MINICURSO DE CAPACITAÇÃO PROFISSIONAL PARA ASSISTENTES SOCIAIS E GRADUANDOS Instrumentalidade, estratégias e táticas no âmbito do SUAS Luciana Gonçalves Pereira de Paula Cuiabá 2015 1 A Descentralização de Políticas Públicas no Brasil e o Sistema Único de Assistência Social A Constituição de 1988, conhecida como Constituição Cidadã, fincou um novo marco na formulação e implementação das políticas públicas, haja vista que conferiu autonomia político-administrativa aos municípios. Estes passaram a ser entes da federação e ter capacidade e autonomia em formular e implementar políticas. Esta situação trouxe consigo o desafio da coordenação intergovernamental na gestão pública. A descentralização está inserida no contexto da redemocratização, sendo um processo, sobretudo político, e não meramente técnico-administrativo. Uma das soluções propostas para enfrentar o desafio da coordenação, provindas desta centralização, é a criação de sistemas nacionais de políticas, tal como foi o caso do SUS, Sistema Único de Saúde, que reúne os três entes da federação – União, estados e municípios – no financiamento e gestão do sistema, evitando assim possíveis sobreposições no oferecimento de políticas. Outras políticas setoriais estão aderindo ao modelo de sistemas, como é o caso da política de Assistência com a criação, em 2005, do SUAS – Sistema Único de Assistência Social . O Sistema Único de Assistência Social é um desenho de política nacional formulado para garantir que os direitos sociais previstos pela Constituição sejam garantidos. Este sistema é resultado de quase vinte anos de debates e operacionaliza elementos postos na Carta Magna de 1988, integrando definitivamente a Assistência Social, como pilar, juntamente com saúde e previdência social, da seguridade social. O SUAS consolida a visão de que a Assistência Social é um direito que deve ser efetivado por meio de políticas públicas e não uma ação voluntarista do Estado para com os pobres. Ponto de extrema relevância considerando a problemática da pobreza, herança histórica que perpassa a construção social do Brasil. As ações e serviços de Assistência Social são divididos em duas categorias de atenção ao cidadão: Proteção Social Básica e Proteção Social Especial de Média e Alta Complexidade. Este modelo foi elaborado e definido em 2004, na Política Nacional de Assistência Social, que organiza programas, serviços, projetos e benefícios sócio-assistenciais de acordo com a complexidade do atendimento. 2 Proteção social básica: ações de caráter preventivo, tendo por objetivo o fortalecimento dos laços familiares e comunitários. Proteção social especial de média complexidade: ações destinadas a situações nas quais os direitos do indivíduo e da família já foram violados, mas ainda há vinculo familiar e comunitário. Proteção social especial de alta complexidade: atende casos em que os direitos do indivíduo ou da família já foram violados, e também quando o vínculo familiar é rompido. É garantida proteção integral – moradia, alimentação, trabalho – para quem está em situação de ameaça, necessitando deixar o núcleo familiar ou comunitário. O Serviço Social e o Sistema Único de Assistência Social: desafios ao trabalho profissional Passada mais de uma década de avanços e retrocessos na política de assistência social, em um contexto de‚ contra reforma do Estado — onde as relações estabelecidas pelas políticas econômicas de recorte teórico neoliberal buscaram a privatização das políticas sociais públicas —, o Brasil constitui um dos poucos países da América Latina que possui uma Política Nacional de Assistência Social (PNAS), subsidiada pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, pela Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS), de 1993. Consubstancialmente, possui uma Norma Operacional Básica do Sistema Único de Assistência Social (NOB/SUAS), de 2005, que se constitui por uma gestão amparada por Planos e Fundos de Assistência Social. Na NOB-RH/SUAS, estão previstas as equipes de referência que são constituídas por servidores efetivos responsáveis pela organização e pela oferta de serviços, programas, projetos e benefícios de proteção social básica e especial, levando-se, em consideração, o número de famílias e indivíduos referenciados, o tipo de atendimento e as aquisições que devem ser garantidas aos usuários. A Norma prevê a participação de profissionais, que são distribuídos segundo o porte dos municípios. A composição da equipe de referência dos Centros de Referência da Assistência Social (CRAS), no âmbito da Proteção 3 Social Básica nos municípios, a partir do porte, se conforma da seguinte maneira: Pequeno Porte I - dois técnicos de nível superior (um profissional assistente social e outro, preferencialmente, psicólogo); Pequeno Porte II - três técnicos de nível superior (dois profissionais assistentes sociais e, preferencialmente, um psicólogo); Médio, Grande Porte Metrópole e DF - quatro técnicos de nível superior (dois profissionais assistentes sociais; um psicólogo; e um profissional que componha o SUAS). Em âmbito de Proteção Social Especial, a equipe de referência para a prestação de serviços e de execução das ações, no âmbito da Proteção Social Especial de Média e Alta Complexidade, alocada nos Centros de Referência Especializados (CREAS), nos municípios em Gestão Inicial e Básica - um assistente social; municípios em Gestão Plena e Estados com Serviços Regionais - dois. Portanto, abre-se um espaço profissional importante para os Assistentes Sociais que devem estar atentos para que seus trabalhos possam incidir na mudança da cultura tuteladora, tão tradicional na área, e criem condições objetivas para que esses trabalhos traduzam, não só os princípios éticos enunciados na NOB/RH/SUAS, como também os que informam a formação profissional. Está previsto na NOB-RH, que a Assistência Social deve ofertar seus serviços com o conhecimento e compromisso ético e político de profissionais que operam técnicas e procedimentos impulsionadores das potencialidades e da emancipação de seus usuários. Esse enunciado apresenta-se em convergência com o projeto ético-político da profissão, e as competências a serem efetivadas nesse espaço sócio-ocupacional, devem reafirmá-los. É preciso lembrar que princípios éticos das profissões são considerados ao se elaborarem, implantarem e implementarem padrões, rotinas e protocolos específicos, para normatizar e regulamentar a atuação profissional. Implica em compreender o desafio de desvendar as formas de vida das populações usuárias, identificando a desigualdade como fenômeno constitutivo dessa sociedade, assim como suas formas de resistência a tudo que os aniquila, para construir um trabalho na perspectiva da garantia de uma vida 4 digna, pautada no reconhecimento de seu protagonismo na construção de uma sociedade mais justa. O Exercício Profissional do Assistente Social O Serviço Social se constitui em uma profissão eminentemente interventiva e a prática profissional é condição essencial para que o Serviço Social seja reconhecido enquanto profissão e para que ocupe um lugar na divisão social e técnica do trabalho. É por meio do desvelamento das relações sociais que se pode desvendar o Serviço Social enquanto atividade socialmente necessária que possui efeitos na vida social, ao mesmo tempo em que sofre suas influências. Assim, a prática profissional é mediatizada pela correlação de forças entre as classes sociais, estabelecendo limites e possibilidades onde pode se mover o assistente social. Essa intervenção profissional do assistente social, enquanto uma prática socialmente útil que contribui no processo de reprodução social, se constitui a partir de três dimensões fundamentais: teórico-metodológica – a justificativa que responde ao “por que fazer” –; ético-política – a finalidade que se refere ao “para que fazer” –; técnico-operativa – operacionalidade que remete-se ao “como fazer”. Estas dimensões se articulam e constituem uma unidade que se expressa no momento da intervenção profissional. Quando o assistente social desempenha qualquer ação profissional, estão presentes, neste ato, as suas referências teóricas e metodológicas; os seus valores éticos e a sua concepção política; e todo o aparato técnico-operativo necessário à realização de tal intervenção. Não há como separar estes três componentes porque eles encontram-se absolutamente interligados. No processo de efetivação técnico-operativa da intervenção profissional estão automaticamente embutidas as referências, os valores e os objetivos do assistente social – tenha o profissional consciência ou não desse processo. A dimensão técnico-operativa no exercício profissional O debate sobre a dimensão técnico-operativa da intervenção profissional do assistente social, muitas vezes desprezado por causa de estigmas praticistas, acaba relegado a um segundo plano no processo de formação dos assistentes sociais. Segundo Santos (2007: 82), “(...) a questão relativa ao ensino dos instrumentos e técnicas ainda se expressa muito mais pelo ‘receio’ de ser ‘tecnicista’ do que pela ousadia 5 de criar alternativas/experiências explícitas e detalhadas para enfrentar o desafio de ensinar o ‘como fazer’ sem ser ‘tecnicista’”. Década de 1980 Amadurecimento teórico-metodológico. Um marco deste debate foi a produção teórica de Marilda Villela Iamamoto e Raul de Carvalho – Relações Sociais e Serviço Social no Brasil: esboço de uma interpretação histórico-metodológica – publicada em 1982. Muitos autores, dentro da literatura especializada, contribuíram com este debate, publicando elaborações teóricas cujo amadurecimento se mostra capaz de desvendar elementos extremamente ricos para a compreensão do Serviço Social. Década de 1990 Amadurecimento ético-político. Até a década de 1990 a ética permaneceu implícita no debate. Apenas entre os anos de 1992 e 1993 a questão ética se apresenta como um tema emergente no debate realizado pela categoria profissional. Deste modo, o debate sobre a dimensão ético-política da profissão ampliou-se no decorrer da década de 1990, expressando-se nos marcos do novo Código de Ética Profissional – 1993 –, na Lei de Regulamentação da Profissão – 1993 – e nas Diretrizes Curriculares – 1996. Década de 2000 Amadurecimento técnico-operativo. Verificamos, nos últimos, anos um aumento na publicação de reflexões acerca da dimensão técnico-operativa do Serviço Social, mas ainda é pouca a produção de conhecimento sobre esse tema dentro de uma perspectiva histórica, crítica e dialética, tendo como referencial teóricometodológico o pensamento marxista. Faz-se necessário destacar que, o aumento da produção de conhecimento sobre a dimensão técnico-operativa do Serviço Social, tem se realizado com mais intensidade na abordagem da temática dos instrumentos e técnicas profissionais do assistente social. Não são todos os elementos constitutivos dessa dimensão que vem sendo devidamente estudados pela categoria profissional. Com isso, estamos afirmando que a dimensão técnico-operativa possui como seus elementos os instrumentos e as técnicas que o assistente social utiliza no momento de sua intervenção profissional. Mas, essa dimensão não se restringe a esses dois elementos, ela engloba uma série de outros componentes que demandam conhecimento específico. 6 O instrumental não diz nada por si próprio, podendo apenas ser compreendido como um “aparato em movimento, como o caminho que cruza a dinâmica das relações entre o que se tem e aonde se quer chegar”. Desse modo, a dimensão técnico-operativa só se realiza em articulação com as demais, acionando a dimensão teórico-metodológica, no momento da análise da situação real para o desvelamento das demandas e a sua compreensão, e a dimensão ético-política, no posicionamento do profissional frente às suas escolhas no processo da sua intervenção. AÇÕES PROFISSIONAIS: As ações profissionais teriam uma abrangência maior e expressariam o fazer profissional: atender, orientar, encaminhar, avaliar, estudar, planejar e outras ações previstas como competências e atribuições na legislação profissional, que é desenvolvido em um serviço prestado pela instituição que pode ter variadas formas (como o plantão, por exemplo). Dessa forma, compõem as ações profissionais as atribuições que viabilizam as respostas dos profissionais às requisições colocadas pelas demandas institucionais, como parte da prestação de serviços sociais. Tais ações materializam o caráter interventivo do Serviço Social, sendo direcionadas pelas escolhas teórico-metodológicas e ético-políticas dos profissionais. A realização das ações profissionais do assistente social envolve, ainda, a escolha do tipo de abordagem. Nesse sentido, as possibilidades de abordagens são essencialmente individuais, grupais e coletivas. Percebemos, assim, que o exercício profissional do assistente social se constrói a partir das conformações que vão moldando a sua própria ação no momento da intervenção profissional. É para o desenvolvimento das ações profissionais que o assistente social lança mão dos instrumentos, escolhendo o que melhor lhe cabe na ação a ser realizada. OS INSTRUMENTOS: Os instrumentos são, dessa forma, os meios que preenchem a ação profissional do assistente social. São elementos que contribuem na passagem do objetivo profissional – a finalidade ideal – para a materialização da ação – a concretização do real. Os instrumentos utilizados pelos assistentes sociais cumprem um papel de ferramenta, de mediação para “a concretização das ações profissionais e estão presentes na execução das habilidades chamadas aqui de procedimentos”. Todos os instrumentos técnico-operativos, no campo do Serviço Social, são perpassados pela linguagem, seja ela escrita ou falada. O instrumento é considerado um elemento potencializador da ação; ele consiste no conjunto de recursos ou meios que permitem a operacionalização da ação profissional. Os instrumentos são elementos necessários à atuação técnica, através dos quais os assistentes sociais podem efetivamente objetivar suas finalidades. 7 Os instrumentos não são elementos estáticos imutáveis, ao contrário são passíveis de serem criados e recriados pelos profissionais que deles se utilizam. Existe um conjunto de instrumentos e técnicas histórica e tradicionalmente utilizados pelo Serviço Social, o que não significa negar a existência de outros ainda não captados ou que não venham a ser criados no desenvolvimento do exercício profissional. Os instrumentos são meios pelos quais podem se efetivar escolhas profissionais. E, se os instrumentos são, por natureza, neutros, as escolhas dos assistentes sociais não são. Os instrumentos são elementos imprescindíveis à ação dos profissionais e não são em si conservadores, progressistas ou revolucionários, mas, comportam, traduzem diferentes e até antagônicos vieses do pensamento e projetos profissionais. Portanto, os instrumentos não carregam em si uma tendência própria a serem críticos ou conservadores. Quem imprime essa tendência ao instrumento é a ação profissional, pois essa sim será sempre dotada de determinada concepção teórico-metodológica e de escolhas éticopolíticas. Com base nisso, o processo de escolha dos instrumentos não é neutro. AS TÉCNICAS: O assistente social para realizar seu trabalho e para que sua ação seja efetiva, faz uso de um conjunto articulado de instrumentos e técnicas. Os instrumentos são compreendidos como mediadores e potencializadores do trabalho, enquanto as técnicas são as habilidades para o “trato” dos instrumentos. As técnicas, assim, irão se aprimorar a partir da utilização dos instrumentos e das finalidades que se pretende alcançar. A técnica está associada à habilidade no uso do instrumento; é como uma qualidade atribuída aos instrumentos. Os instrumentos não podem ser tomados isoladamente, eles encontram-se sempre articulados à técnica – o conhecimento que permite o seu manuseio. Eles são elementos relacionais: o instrumento está sempre relacionado à técnica e vice-versa. A técnica é um conhecimento empírico, elaborado, desenvolvido pela capacidade humana como prolongamento de sua racionalidade para realizar coisas. Por isso, a técnica não é neutra, ela comporta em si mesma uma intencionalidade, pois ela é a manifestação de um determinado saber e nenhum saber é neutro. O conhecimento técnico é sempre produzido a partir de determinado processo sócio-histórico que imprime a ele uma direção. Toda técnica é formulada a partir de determinada concepção de mundo e expressa intenção sociais. Dessa forma, a técnica não encontra-se isenta das escolhas políticas, ao contrário, ao escolhermos uma técnica já estamos exercitando uma certa concepção política. A compreensão de técnica é o que vai indicar o tipo de abordagem que se faz dela, uma vez que ela permite uma pauta de intervenção: pensar um ‘como?’ a partir de um ‘para que?’, articulando-o com um ‘quando?’ e com um ‘onde?’. Desse modo, a técnica não pode ser compreendida 8 como uma forma pré-estabelecidas de atuação, ou um modelo regulatório a ser seguido, indicando previamente uma determinada forma de agir. A um mesmo instrumento podem se associar diferentes técnicas, ou seja, um mesmo instrumento pode ser utilizado de diferentes formas. Tomando a entrevista como um instrumento de trabalho do assistente social, ela pode ser realizada de forma aberta, fechada, semiestruturada etc. A entrevista – bem como qualquer instrumento – pode ser usada por meio de diferentes técnicas. O conhecimento técnico é um componente importante do arsenal de saberes que o profissional deve acumular em seu constante processo de formação. Para poder escolher, inclusive, qual a técnica que melhor se adequa a cada situação. No entanto, apenas o conhecimento da técnica não garante ao assistente social a realização de procedimentos qualificados que expressem competência profissional. Ao conhecimento técnico, necessariamente devem se somar outros tipos de saberes – essencialmente, o teórico-metodológico e o ético-político. O Debate das Estratégias e Táticas no Serviço Social ESTRATÉGIA Segundo o dicionário da língua portuguesa, a palavra estratégia possui o seguinte significado: arte de planejar operações de guerra; arte de combinar a ação das forças militares, políticas, morais, econômicas, implicadas na condução de uma guerra ou na preparação da defesa de um Estado; arte de dirigir um conjunto de disposições. TÁTICA Revisitando o dicionário em busca do significado da palavra tática encontramos: arte de combinar a ação de tropas, ou os recursos característicos das diferentes armas, a fim de obter o máximo de eficácia no combate; conjunto de meios ou recursos empregados para alcançar um resultado favorável. CONCEITOS ORIGINALMENTE MILITARES Nesse campo, a tática refere-se à coordenação das forças armadas nos momentos de batalha e a estratégia à coordenação das batalhas no processo da guerra. A guerra é apresentada como um fenômeno autônomo, muitas vezes, desvinculado do contexto histórico que a produz. Entretanto, todos os fenômenos sociais produzidos ao longo da história da humanidade são inegavelmente históricos. Portanto, cada guerra é uma guerra porque cada guerra pertence a uma determinada época distinta de uma sociedade específica. Nesse campo, a tática é concebida enquanto forma planejada de utilização das forças armadas no momento do combate bélico. É, 9 portanto, a tentativa de ordenar e dirigir cada um dos inúmeros choques que podem ocorrer no decorrer de uma guerra. A estratégia, por sua vez, diz respeito ao planejamento de todo o processo de combate bélico, ou seja, é a tentativa de coordenar todos os choques bélicos que venham a acontecer em função de uma guerra. NA TRADIÇÃO MARXISTA A noção que predomina no senso comum é a de que as estratégias visam objetivos mais distantes e as táticas os mais imediatos. Nesse caso, a diferença entre a estratégia e a tática seria uma questão de distância, ou de tempo. E poderíamos, ainda, concluir que o acúmulo de táticas bem sucedidas encontra-se automaticamente vinculado a uma estratégia vitoriosa. No campo da tradição marxista, táticas e estratégias só se constroem a partir de determinados objetivos e devem permanecer a eles vinculados. Esses objetivos, dentro de uma sociedade classista, estarão sempre articulados aos interesses de determinadas classes sociais. Sendo, portanto, as estratégias os caminhos construídos na tentativa de alcançar determinados objetivos classistas, as táticas constituem os procedimentos cotidianos capazes de nos aproximar desses objetivos. Deste modo, compreendendo as táticas como “métodos diários” que intencionam modificar ou manter determinadas situações ou conjunturas, podemos perceber que elas devem estar sempre em acordo com os objetivos e as estratégias. Outra questão importante é perceber que sendo as táticas construções cotidianas, absolutamente vinculadas a determinadas situações muito específicas, objetivos e estratégias similares podem exigir a elaboração de táticas diferenciadas. Portanto, embora as estratégias possam ser pensadas de maneira mais ampla, englobando diferentes realidades, as táticas não podem ser automaticamente transplantadas de uma situação para outra. Elas precisam ser elaboradas em total sintonia com a realidade onde vão se desenvolver. Por isso, os autores do campo marxista nos ajudam a pensar sobre estratégias e táticas, pois o que eles nos oferecem são leituras e interpretações acerca da realidade que vivenciaram. Eles elaboram um conjunto de operações táticas e direcionamentos estratégicos relacionadas ao seu contexto histórico e, assim, nos ensinam que não podemos pensar em estratégias e táticas como manuais previamente elaborados, pois é a conjuntura que vai indicar as estratégias e táticas cabíveis àquela momento. ELEMENTOS FUNDAMENTAIS 1) Construção do objetivo; 2) Análise da realidade; 3) Conhecimento teórico. 10 A CONSTRUÇÃO DO OBJETIVO Nesse sentido, o primeiro elemento que destacamos refere-se a necessária articulação entre tática e estratégia com uma finalidade previamente definida que podemos chamar de objetivo. Com isso, estamos afirmando que toda estratégia e toda tática devem ser elaboradas a partir de um objetivo claramente estabelecido. Portanto, a formulação do objetivo que se quer alcançar precede a construção das estratégias e das táticas, pois é ele que vai informar a direção a ser seguida e orientar a própria condução das ações. A delimitação de um objetivo é necessariamente um processo que envolve escolhas éticas e políticas perpassadas por interesses divergentes que, em nossa sociedade capitalista, configuram-se enquanto interesses de classe. Assim, objetivos estabelecidos, sejam profissionais, administrativos, partidários, entre outros, definidos nesse modelo de sociabilidade, possuem necessariamente um caráter ídeopolítico que vai incidir no próprio processo de elaboração das táticas e das estratégias. A ANÁLISE DA REALIDADE Um segundo elemento fundamental à elaboração de estratégias e táticas é a análise objetiva da realidade. Ou seja, identificar as condições reais – os limites, as dificuldades, as possibilidades, as potencialidades de determinada realidade – onde serão desenvolvidas as ações. Pois as condições reais e objetivas do contexto em questão irão incidir no processo. A análise das condições reais pode revelar o momento mais propício para se avançar e a necessidade de se recuar. Pode, até mesmo, nos revelar as estratégias e as táticas do “inimigo”, uma vez que permite o desvelamento das correlações de forças. No entanto, um estudo da realidade capaz de detectar todos esses elementos e auxiliar efetivamente na construção das táticas e das estratégias necessita de suporte teórico-metodológico. O CONHECIMENTO TEÓRICO Entra em cena, nesse momento, um terceiro elemento crucial para a construção das táticas e das estratégias: o conhecimento teórico. O estudo, a preparação, a apreensão de conteúdos teóricos, a investigação da história, podem, e muito, auxiliar na realização de uma boa análise da realidade e, consequentemente, na construção de táticas e estratégias mais eficientes. Desse modo, partindo-se de um determinado conhecimento teórico, as táticas e as estratégias precisam ser elaboradas – em articulação com o objetivo definido e com base na análise da realidade posta – de maneira específica, a partir das determinadas realidades particulares. Pois cada 11 situação é singular e exige a formulação de estratégias e táticas que sejam exclusivamente pensadas para ela. Mas, enfim, o que poderíamos chamar de estratégia? De que forma se constituem as táticas? E de que maneira esses elementos se articulam? A estratégia é a responsável pela elaboração de um plano. Deve ser aquela que, guiada por um objetivo maior, determina uma série de ações táticas no intuito de alcançar objetivo. Nesse sentido, a estratégia seria a maneira de combinar os diferentes passos táticos com a finalidade de alcançar o objetivo. As estratégias, portanto, tendo articulação com um objetivo final claramente definido, podem nos auxiliar na construção de ações cotidianas que venham possibilitar a condução de um processo que intencione atingir esse objetivo final. A construção dessas ações cotidianas, por sua vez, podemos chamar de formulação tática. Portanto, a tática faz a mediação entre as estratégias elaboradas e o nosso cotidiano, tornando possível a construção de ações que venham efetivar, senão completamente, pelo menos em parte as estratégias formuladas na intenção de se atingir o objetivo final. As táticas e as estratégias são mediações que podem permitir uma maior aproximação com o objetivo intencionado, onde táticas são as ações imediatas estruturadas em articulação com um plano mais global, que configura-se na estratégia. No entanto, nem mesmo a formulação de estratégias e táticas em completo alinhamento com um objetivo préestabelecido garantem a realização desse objetivo. O que elas podem fazer é melhor direcionar nossas ações rumo ao alcance do objetivo final. Mas elas não asseguram, de modo algum, a conquista de tal objetivo. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS COUTO, B. R. O Serviço Social e o Sistema Único de Assistência Social (SUAS): desafios éticos ao trabalho profissional. 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