VIII EPEA - Encontro Pesquisa em Educação Ambiental Rio de Janeiro, 19 a 22 de Julho de 2015 TÍTULO: A Educação Ambiental e a Gestão de Riscos Geológico-Geotécnicos análise de um recurso educativo. Laury Amaral Liers - UFABC Cláudia Francisca Escobar Paiva - UFABC Rosana Louro Ferreira da Silva- IB/USP RESUMO O presente trabalho avalia de que forma a Educação ambiental está inserida no processo de Gerenciamento de áreas de risco geológico-geotécnico. O objeto analisado foi uma cartilha impressa destinada a prevenção de riscos. Caracterizou-se como um estudo de caso e empregou-se uma bibliografia de referência para a análise de conteúdo utilizando-se categorias de concepções da educação ambiental (conservadora, crítica, pragmática), que estão presentes no conteúdo desse objeto de estudo. A análise permitiu avaliar a ocorrência preponderante de conteúdos cientificista e comportamentalista, que não geram um questionamento sobre os cenários de riscos. Esses cenários possuem uma relação explícita com a configuração dos espaços urbanos, uso e ocupação do solo, planejamento, políticas urbanas e práticas políticas. A educação ambiental crítica, nesse sentido, pode atuar para questionar a construção social dessas áreas promovendo maior participação e engajamento social a favor de melhores condições de vida, equidade social e justiça ambiental. ABSTRACT This study evaluates how environmental education is part of the process of management geological and geotechnical risk areas. The analyzed object was a printed booklet aimed at preventing the risks. Was characterized as a case study and we used a reference bibliography for the content analysis using categories of conceptions of environmental education (conservative, critical, pragmatic), which are present content of the object of study. The analysis allowed to evaluate the predominant occurrence of scientistic content and behaviorist, that do not generate a questioning about the risk scenarios. These scenarios have an explicit link with the configuration of urban spaces, use and occupation of land, planning, urban policies and political practices. The critical environmental education, in this sense, can act to question the social construction of these areas by promoting greater participation and social engagement in favor of better living conditions, social equity and environmental justice. PALAVRAS-CHAVE: Planejamento. Educação Ambiental, Áreas de risco, Prevenção e KEYWORDS: Environmental Education, Risk areas, Prevention and Planning. 1 Realização: Unirio, UFRRJ e UFRJ 1. INTRODUÇÃO Este trabalho desenvolve uma reflexão que permite avaliar de que forma a educação ambiental está inserida no processo de gestão das áreas de risco geológicogeotécnico. A motivação para realizar esse estudo surgiu após experiência com a produção de um material didático em Educação Ambiental no formato de um jogo de cartas. Seu objetivo era tratar situações e problemas ambientais relacionados às mudanças climáticas globais de forma lúdica, a fim de gerar a construção de argumentações consistentes para posicionar o indivíduo frente às questões ambientais, além de desenvolver habilidades para elaborar ações de participação coletiva. A educação ambiental é muito importante para a gestão das áreas de riscos geológico-geotécnico, pois faz parte das ações não estruturais previstas no planejamento e gerenciamento dessas áreas. Segundo Castro (2010), as ações não estruturais são aquelas onde se aplica um rol de medidas relacionadas às políticas urbanas, planejamento urbano, legislação, planos de defesa civil e educação. São consideradas tecnologias brandas e, normalmente, têm custo muito mais baixo que as medidas estruturais (tecnologias duras). Tratam-se, portanto, de medidas sem a intervenção de obras de engenharia. A questão da ocupação das áreas de risco geológico-geotécnico evidencia que se trata de um problema complexo, que envolve a interação de questões socioeconômicas, opções de planejamento urbano, políticas urbanas e práticas políticas. A educação ambiental, nesse sentido, exerce um papel muito importante, pois pode desenvolver a construção de uma nova racionalidade, que permita novas formas de reapropriação do mundo, fazendo com que o indivíduo passe a questionar o modelo socioeconômico e a segregação socioespacial que esse modelo promove. A importância desse trabalho se justifica considerando, conforme Loureiro, 2004c (p.81), que a prática da Educação Ambiental crítica, transformadora e emancipatória estão focadas nas pedagogias problematizadas do concreto vivido, no reconhecimento das diferentes necessidades, interesses e modos de relações na natureza, que definem os grupos sociais e o 'lugar' ocupado por estes em sociedade, como meio para buscar novas sínteses que indiquem caminhos democráticos, sustentáveis e justos para todos. A educação ambiental tem como objetivo atuar na mudança da mentalidade e práticas de consumo dos indivíduos que compõem a nossa sociedade. Deve atuar para formar cidadãos críticos e participativos orientando-se para a comunidade, incentivando o indivíduo a participar ativamente da resolução dos problemas no seu contexto de realidades específicas. Nela, está inserida a busca da consolidação da democracia, a solução dos problemas ambientais e uma melhor qualidade de vida para todos (REIGOTA, 2009). Desta forma, o objetivo deste trabalho foi investigar a concepção de Educação ambiental de um material educativo utilizado com população residente em áreas de risco, buscando contribuir para a melhoria do papel da educação ambiental nesse contexto. 2. METODOLOGIA A metodologia adotada para esse trabalho foi um estudo de caso utilizando como objeto de pesquisa um material impresso (cartilha) elaborado por um órgão 2 governamental. A análise utilizou a categorização proposta em Silva (2007), que apresenta três concepções de EA: Educação Ambiental conservadora, Educação ambiental pragmática e Educação Ambiental crítica. Além da categorização, foi utilizado um roteiro proposto por Carret e Zuin (2008), baseados nas concepções propostas por Carvalho et al. (1996) e Marpica (2008), de modo a classificá-los de acordo com as vertentes propostas por Silva (2007). Os parâmetros utilizados para compor a análise estão expressos no quadro 1. Quadro 1 – Características de cada vertente de EA de acordo com os parâmetros utilizados para a categorização das unidades de análise. Parâmetros 1 Como entender o ser humano em relação à natureza. Conservadora Há uma dicotomia entre ambiente e ser humano (visto apenas como ser biológico). Visto como destruidor. Pragmática Antropocentrismo, ser humano manipula a natureza, que reage de acordo com o trato que recebe. 2 - Considerações Não expõe a acerca das diversidade, pois diversidades focaliza as sociais, culturais e Trata apenas da metrópoles urbanas e naturais. diversidade natural. industriais. 3 - Abordagem dos conflitos referentes à Questões que Apresenta o conflito temática envolvem conflitos como um "falso ambiental. não são abordadas. consenso". 4 - Abordagem da experiência A abordagem é estética com a Experiência estética utilitarista e não há natureza. plena, contemplativa. experiência estética. 5 Responsabilização pelas causas dos Todos são problemas igualmente As causas não são ambientais. responsáveis. discutidas. 6 - Proposta de As ações giram em Individual, com a atuação individual torno da mudança mudança de ou coletiva. individual do modo comportamento de de vida. cada um. Crítica Relação complexa, historicamente determinada. Ser humano pertence à teia de relações e vive em interação. Considera a diversidade natural, cultural e social e suas relações como um todo. Apresenta o conflito na perspectiva de vários sujeitos sociais. A experiência estética é complexa, pois somos parte da natureza. As causas são consequências do contexto histórico e cultural da sociedade. Ênfase na participação coletiva, fortalecimento da sociedade civil. Fonte: CARRET, L.S, ZUIN, V.G (2008), partindo das concepções de SILVA (2007). Conforme Carret e Zuin (2008), o quadro descreve as características de cada corrente de acordo com as tendências de EA para cada parâmetro exposto acima. Embora essa proposta de roteiro para análise da cartilha tenha sido baseada numa tipologia com foco em materiais didáticos, foi possível obter informações coerentes e 3 importantes para avaliar o material impresso e concluir qual era a vertente predominante da educação ambiental. 3. ANÁLISE E DISCUSSÃO Realizou-se uma leitura e análise exploratória do material e, posteriormente, a análise de conteúdo a partir da seleção de trechos mais significativos, em que se encontram a temática ambiental e os indícios das possíveis concepções de EA. Depois de fragmentar o texto, categorizou-se as unidades. Os parâmetros foram escolhidos considerando sua abordagem essencial em uma perspectiva crítica de EA, que é a que foi adotada neste trabalho. O quadro 2 reúne trechos extraídos da cartilha e caracteriza-se por ter informações objetivas, informativas, e de orientação em relação às práticas que devem ser adotadas, para evitar e minimizar as situações que podem causar danos ao meio em que o indivíduo está inserido, e a situação de risco a qual poderá ser exposto. Quadro 2 – Características da cartilha analisada Cartilha de São Paulo Tendências Comentários Parâmetros 1 Como entender o ser humano em relação à natureza. Pragmática 2 - Considerações acerca das diversidades sociais, culturais e naturais. 3 - Abordagem dos conflitos referentes à temática ambiental. 4 - Abordagem da experiência estética com a natureza. Pragmática 5 Responsabilização pelas causas dos problemas ambientais. Não há uma relação direta com a natureza. São pontuadas ações que para minimizar os impactos sobre meio em que vive e a convivência com os riscos existentes. Não é abordado no material. Não apresenta conflitos referentes a temática ambiental. Traz uma abordagem que expõe os problemas ambientais e a forma de atuação. Os materiais não contemplam abordagem estética com a natureza. A responsabilidade pelas causas dos problemas ambientais é atribuída, no caso de deslizamento de encosta, aos “processos naturais ou induzidos pelo homem”. Elas são informadas ao indivíduo e instrui como o mesmo deve agir para evitar ou reduzir a possibilidade de ocorrência dos deslizamentos em Pragmática áreas com moradias. 4 6 - Proposta de atuação individual ou coletiva. O material deixa implícita que a proposta de atuação é na esfera individual. Não foi encontrada nenhuma citação ou frase que remeta a atuação com a comunidade. Frases como “Diante disso é preciso informar ao cidadão que há formas de evitar ou reduzir a possibilidade de ocorrência dos deslizamentos...”. “Você que enfrenta situação de risco, pode ajudar os técnicos da sua prefeitura ou da Defesa Civil da sua cidade” exemplificam a Pragmática proposta. Fonte: Próprio autor. Nesse material há uma contextualização e definições sobre o que são deslizamentos, as situações de risco, sobre quem pode ajudar e como ajudar os indivíduos que estão inseridos nesse meio. As orientações quanto às situações de risco também estão presentes além das práticas que devem ser mudadas para uma melhor interação com o meio e para prevenção em relação aos riscos geológicos. A cartilha, de uma forma lúdica, propõe atividades como jogos dos 7 erros, trilhas, colorir, encontrar palavras, entre outras como forma do indivíduo assimilar e fixar o conteúdo tratado pelo material. A tendência que permeia o conteúdo do material é a vertente da educação ambiental pragmática. De acordo com Silva (2009), A educação ambiental pragmática propõe normas a serem seguidas, pois focaliza suas ações na procura de soluções para os problemas ambientais. Tem como um de seus objetivos a mudança de comportamentos individuais e busca mecanismos que permitam a compatibilidade entre o manejo sustentável dos recursos naturais e o desenvolvimento econômico. (SILVA, 2009) Dessa forma, tal concepção não leva o indivíduo a desenvolver uma consciência crítica a respeito do problema e direciona para a adoção de comportamentos individuais ambientalmente adequados. Em síntese, de acordo com Jacobi (2003), “...torna-se cada vez mais necessário consolidar novos paradigmas educacionais para iluminar a realidade desde outros ângulos, e isso supõe a formulação de novos objetos de referência conceituais e, principalmente, a transformação de atitudes. Um dos grandes desafios é ampliar a dinâmica interativa entre a população e o poder público, uma vez que isso pode potencializar uma crescente e necessária articulação com os governos locais, notadamente no que se refere ao desenvolvimento de práticas preventivas no plano ambiental.” Segundo Carret e Zuin (2008), acredita-se que considerar as diversidades sociais, culturais e naturais é imprescindível quando se trata da temática ambiental, uma vez que se torna necessário compreender os tipos de relações sociedade-natureza existentes ou possíveis para que se possa agir sobre determinada realidade. Abordar os valores estéticos e éticos também se faz necessário nessa perspectiva de EA, que tem como um de seus objetivos a formação de “uma atitude ecológica dotada de sensibilidades estéticas, éticas e políticas sensíveis à identificação dos problemas e conflitos que afetam o ambiente em que vivemos” (CARVALHO, 2004, p. 21). 5 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS Esse trabalho permitiu avaliar que esse instrumento (a cartilha) é alicerçado em dois conteúdos: por um lado os impactos provocados pelas ações antrópicas, as dinâmicas naturais deflagradoras dos riscos; e por outro, a mudança de comportamento, as ações individuais adequadas a prevenção e medidas de autoproteção para minimizar e permitir a convivência com os riscos. As informações contidas nesse material, segundo Beck (1992, apud SULAIMAN, 2013, p.9-10), atuam com a premissa de “conhecer para prevenir, que indicam o que fazer antes, durante e depois da emergência sem discutir as causas profundas que permitem e problematizam os contextos e áreas de risco[...]”. As ações são limitadas a certos períodos do ano e, consequentemente, esse “conhecer” torna-se momentâneo e exclusivo para atuar num período. Nesse sentindo, sugere-se que seja feito um trabalho contínuo por todo ano e que possa ir além de estabelecer o comportamento e a prevenção. É muito importante estimular a participação coletiva e social para discutir os problemas fundamentais geradores dos riscos geológico-geotécnico, como está sendo construído esse território, passando a uma postura de questionamento do risco. Dessa maneira será possível exigir ações do poder público, melhorias nas condições de vida da população e equidade social. Outra sugestão é elaborar um número maior de materiais direcionado ao público infantil. A ideia da cartilha é muito interessante, pois trabalha seu conteúdo com uma linguagem bem simples, muitas ilustrações e jogos para ajudar no entendimento, demonstrando a necessidade de fazer a criança entender algumas razões que podem causar as situações de risco geológico/geotécnico. Por fim, acredita-se que esse trabalho abre um leque de possibilidades para futuras pesquisas e reflexões sobre como as características da educação ambiental crítica pode contribuir para a formatação de novos materiais que tem por objetivo a prevenção de acidentes em áreas de riscos ambientais. 3. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BECK, U. Risk society: towards a new modernity. Los Angeles; London: Sage, 1992. In: SULAIMAN, S. N, JACOBI, P. R. Os desafios e potencialidades da articulação entre educação ambiental e prevenção de desastres naturais no Brasil. In: Anais da 36ª Reunião Anual da ANPED. Goiás: UFG, 2013. CARRET, L.S; ZUIN, V.G. Análise das concepções de educação ambiental de livros paradidáticos pertencentes ao acervo do Programa Nacional Biblioteca da Escola 2008. In: Pesquisa em Educação Ambiental. Vol. 5, N.1, p.141-169, 2010. 6 CARVALHO, I. C. M. Educação ambiental crítica: nomes e endereçamentos da educação. In: LAYRARGUES, P. P. (Org.). 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