XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 IMPACTOS TEÓRICO-PEDAGÓGICOS E ÉTICO-POLÍTICOS DAS AVALIAÇÕES EXTERNAS SOBRE O TRABALHO DOCENTE Claudio Fernandes da Costa Universidade Federal Fluminense E.mail: [email protected] Resumo: Este texto tem por objetivo analisar o trabalho docente no interior da reforma educacional brasileira iniciada nos anos de 1990, mais especificamente a partir da criação e implementação da Prova Brasil em 2005, do PDE, sobretudo o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB), e do Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação (Decreto 6.094/2007). Assim sendo, o texto baseia-se em revisão bibliográfica sobre o tema, e na análise de documentos oficiais relativos à reformulação do SAEB (2005), ao PDE (2007) e ao Decreto 6.094/2007. Neste contexto, o IDEB passa a representar o mais importante indicador de mudanças nas políticas educacionais e nos paradigmas utilizados nas escolas públicas brasileiras. A pedagogia das competências, referente central da Prova Brasil, apresenta-se como elemento de reorganização curricular que estimularia a melhoria da qualidade e eqüidade da educação. Na medida em que as escolas públicas de praticamente todos os municípios brasileiros são avaliadas pela Prova Brasil e que todas buscam atingir as metas expressas pelo IDEB, o presente trabalho pretende contribuir para analisar o impacto dos pressupostos teórico-pedagógicos e ético-políticos induzidos por este processo sobre o trabalho docente nas escolas públicas do país. Palavras chave: avaliações externas, trabalho docente, educação básica Introdução Este trabalho é resultado de uma revisão de literatura e de algumas hipóteses referentes à pesquisa intitulada “Fundamentos teórico-pedagógicos das avaliações externas do ensino fundamental em matemática: implicações na prática pedagógica e na qualidade da educação em escolas da prefeitura de Angra dos Reis”, desenvolvida no Instituto de Educação de Angra dos Reis da UFF – IEAR-UFF. Atualmente atribui-se às escolas e aos seus educadores a responsabilidade de melhorar a qualidade da educação, entendida como desenvolvimento de competências ou aquisição dos conhecimentos necessários para entender e organizar estratégias de solução para situações da vida real. Para induzir tal melhora as políticas educativas vem sendo orientadas para o investimento em avaliações externas da aprendizagem escolar dos sistemas públicos de ensino. Já na Declaração Mundial de Educação para Todos oriunda da Conferência de Jomtien realizada na Tailândia, em 1990, encontramos a exigência de melhoria da Junqueira&Marin Editores Livro 2 - p.006676 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 qualidade da educação vinculada à implementação de sistemas de avaliação do desempenho escolar. A LDBEN (1996) incorpora esta orientação fazendo com que, doravante, a política educacional brasileira passasse a afirmar um sistema nacional de avaliação em detrimento do investimento em um sistema nacional de educação, colocando nas mãos da união um poder jamais visto. (CURY, 1997). A partir de então, o Saeb em nível nacional, além de diversas experiências semelhantes em níveis estaduais foram experimentados, até que em 2005 ocorre uma importante reconfiguração do Sistema de Avaliação da Educação Básica, passando a ser composto pela Avaliação Nacional da Educação Básica – ANEB (antigo SAEB) - e pela Prova Brasil. Em 2007, é criado o Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE) e o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB). O IDEB se apresenta com o objetivo expresso de melhorar a qualidade da educação oferecida às crianças, jovens e adultos. Permite estabelecer metas e monitorar seu alcance, o que motivou sua criação como instrumento da ação estratégica do PDE, o Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação, criado também em 2007. Em troca de auxílio técnico e financeiro, o Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação prevê a adesão de Estados, municípios e o Distrito Federal, o que já aconteceu na sua totalidade. Portanto, com notas de zero a dez, o IDEB indica se municípios, Estados e o Distrito Federal alcançaram as metas pré-estabelecidas. Do ponto de vista metodológico, a Prova Brasil adota o marco teórico e os mesmos procedimentos e técnicas do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica: Matrizes de Referência; testes padronizados; uso da Teoria de Resposta ao Item e Escalas de Proficiência para análise de dados e apresentação de resultados. Do mesmo modo, o SAEB foi compatibilizado com o Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes), projeto comparativo de avaliação desenvolvido pela OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico). Desta integração dos sistemas de avaliações externas, resultou que para a fixação da meta nacional, tomou-se como parâmetro o IDEB obtido pelos 20 países mais bem colocados do mundo, ou seja, nota 6, valor fixado como meta para o Brasil no ano de 2022, quando o país completa 200 anos de sua independência. (UNESCO, 2008b). A Prova Brasil é um exame de competências aplicado de dois em dois anos que avalia habilidades em Língua Portuguesa (foco em leitura) e Matemática (foco na Junqueira&Marin Editores Livro 2 - p.006677 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 resolução de problemas) dos estudantes de ensino fundamental, de 4ª e 8ª séries de escolas públicas. Enquanto o SAEB avalia a Educação Básica por amostragem, e seus resultados só podem referir-se ao país e às unidades da federação, a Prova Brasil é censitária e alcança todos os estudantes das séries avaliadas, de todas as escolas públicas urbanas do Brasil com mais de 20 alunos. Assim sendo, atinge cada um dos municípios brasileiros, avaliando praticamente escola por escola. Com base nessas características, os resultados da Prova Brasil (2005/2007) permitem uma “análise com vistas a possíveis mudanças das políticas públicas sobre educação e de paradigmas utilizados nas escolas brasileiras de ensino fundamental e médio” (PDE/Prova Brasil 2007, p.5). Portanto, o aperfeiçoamento do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica, sobretudo a partir de 2005, permite que os exames externos passem a subsidiar não apenas a avaliação, mas, sobretudo, a comparação da educação básica brasileira, possibilitando através de seus resultados a classificação, responsabilização e regulação do trabalho realizado nas escolas, oferecendo subsídios para rankings e premiações. Entretanto, os resultados deste processo centralizado, ao mesmo tempo em que pretendem induzir uma nova cultura escolar em torno das avaliações externas, geram contradições que são minimizadas, até justificadas, na medida em que o Estadoavaliador brasileiro também atua como Estado-educador (MARTINS, 2011) buscando educar gestores, professores e estudantes para uma nova cidadania adequada às demandas do sistema político-econômico dominante. Falleiros (2005), referindo-se à Nova Pedagogia da Hegemonia, esclarece que o Estado burguês capitalista investe no consenso, via aparelhos privados de hegemonia, para legitimar seu projeto de sociedade. Tomando como perspectiva a definição de Estado Ampliado em Gramsci (2000), isto é, aparelhagem estatal + sociedade civil, explica que tal investimento busca fazer da escola um espaço consensual de formação técnica e ético-política de um novo homem, de uma nova cidadania. Assim, identificamos no processo de avaliações externas uma ação pedagógica do Estado, uma Pedagogia da Hegemonia (NEVES, 2005) que busca reorientar o trabalho docente adequando-o aos valores neoliberais, à lógica do mercado, ao padrão de qualidade compatível com as atuais demandas da acumulação capitalista. Nesta perspectiva, o espírito de competitividade convive, sem contradições, com o espírito de solidariedade, remetendo às orientações do “aprender a fazer” e “aprender a conviver”. Junqueira&Marin Editores Livro 2 - p.006678 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 Identificando/problematizando alguns pressupostos centrais neste processo Os documentos curriculares, sobre os quais se baseiam as avaliações nacionais da educação básica, reafirmam desde a década de 1990 as bases que devem pautar a educação escolar. Segundo o PCN do Ensino Fundamental, trata-se da formação dos estudantes em termos de sua capacitação para a “aquisição e o desenvolvimento de novas competências, em função de novos saberes que se produzem e demandam um novo tipo de profissional, preparado para poder lidar com novas tecnologias e linguagens, capaz de responder a novos ritmos e processos” (BRASIL, 1995, p.28). Atualmente tais orientações reforçam o significado implícito no discurso sobre a qualidade na educação, acentuando a perspectiva da formação com base na pseudoteoria do capital humano que, segundo Frigotto (2011), produz mistificações, dentre elas a pedagogia das competências. Reafirmando essas idéias, o documento “Educación de calidad para todos: un asunto de derechos humanos” produzido pela Unesco (2008a) para a América Latina e Caribe afirma que “uma educação é de qualidade se promove o desenvolvimento das competências necessárias à participação nas diferentes áreas da vida humana, enfrentamento dos desafios da sociedade atual (...)”. (p.13) (Grifos nossos). De acordo com Souza (2009), o trabalho e a formação, ao longo da história do século XX, foram regidos pelas idéias da gerência científica e da gerência da qualidade total. No Brasil, tais idéias desdobram-se a partir dos anos 1990, na lógica da gestão a partir da demanda de formação de escolas e professores eficazes, de acordo com a perspectiva dos organismos internacionais, principalmente o BM, a UNESCO e a OCDE. Nesta perspectiva, Neves (2008) esclarece que as políticas para a melhoria da qualidade da educação escolar atual seguem, em geral, duas teorias: a teoria do capital humano, que subsidia a relação entre educação escolar e sociedade na perspectiva neoliberal, e a pedagogia das competências, que norteia a dimensão pedagógica de seu projeto educacional. “A teoria do capital humano imprime à educação escolar o seu caráter produtivista e a pedagogia das competências, (...) subtrai da formação humana ferramentas indispensáveis para o pensar e o agir autônomos” (p.67-68). Ramos (2011) acrescenta que a competência tomada como fator econômico legitima o consenso social em torno da idéia de que todos os trabalhadores pertencem a uma única classe: a capitalista, e de que o capitalismo é o único modo de produção Junqueira&Marin Editores Livro 2 - p.006679 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 capaz de manter equilíbrio e justiça social. Em síntese, “a questão da luta de classe é resolvida pelo desenvolvimento e pelo aproveitamento adequado das competências individuais, de modo que a possibilidade de inclusão social subordina-se à capacidade de adaptação natural às relações contemporâneas” (p.65). A autora salienta, entretanto, que a pedagogia das competências sofre de uma contradição intrínseca, ou seja, enunciar-se como pedagogia construtivista baseada no pensamento flexível, e implantar-se como uma pedagogia condutivista e tecnicista. Neste sentido seus aportes epistemológicos são o relativismo e o construtivismo radical do neopragmatismo. “É a própria lógica cultural pós-moderna” (p.64). Para Kuenzer (2002), atribuir à escola a responsabilidade pelo desenvolvimento de competências resulta em mais uma forma sutil e perversa de exclusão dos que vivem do trabalho por se constituir em uma tarefa que não é de natureza escolar. Atualmente, mais de duas décadas após as primeiras recomendações dos organismos multilaterais sobre a melhoria da qualidade da educação brasileira associada a sistemas de avaliações externas, o que vemos são novos exames e índices como a Prova Brasil (2005) e o IDEB (2007) impactando o currículo escolar, alterando a prática docente e a dinâmica da escola básica. O peso dos resultados de tais exames utilizados como subsídios para classificar, ranquear, premiar/punir escolas e professores tende a deslocar a prática dos educadores, valorizando somente o que é objeto da avaliação, ou seja, conteúdos mínimos, competências e habilidades básicas. Neste sentido, por traz da anunciada qualidade, o que se tem observado, ano a ano, nas escolas públicas brasileiras é a manutenção da fragilidade dos processos educacionais e uma adaptação às relações excludentes contemporâneas. Em outras palavras: a sonegação do ensino público de qualidade como direito de todos. Uma análise sobre a expropriação/reorientação do trabalho docente Trabalhamos com a perspectiva de que não podemos analisar qualquer objeto em educação deslocado da totalidade das condições sociais concretas nas quais se insere. Defendemos neste caso a importância epistemológica do conceito de totalidade. A dialética da realidade concreta não é um método que pretenda ingenuamente conhecer todos os aspectos da realidade, sem exceções, e oferecer um quadro ‘total’ da realidade na infinidade de seus aspectos e propriedades; é uma teoria da realidade e do conhecimento que dela se tem como realidade. (KOSIK, 1986, p. 36). Junqueira&Marin Editores Livro 2 - p.006680 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 Além da totalidade, consideramos também a contradição, não como categorias conflituosas, mas que se complementam. “A totalidade sem contradições é vazia e inerte, as contradições fora da totalidade são formais e arbitrárias” (KOSIK,1986, p.51). Assim sendo, compreender as políticas de educação, o impacto das avaliações externas sobre a prática docente e a organização curricular na escola, especialmente após os anos 1990, exige uma análise das múltiplas determinações relacionadas à expansão capitalista brasileira e mundial sob a hegemonia das idéias neoliberais. Em relação à educação pública vale ressaltar que se o trabalho docente é imediatamente improdutivo para o capitalismo (FRIGOTTO, 2001), a mediação do trabalho do professor é elemento central na formação do cidadão-trabalhador atual. Portanto, reconfigurar o sentido do trabalho docente poderá torná-lo mais ou menos flexível/produtivo, mais ou menos crítico e autônomo, mais ou menos adequado às idéias e necessidades do mercado e da produção capitalistas. Na perspectiva da subsunção real do trabalho humano no capitalismo (Marx, 1978), a lógica da produção afeta a educação escolar trazendo efeitos importantes para a vida e o trabalho do professor. Submetido às leis do mercado, a autonomia da prática docente tende a enfraquecer-se, tornando-a limitada e conduzida como prática social alienada, subordinada à racionalidade técnica e ético-política do capital. Bonfim (2009) chama a atenção para o fato de que embora na formulação dos organismos internacionais dos anos 1990 a qualidade da educação estivesse vinculada à ênfase nos processos de capacitação do professor, nos anos 2000, esta formulação redireciona seu foco, prescrevendo mais claramente uma proposta de regulação do trabalho docente. Neste mesmo sentido, a autora salienta que o trabalho docente na escola pública é alvo de velhas e atualizadas formas de expropriação, entre elas, a expropriação do que é próprio ao trabalho de ensinar: o conhecimento e as possibilidades de escolha. “O conhecimento a ser ensinado na educação básica está traduzido em competências, nos PCNs, assim como o que será avaliado pelo SAEB, Prova Brasil e ENEM, (...) (BONFIM, 2009, p.23). De acordo com a pesquisa “Trabalho Docente na Educação Básica no Brasil", projeto desenvolvido a partir de 2010, sob a coordenação geral das professoras Dalila Andrade Oliveira e Lívia Maria Fraga Vieira, da Fae/UFMG, questionados se consideram-se responsáveis pela classificação de sua escola nas avaliações realizadas pelos governos federal, estadual e municipal, 79% dos professores respondem que sim. Junqueira&Marin Editores Livro 2 - p.006681 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 Questionados, ainda, se observam transformações e repercussões das políticas educacionais sobre o seu trabalho, 79% também respondem que sim. Existem duas situações que têm sido muito vivenciadas pelos sujeitos docentes nas unidades educacionais, (...) que é o fato de que 80% dos entrevistados têm se sentido constrangidos a mudarem a forma de trabalho em razão dos resultados dos exames de avaliação e, também, de que 71% estão se sentindo forçados a dominar novas práticas, novos saberes, novas competências, novas funções e responsabilidades (p.67). Neste processo traduzido sob a forma de constrangimento pelos educadores, a educação escolar tende a assimilar como referência teórico-pedagógica as competências e habilidades (básicas) que norteiam as avaliações externas em todo o país, aprofundando tanto a expropriação do trabalho docente quanto da classe trabalhadora em relação aos saberes necessários à consciência das relações sociais vigentes. Ao mesmo tempo, do ponto de vista ético-político, tais referências visam convencer os indivíduos sobre novos saberes e valores relativos aos atuais padrões de produção flexível do capital, na medida em que reforça, no senso comum, a idéia de que as relações de trabalho, bem como as possibilidades de inclusão social são de competência estritamente individual. Entretanto, esse jogo de coerção e busca por consenso é necessariamente mediado pela escola, em especial pelo trabalho docente que na educação capitalista se depara com as contradições, mas também com as possibilidades diante dos interesses da maioria explorada. Assim, consideramos relevante a hipótese de que tanto os supostos avanços, quanto os problemas atuais observados na qualidade do ensino público, possam ser não apenas “causa” – aparentemente refletida nos resultados das políticas de avaliação externa -, mas essencialmente “efeito” das concepções que fundamentam essas mesmas políticas que buscam afetar o trabalho docente. Essas avaliações mediriam, na verdade, os efeitos de seus próprios princípios e concepções curriculares aplicados à educação brasileira. Em outras palavras, a essência da realidade por vezes encontra-se oculta pela aparência do fenômeno que “indica a essência e, ao mesmo tempo, a esconde. A essência se manifesta no fenômeno, mas só de modo inadequado, parcial, ou apenas sob certos ângulos e aspectos.” (KOSIK, 2002, p.15). Junqueira&Marin Editores Livro 2 - p.006682 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 Que caminho trilhamos? A partir das idéias e hipóteses que apresentamos, entendemos que a implicação das avaliações externas sobre a escola e o trabalho docente deve suscitar uma reflexão que indague se a paulatina melhora do Ideb não estaria ocultando práticas escolares que, na busca de adequação, acabam fragilizando aprendizagens e comprometendo a qualidade da educação, apenas adiando a exclusão escolar. Freitas (2007) adverte sobre esta possibilidade no texto “Eliminação adiada: o ocaso das classes populares no interior da escola e a ocultação da (má) qualidade do ensino”. Salienta que algumas práticas pedagógicas relacionadas com experiências alternativas no campo da avaliação e da adoção de novas configurações de espaçostempos escolares, podem na prática fragilizar a qualidade das aprendizagens, adiando a exclusão escolar, sem que isso se torne de imediato perceptível em índices como o IDEB. (...) propusemos o conceito de “eliminação adiada” para identificar uma das situações geradas no processo de exclusão das camadas populares do interior da escola: o conceito referia-se à permanência dos alunos dessas camadas na escola durante algum tempo, postergando sua eliminação da escola e realizando-a em outro momento mais oportuno. (FREITAS, 2007, p.972). Os estudos realizados em nossa pesquisa, associados a resultados de outras investigações como “Avaliação e Qualidade na educação: implicações das avaliações externas no currículo, na avaliação escolar e na organização do trabalho pedagógico”, desenvolvida na FEBF/UERJ, apontam que ao buscarem responder às exigências das avaliações externas, algumas estratégias escolares e práticas docentes mostram-se incompatíveis com o anunciado discurso da melhoria da qualidade. Por outro lado, encontramos alertas em documentos oficiais que norteiam a Prova Brasil/SAEB/IDEB, indicando que a implantação de políticas de avaliação, seus princípios e fundamentos, apresentam problemas em relação à possibilidade de nortearem a qualidade da educação pública brasileira. Uma primeira questão colocada pelos PCN de matemática, alerta que, em geral, a implantação de propostas inovadoras esbarra na falta de formação profissional qualificada, na existência de concepções pedagógicas inadequadas e, ainda, nas restrições ligadas às condições de trabalho. Afirma ainda o documento que “Tais problemas acabam sendo responsáveis por muitos equívocos e distorções em relação aos fundamentos norteadores e idéias Junqueira&Marin Editores Livro 2 - p.006683 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 básicas que aparecem em diferentes propostas” (PCN matemática, 2000, p.23-24). (Grifo meu) Outro alerta refere-se ao próprio INEP (contido na matriz de referência de matemática) reconhecendo limitações da Prova Brasil/SAEB para avaliar plenamente a qualidade da aprendizagem através de questões de múltipla escolha com base na noção de competências. (...) diferentemente do que se espera de um currículo [a matriz] não menciona certas habilidades e competências que embora sejam importantes, não podem ser medidas por meio de uma prova escrita. Em outras palavras, a Matriz de Referência de Matemática do Saeb e da Prova Brasil sofre as limitações do tipo de instrumento (prova) utilizado na medição do desempenho. Sob esse aspecto, parece também ser evidente que o desempenho dos alunos em uma prova com questões de múltipla escolha não fornece ao professor indicações de todas as competências desenvolvidas (...) (http://www.inep.gov.br/basica/saeb/matrizes/matematica.htm) (Grifos meus). Embora estes dois fragmentos refiram-se a documentos que orientam os exames externos em matemática, eles abordam questões gerais que, neste caso, podem ser aplicadas à análise do processo como um todo. Diante de toda a argumentação apresentada até aqui, nos parece prudente considerar que o comemorado crescimento do IDEB não signifique uma correspondente melhora da qualidade da educação. Ao contrário, apontamos razões na direção de que o impacto das avaliações externas esteja implicando o comprometimento desta possibilidade. Neste sentido, algumas questões indicam alternativas possíveis a este processo. Seriam os equívocos e distorções em relação aos fundamentos norteadores e idéias básicas da política de avaliações externas brasileiras, apenas conseqüência da falta - de formação qualificada, conhecimento e/ou compreensão - dos educadores? Não estariam tais equívocos e distorções, essencialmente relacionados a contradições presentes nesses mesmos fundamentos e idéias que os exames buscam induzir ao trabalho docente? Em outras palavras: Será mesmo possível acreditar e fazer acreditar que o espírito de competitividade possa conviver sem contradições com o espírito de solidariedade? Na medida em que nossa abordagem aponta para contradições e mesmo a impossibilidade de que noções como as de capital humano e competências possam Junqueira&Marin Editores Livro 2 - p.006684 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 responder à demanda por qualidade da educação escolar, especialmente para a classe trabalhadora, propomos, a seguir, uma perspectiva que envolve o conhecimento como possibilidade de reflexão e transformação. Considerações finais Para que a escola supere a atual concepção pragmática e condutivista orientada pelo capital, propomos repensar a relação teoria/prática e orientar o processo educativo como práxis educativa. Segundo Konder (2003), na práxis, o sujeito age conforme pensa, a prática “pede” teoria, as escolhas e decisões precisam ter algum fundamento consciente, devem poder ser justificadas. Na práxis, o sujeito projeta seus objetivos, assume seus riscos, carece de conhecimentos. Em outras palavras, na práxis a teoria se integra à prática, “mordendo-a”, e a prática “educa” e “reeduca” a teoria. Segundo Kuenzer (2002), a dimensão cognitiva presente na concepção de praxis refere-se à realidade presente, o que não implica necessariamente em uma exigência de ação efetiva. O seu caráter teleológico, entretanto, é caracterizado por finalidades decorrentes de necessidades de sobrevivência como produtos da consciência. A autora explica que as finalidades se constituem na busca pelo que não está dado, pelo que ainda não existe, e supõe uma certa consciência e atitudes frente à realidade. Neste sentido, informação não é conhecimento, é prática teórica; conhecimento é práxis. Conclui a autora que nesta perspectiva, o conhecimento do presente permite antecipar o futuro, como expressão de necessidades humanas e também como desejo, como o que não está dado e queremos que se realize. No conceito de práxis inclui-se, portanto, além da dimensão cognitiva da ação humana, a dimensão afetiva, ambas confluindo para os fazeres humanos, sem o que não se materializam, e não transformam. Nesta perspectiva o trabalho docente readquire a sua condição histórica no interior das relações sociais de produção, bem como sua dimensão criadora e de fonte de prazer. Assim sendo, o referencial do materialismo histórico-dialético tem uma importante contribuição para uma educação plena que tem no trabalho docente fonte de criação e humanização. Junqueira&Marin Editores Livro 2 - p.006685 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 Referências bibliográficas BONFIM, Maria Inês do Rego Monteiro. A formação do trabalhador docente no “capitalismo dos serviços”. Endipe 2009. BRASIL. Governo Federal. Lei 9.394/96: Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, de 20 de dezembro de 1996. In: Parâmetros curriculares nacionais: Ensino Médio. MEC. 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