ID: 55028755
28-07-2014
Tiragem: 34442
Pág: 39
País: Portugal
Cores: Cor
Period.: Diária
Área: 13,23 x 30,19 cm²
Âmbito: Informação Geral
Corte: 1 de 1
Hepatites, uma
perspectiva diferente
H
Tribuna Dia Mundial
João Curto
oje é o Dia Mundial das
Hepatites, data que pretende
sensibilizar para uma doença
que pode ser silenciosa mas
evolui com gravidade para
casos de inflamação ou infecção
agudos ou crónicos, cirrose ou
carcinoma hepatocelular.
Em Dezembro de 2012, o
Global Burden of Disease Study,
registou 1.445.000 de mortes causadas por
hepatite viral em 2010. As infecções pelos vírus
das hepatites B e C contribuem anualmente em
cerca de 57% de casos de cirrose hepática e 78%
de casos cancro do fígado. Para além de ser
uma doença com impacto na saúde, representa
também um elevado encargo financeiro para
os governos. Em Portugal, estima-se que o
impacto económico e o número de casos de
cancro do fígado continuem a aumentar e
que os custos médicos directos associados
à gestão da hepatite C, sem incluir os custos
com antivíricos, ascendem a 70 milhões de
euros por ano. Graças ao desenvolvimento de
medicamentos que já permitem falar de cura
da hepatite C, o seu tratamento tem sido
amplamente falado. Contudo, para além de
se falar do tratamento, factor irremediável,
é essencial a abordagem à prevenção, pois
este é o único aspecto que pode evitar danos
na saúde e despesas por parte dos sistemas
de saúde. Não será altura de reflexão sobre a
doença, formas de transmissão e tendências
e de existir uma maior aposta em formas
de minorar a transmissão da hepatite C em
Portugal, sobretudo no grupo actualmente
responsável pela maior incidência de
transmissão, os utilizadores de drogas
injectáveis?
Sabe-se que a principal via de transmissão
da hepatite C em Portugal ocorre pela
utilização de drogas injectáveis. Nos
utilizadores de drogas injectáveis, a
prevalência da infecção pelo vírus da
hepatite C (VHC) atinge níveis elevados de
cerca de 80%. No Relatório Europeu sobre
Drogas 2014, uma análise que incidiu sobre 18
países, com dados disponíveis de 2011-2012,
concluiu que o consumo de droga injectada
é responsável por 64 % dos casos de VHC
diagnosticados e por 50 % dos casos agudos
notificados.
Portugal apresentou uma prevalência de
anticorpos de VHC entre os consumidores
de droga injectada acima dos 80% — sendo
o terceiro país, juntamente com a Suécia e a
Grécia, a apontar uma maior percentagem.
A elevada prevalência de VHC entre os
utilizadores de drogas por via endovenosa
apela a que se continue a disponibilizar
material esterilizado de forma gratuita e
com fácil acesso. O controlo da doença
tem, ainda, de passar pela minimização
do aparecimento de novos casos, através
da mobilização activa de uma política de
redução de risco, formação dos cidadãos
para a prevenção e medidas que limitem o
contágio. A prevenção da transmissão da
hepatite viral é um objectivo importante das
políticas europeias em matéria de droga.
Relativamente aos consumidores de
opiáceos injectados, está já claramente
demonstrado que o tratamento de
substituição reduz o comportamento de
risco, havendo estudos que sugerem que o
efeito de protecção aumenta quando este
tratamento é combinado com programas de
distribuição de agulhas e seringas.
Na Europa, o tratamento de substituição,
normalmente combinado com intervenções
psicossociais, é o tratamento mais comum
para a dependência de opiáceos. Os dados
disponíveis
confirmam que
esta abordagem
combinada contribui
para manter
os doentes em
tratamento e para
reduzir o consumo
de opiáceos ilícitos,
bem como os danos
e a mortalidade
relacionados com a
droga.
Se não há
dúvidas quanto à
necessidade dos
tratamentos de
manutenção e
de investimento
para protecção da
saúde pública, no que diz respeito à ligação
entre hepatite C e consumo de drogas
injectadas, convém agora analisarmos qual
a atenção que Portugal tem dispensado a
esta correlação, de forma a proteger a saúde
pública e diminuir os custos associados.
O Reino Unido, por exemplo, fez as contas
e o National Health System libertou um
documento onde justificava a importância
de se investir no tratamento da dependência,
pelo enfoque na protecção da saúde pública:
prevenir, além das mortes associadas à
dependência, restringe as infecções pelos vírus
VIH e VHC, bem como reduz o peso no Serviço
Nacional de Saúde. No documento, pode lerse que cada libra investida no tratamento da
dependência corresponde a uma poupança de
2,5 libras em custos para a sociedade.
Sabendo-se que o consumo de droga
injectada é a principal via de transmissão e
que os custos com o tratamento da hepatite
viral são elevados e estão a aumentar, não
será pertinente a aposta em políticas de
droga que reduzam os comportamentos de
risco, previnam a transmissão neste grupo
responsável, permitindo um acesso alargado
ao tratamento de substituição mais seguro?
Na Europa, o
tratamento de
substituição é
o mais comum
nos opiáceos
Médico psiquiatra, presidente da Assoc.
Portuguesa de Adictologia (APEDD)
Download

Hepatites, uma perspectiva diferente