XXII Curso de reabilitação e traumatologia do desporto Coimbra, 28 de Janeiro de 2012 Mais um excelente Curso foi organizado pelo Prof. Dr J. Páscoa Pinheiro e pelo Dr. Pedro Lemos Pereira, o qual teve cerca de 3 centenas de inscritos. O Ligamento Cruzado Anterior (LCA) foi o convidado de honra nas palestras. No sentido de homenagear este Curso e divulgar de modo mais amplo algumas das ideias e conceitos apresentados, elaboraram-se alguns resumos. Foi um Curso extraordinário, onde se aprenderam as novidades, se recordaram pormenores já esquecidos e se perspetivou alguns conceitos de outro modo. O Dr. Raul Maia e Silva revelou que cerca de 70% das lesões do LCA acontecem num contexto sem contacto, ao mesmo tempo que questionou a definição de “contacto”. As estatísticas indicam que a média das idades de aparecimento da lesão é de 25 anos, embora surja mais cedo nas mulheres. A incidência é bastante superior nestas. Realizam-se cerca de 350 mil cirurgias nos EUA por ano, o que implica o gasto de 2 mil milhões de dólares. A análise vídeo revela que no final de um salto, de uma desaceleração ou de uma mudança brusca de direção, quando o joelho se encontra próximo da extensão e o pé apoiado, a excessiva rotação externa da tíbia leva ao colapso em valgo com ocorrência da lesão (menos frequentemente a lesão ocorre em rotação interna). Realçou a importância dos músculos isquiotibiais nesta dinâmica. Os pisos artificiais constituem um elemento extrínseco muito importante para a génese da lesão e, assim sendo, não surpreende que o futebol americano seja o rei das lesões. Entre os fatores de risco referiu o défice de proprioceção e de flexibilidade. A importância da fadiga muscular, como fator causal ainda não está bem esclarecida. De facto, não existem diferenças na ocorrência da lesão nas duas partes de um desafio de futebol. Um 4 · Março 2012 www.revdesportiva.pt conceito a ter em conta no sexo feminino é o do desequilíbrio anterior do tronco no momento da chegada ao solo após um salto que, concomitantemente com a rotação interna do fémur e a rotação externa da tíbia, provocam uma perigosa hiperextensão em valgo, geradora de lesões em muitos casos. O autor certamente que produzirá no futuro um texto mais completo para publicação nesta Revista. Coube ao Dr. Henrique Jones abordar o tema do Diagnóstico Clínico. Como médico experiente indicou a importância da história clínica para a elaboração do diagnóstico e indicou que devemos ouvir o atleta e perguntar-lhe se sentiu algum estalo no interior do joelho ou algo que “saísse do sítio”. Naturalmente a visualização da lesão, o modo como o atleta coloca o joelho no momento da lesão, poderá ajudar na elaboração mental de um diagnóstico, mesmo antes de conversar e analisar o jogador. Durante o jogo, a solicitação ao atleta que realize no terreno alguns testes (acelerações e desacelerações) pode ajudar a diagnosticar e a contraindicar a continuação no jogo, considerando até mais importante que a elaboração de algumas manobras de diagnóstico. Depois deu muita importância à ocorrência da hemartrose, a qual existe em 65% dos casos de rotura do LCA, indicando autores, Bomberg et al., que referiram até 71%, concluindo pela existência de grande correlação entre a hemartrose e a rotura do LCA. Indicou que apenas é necessário saber 2 ou três testes clínicos, desde que se saiba realizá-los e se tenha alguma experiência com eles. Considerou o teste de Lackman como o mais importante para o diagnóstico. A comparação com o lado contralateral poderá ajudar ao diagnóstico. O Rx simples deve ser sempre realizado em primeira instância, pois o aparecimento da fratura de Segond é um sinal patognomónico de rotura do LCA. A realização da RMN confirma a lesão, determina a existência de lesões associadas e é importante no contexto das Seguradoras. Depois, no tratamento, a atuação é diferente perante o atleta profissional ou amador, pelo que os momentos para a cirurgia serão naturalmente diferentes. O Dr. Jacques Rodineau, de Paris, veio falar sobre a o Papel da RMN Para a Decisão Terapêutica. O título parecia estranho, mas a sua palestra veio esclarecer as nossas dúvidas. Confirmou que a história clínica é muito importante e que não se deve abusar da RMN. Contudo, tem indicação formal para a sua realização no caso de desportistas de alto nível e se houver dúvidas no diagnóstico. Referiu a importância da RMN para o diagnóstico da rotura do LCA, da fratura de Segond, das lesões meniscais e da contusão óssea. No seu entender, a existência desta faz suspeitar da existência da rotura do LCA, sendo um sinal indireto. Mas a RMN é falível e referiu que a sensibilidade é igual a 94% e a especificidade é igual a 82%. Ao longo da sua palestra conduziu-nos na leitura da RMN nos planos sagital, coronal e axial. A grande novidade foi a possibilidade da RMN fazer o diagnóstico de rotura do LCA em “nutrição”, à qual aconselhou o tratamento conservador, com imobilização durante 6 semanas, permitindo a mobilização entre os 30 e os 60º de flexão. Contudo, apesar do ligamento “colar”, a resistência final do LCA cicatrizado é pequena, pelo que este tratamento não está indicado nas pessoas com grande solicitação do joelho, em termos de torção e mudanças bruscas de direção. Numa sua casuística, em 101 LCAs rotos tratados conservadoramente, 10% necessitaram de ligamentoplastia posterior. A rotura do LCA no atleta adolescente é algo de grande preocupação. O Prof. Dr. J. C. Noronha veio-nos tranquilizar em relação à cirurgia realizada em jovens atletas, no início da 2.ª década da vida. Referiu um estudo onde se demonstrou a existência de poucas complicações em operações realizadas em jovens com menos de 14 anos de idade. No seu entender, as complicações devem-se a erros técnicos cirúrgicos, indicando alguns cuidados a ter na cirurgia: fazer túneis pequenos (máximo de 7 mm), os quais devem passar o mais perpendicular possível à fise tibial (túnel a 60°), uso de brocas de tamanho progressivo para evitar o sobreaquecimento, uso de enxerto com isquitiobiais e o enxerto não deve ficar tenso. Referiu que as técnicas extraarticulares são más, pelo que apenas se utiliza a técnica intraarticular isolada. Muito importante: o neoligamento acompanha o crescimento da criança. Também importante referiu que a escolha da indicação cirúrgica depende da idade, da motivação desportiva, do grau de laxidez, do teste isocinético e do hop test, o que significa que nem todos os joelhos são para operar. Indicou que o seu doente cirúrgico mais jovem tinha 10 anos e idade e que o operou porque esta criança tinha episódios repetidos de instabilidade causadores de quedas muito frequentes, realçando-se assim a clínica como elemento que decide a eventual indicação cirúrgica. Referiu ainda uma casuística, em que dos 38 casos operados um quarto ficou com laxidez considerável, e que aguardam a idade adulta para re-intervenção. O facto de ser operado não significa que se consiga sempre a reconstrução anatómico-funcional perfeita e, enquanto se corrige bastante bem a translação anterior da tíbia, a instabilidade rotatória do prato tibial sob os côndilos femorais pode permanecer, sendo os resultados melhores com a utilização do duplo feixe aquando da ligamentoplastia. O Dr. Alberto Monteiro referiu que a instabilidadade rotatória é o principal indicador de vulnerabilidade do joelho e indicação para a cirurgia de reconstrução do LCA. Referiu que existem vários sistemas para avaliar esta atividade rotatória, mas que nenhum apresenta resultados esclarecedores. Neste sentido, a sua equipa, liderada pelo Prof. Dr. J. Espregueira Mendes, desenvolveram o PKTD com RMN para estudo da translação anterior e rotações interna e externa da tíbia. Mostrou várias imagens interessantes do modo como o sistema funciona. Com esta tecnologia é possível verificar quais os doentes que precisam de reparação, sendo que os doentes sem instabilidade rotatória não têm indicação cirúrgica. È também importante para a decisão terapêutica quando existem roturas parciais do LCA. O Prof. Dr. Fernando Fonseca abordou o tema das Novas Perspetivas Para a Cirurgia do LCA. Fez uma excelente resanha história e foi referindo que já Galeno, no séc. II, abordou este tema e que a primeira plastia do LCA foi realizada em 1895 por Mayo Dobson. A primeira questão que colocou foi se é economicamente defensável a correção cirúrgica da rotura do LCA e, como resposta, apresentou um estudo americano, no qual se concluiu que a cirurgia é “cost-efective”, isto é, fica mais barato operar que não operar. Das meta-análises e dos estudos consultados concluiu que existe insuficiente evidência para a escolha do tipo de plastia: osso-tendão-osso (OT) ou semitendinoso-gracilis (ST-G) e que ao fim de 2 anos ambas as técnicas apresentam boa estabilidade e excelentes resultados funcionais; que o uso dos aloenxertos foi abandonado por causa da transmissão das infeções; que não há diferença (a não ser no custo) na utilização de parafusos bioabsorvíveis ou de metal; que uma meta-análise de nível 3 indicou não haver diferenças com o uso de plastia com 1 ou 2 feixes; que não existe limite de idade para a intervenção cirúrgica; que o túnel femoral (posicionamento anterior) é a grande causa para a falência da cirurgia. Referiu ainda a cirurgia assistida por computador, que utiliza muitos instrumentos, e a ocorrência de fratura de stress por causa do cravo fixador destes instrumentos, pelo que é um procedimento que necessita de evolução e mais experiência. A engenharia de tecidos, na perspetiva de poupar os tendões dadores da plastia, tem sido muito estudada, ao ponto de na Pubmed existirem mais de 9 centenas de artigos sobre o tema. O Dr. João Paulo Branco veio abordar o tema dos Programas de Prevenção Lesional. Constatou-se que existem fatores de risco imutáveis, como seja a existência de chanfradura intercondiliana femoral estreita (< 15 mm), o ângulo Q aumentado, que provoca valgismo, e alguns dias do ciclo menstrual na mulher. Nesta, seria entre o 8º e o 14º dia, por razões hormonais, que o risco de rotura do LCA seria maior, já que existiria maior laxidez ligamentar. Um estudo publicado em 1999 indicou o risco de 2 a 8 vezes superior. A chanfradura estreita provocaria impingement no ligamento e o risco seria importante nas lesões que ocorrem com o joelho em extensão. A utilização de ortóteses teria discreta influência, sem tradução no EMG, havendo até um estudo que indica ser a própria ortótese um fator de risco, pelo que deve ser abandonada com este objetivo. Os fatores de risco modificáveis indicados foram: força, a flexibilidade e a proprioceção, referindo vários estudos indicadores da diminuição do risco lesional, havendo um estudo que indicou valores entre 60 e 89% na diminuição da ocorrência da lesão. Existe uma correlação entre a força máxima dos músculos quadricípites e isquiotibiais e a diminuição da incidência das roturas do LCA. As principais mensagens desta comunicação são que os programas físicos devem incluir o desenvolvimento daquelas qualidades e as atividades de treino propriocetivo são o “Gold standart” na prevenção da lesão. Revista de Medicina Desportiva informa Março 2012 · 5