Perspectivas no tratamento farmacológico da Leucemia Mielóide Aguda
(LMA)*
Perpectives in the pharmacologic treatment of acute myeloid leukemia (AML)
Mirian Kuhn1, Vanusa Manfredini2
*Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões
Campus de Erechim, RS.
Endereço para Correspondência:
Prof. Dra. Vanusa Manfredini
Rua Sergipe 161 apt 43
Bairro Fátima
CEP: 99700-000
Erechim – RS
Fone 55 54 3520 9000 ramal 9073 ou 55 51 81177884
[email protected]
1
Acadêmica do curso de Farmácia Bioquímica Clínica da Universidade Regional Integrada do
Alto Uruguai e das Missões – URI – Campus de Erechim/RS.
2
Farmacêutica Bioquímica, Professora Doutora do Departamento de /ciências da Saúde da
Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões – URI – Campus de
Erechim/RS.
2
RESUMO
A Leucemia Mielóide Aguda (LMA) é uma doença maligna, onde mieloblastos
expandem-se, acumulam-se e suprimem a atividade hematopoética normal, constituindo
um grande desafio diagnóstico e terapêutico. O tratamento consta de duas fases a
primeira, chamada de terapia de indução cujo propósito é eliminar a maior quantidade
possível de células leucêmicas para que o paciente passe para a fase de remissão.
Quando em remissão, a segunda fase é iniciada, chamada de terapia de continuação, que
objetiva eliminar qualquer célula leucêmica restante. O tratamento é constituído por
forte estrutura clínica, por base laboratorial capaz de reconhecer e identificar grupos de
risco e fatores de prognóstico, sendo que o principal é a quimioterapia. Assim, usa-se
geralmente primeiro a citarabina e após a daunorrubicina. As pessoas cuja doença está
em remissão recebem quimioterapia de consolidação depois do tratamento inicial, para
assegurar a destruição da maior quantidade possível de células leucêmicas. Assim, o
objetivo dessa revisão foi abordar as perspectivas farmacológicas no tratamento da
LMA. Os resultados desse trabalho mostram que os fármacos ainda se encontram em
fase de estudo, porém são promissores para o tratamento da LMA.
Palavras-chave: Agentes. Diagnóstico. Leucemia mielóide aguda. Tratamento
quimioterápico. Transplante de medula óssea.
3
ABSTRACT
Acute Myeloid Leukemia (AML) is a malignant disease, where myeloblasts expand,
accumulate and stop normal hematopoetic activity, being a great diagnosis and
therapeutic challenge. Treatment has two phases: the first one is induction therapy
whose purpose is to eliminate the greater quantity of leukemia cells so the patient can
GO to the phase of remission. When in remission, second phase starts and its is called
therapy of continuation, whose objective is to eliminate any leukemia cell that might be
there. Treatment is constituted by strong clinical structure, by laboratorial base able to
recognize and identify groups of risk and factors of prognosis, being chemotherapy the
most important treatment. Citarabina is generally used first, after daunorrubicina is
used. People whose disease is in remission receive chemotherapy of consolidation after
the initial treatment, to assure the destruction of the greater number of leukemia cells.
The aim of this paper was to study the pharmacological perspectives in the treatment of
AML. Data showed that drugs to treat it are still being studied, but they are promissory.
Key-words: Acute Myeloid
MeduleTransplant. Diagnosis.
Leukemia.
Chemotherapic
Treatment.
Bone
4
INTRODUÇÃO
A leucemia mielóide aguda (LMA) é uma doença em que existem células
cancerosas no sangue e na medula óssea (MO), caracterizando-se pelo crescimento
descontrolado e exagerado das células indiferenciadas chamadas blastos, sendo que
estas células não apresentam as funções normais dos glóbulos brancos (1). Além disso,
existe um bloqueio na produção das células normais, havendo uma deficiência de
glóbulos vermelhos, plaquetas e leucócitos (2, 3).
Os eventos moleculares responsáveis pela transformação leucêmica não são
conhecidos, entretanto a proliferação inexorável das células hematopoéticas imaturas
que perderam a sua capacidade de diferenciação normal, consistem no resultado final
(4). Parecem estar envolvidas na patogênese das leucemias a ativação de protooncogenes e as mutações em genes supressores que regulam o ciclo celular, pois levam
à perda dos mecanismos normais controladores da proliferação, diferenciaçãomaturação ou da morte celular programada (2, 5).
É uma doença potencialmente letal na qual os mielócitos se tornam cancerosos
e rapidamente substituem as células normais da MO (6). As células leucêmicas
acumulam-se na medula óssea, destruindo e substituindo as que produzem as células
normais do sangue, são libertadas no sangue e transportadas para outros órgãos, onde
continuam a crescer e a dividir-se, podendo formar tumores pequenos na pele ou sob a
mesma e provocar meningite, anemia, insuficiência renal e hepática e lesar qualquer
outro órgão (7).
A LMA pode ocorrer em crianças ou adultos, ainda que o tratamento seja
diferente para cada grupo. Muitas vezes é difícil diagnosticar a doença, sendo que seus
primeiros sintomas podem ser confundidos com os de uma gripe ou outra doença
5
comum como febre, calafrios, cansaço, palidez, dores nos ossos ou nas articulações (5,
8, 9).
Geralmente a doença surge sem motivo aparente, embora possam se identificar
possíveis causas como radiação ionizante, vírus oncogênicos, algumas substâncias
químicas e fármacos (como benzeno e agentes alquilantes), fatores genéticos e
congênitos e predisposição a doenças hematológicas. Esta síndrome pré-leucêmica é
vista com freqüência em pacientes mais velhos e em pacientes que desenvolvem
leucemia aguda depois de tratamento com um agente citotóxico (10, 9).
A LMA é uma doença predominante em adultos do sexo masculino,
geralmente acima de 60 anos de idade, sendo que apresenta um prognóstico pobre
principalmente em pacientes idosos (5, 10, 11).
Tão logo o diagnóstico seja possível, os pacientes devem ser submetidos ao
tratamento quimioterápico inicial, chamado indução de remissão (12, 13). O objetivo é a
obtenção da remissão, ou seja, desaparecimento das células blásticas na medula óssea,
quando esta é atingida, a produção normal dos glóbulos vermelhos, brancos e plaquetas
é restabelecida. Quando em remissão e sem sinais de leucemia, é iniciada a segunda
fase, chamada de terapia de continuação, que objetiva eliminar qualquer célula
leucêmica restante no sangue (14).
Estudos complementares de diagnóstico, incluindo imunofenotipagem,
avaliação citogenética e genética molecular são necessários para o desenvolvimento de
tratamentos específicos, porque subtipos de LMA podem ser abordados com terapêutica
direcionada (15).
O tratamento está orientado para se conseguir a remissão precoce, mas, a
doença responde a menos medicamentos do que outros tipos de leucemia e, além disso,
6
o tratamento costuma piorar o estado do doente antes de começar a proporcionar-lhe
alguma melhoria (16, 17).
Em face do exposto o objetivo deste trabalho foi abordar as perspectivas
farmacológicas no tratamento da LMA uma vez que se trata de uma doença
potencialmente letal.
7
LEUCEMIA MIELÓIDE AGUDA (LMA)
A LMA é uma neoplasia hematológica heterogênea constituindo um enorme
desafio diagnóstico e terapêutico, sendo um dos tipos mais comuns de malignidades
hematológicas (16). Apesar de todos os progressos no campo da onco-hematologia, a
taxa de cura em LMA permanece em torno de 20% (17). Quanto ao incremento em
drogas e doses antiblásticas da imunoterapia e das modalidades de transplante de
medula e célula tronco periféricas, a experiência dos grandes centros mundiais continua
reportando a cura global da doença como baixa (16).
As estimativas para o ano de 2008 no Brasil, segundo localização primária é de
5.220 novos casos para homens e 4.320 novos casos para mulheres, enquanto que no
Rio Grande do Sul é de 810 casos, sendo que em Porto Alegre a estimativa gira em
torno de 130 novos casos (18).
CLASSIFICAÇÃO DAS LEUCEMIAS MIELÓIDES AGUDAS
Mo
Blastos grandes e agranulares. Negativos para mieloperoxidase; negativos para
marcadores de linhagem B ou T; positivos para CD13 e/ou CD33; positivos para
mieloperoxidase por imunoquímica ou microscopia eletrônica; TdT pode estar positivo
(19, 20).
M1 – Leucemia mieloblástica sem maturação
Células blásticas agranulares ou granulares, mais que 90% das células nãoeritróides. Pelo menos 3% destas células são positivas para peroxidase ou preto do
Sudão. Das células remanescentes, 10% (ou menos) são células granulocíticas em
maturação (21, 19).
8
M2 – Leucemia mieloblástica com maturação
A soma dos blastos granulares e agranulares é de 30 a 89% das células nãoeritróides (19).
Células monolíticas são menores que 20% (19).
Menos de 10% dos granulócitos originários dos promielócitos amadurecem em
polimorfonucleares (21, 19).
M3 – Leucemia promielocítica
A maioria das células é do tipo promielócito anormal com intensa granulação.
Estão presentes células características contendo feixes de bastonetes de Auer. Também
pode ocorrer uma variante microgranular (21, 19).
M4 – Leucemia mielomonocítica
Na medula óssea os blastos perfazem mais que 30% das células não-eritróides.
A somatória dos mieloblastos, promielócitos, mielócito e granulócitos tardios situa-se
entre 30 e 80% das células não-eritróides. Mais de 20% das células não-eritróides são de
linhagem monocítica. Quando as células monocíticas ultrapassam os 80%, o diagnóstico
é de M5 (21, 19).
Quando os achados de medula são como acima e os monócitos do sangue
periférico são maior que 5,0 × 109/l, o diagnóstico é de M4 (21, 19).
Quando a contagem de monócitos for inferior a 5,0 × 109/l, o diagnóstico de
M4 pode ser confirmado com base na lisozima sérica e esterase combinada (21, 19).
O diagnóstico de M4 pode ser confirmado quando os monócitos são
responsáveis por mais de 20% dos precursores da medula (21, 19).
9
Eosinofilia com M4
Eosinófilos acima de 5% das células não-eritróides na medula óssea, anormais
e, positivos para cloroacetato e ácido periódico de Schiff (21, 19).
M5 – Leucemia monocítica
Em torno de 80% das células não-eritróides da medula são monoblastos,
promonócitos ou monócitos (21, 19).
Em M5a, cerca de 80% das células monocíticas são monoblastos (21, 19).
Em M5b, menos que 80% das células monocíticas são monoblastos e as
remanescentes são predominantemente promonócitos e monócitos (21, 19).
M6 – Eritroleucemia
O componente eritróide da medula óssea excede 50% de todas as células
nucleadas e 30% das células não-eritróides remanescentes são blastos granulares e
agranulares (Tipo I e II) (21, 19).
Se houver mais de 50% de células eritróides, mas menos de 30% de blastos, o
diagnóstico é de síndrome mielodisplásica (21, 19).
M7 – Leucemia megacarioblástica
Pelo menos 30% das células nucleares são blastos, sendo identificados por
peroxidase de plaquetas em microscopia eletrônica, ou por anticorpos monoclonais (21,
19).
10
TRATAMENTOS CONVENCIONAIS
O tratamento principal para esse tipo de doença é a quimioterapia, ainda que a
radioterapia possa ser recomendada em alguns casos, também podem ser necessários
transplantes de medula óssea (TMO) e terapia biológica (22, 23).
O primeiro passo da quimioterapia inclui citarabina durante sete dias e
daunorrubicina durante três dias (24, 25). Muitos estudos sobre a LMA avaliaram os
esquemas ótimos de administração de citarabina e daunorrubicina (26).
Os pacientes cuja doença está em remissão recebem habitualmente
quimioterapia adicional, chamada quimioterapia de consolidação, semanas ou meses
depois do tratamento inicial, para assegurar a destruição da maior quantidade possível
de células leucêmicas (27).
O tratamento pós-remissão depende de uma série de fatores, tais como: idade
do paciente, condições clínicas e, principalmente, dos resultados da citogenética,
podendo variar desde a intensidade das doses de quimioterapia em um ou mais ciclos
até o uso das diversas modalidades de transplantes de medula óssea (autólogo ou
alogênico) (27).
Em nosso país, o tratamento de LMA é realizado segundo as normas
preconizadas internacionalmente, mas alguns pontos ainda poderiam ser melhorados,
como o diagnóstico precoce nas unidades de saúde, o encaminhamento ágil para uma
unidade referencial, a diminuição da mortalidade relacionada ao tratamento que muitas
vezes esbarra no alto custo dos medicamentos, e a necessidade de implementação de um
tratamento pós-consolidação para evitar as recaídas (28, 29).
A inclusão dos TMO alogênico entre os recursos terapêuticos disponíveis,
acarretou em um aumento na sobrevida dos pacientes, representando a única chance real
11
de cura para aqueles que recidivam (30). Grande parte dos portadores transplantados
alogenicamente em primeira remissão, a partir de um irmão doador HLA-compatível,
sobrevivem prolongadamente (31).
O transplante medular alogenéico é superior à quimioterapia para o paciente
com doença recidivante, mas na maioria das vezes os pacientes são idosos demais para
o transplante ou não possuem um doador disponível. Para pacientes em segunda
remissão, uma outra alternativa é o transplante medular autólogo (26).
Quanto aos transplantes não-ablativos, além do efeito em si, se considera a
menor toxicidade que permite sua aplicação em situações clínicas nas quais a indicação
de programas mieloblativos seria inviabilizada pelo alto potencial tóxico associado (32).
Monocinas e linfocinas purificadas, como os interferons, fatores da necrose
tumoral (TNF) e fatores estimuladores de colônia (CSF) estão sendo investigados como
modificadores do crescimento leucêmico in vitro e in vivo. O CSF pode exercer outra
função na LMA, através do recrutamento de células em partes do ciclo celular que são
mais sensíveis à quimioterapia. Tanto o gama-interferon quanto o fator de necrose
tumoral (TNF) induziram células de uma linhagem celular leucêmica (HL-60) à
diferenciação na direção dos macrófagos, podendo ainda inibir o crescimento clonal das
células mielóides in vitro, mas sua utilização clínica ainda está por ser estabelecida (26).
Há que ser destacada a introdução da droga 2-clorodeoxiadenosina (2-CDA),
passível de induzir respostas completas e parciais em muitas crianças com LMA
recidivada e virgens de tratamento, quando oferecida como “janela terapêutica”, prétratamento convencional (33). Seu impacto tem sido estudado, revelando-se promissora
no tratamento das LMA (34).
12
NOVAS PROPOSTAS TERAPÊUTICAS
Muitos agentes recentemente estudados têm se tornado promissores no
tratamento da leucemia mielóide aguda. O plano para o futuro são estratégias
terapêuticas baseadas na especificidade da doença, sendo que a combinação dos agentes
com quimioterapia são importantes para avaliar uma melhora na resposta do tratamento
(35).
Os agentes estudados incluem gemtuzumab ozogamicim (GO), que se trata de
um imunoconjugado de um anticorpo anti-CD33 ligado a um agente citotóxico potente,
a caliomicina, eficiente para pacientes com LMA. A adição deste imunoconjugado à
quimioterapia convencional pode melhorar significativamnte a taxa de remissão
completa (36).
A P-Glicoproteína (Pgp), chamada Zosuquidar, também tem mostrado
benefício se a dose da quimioterapia concomitante não for reduzida, pois este parece
não alterar a farmacocinética da droga co-administrada (37). O único estudo que
mostrou beneficio foi realizado com pacientes que receberam Daunorrubicina ou
Aracitina C infusional, com ou sem ciclosporina, sendo que em pacientes com pouco
risco ocorreu uma taxa de remissão morfológica, ou seja, recuperação das plaquetas
(38).
A Farnesyl transferase é uma enzima chave na ativação da proteína RAS,
sendo que mutações produzem RAS ativas que levam a proliferação. A inibição
produzida por este fármaco previne a translocação e a ativação desta proteína (35).
A Farnesyl transferase oral, Tipifarmib® (Zanestra, Tibotec), demonstrou boas
respostas clínicas e excelente tolerância em pacientes com pouco risco, mostrando-se
13
uma alternativa para pacientes idosos que não podem submeter-se à terapia mais
agressiva (39).
Outra proposta terapêutica seria o inibidor de receptor tirosina quinase
(inibidor FLT3), porém poucos pacientes têm conseguido a remissão completa com o
uso deste inibidor, que possui uma atividade clínica modesta, embora uma combinação
com Ara C sugere que este inibidor combinado com quimioterapia possa ser eficiente
(35).
Agentes alquilantes também tem sido investigados, entre eles destaca-se o
Cloretazine®, um agente que induz as trocas entre as moléculas de DNA, atravessa a
barreira da irrigação sanguínea, possuindo uma alta eficiência anti-tumor. Entretanto,
pode ocorrer uma resistência que deve ser mediada com O6 alquiguanina DNA alquil
transferase, sendo que alguns pacientes já apresentaram remissão completa (35, 40).
Clofaralina é um novo análogo de purina, importante nos procedimentos de
divisão e não divisão das células. É um componente ativo para a LMA refratária e não
tratada, podendo ser usada em terapia combinada com Aracitina C (35).
Rapamycim® é uma agente inibidor da m TOR, uma quinase que regula o
crescimento celular e interage com uma variedade de proteínas, incluindo ciclinas DI, cmyc, e STAT3 (41).
14
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os agentes estudados e que ainda se encontram em fase de estudo, são
promissores e um grande número ainda deve ser desenvolvido, porém, a questão é como
melhorar o seu uso.
Múltiplos agentes podem ser combinados para inibir a leucemia mielóide
aguda, se isto é eficiente ou não, ainda vamos descobrir. Entretanto, alguns destes
agentes parecem ser eficientes em pacientes que não tem o alvo específico identificado,
indicando que pode haver outros mecanismos de função.
Fatores clínicos e biológicos que predizem respostas deveriam ser
determinados e outras estratégias que cubram as resistências necessitam ser
desenvolvidos.
O tratamento da LMA é constituído por forte estrutura clínica, por base
laboratorial capaz de reconhecer e identificar grupos de risco e fatores de prognóstico de
suma importância, associados a programas de eficácia e disponibilização de recursos
terapêuticos não-convencionais e clássicos.
15
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