Revista Brasileira de Ensino de Fsica, vol. 19, no. 1, marco, 1997 106 Calculo do Coeciente de Transmiss~ao de uma Junc~ao Metal-Semicondutor Usando a Aproximac~ao WKB Alexandre Marletta e Euclydes Marega Jr. Instituto de Fsica de S~ao Carlos, Universidade de S~ao Paulo Caixa Postal 369, S~ao Carlos, SP 13560-970, Brazil e-mail: [email protected] Trabalho recebido em 7 de agosto de 1996 Neste trabalho apresentamos o calculo do coeciente de transmisso para eletrons incidindo numa barreira Schottky formada por uma junca~o metal-semicondutor. Para a soluc~ao da equac~ao de Schroedinger foi utilizada a aproximac~ao WKB (Wentzel, Kramers e Brillouin), a qual apresentou resultados que mostram a natureza qu^antica desta estrutura quando o nvel de impurezas no semicondutor ca proximo de 1018cm;3. Abstract In this work we present the calculations of the transmission coecient for colliding electrons in a Schoktty barrier due to a metal-semiconductor junction. To solve the Schroedinger equation we use the WKB (Wentzel, Kramers and Brillouin) approximation. The results shown the quantum behavior of this structure when the doping level exceeds 1018cm;3. I. Introduc~ao A expectativa da tecnologia de integraca~o que v^em sendo desenvolvida nos dias de hoje, e a entrada na produc~ao industrial a partir de 1996 de estruturas CMOS com 0,35m e de 3 a 4 camadas de metal, chegando a 0.25m de gate na estrutura CMOS com 4 a 5 nveis de metalizac~ao para alguns milh~oes de gates por chip em meados de 1997, e nalmente a 0.18m com 5 camadas de metalizac~ao e 5 milh~oes de gates ate nal de 1999. A pesquisa das proximas gerac~oes sera a de optimizar os processos litogracos que permitam a manufatura de estruturas t~ao minusculas, a m de que possam entrar em produc~ao industrial compatvel com a demanda de mercado. A miniaturizac~ao cada vez maior destas estruturas acaba por revelar a natureza qu^antica do transporte de cargas entre as junco~es que as comp~oem. O calculo do coeciente de transmiss~ao em Mec^anica Qu^antica pode tornar-se um problema insoluvel, dependendo da forma da barreira de potencial em estudo. Para contornar este problema foram desenvolvidos varios metodos aproximativos, que dentro de certos limites de validade, permitem obter resultados conaveis e que representam as propriedades Fsicas do sistema considerado. Infelizmente muitos destes metodos n~ao s~ao explorados durante o perodo de graduac~ao, devido principalmente a falta de tempo. Neste trabalho realizamos um estudo sistematico do calculo do coeciente de transmiss~ao para eletrons incidindo numa barreira de potencial formada pela junc~ao de um metal com um material semicondutor (barreira Schottky), utilizando a aproximac~ao WKB (Wertzer, Kramers e Brillouin), como uma aplicac~ao ao estudo de metodos aproximativos em Mec^anica Qu^antica. Para o determinado problema foi observado a natureza qu^antica dos eletrons (T = 0K), a qual n~ao pode ser explicada simplesmente pela emiss~ao termi^onica da barreira para o material semicondutor. II. Formac~ao e propriedades da barreira Schottky Ao formar-se uma junc~ao metal-semicondutor com func~oes trabalho diferentes e criado um potencial de contato devido a transfer^encia de eletrons entre os materiais (sempre do que tiver func~ao trabalho maior). A. Marletta e Euclydes Marega Jr. Devido ao ordenamento das cargas, as bandas de conduc~ao e de val^encia no semicondutor proximas a interface da junc~ao, s~ao distorcidas pela criac~ao de uma regi~ao de cargas espaciais. A Fig. 1 mostra um esquema da formac~ao da junc~ao metal-semicondutor (tipo n), considerando a func~ao trabalho do metal m maior que a anidade eletr^onica do semicondutor . A diferenca de potencial que surge na interface e mantida pelo campo eletrostatico criado pelas cargas espaciais na regi~ao da junc~ao metal-semicondutor (MS). 107 da barreira de potencial[1;5] de largura efetiva w (camada de deplec~ao) e altura ems em relac~ao ao nvel de Fermi Ef . Este tipo de junc~ao e conhecida como barreira Schottky, em homenagem a M. Schottky que em 1920 deu o primeiro passo a sua compreens~ao. No modelo teorico de Schottky a forma do potencial e obtida resolvendo-se a equac~ao de Poisson[4] no semicondutor. A altura da barreira e obtida pela diferenca entre a func~ao trabalho do metal e a anidade eletr^onica do semicondutor. Similar ao calculo de uma junc~ao p+ n[1;5] , a camada de deplec~ao w, e obtida considerando-se uma densidade de doadores ND uniforme: r (1) w = e22Ns (eext ; ebi + KB T) D onde, e e a carga elementar, S a permissividade eletrica no semicondutor, KB constante de Boltzmann, T a temperatura, Vbi = ;ebi e a diferenca de energia entre a altura da barreira (Vms = ;ems na Fig. 2) e o material semicondutor e V ext = ;eext representa o potencial externo aplicado a junc~ao. Resolvendo-se a equac~ao de Poisson na regi~ao w, a energia potencial para os eletrons obtida e dada por: Figura 1. Formac~ao da barreira Schottky. (a) Materiais separados. (b) Formac~ao da barreira (difus~ao de cargas) d2 < d1 . (c) Barreira Schottky d3 d2 ; d1 . 2 (2) V (x) = e ND 12 x2 ; wx + Vms S com a condic~ao aproximada de neutralidade da carga eletrica, ou seja, para x > w a densidade total de cargas e aproximadamente zero. O que implica em: dV = 0 dx x=w como pode ser vericado pela equac~ao (1). (3) III. A Aproximac~ao WKB Figura 2. Diagrama de bandas da barreira Schottky. O diagrama de bandas desta estrutura no equilbrio esta mostrado na Fig. 2, onde observa-se a formac~ao A soluc~ao da equac~ao de Schroedinger (ES), pode tornar-se um problema complicado e insoluvel de Fsica Matematica, dependendo do potencial de interesse. O poco de potencial quadrado e o oscilador harm^onico s~ao exemplos importantes de problemas que admitem soluc~ao exata da ES, entretanto ha varios exemplos de potenciais unidimensionais que se aproximam da realidade Fsica, mas que n~ao possuem soluc~ao exata da ES. Um exemplo deste fato e o potencial formado pela carga imagem na interface metal-vacuo. Para solucionar estes problemas surgiram metodos numericos, que Revista Brasileira de Ensino de Fsica, vol. 19, no. 1, marco, 1997 108 Da MC e conhecido que a equac~ao de Hamilton Jacobi e escrita como: se viabilizaram com o desenvolvimento da informatica e metodos aproximativos, como exemplos: a aproximac~ao de Rayleigh-Ritz, teoria da perturbac~ao e aproximac~ao semiclassica[6;8]. Estas por sua vez, possuem limites na sua aplicac~ao. Em particular, a soluc~ao do problema do calculo do coeciente de transmiss~ao atraves de uma barreira de potencial, desde que esta varie suavemente em um comprimento de onda de De Broglie (D ) (para partculas incidentes), e possvel de se obter a partir da aproximac~ao semi-classica. Esta aproximac~ao e tambem conhecida como aproximac~ao WKB em homenagem a Wentzel, Kramers e Brillouin por terem sido os primeiros a aplicarem em problemas de Mec^anica Qu^antica. O limite de transic~ao entre a Mec^anica Qu^antica (MQ) e a Mec^anica Classica (MC) e analogo ao da transic~ao entre a O tica Fsica e a O tica Geometrica, e que foi utilizada nos primeiros trabalhos que levaram a construc~ao da MQ. Consideremos a ES dependente do tempo para uma partcula movendo-se em um potencial unidimensional independente do tempo (V (x)): 2 + ::: (9) @0 2 + 2m[V (x) ; E] = 0 @x Substituindo a express~ao (5) na equac~ao (4) obtem @S = 1 @S 2 + V (x) ; i~ @ 2 S ; @T 2m @x 2m @x2 2 o que resulta no seguinte sistema innito de equaco~es de mesma pot^encia de ~; ~ se: ~ = 0 + i 1 + i 2 ~ @ ~ @ i @t (x; t) = ; 2m @x2 + V (x) (x; t) (4) Para examinar a transic~ao da MQ para a MC considere a seguinte forma para a func~ao de onda: (x; t) = exp iS(x; t) (5) ~ 2 1 @S0 2 + V (x) 0 ; @S = (7) @t 2m @x com o momentum para a partcula dado por: 0 px = @S (8) @x o que mostra que a func~ao S0 = S0 (x; t), chamada de ac~ao, dene basicamente a trajetoria da partcula. As equac~oes (6) e (7), diferem apenas pelo termo que envolve a constante de Planck ~ e portanto, o limite classico e obtido, formalmente, fazendo-se ~ ! 0. Como o Hamiltoniano n~ao depende explicitamente do tempo, a depend^encia temporal de S(x; t) pode ser escrita como S(x; t) = (x) ; Et: Na aproximaca~o WKB[6;8] a func~ao = (x) e expandida numa serie de pot^encia de ~, ou seja, na forma: @1 @0 + 1 @ 2 0 = 0 @x @x 2 @x2 (10) .. . cuja soluc~ao para o calculo de (x), ate a primeira ordem em ~, e: (6) c Z x Z x (x) = pC1 exp ~i p(x0)dx0 + pC2 exp ; ~i p(x0 )dx0 jpj jpj x1 x1 d onde, C1 e C2 s~ao constantes arbitrarias e p(x) o momentum da partcula dado por: p p(x) = 2m[E ; V (x)] se E > V (x) e ou p p(x) = i 2m[V (x) ; E] se V (x) > E (11) A. Marletta e Euclydes Marega Jr. 109 Nos pontos xi onde, a func~ao de onda (eq. (11)) tem uma singularidade, a aproximac~ao WKB deixa de ser valida. Entretanto, se considerarmos o ponto de invers~ao x0 em um ponto x proximo, a aproximac~ao WKB sera valida desde satisfaca a seguinte desigualdade: " # 2 (12) jx ; x0j 21 dV~ (x) = 4 mj dx j onde e o comprimento de onda de De Broglie referente ao momentum da partcula no ponto x. Considere o problema do calculo da transmiss~ao[6;8] atraves de uma barreira de potencial descontnua. Se esta barreira n~ao conter nenhum ponto de invers~ao e sua descontinuidade for uma func~ao suave de x, como a barreira da Fig. 3, pode-se usar a aproximac~ao WKB na regi~ao separada pela descontinuidade. O potencial nesta regi~ao podera ter qualquer forma desde que varie suavemente. Z x 2 2p 2m[V (x) ; E]dc T = CA exp ; ~2 x1 (14) onde x1 e x2 s~ao tais que V (x1 ) = V (x2 ) = E: A aproximac~ao WKB[6] para o calculo de T , atraves de express~ao (14), e validada para na condic~ao em que T 1. IV. Calculo do coeciente de transmiss~ao Para exemplicar o metodo proposto anteriormente, vamos considerar a estrutura de um fotodiodo[4] formada por uma junc~ao metal-semicondutor (do tipo n), como esta diagramado na Fig. 4. Para se evitar perdas p^or reex~ao ou absorc~ao, geralmente a camada de metal e muito na (da ordem de 100 A) e ainda revestida com uma camada anti-reetora. Figura 3. Barreira de potencial suave. Seja uma partcula de energia E, movendo-se em uma barreira como a indicada na Fig. 3. Nas regi~oes I e II a partcula e livre, portanto as func~oes de onda s~ao: I = Aeik0 x + Be;iK0 x e III = CeiK0 x (13) Na regi~ao II a func~ao de onda, na aproximaca~o WKB, e dada pela equac~ao (11), onde x1 = 0 < x < L. Atraves das condic~oes de continuidade de e d=dx em x = 0 e x = L para os coecientes A, B, C, C1 e C2 encontra-se a seguinte express~ao para T: Figura 4. Fotodiodo formado por uma junca~o metal-semicondutor. Este fotodiodo pode operar de varios modos, dependendo de como e polarizado e da energia do foton incidente. Se polarizado diretamente, tera seu funcionamento similar a um diodo comum, sendo interessante sua analise quando este estiver polarizado reversamente. Se B for a tens~ao reversa de ruptura, Eg a energia do \gap' do semicondutor e h a energia do foton incidente, suponha ent~ao, que o fotodiodo esteja operando sob as seguintes condic~oes: 110 Revista Brasileira de Ensino de Fsica, vol. 19, no. 1, marco, 1997 i. Eg > h > Vms ; ext > B . Os unicos eletrons que podem absorver os fotons incidentes, s~ao os do metal e como esta energia e maior que da altura da barreira, estes eletrons t^em energia suciente para transp^o-la. ii. Eg > h; Vms > h, ext > B . Os fotons incidentes ainda s~ao absorvidos no metal, mas n~ao tem energia para transpor a barreira. Entretanto, pelo efeito Qu^antico de tunelamento, estes eletrons podem vir a transpor a barreira de potencial. mas sem perda na natureza dos resultados nais vamos considerar Ef = 0 no metal. Na situac~ao i, os foto-eletrons s~ao os responsaveis pela corrente eletrica reversa do fotodiodo. Entretanto, na situac~ao ii, a unica possibilidade de corrente atraves da junc~ao MS e devido ao efeito de tunelamento (Fig. 5). Figura 6. Modelamento da barreira Schottky para o calculo do coeciente de transmiss~ao usando a aproximaca~o WKB. Figura 5. Altura efetiva da barreira Schottky para o fotodiodo. Deste modo, e interessante calcular a taxa de transmiss~ao de eletrons foto-gerados do metal para o semicondutor em func~ao da energia e do potencial ext aplicado ao semicondutor. Para tanto devemos resolver a ES unidimensional, considerando a barreira de potencial indicada na Fig. 6, onde a energia E sera medida a partir do nvel de Fermi. Para facilitar os calculos A soluc~ao da ES para este problema e complicada, n~ao tendo uma forma analtica, mas pode ser calculada utilizando-se a aproximac~ao WKB proposta anteriormente onde o coeciente de transmiss~ao T pode ser calculado atraves da express~ao (14). Consideremos um fotodiodo formado por uma junc~ao Au(Ouro)-nGaAs[9] e com ND = 1016/cm3 , 1017/cm3 e 1018/cm3. Nesta situac~ao Vms = 0:8eV e Vbi = 0:75eV. A barreira de potencial V (x) na junc~ao MS, em func~ao de ND e V EXT , calculada a partir das equac~oes (1) e (2), e apresentada na Fig. 7. Atraves dos gracos representativos e facil notar que se a concentrac~ao ND aumentar, a espessura efetiva da barreira diminui. O calculo do coeciente de transmiss~ao para as barreiras de potenciais apresentadas na Fig. 7, utilizando a express~ao (14), e representado pela Fig. 8. Observase que, a energia necessaria para que o coeciente de transmiss~ao aumente consideravelmente e cada vez menor, para valores maiores de ND ou jV extj, devido ao fato de que estes par^ametros diminuem o valor efetivo de w, formando uma barreira mais estreita. A. Marletta e Euclydes Marega Jr. 111 Figura 7. Barreira de potencial obtida para varios potenciais externos aplicados. Figura 8. Coeciente de transmiss~ao em func~ao do potencial externo aplicado. Este resultado pode ser melhor explorado atraves do calculo de T em func~ao de ND e V ext para um dado valor de energia do eletron incidente E, como e apresentado na Fig. 9. 112 Revista Brasileira de Ensino de Fsica, vol. 19, no. 1, marco, 1997 Figura 9. Coeciente de transmiss~ao em func~ao do potencial externo aplicado, para varias concentrac~oes de portadores no material semicondutor. V. Conclus~oes Mostramos nesta comunicac~ao que o calculo do coeciente de transmic~ao, calculado a partir da soluc~ao da equac~ao de Schroedinger, que para uma dada barreira de potencia pode se tornar um problema de Fsica Matematica analiticamente insoluvel e t~ao complicado quanto a forma funcional da propria barreira. Entretanto, existem metodos aproximativos para a soluc~ao destes problemas, dentro de certos limites de validade, e que fornecem soluc~oes simples e t~ao conaveis quanto a soluc~ao exata. Mas devido a falta de tempo durante o perodo de Graduac~ao estes metodos n~ao s~ao abordados e e dentro deste contexto que foi apresentado. De modo a incentivar o seu estudo, foi apresentado a aplicac~ao de um destes metodos, a aproximac~ao WKB, em um problema de interesse tanto fsico quanto tecnologico. O calculo do coeciente de transmiss~ao atraves da barreira de potencial Schottky formada na junc~ao metalsemicondutor, demonstra assim que estes metodos alem de aplicac~ao simples e uma importante ferramenta matematica para a soluc~ao da equac~ao de Schroedinger, facilmente implementados tanto em pacotes matematicos como o Mapple, ou o Matematica, quanto em linguagens de programc~ao como o Fortran 77, alem de forne- cerem resultados que revelam a natureza qu^antica do movimento dos eletrons em estruturas semicondutoras. Refer^encias 1. B. L. Saara, Metal - Semicondutor Schottky Barrier Junction and Their Application, Plenum Press - NY(1984). 2. S. S. Li, Semiconductor physical eletrinics, Plenum Press - NY(1993). 3. J. P. McKelvey, Solid State and Semiconductor Physics, Harper & Row - NY(1966). 4. S. M. Sze, Physics of Semiconductor Devices, John While & Sons - NY(1981). 5. R. Dalven, Introductions to Applied Solid State Physic, Plenum Press - NY(1980). 6. N. Constantinescu and E. 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