Tratamento paliativo do CHC - Resultados da quimioembolização. Proposta de indicação V aléria C ardoso de S ouza 1 A Incidência do carcinoma hepatocelular (CHC) está aumentando. Apesar dos programas de vigilância na população de risco, nem sempre o CHC é diagnosticado na fase inicial, quando o tratamento curativo com ressecção cirúrgica, ablação ou transplante hepático ainda é factível, restando como opção terapêutica a quimioembolização. somente em 2002, quando o grupo de Barcelona publicou no Lancet estudo randomizado comparativo da abordagem do CHC com tratamento conservador X embolização X quimioembolização2, que a quimioembolização demonstrou superioridade com aumento na sobrevida em 1 e 2 anos (63% e 27%, 75% e 50%, 82% e 63% respectivamente). A técnica de quimioembolização foi inicialmente descrita em 1981 por Kato e cols., e consiste na associação da infusão de quimioterápico à embolização do leito vascular tumoral1. O CHC é particularmente sensível ao tratamento com quimioembolização devido a sua intensa atividade neoangiogênica. Na última década observamos grande avanço na técnica de cateterismo e com o desenvolvimento de microcateteres, ficou possível o tratamento seletivo do CHC preservando o parênquima hepático não acometido pelo tumor. Em sua fase muito inicial, o CHC é pobremente vascularizado e seu suprimento sanguíneo vem da veia porta, porém à medida que o tumor cresce, o suprimento sanguíneo tornase progressivamente arterializado; mesmo tumores bem diferenciados são supridos predominantemente pela artéria hepática, sendo esta a base que justifique a eficácia terapêutica da quimioembolização. Apesar da grande utilização em todo o mundo da quimioembolização no CHC irresecável, foi A quimioembolização tornou-se mais segura, com menor incidência de feitos colaterais, podendo ser realizada em pacientes com doença hepática avançada e mesmo na presença de trombose da veia porta, até então considerada contraindicação formal ao tratamento. No período de janeiro de 2001 a julho de 2008 tratamos 179 pacientes com CHC utilizando a técnica de quimoembolização com cateterismo supersseletivo, e apesar da grande diversidade de pacientes, incluindo tumores avançados e trombose da veia porta, a incidência de efeitos colaterais maiores foi mínima (Figura. 1). Figuras 1: Paciente masculino, 38 anos, sem hepatopatia, apresentando CHC gigante, com anasarca, dor abdominal intensa e mal estado geral. Tratamento com quimioembolização seriada, havendo importante melhora clínica e sobrevida de 1 ano. a) MR PreTratamento: volumoso CHC infiltrativo acometendo todo o parênquima hepático, com compressão da veia cava inferior e trombo tumoral na veia porta; Figura 1a Figura 1d Figura 1b d) MR 1 mês apósquimioembolização: redução volumétrica e áreas de necrose do tumor, com liberação parcial da veia cava inferior; e b) Angiografia hepática mostra lesão hipervascular com padrão infiltrativo difuso; Figura 1e 1. Radiologista Vascular e Intervencionista - São Paulo – SP GED gastroenterol. endosc.dig. 2011: 30(Supl.3):10-72 Figura 1c c) Portografia arterial com amputação do ramo portal direito e volumosa hepatomegalia; e) Portografia arterial 2 meses após tratamento inicial e pré-terceira quimioembolização: redução significativa do volume hepático com liberação parcial do ramo direito da veia porta. 17 T ratamento P aliativo do CHC - R esultados da Q uimioembolização. P roposta de indicação Figuras 2: Paciente masculino, 87 anos, cirrose pelo vírus da hepatite C. CHC diagnosticado em exames de controle. Tratamento com quimioembolização com esferas carreadoras de quimioterápico apresentando bom resultado, porém aparecimento de “novo” CHC em 10 meses. CHC controlados somente com quimioembolização. Figura 2a Figura 2d a) RM pré-tratamento: CHC segmento VI; Figura 2b d) Tomografia de controle 10 meses após tratamento inicial: novo CHC no segmento IV-A; 18 Figura 2e b) Angiografia hepática mostra tumor hipervascular no segmento VI, tratamento com quimioembolização supersseletiva (DC Bead 100-300 micras + doxorrubicina 50mg); e) Angiografia hepática mostra o tumor hipervascular e cateterismo supersseletivo artéria segmento IV-A pré-quimioembolização (DC Bead 100-300 micras + doxorrubicina 50mg); Figura 2c Figura 2f c) R M 30 dias após tratamento: tumor avascular, indicando não viabilidade tumoral; f) Angiotomografia após-tratamento mostrando ausência de vascularização em CHC no segmento VI e IV-A. Mais recentemente, com o desenvolvimento das esferas carreadoras de quimioterápico (DC Bead – Biocompatibles UK Lda), a técnica de quimoembolização teve importante avanço. As esferas promovem liberação lenta e prolongada do quimioterápico, com aumento na intensidade e duração da isquemia assim como elevação da concentração do agente quimioterápico no interior do tumor e redução da passagem da droga para a circulação sistêmica. A quimioembolização com esferas carreadoras de quimioterápico, não somente apresentou melhor eficácia com aumento da necrose tumoral, como também mostrou redução significativa na incidência de efeitos adversos da quimioterapia. GED gastroenterol. endosc.dig. 2011: 30(Supl.3):10-72 V. C. S ouza Em 2010 foi publicado o resultado do PRECISION V, estudo multicêntrico fase II, que compara a segurança e a resposta terapêutica da quimioembolização convencional com a da quimioembolização com esferas carreadoras de quimioterápico. Este estudo demonstrou redução significativa na toxidade hepática e sistêmica da doxorrubicina apesar da alta dose utilizada nos pacientes submetidos à quimioembolização com esferas carreadoras de quimioterápico. Pacientes de alto risco, com doença avançada tiveram vantagem significativa com controle da doença e boa tolerância ao tratamento, grupo este em que geralmente a indicação da quimioembolização é questionada3. No período de novembro de 2007 a novembro de 2009, realizamos 147 quimioembolizações com esferas carreadoras de quimioterápico em 94 pacientes com CHC. Tal qual o estudo PRECISION V, observamos melhor tolerância ao tratamento, especialmente em pacientes com doença avançada. Porém diferentemente do estudo PRECISION V, priorizamos a utilização de esferas de menor diâmetro, sendo nítido o aumento da necrose tumoral com a utilização de esferas 100-300 micras, funcionando em tumores menores como “ablação”. Embora ainda seja precoce a nossa análise, parece haver aumento na sobrevida com consequente aumento na incidência de doença metastática, comparativamente ao grupo de 179 pacientes tratados com quimioembolização convencional, achado este compatível com o do grupo de Barcelona que constatou sobrevida de 88,9% em 2 anos. Atualmente já se considera que a quimioembolização com esferas carreadoras de quimioterápico em “mãos hábeis” pode ser tratamento curativo no CHC, o que constatamos na prática. Em tumores menores o maior problema é o aparecimento de um novo tumor e não a recidiva local, tal como acontece com a ablação (Figura 2). Referências 1. 2. 3. 4. 5. 6. Kato T. Arterial chemoembolization with microencapsulated anticancer drug. An approach to selective cancer chemotherapy with sustained effects. JAMA 1981; 245: 1123-1127. Llovet JM, et al Barcelona Clinic Liver Cancer Group. Arterial Embolization or chemoembolization versus symptomatic treatment in patients with unresecable HCC: a randomized controlled trial. Lancet 2002; 359: 1734-39 Varela M, Real MI, com. Chemoembolization of hepatocellular carcinoma with drug eluting beads: Efficacy and doxorubicin pharmacokinetivs. Journal of Hepatology 2007; 46: 474-481. Lammer J, Malagari K, col. Prospective Randomized Study of Doxorubicin-Eluting-Bead Embolization in the Treatment of HCC: results of the PRECISON V Study. Cadiovasc. Intervent.Radiol 2010; 33(1):41-52. Kamath PS, Wiesner RH, col. A model to predict survival in patients with end-stage liver disease. Hepatology 2001; 33(2):464-70. Bruix J, Sherman M. Management of Hepatocellular Carcinoma. AASLD Practice Guideline. Hepatology 2005; 42:1208-1236. Segundo o algoritmo de Barcelona, a quimioembolização seria indicada no CHC intermediário4,5, porém na nossa prática a sua indicação é maior. Sendo amplamente utilizada em pacientes com CHC em fila de transplante, em tumores maiores para downstage, no CHC multifocal e também em tumores avançados6. GED gastroenterol. endosc.dig. 2011: 30(Supl.3):10-72 19