Visões sobre cidade de Jataí: leitura e análise de casas da virada do século XIX
para o XX.
Aluno: José Antônio de Souza Filho – UFG/Jataí
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Orientador: Dr. Marcos Antonio de Menezes - UFG/Jataí
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Alguém deve rever, escrever e assinar os autos do
Passado antes que o Tempo passe tudo a raso.
CORALINA, Cora. Poemas dos becos de Goiás e
estórias mais. 23º Ed. São Paulo Global, 2006, p. 25.
Uma cidade é, antes de tudo, um ambiente físico, uma “unidade funcional”,
uma construção, no sentido arquitetônico do termo, composta de alguns elementos
fixos – como as edificações – e outros móveis – a exemplo dos homens1. Embora “a
cidade” possa ser tratada de forma genérica a princípio, cada uma delas tem
particularidades, assim como em cada época concebe-se uma noção de cidade.
Segundo Kevin Linch, a cidade tem uma “imagem pública” que se forma pela
sobreposição das imagens criadas por vários indivíduos, e cada um deles tem uma
imagem própria e única da cidade: Cada imagem individual é única e possui algum
conteúdo que nunca ou raramente é comunicado, mas ainda assim ela se aproxima da
imagem pública que, em ambientes diferentes, é mais ou menos impositiva, mais ou
menos abrangente.2
Foi à raça maldita de Caim, o primeiro demônio humano, que se espalhou
sobre a terra e fundou as primeiras cidades. Raça de Caim, tua argamassa, jamais foi
sólida o bastante3 O fruto de um povo marcado pelo crime e ódio não poderia ser
doce, e sim amargo. Após o dilúvio – castigo de Deus contra os infratores de suas leis,
contra a geração de Caim –, aqueles que sobreviveram fixaram-se em uma planície na
terra de Sinear e, ali, começam a edificar uma cidade e uma torre cujo cume toque nos
1
Cf. LINCH, Kevin. A imagem da cidade. São Paulo: Martins Fontes, 1997, p. 17.
Ibidem, p. 51.
3
BAUDELAIRE, Charles. Abel e Caim. In: As Flores do Mal. 5ª ed. Tradução e notas Ivan Junqueira.
Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985, p. 420.
2
céus.4 No entanto, Babel – cidade erguida com tijolos queimados; pretensão dos
homens a criadores – não poderia persistir; não era lícito ao homem igualar-se a Deus.
O homem não poderia construir outra natureza, artificial, erguida sobre a natureza
primordial e unitária: a obra divina.
Então o Senhor – ao ver a cidade e a torre, o que os filhos dos homens
faziam, e perceber que, agora, não haverá restrição para tudo o que eles intentarem
fazer5 – resolveu lançar mais uma maldição sobre a própria criação: as línguas foram
embaralhadas, e os homens não mais se entendiam. Assim o Senhor os espalhou dali
sobre a face da terra; e cessaram de edificar a cidade.6
A cidade do século XIX é a Babel que prospera com a perda das conexões
e a falta de referência aos valores do passado; palco para a atrofia progressiva da
experiência relativa à tradição, à memória válida para toda a comunidade, substituída
pela vivência do choque ligada à esfera do individual. O impacto de técnica moderna
mudou tudo e, especialmente, a cidade, cuja capacidade de regeneração –
metamorfose sem fim de autodestruição criativa – foi ficando cada vez mais rápida.
A cidade de Jataí que começa a se formar na primeira metade do século
XIX esta no coração do chamado sertão Brasileiro, mas não escapa a regra da
modernização e a missão civilizadora que as novas vilas formadas na expansão do
centro-oeste vão ter. A pesar do “Goiás dantesco”, para usar uma expressão de
Monteiro Lobato as vilas vão surgir e ao longo do século XX querem redesenhar seu
espaço para romper com a pecha de atrasadas e “caipiras.
A primeira ação na reforma urbana é a destruição de imóveis com estilo
colonial para abrir caminho a residências mais alinhadas com a arquitetura do século
XX. Em nome do progresso material apagam-se inscrições e desmancha no ar a
memória individual e coletiva. Os antigos prédios, lugares de memória na expressão
de Norra, vão desaparecendo e os poucos os que ficaram contam, parcialmente, uma
história que se não narrada, anota, historiada se perdera frente ao “novo” que a cada
dia lança suas garras sobre o velho.
As antigas casas, aqui sendo chamadas casas antigas de Jataí são
edificações do final do século XIX e inicio do século XX, que conserva originalmente
seus traços arquitetônicos na qual foram construídas. Essas construções de hoje,
espalhados em Jataí, fizeram parte do primeiro centro habitacional da cidade.
4
Gênese, primeiro livro da bíblia, que narra à criação, 11.
Ibidem.
6
Ibidem.
5
A resistência das moradias ao longo do tempo, em preservar sua forma,
faz delas lugares de memória. Permitindo o morador relembrar o seu passado através
da observação desse espaço, o que permite um resgate, um retorno ao passado, do
tempo em que foram erguidas e que percorreram até hoje. Nos últimos anos
ocorreram modificações nas edificações, que acabam por mutilar, ou seja,
descaracterizar o imóvel ao substituir ou remover os traços do espaço que permite
determinar a qual época a casa pertence, o que tem sido uma constante.
Foi a parti do surgimento de novos padrões arquitetônicos ao longo do
século XX que se criaram conceitos, enquadrando e atribuindo a casa um modelo. É
nesse modelo que não se encaixa ao novo padrão é chamado de antigo e
ultrapassado. Assim, o conceito de casa na mentalidade do morador passa a ser
percebido como antigo, por não atender a um modelo contemporâneo.
Estas casas antigas, casarões, constroem a memória coletiva da cidade de
Jataí, guardando a história em forma de traços, marcar e ranhuras, recordações de
uma cidade erguidas por pioneiros que aqui chegaram e se estabelecera, dando inicio
ao povoamento, ainda, na primeira metade do século XIX. Mas é só final do século
XIX que a futura Jataí se torna um núcleo urbano, trazendo consigo as edificações dos
primeiro casarões. É no centro da cidade que se encontra hoje o primeiro núcleo
urbano, atualmente limitado a algumas casas que insistem em não cair contrariando o
tempo, que lança todas as coisas do homem ao esquecimento.
Segundo Ítalo Calvino, é possível encontrar a história de uma sociedade
analisando pequeno fragmento impresso na arquitetura de sua cidade. Sabendo que,
a própria historiografia é um quebra-cabeça incompleto, esperamos através de este
trabalho preencher algumas dessas lacunas.
As casas que correm o risco de desaparecer, sejam pela ação humana ou
do tempo, guardam reminiscências do início do povoado jataiense e de seu cotidiano,
ligado a uma vida rural bem diferente do que é a cidade hoje, que percorre um viés
oposto ao do processo de industrialização.
Segundo Foucault, em nosso presente se registra uma natureza comum
voltada à destruição do passado. Embebedado pelo conceito modernizador, o objeto
que possui uma idade longa é descartado de uso da sociedade, criando uma rejeição
pelo objeto antigo, o qual se torna velho e marginalizado. Essa antipatia faz criar um
combate entre o que é novo e o que é antigo, como são remetidos o morador e sua
casa que avançaram no tempo.
O que passa é o abandono da sociedade em relação às casas que não
mais se encaixam aos padrões arquitetônicos da nova época.
Além das casas do final do século XIX, há construções do início do século
XX e que atualmente atendem a necessidade de moradia de uma minoria, e por isto
escapam do conflito com a modernidade. Compreendendo um processo do estágio
social, onde há resistência, organização, luta e negocia de sentido, a memória coletiva
constitui e mobiliza á produção de significados e sentidos, ou seja, é a casa que cria
uma condição de despertar no morador suas reminiscências, não porque é antiga,
mas devido ao símbolo que é. É esta casa presente na sociedade atual que permite o
homem reportar-se aos tempos da cidade antiga, recordar e perceber o processo que
vem passando a cidade contemporânea.
No interesse de reconstruir o passado da cidade auscultei os moradores,
sua memória. Ouvi moradores que habitam as casas que se localizam no primeiro
centro urbano. A casa é o espaço em manifestação que afirmam a lembrança da
memória na atualidade.
(...) a lembrança é em larga medida uma
com a ajuda de dados emprestados ao
preparada por outras reconstruções feitas
de onde a imagem de outrora se
(Halbowachs, 2004: P.75-76)
reconstrução do passado
presente, e, além disso,
em espaços anteriores e
manifestou já alterada.
Então, a lembrança é manifestada pela subjetividade do indivíduo
guardada em recordações do passado e que é revivida ao entrar em contato com a
imagem de um objeto que não é de um tempo recente. A reminiscência é o que
permite a conservação ou sobrevivência desse passado, ou seja, a lembrança é a
sobrevivência do passado.
Ao perceber as casas de Jataí, construídas no século XIX e XX, como
fonte de investigação e construção da história social da cidade é afirmá-las como
lugares de memória, como marcos, âncoras do passado. É seguir pelos caminhos de
Proust na disputa entre a memória voluntaria e involuntária.
Partindo do pré-suposto de que as casas podem fazer a ligação entre o
passado e o presente e que recolhemos depoimentos de seus moradores atuais para
que estas lembranças não sejam esquecidas ou apagadas, permitindo que as histórias
não se desmanchem.
Nossa investigação, como bolsista PIVIC teve inicio em agosto de 2008.
Aqui estão um pouco dos resultados que foram possíveis de obter, pois o fato de não
ter ajuda financeira não permitiu um dedicação à pesquisa como a que havíamos
planejado.
No segundo semestre de 2009 fui levado a me dedicar à atividade outra
que não os estudos, infelizmente o fato de não ter bolsa remunerada me fez trabalhar
e desta forma apenas os finais de semana pude dedicar à pesquisa. Com o pouco
tempo que dispunha parti para as entrevistas com os atuais moradores das casas
antigas na esperança de que a partir deles começasse a recompor a história destas
habitações.
Alguns dos atuais moradores pertencem às famílias dos pioneiros e sabem
muito sobre a construção do imóvel e da cidade. As famílias guardam documentos,
fotos e informações valiosos do tempo de seus bisavós e avós.
Com o inicio de minhas atividades em uma Instituição de Ensino a parte da
pesquisa a qual pude me dedicar com maior afinco foi à leitura da bibliografia mais
geral. Iniciei pelos livros que abordava a história de Jataí e ai uma dificuldade: não há
trabalhos historiográficos e sim escritos de memorialistas e neste caso nossa
dificuldade foi cruzar o que eles disseram com os fatos históricos. O que fizemos foi
mobilizar uma bibliografia geral sobre história do Brasil e da região no mesmo período
na tentativa de suprir a lacuna, pois a documentação primaria não nos foi possível,
ainda debruçar sobre ela. Esta documentação está, em alguns casos, fora de jataí e
nossa falta de tempo foi um dificultador a seu acesso.
Outras leituras feitas são de caráter teórico. Lidamos com uma bibliográfica
que nos ajudaram a clarear nossa opção teórica metodológico. Nesta parte não houve
percalços já que o aceso aos livros é fácil.
O nosso objetivo era conhecer as causas dos problemas que leva a cidade
a constantes transformações e que muda a paisagem urbana, descaracterizando a
cidade antiga que guarda casas, casarões, e comércios de um período remoto,
adaptando-se ao novo estilo.
A modernidade, por fim, ofusca a memória do passado da cidade que
ainda preserva vivo vestígio do passado da sociedade que foi formada no processo de
expansão agropecuária.
O esforço é para escrever a história local sem deixar de perceber que a
cidade nasce impulsionada pela presença da pecuária que começa a ganhar força no
Estado Goiano ainda no século XVIII. O fruto dessa pioneira marcha para o Oeste fixa
o embrião da urbanização no oeste de Goiás. A história que buscamos está contida
nas velhas casas.
Nossa pretensão era descobrir os marcos originais da formação do que era
conhecida como arraial do Paraíso, hoje cidade de Jataí, localizada no sudoeste de
Goiás. Para isso, delimitamos nossa área de estudo no que representa ser o primeiro
centro da cidade, entendendo que nele sobrevivem, ainda, moradias que não foram
destruídas ou reordenadas por seus proprietários.
Neste espaço, que denominamos de Centro Histórico, foram identificadas
habitações como sendo as primeiras construídas no inicio do povoamento da região, e
outras já do inicio do século XX. São construções valiosas ao nosso estudo é que
tentamos esquadrinhando como um detetive à moda de Ginzburg.
A época do início da pesquisa, agosto de 2008 utilizamos um questionário
que estava sendo aplicado pelo Museu Histórico de Jataí Francisco Honório de
Campos nosso parceiro na pesquisa geral: Imagens de Jataí, porém o questionário
não só mostrou-se inadequado ao nosso trabalho como encontrou resistência por
parte dos moradores das casas antigas. Eles temiam prestar informações sobre o
imóvel por julgar ser o questionário e o entrevistador agentes público interessado em
aplicação de alguma sanção.
A História Oral se mostrou um recurso valioso que deve e que usamos
com patrimônio, pois toda teoria é boa na medida do seu uso correto. Não fazemos
tabua rasa deste ou daquele principio, mas elegemos algumas ferramentas que tem
nos auxiliado no trabalho e deixado falar as fontes de forma mais clara e agradável
aos nossos ouvidos de quem dá os primeiros passos na pesquisa acadêmica.
A micro-historia a história cultural e social são, também, nossos referências
teóricos nesta análise. A memória o fio condutor que uni o século XIX, início de nossas
investigações, à primeira metade do século XX, quando teoricamente o espaço urbano
de Jataí já teria um rosto definido. Esta memória que não é fixa está não só nos
espaços do traçado das ruas, mas como indica Calvino no talhado do corrimão das
escadas na arquitetura das casas que desmancha no ar.
Assim, como o Museu Histórico que guarda alguns documentos caros a
nossa pesquisa, mas faltam muitas informações sobre a construção das casas. As
plantas arquitetônicas, os códigos de postura que regulavam o traçado urbano, os
materiais usados.
A catalogação da documentação escrita foi à parte mais sensível da
pesquisa. Já a busca por documentos imagéticos, principalmente fotografias se
mostrou rico e não muito dificultoso. Isto pelo fato de que a técnica do registro de
imagens por aparelhos ser mais recente e por ter chegado nestas paragens do Brasil
Central ainda no século XIX. Temos um bom acervo de fotos do casario centenário de
Jataí, porém iconografia é coisa mais rara. Tudo indica que não havia entre os
primeiros habitantes do arraial quem tivesse o dom da pintura.
Nossas fontes estão espalhadas em vários locais. O Museu detém
infelizmente pouco da documentação de que a pesquisa demanda. Uma boa parte
está nos arquivos dos cartórios da cidade de Jataí e de Rio Verde que até 1898 era a
sede da comarca, outra parte se encontra em arquivos do Estado e de particulares.
Desta forma sabemos onde estão e quais são nossas fontes privilegiadas de pesquisa,
mas a falta de tempo e a dificuldade mesmo de aceso não nos deixou progredir muito.
Não iniciamos, ainda, uma pesquisa nos arquivos do poder Executivo e
Legislativo de Jataí por pura falta de tempo. Acreditamos serem os arquivos.
Não há arquivo sistematizado nem na Prefeitura e nem na Câmara estes
dois poderes importantes pelo que mostrarão ou omitirão, mas sabemos que neste
caso, também, teremos que nos deslocar para outras cidades que guardam a
documentação do período anterior a emancipação do Município.
A pesquisa, até este ponto que pude conduzi - lá, foi feita primeiramente,
na forma de entrevista dirigida aos moradores que habitam casas do final do século
XIX e inicio do XX, e com intuito de colher informações sobre o passado da casa. E já
no primeiro momento, o estudo se esbarra na dificuldade de conseguir chegar ao
morador. Não são todos eles que demonstram simpatia pela entrevista, seja ela escrita
ou gravada. O motivo é a desconfiança em passar informações a pessoas não
conhecidas.
Estes moradores são pessoas de idade avançadas que a qualquer
momento, por motivo de saúde, podem apresentam dificuldades em recordar fatos da
sua história. Hoje podendo contribuir muito na reconstrução da historiografia da
cidade. São fontes vivas e privilegiada para nosso estudo para as quais procuramos
dispor do máximo do nosso pouco tempo de pesquisa.
As casas antigas que não estão tombadas por lei, estão sendo derrubadas
por seus proprietários com medo de que haja apropriação por parte dos órgãos
públicos. Em outros casos, ocorre a modificação das fachadas para evitar-se que elas
entrem no rol de imóveis possíveis de preservação.
Uma segunda dificuldade encontrada na pesquisa e, talvez aqui a mais
séria, é a ausência de informações sobre a origem das primeiras casas de Jataí. A
documentação se não está em Jataí esta na antiga sede da comarca: Rio Verde.
Outra fonte de pesquisa usada é a documentação do Museu Histórico de Jataí
Francisco Honório de Campos. O Museu mantém um acervo que circunscreve o
período e o tema proposto do nosso estudo, mas infelizmente é de difícil pesquisa por
não estar, ainda, sistematizado. O acervo necessita de uma organização que facilite a
consulta por parte do pesquisador e do leigo.
Para além da documentação a bibliografia tem se constituído, também, em
problema, estamos nos referindo àquela especializada sobre a história de Jataí. A
historiografia, ainda, não se deteve a escrever a história das pequenas cidades e
principalmente daquelas longe do litoral. Ainda somos o país da Corte. Nossas
academias se preocupam em quando muito falar das capitais fora do eixo Rio São
Paulo. Para suprir esta lacuna estamo-nos valendo da leitura de uma dezena de
escrito de memorialistas e ai o cotejamento minucioso com outras fontes tem que se
dar. Usamos a imprensa quando temos acervo de jornais, documentos oficiais quando
os temos e a bibliografia mais geral sobre história do Brasil.
Certamente o que estamos fazendo aqui não é descobrindo a roda, mas
com certeza estamos escrevendo um capitulo modesto, mas importante da história
regional do Brasil. As dificuldades em mobilizar a documentação e fazer sua seleção,
classificação e catalogação aliados à falta de tempo é neste momento o maior
obstáculo há ser suplantado.
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