55 pessoas a saber onde é que trabalham, quem é a entidade empregadora, do que sermos nós a fazer a pesquisa na base de dados. OPJ: Na comunicação que vocês fazem com o exterior, por exemplo, para o banco, é feita através de ofícios. Se fosse possível encontrarmos aqui uma forma de comunicação, não o acesso à conta, mas uma comunicação também telemática com o banco? F-7: Isso facilitaria, só que todos nós sabemos que o 861º, quando nós comunicávamos com o Banco de Portugal para ele saber junto dos outros bancos se tinha conta, o resultado era todos os outros bancos comunicarem ao tribunal, quando não era esse o sentido. O sentido era comunicar ao Banco de Portugal e o Banco de Portugal, numa única resposta, dizer “tem conta neste, neste e naquele”. E o que é o que o Banco de Portugal fazia? Difundia e todos os outros respondiam. F-11: Sobre este tema, não sei se tiveram conhecimento disso: há uns três, quatro anos, houve um problema agudo entre o Conselho Superior de Magistratura e o Governador do Banco de Portugal precisamente por causa deste problema. O Governador do Banco de Portugal veio dizer ao Presidente do Conselho Superior de Magistratura que o Banco de Portugal não tinha conhecimento das contas bancárias dos clientes dos outros bancos e, portanto, a única coisa que podia fazer relativamente ao 861º era, colaborando com os tribunais - porque os tribunais não tinham capacidade de perguntar a todos os bancos -, difundir o pedido dos tribunais pelos outros bancos. Ora, o que é que com isso acontece? Acontece que, ao fazer a difusão, os bancos, aos seus clientes dizem “olha, meu amigo, andam aqui à procura da sua conta. Tire o dinheiro, porque daqui a dois dias vêm pedir a penhora”. Isto são coisas diferentes, porque ao fazer a difusão, se ele dissesse “a conta é esta” e ia uma 56 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma carta registada com AR a notificar o gerente do banco para penhorar aquela conta... Ora, a partir do momento em que ele assina o AR, estava a dizer que estava a penhora feita. Portanto, se ele tirasse o dinheiro a partir daquele momento a parte podia vir levantar a questão. Ao difundir, primeiro que chegue lá a comunicação a dizer que está a penhora, quer dizer… “nós temos 50 euros”, então, esse dinheiro está penhorado. F-10: Isso significa que só bastava estar disponível a informação se tem ou não tem conta. F-4: Está aqui uma série de pessoas com experiência de serviço. Qual será a taxa de sucesso de penhoras de contas bancárias? O que tenho visto é Zero! Zero! F-2: Primeiro, vai-se pedir informação e obviamente que essa informação poderia alertar os clientes, embora o problema é que quando as pessoas são executadas já devem, em 90% dos casos, ao próprio banco. OPJ: Ora bem, de facto, a percepção que se tem é que a taxa de sucesso das penhoras bancárias, onde se queria apostar um bocado, é baixa. Mas porque será? Será que as pessoas são avisadas? Qual é a vossa percepção? F-11: Ao difundir essa informação de que querem saber o número da conta e se tem conta e se tem dinheiro, claro que o gerente diz ao cliente “olhe, tem aqui o dinheiro”. Anexo A 57 F-8: Os clientes preferenciais e tal… F-10: Aliás, os casos de sucesso são aqueles em que o exequente indica concretamente o banco e o número da conta, pois faz-se logo a penhora. OPJ: Então, como é que se pode resolver este problema? F-12: Era indicar a conta. OPJ: Mas o exequente não sabe, pode não conhecer o número da conta. F-7: O Instituto de Seguros de Portugal tem conhecimento de todas as apólices e em que companhias elas estão. E eu não acredito que o Banco de Portugal não tenha conhecimento da existência, não do número, mas da existência da conta num determinado banco. Se o Banco de Portugal, em vez de difundir a informação para perguntar se tem conta, pudesse indicar logo “existe conta, não sabemos o número, no banco X”, ao banco X, se nós enviarmos com o número de contribuinte e o nome da pessoa, eles sabem onde é que é a conta e podem fazer a penhora logo. Não há tanto sucesso nas penhoras das contas bancárias quando se faz a solicitação ao Banco de Portugal porque eles enviam aos outros bancos, avisam o cliente. Se tiverem o número de conta quando se faz a penhora, é possível ter alguma taxa de sucesso, porque vai logo ao banco. O problema está na comunicação entre o Banco de Portugal e as outras entidades bancárias, portanto, todos os outros bancos. A partir do momento em que eles fazem difusão, é fácil ao banco, em 58 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma determinados clientes, alertá-los para “olhe, levante agora e venha cá amanhã ou depois para…”. OPJ: Mas se o exequente indicar cinco ou duas ou três entidades bancárias das mais frequentes, portanto, não precisa de ir ao Banco de Portugal. F-3: Porque hoje também se paga essas informações. Eles deixaram de pedir ao Banco de Portugal porque eram todos os bancos a pedir nove euros e tal, são quase dez euros. Agora já são pagas. F-2: A questão de comunicar ao Banco de Portugal: actualmente as partes têm que indicar os bancos, e as contas, não indicando as contas, têm de indicar pelo menos os bancos. Está assim fora de questão circular pelo Banco de Portugal. Só que há juízes que acabam por deferir, quando eles pedem penhora bancária, uma vez que vai a despacho. F-6: Com a nova acção executiva, já não é pedido directamente ao Banco de Portugal. É feito directamente ao banco respectivo e à conta respectiva. Porque essa é paga, o banco tem direito a ser pago… F-7: Há determinados exequentes que vêm pedir, ao abrigo do levantamento do sigilo bancário, que se faça essa difusão ou que se faça esse pedido de informações sobre contas bancárias. E há determinados juízes que, apesar de estar vedado, acabam por ir pedir essa informação e o Banco de Portugal acaba por fazer. Anexo A 59 F-2: Mas nós aí depois temos o preparo de despesas para as partes. Quantos bancos é que íamos calcular? Duzentos? Mandávamos o preparo para despesas às partes, e pagavam? Não pagavam! F-4: Mas isso é lá com o solicitador, não é? F-2: Não, não! Estamos a falar da nossa perspectiva, nós também somos agentes de execução, e como já disse estive até Maio deste ano sem solicitador de execução e tínhamos que ser nós a fazer este trabalho, e há tribunais em que estão a ser muitas vezes substituídos os solicitadores por Oficiais de Justiça, e havendo outros solicitadores a trabalhar nem sei se será um passo correcto. OPJ: E a comunicação dentro do tribunal? Isto é: o e-mail chega à secção central, é impresso, é distribuído, é autuado, vai para as secções, se a secção quiser comunicar, por exemplo, com o Ministério Público ou com outra secção de lá, como é que se fazem estas comunicações dentro do próprio tribunal? F-9: Não existe qualquer comunicação entre as secções de processos e o próprio Ministério Público a não ser a chegada… F-4: Não existe a conclusão electrónica? Essa parte está assegurada. F-7: A conclusão electrónica não funciona. 60 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma F-9: Não está disponível electronicamente. F-7: Exactamente. Por exemplo, como eu disse ainda há pouco, e continuando aqui o que o colega estava dizer, entram oito, nove execuções por custas: essas oito, nove execuções por custas, o Ministério Público, ali de Lisboa, são as varas, são os juízos, é a pequena instância, tudo a despejar para ali, preenchem os requerimentos executivos à mão. Não há comunicação electrónica. Quer dizer que obriga a estarem as pessoas na secção que está a fazer a distribuição a introduzir todos aqueles dados. (…) OPJ: O colega está a dizer que no tribunal dele é à mão, é isso? F-7: É, em papel. OPJ: E depois isso implica que outros funcionários estejam a introduzir no computador. F-7: Para ser distribuído. Para dar entrada àqueles requerimento para depois poderem ser distribuídos. OPJ: No seu tribunal, como é? Anexo A 61 F-6: O Ministério Público preenche o formulário electronicamente. Bem, ele está ali ao lado e dá apoio, digamos, aos juízos cíveis. Mas já há possibilidade de preenchimento electrónico. OPJ: Mas não há obrigatoriedade? F-10: E já recebe, o Ministério Público já recebe os elementos necessários electronicamente … F-11: Há uma circular da Direcção-Geral da Administração da Justiça que obriga que todas as comunicações, todos os requerimentos executivos sejam feitos electronicamente. OPJ: Essa circular é da Direcção Geral da Administração da Justiça. Mas na actual lei – não na circular, na lei – o requerimento executivo por parte do Ministério Público não é obrigatório que seja entregue electronicamente? F-11: A lei diz só “requerimento executivo”. E tanto dos solicitadores de execução… não faz destrinça entre o solicitador de execução e agente de execução oficial de justiça. certidão que vai servir de título executivo a uma conta (…) 62 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma F-3: Mas a certidão que vai servir de título executivo a uma conta, a uma multa, já é enviada electronicamente para o Ministério Público. F-8: Quando no processo há custas em dívida, o processo vai electronicamente para a secretaria do Ministério Público, o Ministério Público recebe electronicamente e manda para o magistrado respectivo. O magistrado electronicamente preenche e manda depois para a secretaria. F-7: A questão que eu tenho ali é que é uma secretaria-geral de execuções em que não tem acções e vêm todas as acções das varas, dos juízos e da pequena instância. O que essa comunicação electrónica é capaz de não vir. Tendo sido criadas secretarias-gerais, deviam ser essas que estariam a funcionar da melhor forma e são as que estão a funcionar pior. OPJ: Mas porquê? F-7: Porque não há essa recepção, porque nos encheram as secções com pendências de 19 mil, com cinco funcionários a trabalhar em caves, sem janelas, com um magistrado… por exemplo, temos nove secções, temos sete magistrados actualmente, há secções a trabalhar com três magistrados de três formas diferentes. É impossível… e com três secções num outro edifício que não têm fax nem selo branco. E os processos estão encaixotados. Actualmente, as autuações estão mais ou menos em dia. Quando digo “mais ou menos” suponho que as anteriores às férias judiciais estejam autuadas. Os colegas há pouco estavam a falar em notificações do 51.º e 285.º. Eu acho isso fantástico, porque eu tenho processos de 2004 que foram autuados Anexo A 63 em Setembro de 2005, tinham conclusões para Outubro de 2005, que eu fui tirá-los agora da prateleira. Actualmente, pendentes, haverá 190 mil. Atenção, porque, actualmente, na minha secção tenho 19 mil e qualquer coisa… F-12: Quantos funcionários tem o colega? F-7: Cinco. Somos cinco na secção. F-5: E quantas secções? F-7: Uma. F-5: Tenho doze funcionários e tenho 34 mil processos. F-7: Por isso é que eu há pouco disse que a reforma é boa, foi é mal lançada, porque, em vez de fazerem uma experiência primeiro, criaram as secretarias-gerais com o peso que têm e são essas que actualmente estão a bloquear e a dar a maior péssima imagem da reforma executiva. Porque eu estive num Tribunal e, apesar de todos estes problemas da reforma que podiam ser mais facilmente tramitados corrigindo determinadas situações, não está má de todo. Não está má de todo. Porque, se nós formos às realidades de Lisboa e do Porto, e vamos lá ver como se começam a comportar outras realidades de mega-secretarias, que não funcionam. 64 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma OPJ: Só para fecharmos, eu gostava de saber se alguém quer dizer mais alguma coisa sobre isto, que veja aqui um problema e, sobretudo, isto: o tribunal, quando comunica para o exterior, quer para os advogados, quer para os solicitadores, comunica sempre por carta, esta é que é a verdade. Nós temos uma verdadeira informatização? F-11: O problema está a jusante e não a montante. O problema não está no tribunal, o problema está, quer nos exequentes, quer nos mandatários dos exequentes. Ainda hoje aparecem requerimentos elaborados com máquinas mecânicas nos tribunais. OPJ: Mas os mandatários dos exequentes têm que mandar electronicamente para o tribunal. O que estou a dizer é: o tribunal, quando comunica com o advogado ou com o solicitador, não o faz por e-mail. F-11: Porque a lei não lho permite. OPJ: É isso. A lei não lho permite? F-3: Mas, nem sempre estão operacionais. OPJ: Eu quero saber qual é o problema. Porque é que isto é assim? Anexo A 65 F-7: A lei obriga-nos a fazer a maior parte das notificações, nomeadamente aos mandatários, por carta. OPJ: Estamos a falar só da acção executiva. F-7: Sim. Quanto aos solicitadores de execução, permite-nos mandar telematicamente e também por carta. OPJ: Porque eles mandam-vos electronicamente, não é? F-7: Às vezes, mandam electronicamente, por fax e muitas vezes temos que mandar por carta porque temos que lhes mandar ou cópia do requerimento ou um duplicado de alguma coisa ou um despacho. Quanto aos senhores mandatários, eles têm a possibilidade de chegar e consultar o processo através do H@bilus e não o fazem porque preferem pegar no telefone. E também porque as conclusões e os despachos, que é isso que lhes interessa, não estão disponíveis no sistema. E, então, ligam para saber qual é o despacho. Porque eles vêem que lá está concluso, vêem a notificação que, se calhar, foi feita neste momento e, passado cinco minutos, ligam, aqueles que ligam, porque a maior parte não liga, mas acabam por ligar para saber qual é o despacho. OPJ: Pronto, então a minha pergunta concreta é: porque é que não comunicam com o solicitador electronicamente? 66 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma F-7: Comunicamos. OPJ: Comunicam sempre? Todas as pessoas que aqui estão comunicam electronicamente com o solicitador? F-2: Tenho um caso prático. Ainda há pouco tempo um exequente forneceu uma nova morada e, eu fui a uma comunicação electrónica, pus lá “informar o solicitador que o exequente através de requerimento forneceu a nova morada do executado”. Cliquei lá na comunicação electrónica… OPJ: Sim, exacto. F-2: Passado dois dias, telefonei. Coloquei dois ou três processos nessas circunstâncias de parte. E telefonei – isto quando arrancou o solicitador (em Maio deste ano), que antes não havia, liguei-lhe passados dois ou três dias e as comunicações não chegaram lá. E estava lá a dizer que era comunicação electrónica. OPJ: Mas não chegaram porquê? F-6: Por causa do servidor. OPJ: Se houvesse obrigatoriedade de comunicações electrónicas do tribunal para o exterior, seja com quem for – tribunais, advogados… Anexo A 67 F-6: Somos adeptos. F-2: Desde que o programa funcione, nós fazemo-las. OPJ: Não, mas a minha pergunta é: haveria algum problema por parte dos tribunais? Quando eu pergunto se há algum problema, é, quer do ponto de vista técnico, quer do ponto de vista da segurança jurídica para quem está no tribunal. F-2: Técnico, não, apenas casos pontuais. F-6: Eu acho que não há problema, a não ser um único – porque já hoje fazemos comunicações telemáticas com os solicitadores. Pelo menos, aqui em …, acho que toda a gente faz comunicações telemáticas. Só há um problema: se for preciso mandar cópias, não podemos mandá-las telematicamente. Imaginemos que é preciso mandar uma cópia, temos que mandar… nós fazemos, mandamos telematicamente e depois mandamos a carta. Estamos a duplicar um bocadinho, mas, para enviar, tem que ser mesmo por carta. (…) F-5: As nossas comunicações são feitas telematicamente, à excepção de quando têm de ser enviados duplicados. Aí já não pode ser. 68 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma OPJ: É também assim no seu tribunal? F-12: É na mesma. F-8: Também. F-9: Só que os senhores solicitadores de execução não se dignam deslocar ao tribunal para levantar os duplicados nem os documentos. Nós acabamos por, juntamente com a notificação telemática, enviar uma carta simples, porque eles não se dignam vir ao tribunal levantar aquilo que a lei diz. OPJ: Com o advogado é por carta, porque, segundo vocês, a lei assim os obriga a que seja por carta, é isso? Portanto, com os advogados, com os mandatários, tecnicamente é possível fazer essa comunicação com os advogados, é isso? F-2: Mas eles podem consultar tudo, através do H@bilus, ao fim e ao cabo, não seria muito difícil em vez de enviar a carta eles imprimirem a comunicação. F-8: Não está implantado, mas penso que já é possível, penso que já existe em alguns tribunais, em que já está criado. F-3: Alguns advogados, até para redução de custas, usam isso. Anexo A 69 F-6: Falou aí se não tínhamos a capacidade técnica ou não tínhamos meios técnicos para poder fazer essas comunicações. Nós já temos o cartão, já temos o chipzinho, já temos a caixinha, não temos é maneira… não temos senha digital para poder usar isso. OPJ: Na vossa perspectiva, porque é que os actos dos magistrados não estão também no H@bilus? Na vossa percepção, porque é que é assim? F-10: Desculpe lá, eu só queria chamar a atenção para uma coisa. É que estamos aqui a confundir a comunicação telemática com comunicação electrónica. São duas coisas diferentes. A comunicação telemática implica que o receptor tenha um sistema equivalente ao nosso, que permite receber e visualizar de imediato essa comunicação. A comunicação electrónica é como o correio electrónico, que nós não temos nos tribunais. Nós, infelizmente, temos um parque informático que é a miséria. Abrimos duas aplicações e logo emperra, não funciona. Já temos os cartões, já foi facultada a assinatura digital, os mandatários já podem optar pela notificação electronicamente e nós não o fazemos porque não há condições. É preciso sublinhar isso. Não só porque o parque informático é fraco como o correio electrónico não funciona. Não funciona, simplesmente. Funciona muito melhor o correio electrónico gratuito que a maioria de nós utiliza lá em casa do que aquele que está disponível no tribunal. OPJ: Mas eu volto a perguntar isto: mas, para um solicitador, a aplicação que permite fazer isso funciona. Vários: Funciona. 70 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma OPJ: Porque é que, na vossa perspectiva, os despachos, os actos dos magistrados, não estão no H@bilus? Ponto um: tecnicamente, é possível? Vários: É. OPJ: Se tecnicamente é possível, porque é que não H@bilus estão lá? F-7: Porque é que alguns senhores magistrados continuam a despachar à mão quando lá têm um computador e podiam despachar? Às vezes, com letras… é uma questão de comodidade. OPJ: Portanto, acham que é uma questão de cultura? F-8: Sim, sim. OPJ: E se os actos dos magistrados estivessem também no programa do H@bilus, isso ajudaria no funcionamento desta acção executiva? Se sim, de que forma? F-7: Ajudaria, no sentido de que, se o despacho estiver no sistema, quer o advogado, quer o solicitador podem consultá-lo. Para além disso, a nossa notificação, que hoje tem que levar a cópia do despacho, poderia ser telemática com o ficheiro anexo do despacho. Anexo A 71 OPJ: Aliás, até de alguma maneira se poderia dispensar a comunicação. F-7: Exactamente. F-3: Isso era uma economia de tempo brutal. F-4: E de dinheiro também. F-3: Então, a nível de dinheiro de registos… OPJ: Volto a perguntar: será uma grande economia de tempo? F-3: Sem dúvida porque nós, diariamente, efectuamos uma ou duas dezenas de registos. F-2: Ainda esta semana, um advogado pediu-me para lhe decifrar o conteúdo de um despacho. O despacho dizia: “declaro interrompida a instância”. Elaborou um requerimento a perguntar qual o significado do despacho. Não percebeu a letra. OPJ: É, portanto, consensual que esta é uma medida que ajudaria enormemente o funcionamento e a agilização do processo executivo. 72 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma Uma outra questão que gostaria agora que os senhores funcionários me esclarecessem é a de o exequente poder estar à espera vários meses ou mesmo um ano pelo andamento do processo. E eu pergunto: não reage? Qual é, neste momento, a posição do exequente ou dos seus mandatários – quando eu digo aqui “exequente”, obviamente inclui os mandatários. Depois, gostaria que me dissessem, também, na vossa percepção, se há reacções diferentes, isto é, todos os exequentes reagem da mesma forma? F-7: Não. OPJ: Temos aqui alguma estratificação? F-7: Não é igual para todos os exequentes, porque os escritórios de solicitadores de execução que funcionam numa regra de mercado são açambarcados pelos litigantes de massa: Vodafones, TMN’s, companhias de seguros. O pequeno litigante que não indica solicitador, porque não tem nenhum acordo com nenhum escritório de solicitadores, sujeita-se à nomeação de escala. E fica parado. Mas onde é que ele vai reclamar? Ao tribunal. E somos nós ali que temos, todos os dias, que enfrentar situações em que nos perguntem “como é que está o meu processo?”. “Está no solicitador, o solicitador vai fazer isto, vai fazer aquilo…” OPJ: Quem é que vos pergunta onde está o seu processo? São os cidadãos individualmente, o pequeno comerciante? Anexo A 73 F-7: Os senhores mandatários já chegaram à conclusão de que aquilo não funciona. E eu falo “aquilo”, Secretaria-Geral de Execuções de Lisboa. Então, em vez de estarem a receber os clientes no escritório, com esse tipo de situações, Rua Braancamp, número cinco: o Tribunal de Execuções. Vão lá pedir informações. OPJ: Mas, senhor escrivão, o cidadão comum, o pequeno comerciante, vai lá pedir essas informações? F-7: Sim. OPJ: Mas, a TMN e outras sociedades desse género não vão lá? F-7: Não, Sra. Dra. OPJ: Mas essas acções também lá estão paradas, porque não estão autuadas. F-7: Actualmente, está quase tudo autuado… OPJ: Mas, quando eles não estão autuados? Porque o senhor escrivão, também, disse que havia algumas execuções que estavam lá paradas porque, se ela não for autuada, o solicitador não pode fazer nada. Pode? 74 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma F-7: Não pode fazer nada, mas, nessa altura, sabia-se e era conhecimento geral de que as coisas não funcionavam. E quando nós sabemos – e, quanto a mim, foi uma das coisas que contribuiu para que, também da nossa parte, oficiais de justiça, as secretarias, para que tenhamos a nossa culpa –, quando nós sabemos que as coisas não funcionam mesmo, não nos preocupamos tanto. É que, quando nós sabemos que aquilo está afundado – e eu estou nos tribunais há relativamente poucos anos, há onze anos, mas sempre ouvi dizer que as secções onde se trabalhava mais eram aquelas que nem estavam afundadas nem estavam bem, era naquelas que andavam ali por assim dizer no meio-termo – porque se quer sempre manter a secção como deve ser, e “mea culpa” faço no que diz respeito aos oficiais de justiça, que também têm a sua quota-parte de culpa no estado em que a Secretaria-Geral, nomeadamente a de Lisboa, chegou…. Também passa por aí. No que diz respeito às queixas das pessoas, TMN’s, Vodafones, os litigantes de massa: já sabiam que aquilo não funcionava. Mas, muitos deles, creio eu, vieram interpor acções executivas para depois virem tirar benefícios fiscais. Aliás, eu acredito que, até ao dia 31 de Dezembro, que é o prazo de validade da Lei do Orçamento de Estado, entrem muito mais desistências. OPJ: E têm entrado muitas desistências? F-7: 95% das execuções que termino são desistências. Porque penhoras não as vejo. As únicas penhoras que vejo são penhoras de vencimentos. As de saldo de conta bancária já chegámos à conclusão que não funcionam. OPJ: Só uma questão, a que não sei se pode responder ou não: há alguma diferença de andamento, digamos assim, dos processos de execução Anexo A 75 quando estão em causa os litigantes de massa, nomeadamente a Vodafone, companhias de seguro, etc., com escritórios de solicitadores já especializados, e as execuções do cidadão António, Manuel e Maria? Há alguma diferença no andamento? Há uma execução de primeira velocidade e uma de segunda velocidade? F-7: Elas estão todas de marcha-atrás, mas há algumas que ainda conseguem muitos quilómetros mais… OPJ: Mas, essas que andam mais rápido são aquelas que têm a ver com os solicitadores de execução especializados? F-7: Dizem respeito, por exemplo, a pedidos de levantamento de sigilo bancário, de sigilo fiscal, sendo quase o primeiro acto que o solicitador pratica, em que ele não se desloca à morada das pessoas, ficando no escritório sentado em frente ao computador a tentar resolver o processo. Isto ocorre quando está em causa exequentes de massa. Porque naquelas em que os exequentes são pessoas particulares, nessas, não vejo esse tratamento. Ficam lá paradas. OPJ: Isso é genérico? Por exemplo, isso acontece em todos os vossos tribunais? F-5: Sim, mas as acções executivas têm acabado, precisamente, com as penhoras de vencimentos e com os acordos. 76 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma OPJ: Verifica-se também essa diferenciação? F-5: Também se verifica a diferença entre as execuções que são de massa e as do cidadão A e B. F-6: No meu tribunal não noto essa diferença, porque nós, também, não temos litigância de massa. F-7: A questão põe-se mais em Lisboa e no Porto. F-8: No tribunal em que trabalho isso também não se verifica. F-3: Mas, nota-se pontualmente, às vezes, que os solicitadores, até antes de os processos serem autuados, vêm pedir logo os duplicados, porque há urgência nisto e naquilo. Mas, não se pode focalizar que é neste ou naquele tribunal, porque lá não existem esses grandes grupos económicos. OPJ: E relativamente aos advogados? Isto é, o mandatário, nestes meios mais pequenos, pode fazer a diferença? Vocês notam esta diferença? No fundo, a nossa questão é se a capacidade ou a condição do exequente se reflecte no andamento da acção executiva? F-9: Nota-se mais porque, logo de início, ao ser instaurada a execução, os próprios advogados dos exequentes escolhem o solicitador que mais Anexo A 77 andamento dá aos processos. Portanto, enquanto um é nomeado cem vezes, outros dois ou três, são nomeados numa terça ou numa quarta parte desses processos. F-10: E também há, mandatários que pressionam mais o solicitador, há aqueles mandatários que pressionam constantemente o solicitador. E nós damo-nos conta disso porque recebemos este feedback e, naturalmente, esses processos andam mais. F-8: E os próprios mandatários já têm conhecimento de qual o solicitador que dá mais andamento ao processo. F-3: E nesses escritórios de sociedade maiores, nota-se perfeitamente qual é o respectivo solicitador. Há alguma selecção da parte dos senhores magistrados… OPJ: E, portanto, isso reflecte-se no andamento do processo. F-7: Eu, por exemplo, tenho uma situação inversa em termos de pressão. Conheço um advogado que tem uma quantidade de clientes mais ou menos de massa, em que, actualmente, o meu problema é arranjar um solicitador que queira trabalhar com ele. Porquê? Porque, penso que muito bem, o senhor mandatário faz a indicação dos bens que pretende que sejam penhorados. O solicitador, actualmente, independentemente da indicação, pode começar pelos que quiser. E o que é que o senhor advogado diz e muito bem. Junta requerimentos ao processo a dizer: “não, eu quero a penhora ali, vão lá bater- 78 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma lhe à porta, porque eu sei que ele lá mora e penhorem”. E o que é que acontece? O mandatário já nem indica solicitador, deixa a nomeação para o tribunal. O tribunal nomeia e o solicitador vem dizer que não aceita. Por acaso, é o mandatário de vários processos e, com aquele mandatário, os solicitadores não querem trabalhar. Porquê? Porque ele pressiona, “eu quero que faça a penhora ali, ali e ali, porque eu sei que ele tem estes bens”. Isso obriga à deslocação… Porque o problema, quanto a mim, das penhoras não andarem e, daí, nós, enquanto oficiais de justiça, virmos dizer que elas andavam melhor antes, é que nós andávamos na rua. Os senhores solicitadores não gostam de chuva nem de sol. Querem o ar condicionado do escritório. Eles não vão à rua. E os mandatários dos exequentes conhecem, porque há relações comerciais, conhecem a existência de bens na sede ou no domicílio do executado, deram determinados elementos quando fizeram o contrato, mas o solicitador só quer estar sentado na secretária. Não quer ir à rua. E este é o caso precisamente de um advogado que pressiona para que o solicitador faça determinadas diligências. OPJ: Isso é assim em Lisboa. E no resto do país? F-4: Esta reforma da acção executiva, a única coisa que fez foi transferir para os solicitadores de execução o serviço externo. OPJ: Mas, no resto do país, o solicitador continua a não querer ir à rua. Têm essa percepção? F-6: Não, não tenho essa percepção. Não digo que não haja casos isolados desse tipo. Anexo A 79 Ainda há pouco falámos na preferência de alguns solicitadores. Isso notase na minha comarca. Já há sociedades de solicitadores e exequentes que preferem, efectivamente, determinado tipo de solicitadores. Verifica-se que há mais celeridade em ir buscar os duplicados, no resto, não, no resto, a penhora, etc., vai-se fazendo, mas, em termos de dar andamento à tramitação, não vejo celeridade. Apenas se nota naquela primeira fase, que eles vão logo recolher os duplicados. Às vezes, é para receber a provisão, isto é um aparte, mas o que é certo é que, desde que a reforma entrou em vigor, desde Setembro de 2003, no meu juízo, pelo menos, só se fizeram duas ou três vendas… OPJ: Já iremos à fase da venda. Ainda sobre esta estratificação de clientes… F-4: O número de penhoras de bens móveis é diminuto. O problema dos solicitadores é não fazerem as penhoras dos bens móveis. Mesmo quando se indicam bens móveis, fogem a penhorar esses bens. OPJ: Mas será que o problema não estará no facto de eles não terem como removê-los? F-4: É o problema dos depósitos, mas nós temos em Vila Franca de Xira um depósito que está lá às moscas, não tem nada lá dentro E investiu-se no depósito de Vila Franca de Xira, foi quase inaugurado com pompa e circunstância, e que está agora às moscas. Portanto, não há penhoras de bens móveis. 80 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma OPJ: Esse depósito de Vila Franca Xira, não é utilizado porque não há penhoras? F-4: Porque não há penhoras de bens móveis. Eu, como oficial de justiça, posso ter sido um bom oficial de justiça dentro da secretaria, mas sempre fugi a fazer serviço externo, porque acho que era uma coisa para a qual não tinha jeito. E dentro de uma secção, e todos os senhores escrivães que aqui estão poderão confirmá-lo. Têm dois escrivães auxiliares dentro da vossa secretaria: um, que vai para a rua e que despacha serviço externo a correr e outro que puseram na rua, e que não faz nada. Fazer serviço externo não é para qualquer pessoa. Para serviço externo é necessário algum estômago, é preciso jogo de cintura, não ter pena nem dó porque chega ali e tem que penhorar. Chega lá e traz a televisão, traz o frigorífico e traz aquilo que for preciso. Ora, eu não conseguia fazer isso. Portanto, se a minha vida nos tribunais tivesse sido fazer esse serviço externo, eu nunca teria passado de um funcionário medíocre. F-12: Tenho uma auxiliar que está a trabalhar comigo que é uma óptima auxiliar, aliás para mim não é uma auxiliar, é uma adjunta… Portanto, eu só tenho uma que faz serviço externo, porque eu não tenho secção de serviço externo, e faz o serviço todo. Só tenho essa. E ela, mesmo, às vezes, ao Sábado de manhã, vai fazer serviço externo. Só estamos três funcionários na secção. Mesmo antes de vir trabalhar, de manhã, em vez de chegar às nove, chega às nove e meia ou dez menos tal porque vai fazer serviço externo, passa no Metro, sai naquela paragem, torna a entrar noutra e faz muitas, muitas penhoras não com remoção. Vamos muitas vezes fazer isso. Relativamente a saber quem são os exequentes que se dirigem ao meu Tribunal, os meus são pobrezinhos. Pois é o Tribunal de Trabalho, são os trabalhadores, e todos os dias, às vezes, face à pouca formação que têm, cai o Anexo A 81 Carmo e a Trindade daquilo que dizem, todos os dias estão lá, porque os solicitadores de execuções não os atendem. Têm horas de atendimento, de X a X horas, mas eles estão lá essas horas todas e atendem, por exemplo, apenas dois e demoram muito tempo e depois, já não atendem mais nenhum. Isto não é o que os solicitadores me dizem, é o que as pessoas me dizem. OPJ: Mas isso acontece-lhe com frequência? F-12: Com muita frequência. OPJ: Então e eles não falam com o seu advogado sobre isso? F-12: Vão ter com o advogado, mas, às vezes, o patrocínio é oficioso e o que eles ouvem é “não posso fazer nada”, ou “é da culpa do tribunal ou é do solicitador… têm que lá ir, têm que esperar”. É sempre, sempre a mesma resposta. Eu, no outro dia, chateei-me com um advogado, peguei no telefone e liguei-lhe. “Ó, Sr. Dr., acho que é indecente, desculpe o termo, estar-me a mandar para cá o seu cliente quando o Sr. Dr. sabe que o problema não é nosso, é a terceira vez que ele vem cá, diz que é o Sr. Dr. que o manda!”. E tenho que me chatear. Liguei mesmo! O cliente diz que é ele, ele diz que é a funcionária…. OPJ: Mas, as execuções dos trabalhadores não são “apetecíveis”? 82 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma F-12: Não. Dizem que têm muitas acções de trabalho, que têm muitos processos. Dizem-nos: “nós somos seis no Tribunal de Trabalho”, e tem outros…, tem aqui, tem acolá, tem muitos lados. Então, “é muito serviço, é muita coisa, não damos vazão, não conseguimos”. Se há um ou outro que trabalha melhor, há outros que demoram muito. Mas, custa-me tanto ver os pobres dos desgraçados a correrem para ali – porque a gente sabe, são trabalhadores, não é? Porque querem pagar a casa e porque não têm dinheiro, porque a mulher não trabalha e porque a mulher também foi despedida. Encaramos com todas aquelas situações no tribunal e não são tão poucas assim…. (…) F-1: Relativamente à questão dos solicitadores de execução e da conflitualidade de massas e dos clientes de massas, temos que arranjar aqui uma solução para a resolução das acções executivas que não passe só pelos solicitadores de execução. Porque vejamos o caso de Lisboa: eu julgo que os números são mais do que elucidativos. Tendo à volta de 200 mil processos, neste momento, os solicitadores de execução julgo que findaram até agora cerca de 20, 21, 22 mil… estão findos, não é? F-7: Os do ano de 2003, tenho alguma dificuldade porque eles estavam como “Secretaria-Geral de Execuções” e eu não conseguia tirar números. Mas, relativamente aos anos de 2004, 2005 e 2006, entraram 206 mil processos, quer execuções comuns, quer execuções por custas. De todas essas, foram findas 23.456. Este mês de Novembro, na minha secção, salvo erro, findei 135 execuções. Findei, mas, destas findas, eu fiz uma coisa que me custa, mas é a Anexo A 83 única forma de eu baixar pendência, que é a de suscitar a incompetência ao fim de um ano ou dois nos processos que lá estavam, em que havia essa incompetência para conseguir baixar. Porque eu só terminei processos por incompetência, não tive nenhuma venda, só terminei processos por incompetência que suscitei. Em termos de trabalho estatístico para o mês que vem, já suscitei, nestes últimos dias de Outubro, 200 processos por incompetência, porque eram processos da Companhia de Seguros Açoreana e, portanto, ainda com base na legislação anterior, somos incompetentes. É a única forma de eu terminar processos: é pegar naqueles que lá tenho e que sei que, à partida, somos incompetentes e ir verificá-los, aproveitando a Lei 60. Quando acabar a Lei 60, eu, se terminar 50 processos por mês, fico feliz. F-1: Mas, colega, os solicitadores de execução em Lisboa, desde que se abriu a secretaria de execuções, desde que entrou em vigor a reforma, passaram logo a receber processos, e muitos processos. Começaram com 300, 400, 2 mil, 3 mil. Portanto, aquela questão dos processos que estiveram parados por dificuldades nas autuações não afectou a pendência dos solicitadores. Eu acho que até foi benéfico para eles. Qualquer oficial de justiça num tribunal, se tiver 4 mil ou 5 mil processos e houver 20 mil para vir, até se espera que eles demorem. Quanto mais tempos demorarem aqueles, mais possibilidades temos de resolver estes. Portanto, eles sempre tiveram processos. Em Lisboa há cerca de 50 solicitadores de execução… F-7: 60. F-1: Eu já vou para os 50 só. Os tais 20, 21, 22, 23 mil processos findos por 60 solicitadores de execução dá uma média, em três anos, na casa dos 700 processos por ano. 700 processos por ano a dividir por 50 dá 14 por ano. Se um oficial de justiça só cumprisse 14 processos por ano, eu estava 84 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma demitido. Nem era processo disciplinar, ia directamente para a rua. Se você fizesse uma inspecção a um oficial de justiça numa secretaria de serviço externo… OPJ: O senhor escrivão diz que os que finda, ou é com a aplicação da Lei do Orçamento de Estado, ou, enfim, arranjando, perdoe-me o termo, este artifício, de alguma maneira. Diz que não tem vendas. F-7: Não tenho. Ou houve uma citação prévia ou o executado teve conhecimento da execução e pagou e o exequente veio desistir, ou o valor era relativamente diminuto e o exequente preferiu ir buscar os benefícios fiscais do que esperar pelo fim da execução. São as únicas formas como se acaba um processo ali. OPJ: Então, não tem uma extinção de processo por pagamento através da venda, quer dizer, que não seja por acordo? F-7: A única extinção por influência do senhor solicitador de execução é aquela em que estão a fazer descontos no vencimento. É a única forma de penhora que se pratica e que funciona. Porque eles não vão lá. OPJ: A minha colega disse que não há vendas, mas, eu pergunto, antes de haver vendas, tem que haver penhoras… F-7: As penhoras não existem … Anexo A 85 OPJ: E relativamente a esses 10% de processos executivos que são findos, há penhoras? F-7: Há algumas. OPJ: Quais? F-7: De veículos, ainda se vêem algumas. Vencimentos, um ou outro. Já vi autos de penhora de bens móveis. Agora, se eu estou a referir-me a uma realidade de 19 mil, ter visto um não significa que haja. Eu respondo: “não há penhoras de bens móveis”, mas eu já as vi. OPJ: Sr. escrivão, de 2003 até agora, no âmbito da nova reforma, quantas execuções terão entrado no seu juízo? F-7: Sem contar com o ano de 2003, porque não tenho a noção… OPJ: Sim, desde Janeiro de 2004, por exemplo. F-7: Não tenho esse dado concreto, mas no cômputo geral, pelas minhas contas, em 2004, 2005 e 2006, na Secretaria-Geral de Execuções, entraram 206 mil processos. 86 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma OPJ: 206 mil processos. Desses, em quantos terá havido penhora? Qual é o seu feeling? F-7: Cinco mil. E estou a ser muito bonzinho. Eu estou lá desde Abril. Entretanto, neste espaço de tempo, tentei obter determinados elementos para ver como é que ir-me-ia orientar no meio daquela confusão, como é que ia afastar os caixotes dos pés para poder andar e, fazendo algum trabalho de casa, olhando para os processos, falando com os meus colegas, se calhar, houve 6, 7 vendas ali naquele tribunal neste período. F-2: Só para fazer uma comparação também em relação ao número de vendas. Eu, tinha designado com o meu juiz, que às quartas-feiras fazíamos as vendas. Fazíamos as vendas às quartas-feiras. Eu saí há cerca de um mês e estava a marcar praças para o fim de Novembro. Todas as semanas, tinha duas ou três praças já marcadas. Todas as quartas-feiras até ao fim de Novembro e deve ter continuado assim. Agora, neste tribunal, tenho os julgamentos marcados até Março, e até agora ainda não vi nenhuma praça designada que tenha sido tramitada por solicitador, as que vi são de oficial de justiça. F-5: Mas em … nunca se fez nenhuma venda. F-12: Também, nunca fiz nenhuma venda. OPJ: E qual é, mais ou menos, o número de processo pendentes de 2003/2004… Anexo A 87 F-5: Pendentes, 65 mil. OPJ: E qual é o número, mais ou menos, de penhoras? F-5: Cerca de umas 5 mil. OPJ: E nenhuma venda. F-5: Nenhuma venda. OPJ: E, portanto, a extinção da instância das execuções são por causa… F-5: …da Lei 60: incompetências, pagamento voluntário, acordo, todas essas coisas. OPJ: Já agora, em … F-8: Em …, será a mesma coisa. Temos pendentes 2.300 execuções, depende do juízo, são seis, portanto, 10 mil execuções pendentes. E venda, também não fiz nenhuma, terá havido num juízo ou outro, já falei com os colegas duas ou três vezes, se houve, não foi comigo. E penhoras, talvez, duas centenas. 88 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma Mas execuções em que, depois, é feita a penhora e, entretanto, é notificado que não citaram o executado e é notificado pelo tribunal que não houve oposição, mas, depois, fica por aí. Portanto, promover a venda, que é o que tem de fazer a seguir, nada. OPJ: Mas há aqui uma coisa que me está a intrigar. É que eu estou-vos a ouvir e, a dada altura, eu penso “mas como é que os solicitadores de execução ganham a vida”? F-7: Eles têm as provisões. F-11: Já viu 200 mil execuções a dividir por 60 solicitadores? F-2: E com provisão mínimas de 150 euros. F-6: 150 euros. F-10: E mais as despesas, claro. F-11: 150 euros são para eles. F-6: E depois os descontos bancários, os vencimentos, isso cai tudo na conta deles e está tudo a render. Anexo A 89 F-7: Porque é que os senhores solicitadores começam a penhora pelos vencimentos e pelas contas bancárias? F-6: Porque é mais fácil. F-7: É mais fácil e o dinheiro começa a entrar nas contas deles. E juros disso? Quem se responsabiliza? F-6: Não, essas penhoras são mais fáceis. Não há o cumprimento do artigo 864º, não tem uma série de despesas, não acarreta despesas, não é? E não anda na rua ao sol. A nota discriminativa também é um bloqueio à acção executiva. F-5: Completamente. OPJ: Parece-me que há aqui esta ideia da facilidade da penhora dos vencimentos e, enfim, do dinheiro, por ser mais fácil. Percebe-se que é mais fácil. Todavia, se ela for mais eficaz, não tem que se andar a penhorar móveis porque, para o exequente, o que interessa é que receba. Mas, de facto, parece que há aqui uma ideia no lastro, e não sei se estou a pensar mal, que o solicitador é um profissional liberal e vai por aquilo que eventualmente lhe seja mais rentável, não é? F-2: Eu não sei se acontece isso, porque eu também opto pela mesma solução na secção. Se puder penhorar o vencimento… 90 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma OPJ: Era isso que eu ia perguntar. No vosso caso, quando têm que fazer a penhora, também a fazem começando pelos bens que vos parecem mais eficazes. E remover bens não será exactamente… F-2: Mas não quer dizer que não se penhore também os móveis. F-6: Mas aos solicitadores de execução, interessa-lhes fazer cada vez mais actos processuais, porque, por cada acto, eles recebem um valor X. Enquanto nós, quando vamos fazer as penhoras, até podíamos chegar à casa do executado e ele pedia-nos para aguardar mais uma semana, e nós até aguardamos e fazemos o auto de diligências. E o executado até pagava na semana seguinte., Resolvíamos o problema. Agora, não. O solicitador de execução vai lá, faz o auto de diligências, leva 30 euros. Cada acto que ele pratica tem uma determinada tributação: 30 euros, 20…, é tudo a somar. Portanto, interessa-lhes fazer o maior número de actos possível. F-12: Até as deslocações ao tribunal. F-6: Tudo. Deslocações, fotocópias, tudo o resto. F-2: Quem paga é o executado, uma vez que o exequente só paga a provisão. F-10: Isto se o executado pagar. Anexo A 91 OPJ: Paga se receber. F-6: Exactamente. F-2: Mas, se não receber, também só recebe a provisão, já não vai receber mais nenhum dinheiro. (…) OPJ: Eu queria voltar atrás, à questão da estratificação de exequentes. Nós vimos, sobretudo em Lisboa e no Porto, ou melhor, sobretudo em Lisboa, que, com os litigantes frequentes, pode haver uma maior agilização das execuções. Na prática, em que é que isso se concretiza? F-7: Os resultados práticos são nulos, porque elas estão todas paradas. OPJ: Então, mas há ou não há agilização? F-7: Há, no sentido em que as diligências que os senhores solicitadores fazem de pedidos de levantamento do sigilo bancário e sigilo fiscal, penhoras de contas bancárias, são mais frequentes nesses processos. Os outros estão mais parados. Só que é a tal situação em que pouco se cobra. 92 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma OPJ: Mas, pouco se cobra porquê? Isso tem uma concretização prática ou não? F-7: Em termos práticos, como estas execuções não findam a não ser pelos termos que eu disse… OPJ: Mas, aí já não findam não por causa do solicitador, mas por causa do tribunal, é isso? F-4: Falta de bens. Aqui é por falta de bens. F-7: Aqui não é por falta do tribunal, nem do solicitador. É porque as diligências que ele faz para penhorar o saldo de conta bancária não funcionam. Há uma tentativa, mas não se concretiza. OPJ: Porque as pessoas não têm dinheiro. F-7: Exactamente. OPJ: Aí não há o que penhorar, é isso? F-7: Exactamente. Anexo A 93 F-4: Mas, isso já acontecia no regime anterior. O número de execuções terminadas em que o exequente não recebe é uma percentagem muito grande. Sempre foi. Provavelmente, mais de 60% das execuções era dinheiro que não se cobrava. F-7: Só que elas terminavam mais depressa porque se ia bater à porta e as pessoas já lá não estavam ou não tinham bens. Agora, fazem-se uma quantidade de diligências anteriores que nos levam a concluir que não têm bens, mas a ida ao local para conhecer as pessoas, para saber se têm ou não têm é que só se fazem… OPJ: Há alguma conexão com o acesso às bases de dados fiscais? Porque nós, hoje, temos todos um número de contribuinte, todos nós temos uma declaração de IRS. As Finanças sabem logo quando nós não pagamos os impostos, têm um sistema relativamente bem montado. Há alguma conexão entre as bases de dados das Finanças e os tribunais, ou há uma possibilidade de, neste caso concreto, se ir fazer a penhora através do acesso à declaração de impostos das pessoas? F-4: Não. Dá é para saber se têm veículos, se têm imóveis. OPJ: E dá para ter conhecimento da declaração? F-10: Apenas a residência, mais nada. 94 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma F-4: Havia uma coisa: antes da reforma, o exequente tinha sempre que indicar bens à penhora. O que é que acontecia? Chegava à secretaria e havia o despacho a mandar fazer a penhora e o oficial de justiça tinha prazo para a fazer. Chegava das duas uma: os bens que o exequente indicava ou existiam ou não existiam. Não existindo, notificava-se o exequente. E ele então vinha dizer: “vou indicar outros” ou ficava calado. Se vinha indicar outros, voltávamos a ir à procura daqueles bens. Se ficava calado, ia à conta do [artº 51º do C.C.J], seguia, [artº 285º do C.P.C] e o processo terminava. A menos que, amanhã, o exequente voltasse a indicar bens e o processo prosseguia. Agora, no novo sistema, o exequente não é obrigado a indicar bens penhoráveis. Portanto, o solicitador de execução é que os procura. Logo aqui, há falta de impulso do exequente que poderia indicar os bens a penhorar, mas como o solicitador acaba por escolher aqueles que ele quer … Eu, como auxiliar de justiça, não podia escolher. O exequente indicava os bens, o juiz mandava penhorá-los e eu tinha que ir tentar penhorar aqueles bens. Hoje, não. Quer dizer, com esta facilidade do agente de execução escolher os bens, vem depois o exequente perguntar: “então, mas não penhorou”, “ah, ainda anda a ver dos bens”. Portanto, isto é um entrave, um travão no actual regime. F-7: Nos casos em que o exequente indica os bens, como não é vinculativo para o solicitador de execução, ele anda ali o tempo que quiser porque anda à procura de bens. E, depois, vem o senhor advogado dizer que “não, eu quero que penhore este e aquele” e os solicitadores a dizerem “não, eu não quero trabalhar com aquele advogado”. Porque eles não querem estar sujeitos a indicação por parte do exequente de quais os bens a penhorar. Se há exequentes que não os indicam, também há aqueles que os indicam. Mas como não é vinculativo para o solicitador de execução, ele faz uma quantidade de diligências desnecessárias. Anexo A 95 F-4: E veja, no anterior regime, quando existia indicação dos bens, após se notificar o exequente, ele vinha pedir que fosse lá com arrombamento se fosse necessário. E o juiz despachava: “autorizo o arrombamento”. Quer dizer, eu, como oficial de justiça, o processo não me podia parar nas mãos, a minha secção de serviço externo estava sempre pressionada, quer pelo exequente, quer pelo juiz, quer pelo escrivão, que também tinha acesso ao processo. Agora, deixou de haver esta questão. E os senhores solicitadores querem o quê? Ali, na minha zona, essencialmente, apartamentos. Aí as penhoras incidem obrigatoriamente sobre o imóvel. Essas existem, algumas baseadas na renda, mas normalmente aí há depois uns acordos com o banco e as coisas ficam por ali, eles renegoceiam, hoje com os negócios do crédito à habitação é fácil renegociar o crédito. F-2: Quando saiu a reforma da acção executiva, vendeu-se a ideia de que, além de tirar o serviço ao juiz e aos funcionários, as pessoas, passariam a ter um solicitador de execução que chegaria à casa dos executados, que procedia ao arrombamento e obrigariam a pagar. E afinal há menos pessoas no terreno a irem directamente às casas, fazer esses arrombamentos ou fazer essas penhoras nas casas, atendendo a que são solicitadores. F-11: Acho que a Lei, nesse aspecto, evoluiu. Porque, enquanto anteriormente, era preciso pedir ao juiz para dar um despacho para ser ordenada a penhora, hoje não necessita disso. Hoje, pode, quer o solicitador de execução, quer o agente de execução oficial de justiça, ir à procura e, se encontrar, penhorar logo. F-2: Isso, no papel, está. 96 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma OPJ: E será mais difícil como o senhor está a dizer? Uma vez que no regime antigo, havia, efectivamente, penhora. Agora, o processo está mais agilizado, mas não há penhora. F-11: Não há porque não andam no terreno. Se andassem no terreno, se andassem à procura como o gato anda à procura do rato, eles encontrariam! OPJ: Só para ultrapassarmos este ponto, porque há outra questão que já foi veiculada que eu gostaria de levantar a seguir. Parece-me que o maior número de pessoas com estas funções, provocando mais concorrência no mercado, pode agilizar este problema, não é? F-4: Mas já temos aqui uma concorrência, porque nos tribunais, para as do Estado, temos as execuções por coima e temos o oficial de justiça. Por exemplo, no meu Tribunal, entraram 1.154 execuções, os oficiais de justiça fizeram 446. Portanto, uma produção de 61%. Nas execuções por solicitador, entraram 1.775 e eles fizeram 427, portanto, uma produção de 24%. E é um tribunal onde o solicitador de execução funciona bem, outra comarca al lado: temos 640 execuções para o oficial de justiça, terminadas, 306, portanto, 48% de produtividade dos oficiais de justiça. Execuções por solicitador, entraram 833, findaram 157, produção de 19%. Em (…), entraram 1.209 para o oficial de justiça, que é o problema das auto-estradas e findaram 422, portanto, 35% de produtividade dos oficiais de justiça. E para o solicitador, entraram 896, terminaram 26. Produção: 3%. OPJ: Isso leva-me a uma outra questão relativamente à qual eu gostava de ouvir os senhores escrivães. De facto, parece-me que, quando nós medimos ou avaliamos a questão da eficácia da lei pelas pendências, isto é, Anexo A 97 olhamos para o elevado número de pendências e dizemos “bom, a reforma não está a funcionar, há muitos problemas”. Mas há aqui, parece-me também, um grande conjunto de processos que, pura e simplesmente, estão pendentes porque, de facto, não há o que penhorar. Isto são penhoras que não têm a ver com a tramitação, mas têm a ver com a ausência de bens. Eu gostava que me dessem a vossa percepção, porque poderíamos ver se encontraríamos aqui um mecanismo de agilização e de celeridade processual para retirar do tribunal estes processos. F-2: Mas aqui levanta-se uma questão: a consulta prévia por parte do exequente. Foi criado o registo informático das execuções que, afinal, tem pouco uso. O exequente tem que fazer uma pesquisa, tem que pedir o certificado e ver se o executado já tem muitas execuções ou não. OPJ: Esse registo informático das execuções funciona? F-2: Funciona. Claro, haverá alguns processos que não estão lá introduzidos, mas a maioria está lá. E, se pedirem esse certificado, sabem que não há nada para penhorar nesse executado, que não vale a pena estar a meter a execução. E isso não funciona. Eles não fazem isso. Aliás, o Ministério Público também o devia fazer e também não o faz. OPJ: Os mandatários não fazem, portanto… F-2: E o Ministério Público inclusivamente. 98 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma Há inserção, não há é o pedido do certificado. O exequente não pede o certificado para saber como é que está esse exequente antes de executar. E isso foi feito para esse fim e não é utilizado. F-12: Se ele fizesse isso, não havia tantas execuções. F-8: Exactamente. OPJ: Mas, estamos a levar coisas para o tribunal para que efeito? F-7: Mais uma vez, vamos à questão de o exequente indicar os bens. Porque, se o exequente diz “vá penhorar isto e aquilo” e o solicitador não vai, o exequente nunca vem desistir por insuficiência de bens. Aqueles que ele indicou, o solicitador ainda lá não foi. Se a indicação dos bens por parte do exequente fosse obrigatória e vinculativa para o solicitador, o solicitador tinha só que dirigir-se ao local. Não havendo bens, notifica, informa o exequente. Não informou – passe determinado tempo, artigos 51º, 285º. Agora, o problema é que, a partir do momento em que eu digo “vá ver daqueles bens” e fazem uma quantidade de voltas e não vão àqueles que eu indiquei, eu penso “aqueles ainda existem”. Logo, não vou desistir. Se eu disser “vão àqueles”, vêm dizer que aqueles já não existem, cai o ónus sobre mim de ir procurar outros. F-2: Mas estes processos não acabavam por falta de bens, é outra coisa. Estão é parados. Anexo A 99 F-7: Exactamente. OPJ: Quando estamos a avaliar, digamos, o funcionamento ou a eficácia da reforma pelas pendências, os processos aparecem como pendentes. Certo? Aparecem como números de pendentes. Portanto, eles estão ali parados. Mas vamos ver porque é que estão parados. F-3: Se houvesse concertação entre o agente de execução e o mandatário e a respectiva comunicação, era desnecessário andar a perder tempo com aquele processo. OPJ: Como é que se faria essa concertação? F-3: Através das comunicações telemáticas e dos relatórios que eles enviam para os tribunais. Resulta da lei que têm que dar conhecimento ao exequente. E não o fazem. Nem que fosse só para a certidão para isenções fiscais. Era um processo que deixava de existir. F-8: É o contrário. A lei notificava o exequente para ir ao tribunal, não é? F-3: Porque isso é muito perigoso, até, haver essas comunicações. F-8: Se não houver bens, se o solicitador de execução não conseguir penhorar bens, o processo fica parado, temos o processo parado na secção. O 100 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma solicitador de execução pode realmente informar o exequente e dar conhecimento ao tribunal que não há bens. E o exequente será notificado ou ficaria a aguardar depois o termo respectivo enquanto ele não viesse penhorar os bens. Em relação ao registo informático das execuções: antes de ser instaurada a execução, o advogado deveria, realmente, ver se o executado teria bens ou se teria outras execuções pendentes. OPJ: Mas ele pode ver se tem bens no registo informático? F-2: Sim, sim, se têm bens que já foram vendidos ou se já existem bens penhorados. F-8: Pode, pode pedir por requerimento ao tribunal que se faça uma consulta prévia à base de dados das execuções e, depois, o tribunal informaria “sim, tem bens, tem outros processos executivos noutros tribunais, tem isto pendente”. Ficaria já com uma ideia da situação do executado. Mas como ele não faz essa consulta prévia, introduz o processo no tribunal e o tribunal, quando notifica o solicitador de execução para fazer a penhora, quando dá os documentos para a penhora, nós enviamos também o certificado dessa consulta ao solicitador de execução. Enviamos oficiosamente. Estamos a fazer oficiosamente. F-6: Desculpem, mas enviam oficiosamente porquê? F-8: Isso resulta da prática. Anexo A 101 OPJ: Não enviam oficiosamente em todo o lado? F-3: Mas eles lá vêm, logo com o pedido do registo. F-8: Mas nós, precisamente para evitar as comunicações para cá… F-6: Para evitar essas comunicações por lei, têm que preencher um modelo, por causa da base de dados… F-8: Não, isso é para a citação prévia. O solicitador de execução, telematicamente, pede a consulta, mas nós, aliás, ele envia sempre a consulta, mas já está lá. Ele tem que a enviar porque para aceitar o processo para a provisão tem que nos dizer que aceitou a nomeação. Não é necessário ele dizer que a aceita, mas, no entanto, diz. Na prática, sempre que envio cópia do requerimento executivo, tenho, também, enviado, cópia do despacho, se houver consulta na base de dados e autorização judicial para ele requerer a consulta à base de dados. Faço isso, porque falei com a juiz e a juiz deu um despacho. Depois assina todos os despachos e eu envio, por cada processo, envio já todos os dados de que o solicitador precisa para começar a fazer a penhora. Faço tudo logo e o solicitador não vem cá…. Assim, pega-se no processo, autua-se, faz-se logo tudo e põe-se na prateleira. E fica ali a aguardar. OPJ: Mas, isso não decorre da lei. Isso é o senhor que faz por iniciativa sua? 102 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma F-8: Exactamente, são procedimentos da secção, mas alguns decorrem também da lei… F-10: Não. Agora já constam das boas práticas da acção executiva alguns procedimentos que sugerem e propõem essas indicações. F-8: O certificado que nós lhe enviámos tem essas informações se houver pendentes outras execuções doutros tribunais. Eu, no meu juízo, nunca me pediram, porque nós, ao enviarmos o certificado, sabemos que o executado tem pendentes outras execuções no país e eles não vão requerer a remessa do processo para apensação. Do meu conhecimento, nunca fazem isso. F-2: Não, mas a remessa para apensação só pode ser se existirem determinados requisitos: os do artigo 832º, n.º 4. Tem que ter aqueles requisitos, e são poucos os casos. F-8: Nunca aconteceu o solicitador de execução nos vir dizer que tem conhecimento de uma execução pendente. Nós não temos conhecimento de nada disso. F-2: Nem acontece com eles, nem acontece connosco. OPJ: Portanto, a potencialidade do registo informático das execuções não estará a funcionar como o inibidor de acções… Anexo A 103 F-3: Diria antes que não está a ser explorado. OPJ: Qual é a vossa percepção sobre a percentagem, de execuções pendentes por ausência de bens? F-11: Antes de tudo, quer o solicitador de execução, quer o agente de execução oficial de justiça têm que, no terreno, averiguar se há bens, se o executado tem contas bancárias, se tem imóveis, se tem móveis… Agora, se poderiam acabar por insuficiência de bens? É mais de metade. Desculpe, mas eu não possuo essa informação quantitativa… OPJ: Mas o que eu pretendo que os Srs., escrivães me digam é qual o vosso feeling? OPJ: Há pouco, o Sr. Escrivão tinha-nos dito que antes da nova reforma estaríamos mais ou menos à volta das 60%. Depois da reforma, a percentagem seria equivalente? F-11: Sim, não varia muito. OPJ: Seria, então, 40, 50%, ou 60%, imaginemos. Mas como nós só chegamos ao fim com 10%, onde é que estão os outros 40? F-7: São sentenças para penhora que não se fazem. 104 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma OPJ: A lei mudou, é uma verdade, mas a realidade sociológica não mudou. Assim, o que nos pretendemos é que nos dêem a percepção da vossa experiência profissional. A vossa experiência confirma que 50% das execuções de facto não vão dar em nada? F-11: Sra. Dra., essa percentagem seria quase logo à cabeça. E quando eu digo que, se houvesse comunicação entre os mandatários e os solicitadores, facilmente se chegava a essa conclusão. Mas, não vale a pena perdermos tempo com isso. OPJ: Mas que mecanismo podemos nós aqui encontrar para que, de facto, possamos “limpar” isto, porque já sabe que isto não vai dar em nada. F-11: Sra. Dra., os advogados sabem perfeitamente que, à partida, ali não vão buscar nada. A não ser a certidão para efeitos fiscais. F-8: A maioria, muitos deles. F-4: Gostaria de ver se conseguia responder à pergunta: “onde é que anda o resto daqueles 40%?”. Os outros 40% andam aqui no artigo 837º. O solicitador pode continuar a fazer diligências, porque, quantas mais diligências fizer, mais recebe. O solicitador de execução nunca vem dizer ao processo que já não há bens, porque, se viesse dizer ao processo que já não havia bens, tinha que cumprir o artigo 833º do Código de Processo Civil. Ou seja, tinha que notificar o exequente para indicar bens penhoráveis e depois tinha que citar o executado nos termos do artº 833º nº 5. Anexo A 105 OPJ: Esta opinião de que os solicitadores de execução, tendencialmente, não vêm ao processo dizer que não há bens, porque, ao dizê-lo, o exequente tem que tomar posição… F-6: Quer o colega dizer que o solicitador de execução retém o processo. OPJ: É esta a vossa percepção? F-7: Não há indicação por parte do solicitador a dizer que não há bens. F-2: Eu ainda não tenho a percepção. OPJ: Em …, também é assim? F-5: É, é assim. OPJ: Em …? F-8: É assim. F-4: Eu nunca vi nenhum processo em que o solicitador cumprisse integralmente o artº 833 quando não encontra bens. 106 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma OPJ: Para sintetizar, há aqui uma perplexidade que decorre do seguinte: o solicitador nunca vem dizer que não há bens, quando os senhores sabem, pela vossa percepção, que em pelo menos 50% dos casos não há bens. É isso? F-11: Eles não vão pagar direitos de autor, porque, só em Lisboa, nas varas, há 35 a 40 mil processos de execuções já paradas há dez anos em que o advogado também vinha dizer “Ò, senhor juiz, faça-me lá esta diligência”, “senhor juiz, faça mais esta diligência”, e o processo também nunca mais acaba. As execuções antigas também estão na mesma. Há uns milhares de execuções pendentes nos tribunais que também nunca mais acabam, porque de três em três meses há mais um requerimento: “faça mais isto, faça mais aquilo”. F-2: Isto por causa do código das custas, e agora já há acórdãos neste sentido, em que o exequente não deve pagar custas quando não há bens. E o problema é esse, depois arrastam-se sempre os processos porque eles não querem deixar o processo ir à conta. E esta questão das custas é importante porque temos que referir que o processo executivo está muito mais dispendioso com a reforma executiva e o novo CCJ.... F-4: Portanto, os solicitadores de execução têm relutância em cumprir o artigo 837º do Código de Processo Civil e não cumprem o 833º. F-7: Os solicitadores de execução não querem terminar os processos. Porque, naqueles em que, por exemplo, fazem penhoras de vencimento ou que o executado até deposita nas contas de cliente valores, eles comunicam a informação ao tribunal. Por exemplo, nos processos de 2003, o processo ia à Anexo A 107 conta com a nota discriminativa. Se estivesse tudo liquidado, deveria ser o senhor solicitador a extinguir a execução. O que acontece é que, por exemplo, em …, as execuções são extintas por notificação nossa, porque senão teríamos de ficar a aguardar ad aeternum pela extinção da execução por parte do senhor solicitador. Já optámos, num por cento, por sermos nós a notificarmos a extinção, sem despacho do juiz, sem nada. Está pago, está pago, porque é que havemos de estar aqui com o processo pendente? Notificar a extinção porque o solicitador não o faz. E porque é que não faz? É essa a pergunta que deve ser feita aos senhores solicitadores. Porque é que não cumprem com o que está estipulado na actual lei? OPJ: Uma outra questão que eu gostaria que os Srs. Escrivães me esclarecessem é a de saber, considerando que a maioria dos litigantes, nas acções executivas, são sociedades, alguns ou grande parte dos chamados litigantes de massa, como é que deixam arrastar este tipo de processo. Qual é o benefício para o solicitador, ou para o mandatário, ao deixarem arrastar essas acções? Pode existir alguma vantagem, mas estas empresas estão no mercado para terem lucro. Como é que os exequentes também “pactuam” com esta situação? F-7: Os lucros dessas empresas são muito elevados e têm já em conta um valor de risco de forma a que, mesmo se a acção estiver pendente 50 anos, acabam por receber ao fim de 50 anos alguma coisa. Já faz parte do risco do negócio. OPJ: Portanto, também é assim pela qualidade dos exequentes… 108 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma F-7: Eles sabem que, se venderem 50 milhões de seguro, cinco milhões estão perdidos, não os vão cobrar. Se as execuções andarem por lá, e eles, no final, receberem meio milhão, é meio milhão que entra. Já é por fora, porque esse risco já está calculado. Quando eles calculam as taxas de juro, já têm em conta todo este cenário económico. OPJ: E o exequente? Ele, também, não tem interesse em terminar a execução? Quer dizer, é assumir que o executado não tem bens e pronto, acabou. F-2: A qualidade do exequente tem influência, é verdade. Nós, por vezes, notificamos alguns exequentes para porem os meios à disposição. E nem todos são capazes de pôr os meios necessários e outros nem querem aparecer junto do executado. Portanto, a qualidade do exequente também é importante. OPJ: Explique melhor esta ideia, por favor. F-2: Notificamos para remover os bens. Há exequentes que põe esses meios à disposição e há outros que não querem. Evitam, porquê? Dizem que não têm, mas, por vezes, é também porque não querem enfrentar a realidade de chegar junto do executado e fazer a remoção. E, portanto, lá está em causa a qualidade do exequente. OPJ: E sabe porque isso ocorre? Anexo A 109 F-2: Porque depende também do montante da dívida, a remoção pode não justificar o dispêndio. F-4: Tenho vários processos em que foi pedido o relatório do artigo 837º e a resposta do solicitador é de que não presta qualquer informação porque mandou a tal carta a pedir a provisão ao senhor mandatário do exequente e até hoje ele ainda não a prestou. Tenho vários processos assim. Apesar de apenas representarem 1% ou nem tanto dos processos, são, contudo, bastantes processos. F-3: Se calhar, o solicitador apercebeu-se que não vai cobrar nada. F-1: E para estes litigantes de massa, o próprio advogado e os solicitadores fazem parte do próprio gabinete jurídico da firma ou têm avenças. Portanto, aquilo demorar um mês ou um ano, é-lhes indiferente. OPJ: Uma outra questão de que eu gostaria ouvir vossa opinião tem a ver com o facto de as estatísticas mostrarem que, estamos a falar de execuções com valores muito baixos. É vossa percepção que estamos a falar desta carga de trabalho, de todas estas situações, e, afinal, estamos a falar de execuções de poucas centenas de euros, de poucos milhares. É essa a vossa percepção também? F-2: Porque as que são de maior valor têm, normalmente, imóveis para penhorar, garantias bancárias… a realidade é essa. A grande maioria é de valores pequenos. 110 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma F-4: Há execuções de valor muito grande, que são as execuções hipotecárias por falta de pagamento de hipotecas de casas. OPJ: Quando há valores elevados, quando a execução tem um valor elevado, normalmente, chega ao fim? F-4: Normalmente, é por acordo. Nesses casos, ou termina por acordo ou por venda do imóvel. Mas essencialmente finda por acordo. (…) OPJ: Como é que os senhores oficiais de justiça se sentem ocupados com este tipo de processos? Como é que os senhores oficiais de justiça se sentem olhando para estes processos de cobrança de dívidas, pura e simplesmente, uma vez que é isto de que estamos a falar, na sua grande maioria com montantes de poucas centenas de euros? É evidente que estamos a falar sobretudo nos grandes números de Lisboa e do Porto, uma vez que é aí que se situam grande parte dos processos mobilizados pelas grandes empresas, que não acautelaram, de facto, os seus créditos. Como é que vocês se sentem? F-2: Quando os exequentes são firmas que vendem com facilidade a crédito, sem qualquer garantia, é, na verdade, um pouco revoltante para nós, andar a fazer penhoras para cobrar 150€ a 200€, quando eles deviam ter tido o cuidado de se precaver… Anexo A 111 OPJ: Como é que o sindicato vê esse problema? F-1: Também partilho a opinião do colega. Não vejo que tenha dignidade para o tribunal estar a exercer este tipo de funções de cobrador de dívidas das grandes empresas de massas. Devia haver aqui um tratamento diferente. Mas há, também, aqui outra questão. OPJ: Tratamento diferente como? Em função dos exequentes? F-1: Exactamente, da cobrança de massas, sobretudo dos facilitismos que são dados ao crédito, ao endividamento das pessoas. Os bancos, as seguradoras, as operadoras de telemóvel, etc., deviam ter, de facto, um tratamento diferente. Agora, preocupa-me o pequeno cidadão. Porque o que está aqui em causa, também, é a capacidade ou, diria eu, a obrigação até de os tribunais executarem aquilo que eles próprios decidem. Ou seja, se o Estado aqui não é capaz, digamos, de executar as suas próprias decisões, o cidadão cria, também, uma certa atitude de descredibilização e até, se calhar, de alguma indignação perante os tribunais. Porque quando uma pessoa vai a um tribunal e tem uma dívida, e às vezes é uma dívida importante para ele… E, portanto, quando o cidadão recorre ao tribunal, não é para ver reconhecido o seu direito – porque a maioria das pessoas, quando vai lá, sabe que tem razão. O cidadão sabe que tem razão, ele tem o seu negócio pequeno, não lhe pagam há não sei quantos meses, ele passa dificuldades, ele tem que receber aquele dinheiro. E o tribunal, a única coisa que diz, ao fim de um ano ou dois, na acção declarativa é “você tem razão, agora arranje aí alguém para lhe cobrar a dívida”. Isto, de facto, não me parece correcto, do ponto de vista do serviço público… 112 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma OPJ: Então, mas a TMN está exactamente na mesma situação. F-1: Não, mas isso é diferente. O cidadão não tem uma concessão de massa, de crédito… OPJ: Portanto, distingue entre os cidadãos e as grandes empresas? F-1: Exactamente, eu aqui acho que se deve fazer uma distinção. Não é propriamente a mesma coisa. Já vimos que todas estas grandes empresas, como se disse agora aqui, grande parte das dívidas que têm são dívidas pequeninas e que, na maioria dos casos vão a tribunal, apenas para justificação de efeitos fiscais. Não é para recuperar o dinheiro. O cidadão comum devia ter um tratamento diferente. Penso que aqui, se calhar, dever-seia deixar ficar nos tribunais as acções executivas do cidadão comum e dar condições aos tribunais para poderem, efectivamente, cumprir essas acções e ser criada uma outra estrutura qualquer, eventualmente com os solicitadores de execução, para as grandes empresas de concessão de crédito. OPJ: Estão de acordo com esta posição? F-4: Estou. F-6: Perfeitamente. Anexo A 113 F-2: Porque as grandes firmas têm interesses completamente diferentes. F-7: E as dívidas às grandes firmas não têm por base uma decisão do tribunal. É um título executivo com força executória. Não há uma decisão e não está em causa o facto de os tribunais funcionarem ou não deixarem de funcionar, porque o título executivo, ou é letra, ou é livrança, ou é o requerimento de injunção, que, de jurisdicional, pouco tem. Agora, uma sentença que é preciso executar e que não é executada, as pessoas vêm logo dizer: “então, mas o tribunal decidiu assim, tenho este papel aqui, e agora o que é que eu faço a este papel?”. OPJ: Ainda voltando àquelas inovações. Os juízos de execução são, de facto, inovações no sentido de concentrar as acções executivas e aponta-se para isso. Ao que me parece, estas inovações que os senhores referem com muitas deficiências de funcionamento, até comparativamente com as outras secretarias. Gostaria que me identificassem quais os grandes problemas dessas inovações e o que as distingue relativamente a outras secretarias. F-7: Nos tribunais onde foram criados juízos de execução pendentes dos próprios tribunais, sem esta complexidade em termos de números de processos, que são os juízos de execução de Lisboa e do Porto, esses juízos de execução foram criados havendo funcionários que foram deslocados daqueles tribunais, ou concorreram para esses lugares. Em Lisboa, foram retirados um daqui e outro dacolá… F-12: E no Porto também. 114 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma F-8: E nos outros lados, também. Foram retirados dos juízos cíveis e foram para as execuções. F-7: …foram retirados doutros juízos, mas sem completarem qualquer tipo de quadro existente para número mínimo de funcionários. Na Secretaria-Geral de Execuções, ao que eu sei, não há um quadro mínimo de funcionários. Não pode estar, por exemplo, numa vara, um escrivão, dois adjuntos ou um adjunto, pronto, cinco pessoas a trabalhar! OPJ: Portanto, o que o senhor escrivão identifica é falta de quadros, é isso? F-7: Falta de recursos humanos para, ao criar-se estruturas daquelas, não dotar logo de material humano para fazer face ao volume de trabalho existente. Porque é impossível. E depois, chega-se ao extremo de dizer “temos as autuações paradas, vamos contratar pessoas para fazer a autuação” e depois de a autuação estar mais ou menos em dia, essas pessoas vão-se embora. É o caso dos contratados que estiveram a fazer a autuação em Lisboa. Depois de essas pessoas terem conseguido pôr em dia as autuações, retirá-las e depois querer que as coisas continuem em dia, isso é impossível! Eu, numa ou duas reuniões que tive com a senhora Directora-Geral da Administração da Justiça, apresentei-lhe esta situação. Até aqui eu tinha duas pessoas a fazer a autuação. Apenas autuar e remeter para o solicitador, e fazerem algumas asneiras, porque não tinham formação, mas isso é uma outra questão. Mas, pelo menos, estavam a fazer alguma coisa. Agora, retiraram essas duas pessoas. O que é que eu faço? Junto papel ou faço a autuação? Porque alguma coisa fica parada. Se querem que eu mantenha a autuação, porque é fácil dizer e era a guerra – porque isto também é uma guerra um Anexo A 115 pouco mediática, que é vir para os jornais dizer “são X número de execuções por autuar, a reforma executiva não funciona, estão X número de execuções paradas” – então, coloca-se uma brigada, pessoas sem formação vão autuar. Está em dia a autuação, vão as pessoas embora e depois? É para manter? Para manter os níveis de autuação, outras coisas vão ficar para trás. Eu, quando cheguei em Abril à Secretaria-Geral de Execuções - não sei se os presentes conhecem aquelas caixas dos Correios –, eu tinha onze caixas com papel para juntar, desde 2003, 2004, 2005 e 2006. Com 2 mil processos para autuar. Os contratados estiveram a fazer a autuação. Consegui colocar os papéis dentro dos processos. Porque, na primeira fase, só podia fazer isso. Nem sequer os processos tinham por ordem. Hoje, felizmente, só lá está uma caixinha. Mas a autuação está a ficar para trás. Eu, das duas, uma: ou vou aos papéis, que são muitos, ou vou à autuação. Com cinco pessoas, é impossível tramitar 19 mil processos OPJ: Ao nível dos funcionários, há uma grande desproporção entre aquilo que é necessário para o trabalho que têm. F-7: É verdade porque o processado não é difícil, mas tem que ser feito. Todos os dias, tem que se juntar uma quantidade de requerimentos, porque, às vezes, os senhores solicitadores, por qualquer motivo, mandam a comunicação electrónica ou fax e o suporte em papel. Um único acto vem três vezes e em dias diferentes, o que nos obriga a andar sempre de volta do papel. OPJ: Isso parece-me absolutamente inútil. Tem que se pôr um ponto final nisso. Se todos os dias, alguém se lembrasse de mandar um requerimento para o tribunal, todos os dias tinham que andar a abrir e a juntar papel ao processo. 116 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma F-2: Em relação às execuções, funciona um bocadinho assim. F-7: Eu acabei por pedir aos colegas que estão nas outras salas para andarmos um dia inteiro a procurar o papel, de dois em dois dias, porque já sabemos que hoje vem um fax, amanhã vem o original. E, então, não vale a pena. Porque, ainda por cima, temos umas condições de trabalho óptimas! Temos os nossos processos divididos por três salas em caixotes. E, então, é um dia inteiro para tirar o papel. O tratamento do papel em si não tem nada que saber. OPJ: Mas, afinal, o que é que vocês fazem? É andar a pôr papel e tirar papel dos dossiers ou praticam actos? Porque os oficiais de justiça ficam caros para fazer isso, não é? F-7: Ficam. Mas, o tratamento que se pode dar aos processos é esse. Porque se o senhor solicitador vier com um requerimento… OPJ: Porque, afinal, o senhor escrivão quer mais pessoas para andar aí a fazer furos nos papéis? F-7: Eu não quero mais pessoas para andarem a fazer furos nos papéis. Eu quero mais pessoas para não me responsabilizarem que eu tenho onze caixas de papel para juntar. Porque, na pior das situações, não é o senhor solicitador que é responsabilizado, porque, ao contrário do que acontecia anteriormente, quando um oficial de justiça tinha uma penhora atrasada, era requerimento ao processo para pedir ao juiz para comunicar ao COJ para Anexo A 117 instaurar um procedimento disciplinar, e agora não vejo uma única queixa, ou são raras naquele universo, as queixas contra aos senhores solicitadores. (…) OPJ: Mas esta questão é muito importante. Eu quero saber o que é que os oficiais de justiça fazem. F-7: O tratamento dos processos… Se a acção executiva for bem tramitada pelos senhores solicitadores, o papel, o nosso papel ali não é muito relevante, a não ser à entrada do processo, com a questão de saber se vai para citação ou se vai para penhora, nalguns processos. Por isso é que eu digo que o nosso papel de cobradores de dívidas é um papel ingrato. E, nesta reforma, se os senhores solicitadores de execução trabalhassem correctamente, o nosso papel era diminuto. OPJ: Mas, senhor escrivão, com esse panorama, na verdade, os senhores têm mais alguma possibilidade que não seja a de juntar papéis? F-7: Se eu verifico que o papel que vou juntar é uma citação de um executado mal feita, é claro que me dá trabalho. Por isso é que eu digo que se fosse tramitada como deve ser, eu não tinha esse problema. O nosso papel ali seria diminuto, porque resumia-se a fazer um arquivo ou um dossier, e não um processo. 118 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma OPJ: Mas, é preciso um oficial de justiça para isso? F-7: Sra. Dra., é preciso um oficial de justiça para verificar que o trabalho está mal feito. É aí que quero chegar. F-11: Porque, se o solicitador não consegue fazer bem o seu trabalho, tem que ser alguém com mais conhecimentos, para ver se o trabalho está ou não está bem feito. F-7: Porque se a acção executiva estivesse a ser tramitada como deve ser pelos senhores solicitadores, a fazerem citações como deve ser, a cumprir o artigo 837º e por aí fora… é uma duplicação de trabalho… OPJ: Mas, agora, os senhores oficiais reparem nisto: temos o solicitador de execução supostamente a saber o que está a fazer e a fazer os actos, o oficial de justiça a controlar e depois o juiz a controlar também. Depois ainda temos o mandatário a controlar também. Vocês vejam a quantidade de intervenientes!!! F-7: É um desperdício de meios. OPJ: Parece-me fundamental sanear isto, porque temos um processo executivo mais controlado do que um processo declarativo, não é? Anexo A 119 F-6: Esta reforma tem o problema dessa duplicação de tarefas… F-4: É o tribunal a abrir processos, é o solicitador a abrir processos. Até aqui, tínhamos um processo que estava no tribunal. Agora, temos dois. Temos o do tribunal e o do solicitador de execução. F-5: Em …, temos os processos, os papéis, todos juntos. Os processos estão todos nas prateleiras, isso não há dúvida nenhuma. Agora, estamos como o colega o retratou, temos que andar um, dois, três pisos para os procurar, porque há vários armários. Se calhar, tenho as coisas um pouco mais controladas, mas, também, a diferença é muito grande. OPJ: Tem menos processos, claro. F-5: Sem dúvida nenhuma. F-2: E menos funcionários. F-5: E menos funcionários, exactamente. De resto, também é controlável. Eu tenho três secções. Pus um adjunto à frente de cada secção, entre aspas, não é a orientar. Tenho que controlar as três secções. Tenho os processos, também, mais ou menos, em dia, e estou a acumular a contagem do segundo juízo porque o senhor escrivão desse juízo também está de atestado já lá vai uns anos, dois anos, acho eu. Mas está mais ou menos em dia, não me vou lamentar que não está em dia, nem para lá caminha, mas está razoavelmente... 120 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma OPJ: Porque é que diz “em dia, mais ou menos”? F-5: Tenho um atraso de prazos de cerca de meio em meio ano, oito meses… OPJ: Será mais ou menos em dia, meio ano. Em Lisboa, o que é que isso representa? F-7: Como disse há pouco, tínhamos lá os contratados a fazer a autuação. Eles fizeram a autuação, não registaram NIBs, abriram conclusões completamente à toa, porque os processos eram de 2004, tinham que ser autuados rapidamente que era para baixar os números apresentados à imprensa e, então, fez-se de qualquer forma e abriram conclusões. Como não havia condições para os processos serem vistos pelos oficiais de justiça, para verem se estavam em condições para irem para o juiz (mais uma duplicação)! Temos pessoas a fazer a autuação que não estão preparadas para isso e, depois, tinha que vir o processo para o oficial de justiça para registar o NIB, para ver se a conclusão estava bem aberta… foram para as caixas e, mais tarde, foram para os armários. Eu comecei, na semana passada, num armário, que tem três prateleiras com mais de duas caixas de fotocópias. Aliás, andei armado em arquitecto e construí por cima dos móveis mais duas estantezinhas, do processo do 21 mil e qualquer coisa ou 21 mil e oitocentos e tal… porque não tive a noção de que ali era onde havia mais processos. Do 21.000 ao 28.000, portanto, só fiquei no 21.000, ainda faltam 7.000 –, onde havia mais processos que foram autuados numa determinada data e em que havia conclusões abertas de Outubro, Novembro de 2005 que nunca foram mexidas. Nunca. Foi feita a autuação pelo contratado. O contratado assinou a conclusão e o processo está no armário. Mas isso a mim não me espanta. O que me espanta é que ninguém faça nada. Anexo A 121 Porque quando cheguei à Secretaria-Geral das Execuções, o senhor secretário que lá estava pediu-nos – era já prática –, que fizéssemos um relatório para a Administração Geral da Justiça. O primeiro relatório que eu fiz no final de Abril, estava lá há duas semanas, limitei-me a dizer que as instalações não prestavam, coloquei um número aproximado de processos pendentes. No segundo relatório, disse algo mais. No terceiro, algo mais disse. No quarto, fui um bocadinho mauzinho. Mas, consegui descobrir uma coisa: ninguém os lê. Porque, se tivessem lido, eu tinha um processo disciplinar em cima. Portanto, a partir desse momento, nós vemos o que as pessoas, por vezes, não querem fazer. F-2: E se partíssemos do princípio de que o solicitador de execução acabava e os processos passavam para os tribunais, quantos funcionários seriam precisos em Lisboa? E no Porto? Nas comarcas pequenas, pelo que vejo, com dois, três funcionários, o serviço externo resolve-se e acaba-se com o problema. (…) F-7: Eu não sei quantos funcionários estavam na secção de serviço externo de Lisboa, mas quase que me atrevo a dizer que, se lá estivesse, nos moldes da actual acção executiva, o mesmo número de funcionários que estavam no serviço externo, ela estava bem melhor do que está agora. Bem melhor. F-3: Eu estou melhor do que os meus colegas. Quando foram instalados os juízos de execução em Março. É verdade que recebemos logo uma batelada de três, quatro mil processos. Lógico será dizer que aquilo encalhou logo à 122 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma nascença. Então, definimos prioridades e, graças ao esforço de cada funcionário de cada um dos juízos e das partes, fizemos uma triagem em que nos preocupámos com o levantamento das penhoras, com o cancelamento das penhoras sobre os vencimentos, com uma série de situações à medida que as pessoas, também, nos foram alertando para tal. Somos onze ou doze funcionários, uma está de atestado, mas somos doze funcionários e temos nesta altura 7.500 processos. Ainda nos faltam tramitar, ainda se encontram nos juízos cíveis, do primeiro ao quinto juízo cível, uma média de 1.000 processos, e das varas vieram todos. O que é certo é que, e é aqui que eu acho que tem estado mal a criação do juízo dos novos tribunais, recebe-se tudo o que vem dos outros sítios. Porque, se não houvesse esse reencaminhamento dos processos e se começasse com processos novos. Com a tramitação nova, toda a gente aqui chega a esta conclusão, nós não precisávamos de andar a mexer no processo a não ser passados dois ou três meses ou meio ano. E o processo iria tramitar do princípio ao fim. Há pouco, quando eu dizia que nós agora perdemos o tempo todo com os despachos do senhor juiz, porque são exaustivos e parecem umas missivas. São despachos de duas e três folhas. Isto é inconcebível numa acção executiva… F-12: Mas, manuscrito? F-3: Manuscrito. Às vezes, de computador. OPJ: Mas, despachos sobre o quê? F-3: A sanar irregularidades que vêm de trás. Porque se, tudo fosse feito sobre a nossa jurisdição e, da capacidade técnica que nós temos no processado, eu tenho a consciência de que nós chegávamos e sobrávamos Anexo A 123 para isto tudo. Eu tenho essa consciência. Porquê? Porque nós não tínhamos que andar a voltar para trás e a duplicar o trabalho que tem de ser feito. Aliás, e parece-me que vai ser criado agora na Maia um juízo nas mesmas condições. Sra. Dra., aquilo de se meter logo de uma assentada 20.000 processos dentro de um tribunal é o fim. Não vale a pena, isto é chover no molhado. OPJ: Estamos a chegar ao final. Gostava que todos, face ao que nós aqui discutimos e face a outras questões que, eventualmente, não tenhamos aqui discutido, enumerassem duas ou três propostas ou as que entenderem, da maneira mais sucinta possível de forma a responderem à seguinte questão: se vocês estivessem na disponibilidade de alterarem esta reforma, onde é que mexiam? Isto é, na vossa opinião, o que é que tem de ser alterado? F-10: Em primeiro lugar, a formação deveria ser necessária e obrigatória para todos os intervenientes. É exactamente aqui que começa a maior deficiência, se calhar, ter-se-iam resolvido muitos dos problemas de bloqueio da acção executiva. Em segundo lugar, face ao défice de formação que mencionei, desde logo na apreciação das questões suscitadas nos artigos 812 e 812-A, penso que o despacho liminar deveria ser obrigatório em todas as execuções, evitando assim, a anulação, pelo juiz, de actos já praticados, em momento posterior, quando no processo venha concluso por um outro motivo. OPJ: Despacho liminar por parte do juiz? 124 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma F-10: Sim, porque aí o juiz sanava muitas questões não perceptíveis para nós por falta de formação. Acontece que, muitas vezes, os processos, acabam, numa fase posterior, por serem conclusos ao juiz e este profere despacho liminar anulando os actos já praticados. Assim, o juiz daria o despacho liminar em todos os processos e estes só teriam, em princípio de voltar para um qualquer acto cuja intervenção venha a ser suscitada. Também acho, que o solicitar deveria depositar no processo todas as importâncias recebidas ou cobradas e, tal como já disse, caberia à secção elaborar a conta a final. OPJ: As receitas que cobrasse, como? F-10: Da venda, da penhora, do produto. Essas receitas deveriam ser depositadas no processo e entrariam na conta final, a verdadeira conta, porque a conta actual que hoje se faz na secretaria não é mais uma demonstração para justificar a saída da taxa de justiça arrecada pelos Cofres. F-12: Eu acho que nem valia a pena fazer essa conta. F-1: Eu julgo que sugestões concretas para melhorar esta reforma da acção executiva, os meus colegas que estão aqui, certamente, pela prática que têm, estão mais habilitados do que eu. Já disseram aqui algumas e as que faltarem, se faltar alguma, eles certamente vão dizê-la. Aliás, eu aprendi aqui muitas coisas e tenho aqui muitas notas sobre este tema, as quais agradeço. A prática dos tribunais é fundamental e, como todos sabem, eu, actualmente, não a tenho. Embora esta questão da acção executiva seja uma Anexo A 125 matéria que eu acompanho desde o início e, portanto, tenho tido uma preocupação muito grande acerca desse tema. Agora, é verdade que acho que o sistema ficou pior do que o que estava. E esta é que é a questão que tem de ser a base de partida. A acção executiva está, hoje, mais demorada, mais cara, mais ineficaz. Portanto, os processos demoram mais tempo. São, de facto, mais demorados, são menos eficazes, é menos eficaz a concretização da respectiva execução e é mais cara. Portanto, isto, em última análise, e é isso que eu gosto de referir, para não dizerem que andamos sempre em oposição corporativa, é que vem prejudicar o cidadão comum. Esta reforma não veio melhorar nada. Portanto, eu diria, se me é permitida de uma forma, se calhar absurda, que é preciso reformar a reforma da acção executiva. Agora, o que eu acho é que há aqui uma situação que é preciso definir e, para essa reforma, eu dava aqui duas ou três sugestões. Uma é, de facto, acabar aqui com este sistema híbrido, que nem está os tribunais nem deixou de estar. Aliás, julgo que os tribunais passaram a ter mais ocupação, a perder mais tempo com as acções executivas do que parece que perdiam antes. E, portanto, tem que se decidir se se quer efectivamente privatizar ou desjudicializar – aliás, ali o colega falou muito bem – tem que se clarificar esta questão da desjudicialização da acção executiva. E, portanto, ou fica nos tribunais, ou sai dos tribunais. Julgo que, neste momento, o caminho, enfim, por questões éticas, e até morais, a questão mais óbvia é sair dos tribunais, e portanto, se sair, tem que sair. Não se pode estar a criar juízos de execução – vai ser agora instalado na Maia, depois vai ser instalado em Sintra, e já o foi em Guimarães, em Oeiras, e cada vez estamos a criar mais secções para a acção executiva quando se disse que as acções executivas saíram dos tribunais. Não faz nenhum sentido. Eventualmente, criar, de facto, uma situação diferente para a litigância de massa, também na acção executiva porque há, de facto litigantes de massa –, criar para esses uma situação de excepção, se calhar, com a privatização total da acção executiva, naquela sugestão como disse o colega, certidão para o advogado e, aliás, neste caso, 126 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma eles são todos títulos executivos, nem vão aos tribunais e, nós, dentro do sistema, ficaríamos apenas com a incumbência daquelas acções executivas que são resultantes das acções declarativas. As acções declarativas correm nos tribunais, as execuções resultantes de acções declarativas correm nos tribunais, os títulos executivos, depois, então, constituam lá esses solicitadores de execução, os grandes escritórios de massa, etc. F-6: Faço minhas as palavras do meu colega. Tocou nos pontos em que também eu queria tocar, que é, efectivamente o de se dizer que: ou fica nos tribunais ou sai fora dos tribunais. Essa também me parece que é a melhor solução. Porque estamos aqui com duplicação e triplicação do processo. Nós temos um processo, o solicitador tem outro, as comunicações não funcionam... Ao se optar pela continuidade desta reforma no sentido de continuarem a ser os solicitadores de execução, entendo que devia ser dada ao exequente maior capacidade de intervir no processo, ter uma maior intervenção no impulso processual. Porque, neste momento, o exequente vê-se de mãos atadas sem poder, digamos, impulsionar o processo, de modo a que ele possa terminar com maior rapidez. Relativamente à litigância de massa, também concordo que tem que a justiça deve estar mais vocacionada para o pequeno credor que, obviamente, não tem o poder económico de um credor com mais possibilidades. F-3: Cada vez é mais difícil apontar soluções para a reforma da justiça, mas acredito que, ao manter-se os solicitadores de execução, dever-se-lhes-ia ser dada uma maior formação. Mas eu apontava o caminho de retorno ao sistema anterior, se calhar, porque agora era também dar um tiro no pé da parte do Governo toda a gente teria a ganhar e eu era defensor disso. OPJ: É um defensor do retorno ao sistema antigo. Anexo A 127 F-3: Retorno aos oficiais de justiça. Com mais meios, mais funcionários, obviamente. F-7: Eu defendo que, tal como já aqui dissemos várias vezes, tem que se decidir qual é o sistema que se quer. Ou se privatiza, ou se continua sob a alçada dos tribunais. Este sistema de duplicarmos, triplicarmos tarefas é que não funciona. OPJ: E se encontrássemos aqui uma solução em que o modelo seria mais ou menos como está, mas em que se eliminassem essa forma de… F-7: Era para aí que eu iria numa segunda fase, ou seja, primeiro, penso que seja necessário proceder a esta clarificação, mas como, ao fim de três anos ainda não é possível partirmos para uma outra mentalidade de uma privatização que, se calhar, não será bem-vinda, e, como não haverá coragem para a fazer, nem para retroceder… Há determinadas questões sobre as quais, eu, no princípio do painel, disse que no papel até está bem… Defendo que com os meios que foram dados aos senhores solicitadores e com o valor investido em formação para os senhores solicitadores, esta reforma executiva sai cara para os exequentes. Se todos esses meios fossem canalizados para os tribunais, a acção executiva estaria melhor, a acção declarativa também estaria muito melhor e os tribunais estariam melhor do que estão hoje. Mas, partindo do pressuposto que este sistema híbrido terá que se manter, penso que há determinadas questões, que têm a ver com a comunicação informática, que foi aqui abordada, com as conservatórias, que têm de ser resolvidos, quer por parte dos oficiais de justiça, quer por parte dos solicitadores. São problemas técnicos que, no meu entender, não levariam assim tanto esforço para que fossem solucionados. Entre eles destaco a 128 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma comunicação com as conservatórias, a questão de determinados elementos que vão no requerimento executivo poderem ficar logo disponíveis para quando se faz a importação para o sistema das custas, como é o caso do registo do NIB… porque para cada autuação são vinte etapas para um oficial de justiça! Se ele abrir o processo e quiser levar tudo direitinho, são cerca de vinte etapas que tem de cumprir para que o processo lhe possa sair das mãos. E com menos esta tarefa, ficariam só 19…. OPJ: Mas, muitas dessas tarefas, de facto, podiam ser feitas automaticamente. F-7: Sim. Eu penso que são problemas de resolução técnica que não passam nem por uma via legislativa, nem por um grande esforço económico para que tecnicamente e informaticamente, se conseguissem resolver. OPJ: O programa H@bilus permite isso? F-7: O programa H@bilus, segundo sei, permite muitas coisas. É preciso é que se desenvolvam. E que se dêem condições às pessoas para se desenvolver. F-8: O programa H@bilus permite fazer isso, só que não está implementado, porque poderia haver um acto processual, por exemplo, de distribuição de processos em que bastaria carregar-se numa tecla. Os processos distribuídos nesse dia, seriam todos autuados nesse dia, e nós temos que o fazer um por um… Anexo A 129 OPJ: Tirar a estampilha… F-8: Exactamente. Um por um, para depois se pegar no processo, meterlhe o número do processo, para a penhora… OPJ: Depois irem lá levar a estampilha, depois andarem à procura nas secções… F-8: Portanto, poderia haver actos que poderiam estar no próprio H@bilus, em que se carregava numa tecla e então fazia tudo de uma forma mais automática… OPJ: Sabem porque é que eu vos pergunto? Porque há colegas vossos que acham que há um certo amadorismo à volta da concepção do programa. Se calhar, o programa precisa de um reforço… F-7: Eu penso que terá havido um certo amadorismo no início, porque foi criado por alguns colegas nossos. Mas a questão é que, se não fossem esses colegas, nós não tínhamos esse sistema. O programa H@bilus, ao longo deste tempo, que é relativamente curto, já deu saltos muito importantes. Na minha opinião, permite esse salto. Uma questão em termos processuais a que eu fiz referência noutra altura é a questão da vinculação do solicitador de execução aos bens indicados à penhora pelo exequente. O exequente deve ser obrigado a indicar os bens a penhorar e o solicitador deve começar por aqueles. Porque é uma forma de haver uma relação mais estreita entre o que o exequente diz e o que o solicitador faz. Então, para que é que 130 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma vale a pena o exequente indicar se o senhor solicitador não lhe liga nenhuma? É que o exequente indica os bens, o solicitador não liga nenhuma e os bens vão-se embora. E, depois, quem é responsável? Se fosse na nossa altura, eu sei quem era. Agora, não faço a mínima ideia. Portanto, o exequente indica bens à penhora e o solicitador está vinculado a começar por aqueles bens. Porque aí permite-me pedir ao solicitador responsabilidade pela sua não actuação nesse sentido. A partir do momento em que não se vincula o solicitador a qualquer tipo de bem, nós não lhe podemos perguntar por onde é que começou ou deixou de começar. Se tiver a indicação e a obrigatoriedade de começar por aquele bem em especial, acho que muitos deles iriam acabar por insuficiência de bens, porque a bola passava para o exequente a solicitar-lhe que indicasse outros. E o exequente aí não tem indicação e prefere acabar com a execução. Agora, estamos ali sempre com uma pescadinha de rabo na boca: será que tem, será que não tem, não chegamos a lado nenhum! Há uma questão que tem a ver com o início do processo e que nos tem dado alguns problemas nos tribunais, que é a questão do cumprimento do artigo 241.º quando a citação é feita por carta registada e o aviso de recepção não é assinado pelo executado. A secretaria tem dois dias para notificar o executado de que foi citado em pessoa diversa. Nós, às vezes, estamos dois meses, três meses à espera do AR assinado por outra pessoa, porque o solicitador é que os recebe e não os envia. Isso pode causar muitos transtornos ao executado. O executado deve ou não deve actuar? Há casos em que, se calhar, não deve e a execução até é abusiva. E, se calhar, nalguns desses casos, o executado só tem conhecimento que foi citado depois de ter passado o prazo para se opor. O artigo 241.º ainda criou aí umas questões, pelo menos, no tribunal onde eu estava, entre os solicitadores e a secção, acerca de quem é que deveria cumprir. O artigo diz que é a secretaria. Não se conseguiu passar essa situação para o solicitador. Por isso, o artigo 241.º, quando a citação é feita pelo solicitador, deve ser cumprido pelo solicitador, que é quem recebe em prazo útil a citação por via postal com assinatura do AR. Anexo A 131 F-9: Eu tenho pouca experiência na acção executiva. Tenho trabalhado mais em tribunais genéricos. Mas, daquilo que conheço, aliás, parece ser do conhecimento de toda a gente, é reconhecido que a nova legislação sobre a acção executiva só veio criar problemas ao funcionamento dos tribunais. Com mais um interveniente a nível do processado, que é o agente de execução, porque os outros estão em vigor na mesma – juiz, funcionário e exequente. Ora, se eles não andam nas execuções, em algum lado deve estar o mal. Tenho, como sabe, alguns colegas que são do entendimento de que a acção executiva, à excepção das que vêm de acções declarativas e das do Ministério Público, fosse retirada dos tribunais e que o solicitador de execução, em conjunto com o exequente