Uso Racional de Hemoderivados em
Pediatria
Marinã Ramthum do Amaral
R3 UTIP
Estagiando na Unidade de Neonatologia do
Hospital Regional da Asa Sul/HRAS/SES/DF
Preceptora: Dra Albaneyde Formiga –
Neonatologista HRAS
2/7/2008
INTRODUÇÃO
Hemotransfusão é um procedimento
comum na prática clínica do pediatra
geral.
Avaliação consciente de potenciais
riscos e benefícios.
Poucos estudos sobre os critérios para
indicação de hemotransfusão em
pediatria estão disponíveis.
Objetivos
Abordar as indicações de uso de
hemoderivados em pediatria.
Entender os princípios fisiológicos da
indicação de hemoderivados.
Abordar indicações de hemoderivados
para o recém-nascido.
Alertar sobre potenciais riscos
envolvidos no uso de hemoderivados.
Concentrado de Hemácias
A rotina de manter hemoglobina (Hb) =
10g/dl e Hematócrito (Htc) = 30% data
de 1942.
Estudos recentes mostram que níveis
mais baixos de Hb podem ser tolerados
mesmo por pacientes criticamente
doentes.
Fisiopatologia
Débito de oxigênio (DO2) e consumo de
oxigênio (VO2)
Reserva fisiológica:
Aumento do débito cardíaco (FC e volume
de ejeção)
Aumento da extração de oxigênio pelos
tecidos
Estímulo à produção renal de eritropoetina
Fisiopatologia
Crianças submetidas a hemodiluição
isovolêmica intraoperatória em cirurgia
ortopédica toleraram níveis de Hb até 3
g/dl com Sat venosa central de 72,3%,
sem queda no consumo global de O2 ou
aumento no lactato sérico.
FONTANA et al. Oxygen Consumption and cardiovascular function in children
during profound intraoperative normovolemic hemodilution, 1995.
Fisiopatologia
Pacientes criticamente doentes:
Aumento da demanda metabólica
Prejuízo dos mecanismos adaptativos.
Dependência patológica da oferta de
oxigênio
Fisiopatologia
Estudos em pacientes graves tem
resultado variável ao correlacionar a
hemotransfusão com aumento no
consumo de O2.
LACROIX et al. Transfusão de sangue e hemoderivados: quando, por que e
como, 2005.
Relação entre débito de oxigênio e
consumo de oxigênio
Limiar crítico em pacientes doentes
VO2
Limiar crítico em pacientes normais
DO2
Fisiopatologia
Elevar DO2 ou débito cardíaco a valores
supra-fisiológicos não trouxe diminuição
da mortalidade, exceto talvez em préoperatório.
HAMEED, AIRD, COHN. Oxygen delivery, 2003.
Fisiopatologia
Outras formas de elevar DO2:
 débito cardíaco: drogas vasoativas,
expansão volumétrica
 SatO2: FiO2, garantir ventilação
adequada.
Fisiopatologia
Eficácia fisiológica das hemotransfusões
Hemácias estocadas tem menor quantidade
de 2,3 DPG e menor capacidade de se
deformar.
Prejuízo à microcirculação e liberação de O2 ao
tecido.
Não tem sido observado de forma consistente
o aumento no consumo de O2 associado à
transfusão de hemácias.
CORWIN. Transfusion practice in the critically ill: Can we do better? , 2005.
Indicações de Hemotransfusão
O nível de HB de 10 g/dl mostra-se
arbitrário e não encontra suporte nas
evidências científicas atuais.
Transfundir o paciente simplesmente
para
atingir
níveis
maiores
de
hemoglobina pode não melhorar seu
prognóstico.
Em geral utilizam-se volumes de 5 a 15
ml/Kg.
Indicações de Hemotransfusão
Hébert et al
Adultos criticamente doentes
Política de hemotransfusões restritiva
Hb entre 7 e 9 g/dl
Política de hemotransfusões liberal
Hb entre 10 e 12 g/dl
Não houve diferença de sobrevida.
HÉBERT et al. A multicenter, randomized, controlled clinical trial of
transfusion requirements in critical care, 1999.
Indicações de Hemotransfusão
Grupo restritivo mostrou menor
incidência de disfunção de órgãos,
complicações cardíacas e menor
mortalidade.
Exceção: pacientes com angina instável
ou isquemia miocárdica ativa.
HÉBERT et al. A multicenter, randomized, controlled clinical trial of
transfusion requirements in critical care, 1999.
Indicações de Hemotransfusão
Lacroix et al
Crianças internadas em UTI,
hemodinamicamente estáveis
Política restritiva X política liberal
Não houve diferença no prognóstico
LACROIX et al, TRIPICU Investigators. Transfusion strategies of patients in
pediatric intensive care units, 2007.
Indicações de Hemotransfusão
Goodman et al
Transfusões associadas ao aumento da
morbidade em crianças com Hb < 9
g/dl.
GOODMAN et al. Pediatric blood cell transfusions increase resource use, 2003.
Indicações de Hemotransfusão
Bell et al
Estudo em Recém-Nascido Pré-termo
(RNPT)
Estratégias restritivas X liberais
Maior incidência de apnéias e de dano
neurológico grave (HIV grau 4 ou
leucomalácia periventricular)
BELL et al. Randomized trial of liberal versus restrictive guidelines for red
blood cell transfusion in preterm infants, 2005.
Ao analisar valores de Hb,
considerar:
Idade;
Diagnóstico;
Comprometimento
hemodinâmico;
Acidose metabólica;
Lactato elevado;
Disfunção de
múltiplos órgãos;
Sangramento ativo;
PaO2 ;
Hipóxia/cianose;
Desconforto
respiratório;
Outras evidências de
déficit na oferta de
O2;
Tempo de instalação
da anemia.
Indicações de hemotransfusão
Não basta encontrar um valor de Hb
para todos os pacientes.
Busca de marcadores clínicos para
refletir baixo débito de O2:
Lactato, pH, ânion gap, BE ???
Maior variabilidade na conduta clínica
em pacientes com Hb entre 6,5 e 9
g/dl.
Indicações de hemotransfusão
Não se basear apenas na Hb para
transfundir.
Nem sempre Hb reflete oxigenação!
Avaliação global do paciente.
Guidelines apenas orientam, mas não
decidem conduta transfusional.
Ter em mente os objetivos que se quer
atingir com a hemotransfusão.
Alternativas à Hemotransfusão
Diminuir perdas sanguíneas;
Otimizar a oxigenação, adequar reposição de
volume, melhorar função cardíaca;
Perspectivas:
Eritropoetina
Carreadores artificiais de O2
Preservação de sangue placentário para autotransfusão no RN
Autotransfusão em crianças e adolescentes
Ainda restam os outros
hemocomponentes...
Plasma Fresco Congelado
Pacientes que apresentem déficit de
fatores de coagulação associado a
sangramento ativo ou necessidade de
procedimento invasivo.
Em geral utilizam-se volumes de 10 a
20 ml/Kg.
Plasma Fresco Congelado
Situações mais comuns:
Sangramento ou risco de sangramento
acentuado em vigência de coagulopatias
Deficiência de vitamina K
Insuficiência hepática
CIVD
Reverter rapidamente ação da warfarina
Reposição de fatores de coagulação na
ausência de fator específico
Coagulopatia dilucional
Plasma Fresco Congelado
Não é indicado:
Para expansão de volume
Para simples correção de alterações de
TAP/TTPA
Outros Derivados do Plasma
Crioprecipitado: contém as mesmas
quantidades de fator VIII, XIII,
fibrinogênio, fibronectina e FVW do que
o PFC, porém em menor volume.
Fatores de coagulação isolados: muito
úteis para pacientes com deficiência
documentada de 1 fator específico.
Hemofílicos
Fatores recombinantes
Concentrado de Plaquetas
Plaquetas: importância para hemostasia
primária.
Trombocitopenia é muito freqüente em
pacientes críticos, especialmente em
quadros infecciosos.
Em geral utiliza-se 1 unidade de
plaquetas/10 Kg. (max 6Un)
Em neonatos 5 a 10 ml/Kg.
Concentrado de Plaquetas
Consideram-se os seguintes fatores:
Contagem plaquetária
Sangramento ativo
Etiologia da plaquetopenia
Função plaquetária
Necessidade de procedimento invasivo
Sempre associar dados clínicos e
laboratoriais!
Concentrado de Plaquetas
Plaquetas < 5000-10000/mm3 + sepse
ou defeito de produção de plaquetas.
Para RNPT: <30000/mm3
Pacientes com sangramento ativo +
plaquetas < 30000-50000/mm3.
Para RNPT estável: < 50000/mm3
Para RNPT instável: < 100000/mm3
Concentrado de Plaquetas
Procedimento invasivo + plaquetas <
50000/mm3.
Idem anterior
CEC + plaquetas < 100000/mm3 ou CEC
+ sangramento ativo.
Contagem de plaquetas normais porém
com sangramento ativo e defeito
qualitativo nas plaquetas.
E para o bebezinho da UTI
neonatal-HRAS?
Como fazemos?
Indicações para UTI Neo - HRAS
Sangue Total:
Exsanguineotransfusão
Reposição de volemia se houver sinais
clínicos de choque
Reposição de mais de 1 volemia em menos
de 24h
Dose 20 ml/Kg em cerca de 2h.
Indicações para UTI Neo - HRAS
Concentrado de Hemácias:
10 a 15 ml/Kg em cerca de 2 horas
Htc ≤ 40%:
Cardiopatia severa com cianose ou ICC
FiO2 > 35% no Hood
CPAP ou VM com pressão média de vias
aéreas > 6cmH2O
Enterocolite necrosante
Indicações para UTI Neo - HRAS
Htc ≤ 30%
Se FiO2 > 21%
Em CPAP ou VM
Se apnéia significativa e bradicardia sem resposta
clínica a teofilina/aminofilina.
FC > 180 bpm e FR > 80 irpm persistente por 24h
Ganho ponderal < 10g/dia por mais de 4 dias com
ingesta calórica > 100 cal/Kg/dia
Se for submetido a cirurgia (considerar o tipo de
cirurgia e estabilidade clínica do RN)
Indicações para UTI Neo - HRAS
Htc ≤ 25%
Todos
Usar hemácias lavadas na forma anêmica da
doença hemolítica neonatal por Rh e ABO.
Não transfundir:
Pelo simples motivo de que o hematócrito está
baixo
Para repor sangue de coleta de exames (exceto se
> 10% da volemia)
Indicações para UTI Neo - HRAS
Plaquetas:
Rn com hemorragia grave e/ou plaquetas
< 10000/mm3.
10 ml/Kg em 20 a 30 min.
Plasma:
Expansor de volume (colóide)
CIVD, coagulopatias por doença hepática e
por déficit de fatores de coagulação
10 ml/Kg em até 2 horas.
Lembrar que as
hemotransfusões
envolvem
riscos...
Riscos Associados a Hemotransfusão
Embora atualmente mais seguras,
hemotransfusões não são um
procedimento inócuo.
Riscos infecciosos, efeitos
imunomodulatórios, alterações na
microcirculação.
Riscos Associados a Hemotransfusão
Há evidências de maior permanência no
hospital e maior mortalidade em
pacientes que recebem >2
hemotransfusões.
SPAHN, MARCUCCI. Blood management in intensive care medicine: CRIT and
ABC – when can we learn? , 2004.
Riscos Associados a Hemotransfusão
Reações precoces
Lesão pulmonar aguda (TRALI)
Embolia gasosa
Sobrecarga de volume
Hipotensão
Reações transfusionais não hemolíticas
Febre, calafrios
Rash Urticária
Reação transfusional hemolítica
Hemólise aguda
Erro de transfusão
Coagulopatia (transfusão maciça, dilucional)
Trombocitopenia
(transfusão
maciça,
dilucional)
Contaminação bacteriana/Bacteremia
Reações Tardias
Imunomodulação/Imunossupressão
Aloimunização
Hemólise tardia
Púrpura pós-transfusional
Doença enxerto versus hospedeiro
Transmissão de infecções
HIV
HTLV
Hepatite B
Hepatite C
Citomegalovírus
Outras infecções
Reações Agudas
Ocorrem nas primeiras 24 horas após a
transfusão.
Potencial tóxico dos aditivos utilizados:
Citrato: acidemia, hipocalcemia
Adenina e manitol: toxicidade renal (?)
Risco de hipercalemia associado à unidades
de hemácias estocadas por maiores períodos.
Septicemia associada a contaminação do
hemocomponente.
Reações Agudas
Sobrecarga de volume
Injúria pulmonar aguda associada à
transfusão
Dispnéia, hipoxemia e edema pulmonar.
Pouco reconhecida
1:5000 transfusões
Reações febris não-hemolíticas
0,5 a 1,5% das transfusões
Reações Agudas
Reações hemolíticas agudas
Incompatibilidade ABO ou por outros
antígenos eritrocitários.
Febre, palidez, taquicardia, taquipnéia,
hemoglobinúria, distúrbios de coagulação,
choque, IRA.
10% levam a óbito.
1:12000 Unidades.
Reações Agudas
Anafilaxia
Náuseas, diarréia, dor abdominal, calafrios,
angioedema, obstrução de vias aéreas, dor
precordial, arritmia, perda da consciência.
Febre não é comum.
1:20000 transfusões
Reações urticariformes
1 a 3% das transfusões
Reações Tardias
Ocorrem dias, semanas ou anos após a
transfusão.
Sobrecarga de ferro
pacientes submetidos cronicamente a
hemotransfusões.
Púrpura transfusional
Rara, mas pode ser grave. Queda
repentina de plaquetas 5 a 10 dias após a
transfusão.
Reações Tardias
Aloimunização
Meninas  preocupação com futuras
gestações
Diminuir a exposição usando pequenos
volumes do mesmo doador.
Reações Tardias
Efeitos imunomodulatórios
Disfunção de órgãos e ativação da cascata
inflamatória.
Presença de citocinas, ativadores de
complemento, radicais livres de O2 e
histamina
Imunossupressão?
Recorrência de doenças malignas
Maior incidência de infecção hospitalar
Maior risco de disfunção de múltiplos
órgãos.
Reações Tardias
Doença Enxerto X Hospedeiro
Reação de linfócitos presentes no
hemocomponente contra o organismo do
receptor.
Imunodeprimidos são grupo de maior
risco.
RN prematuros
Transfusões entre familiares
Cardiopatas: síndrome de DiGeorge
Reações Tardias
Pancitopenia refratária, febre, dermatite,
alterações de função hepática, diarréia,
náuseas e vômitos.
Fatal em mais de 90% dos casos.
Hemocomponentes irradiados para os
grupos de risco.
Reações Tardias
Infecções
Em Brasília se faz triagem para:
HIV, hepatite C, hepatite B, HTLV 1 e 2,
doença de Chagas e Sífilis.
Reações Tardias
HIV - 1:900000 unidades
Hepatite C – 1:600000 unidades
Hepatite B – 1:50000 a 1:150000 unid
Hepatite A – 1: 1000000 unidades
HTLV – 0,001% a 0,03% dos doadores
CMV: risco para imunodeficientes e
prematuros.
O vírus permanece latente em indivíduos
imunes.
Reações Tardias
Outras infecções:
Parvovírus B19
Doença de
Chagas
Doença de Lyme
Malária
Toxoplasmose
Calazar
Sífilis
Riscos futuros:
Febre do Oeste
do Nilo
Doença de
Creutzfeldt-Jacon
Reações Tardias
As crianças tem sobrevida maior do que
a média dos pacientes que recebem
hemotransfusões.
Qual o custo de uma infecção
transmitida por hemotransfusão?
Ufa! Estamos quase
acabando!!!
Conclusão
Buscar o uso racional de
hemocomponentes
Entender a fisiopatologia
Ter objetivos claros ao indicar uma
hemotransfusão
Conclusão
Não se trata de procedimento inócuo. Pesar
potenciais riscos e benefícios!
Guidelines servem como guia, mas nunca
como determinantes únicos da conduta
clínica!
“Na dúvida, não transfundir!” (Troster)
r
Obrigada!
Nota: do Editor do site
www.paulomargotto.com.br
Consultem:
MONOGRAFIA: Perfil epidemiológico
das hemotransfusões em Pediatria no
Hospital Regional da Asa Sul
Autor(es): Marinã Ramthum do Amaral
Anemia da prematuridade: uso da eritropoetina
Autor(es): Cléa R. Leone (SP). Realizado por Paulo R. Margotto
Limiar de Transfusão para RN Pré-Termo:Até onde
devemos ir ?
Autor(es): Edward F. Bell. Apresentação: Mariana Regis Jansen,
Mathias Palácio John,Paulo R. Margotto
Estudo randomizado e controlado de transfusão restritiva
versus liberal nos recém-nascidos de extremo baixo peso
Autor(es): Kirpalani H et al. Apresentação: Giselle Maria Araujo
Felix, Paulo César Montalvão de Albuquerque, Paulo R. Margotto
Estratégias de transfusão para pacientes em Unidades de
Cuidados Intensivos Pediátricas
Autor(es): Lacroix J et al. Apresentação: Mila Maia
Estudo randomizado de protocolos liberais versus restritos
para a transfusão de hemácias em recém-nascidos prétermos
Autor(es): Bell EF, et al. Apresentação: Virgínia Lira
Alterações Hemodinânicas em RN Prematuros Anêmicos:
Estamos permitindo os hematócritos baixos demais ?
Autor(es): Virgínia Lira, Mauro Bacas
Choque séptico
Autor(es): Eduardo J. Troster. Realizado por Paulo R. Margotto
Download

Uso Racional de Hemoderivados em Pediatria